Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO CONFIANÇA JUDICIAL COM VISTA À ADOPÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 10/10/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 36.º, 5 A 7; 67.º, 1; 68.º, 1 E 69.º, 1 E 2, DA CRP ARTIGOS 1978.º, 1 E 1978.º-A, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 987.º; 988.º, 1 E 989.º, DO CPC ARTIGOS 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, A); 34.º; 35.º, 1; 38.º-A; 39.º A 42.º E 100.º, DA LPCJP | ||
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Sumário: | 1 . É condição de decretamento da medida de confiança judicial que “não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação”, com a verificação objetiva de qualquer das situações descritas no n.º 1 do art.º 1978º do CC. 2. Na afirmação da prevalência do direito da criança (parâmetro material básico de qualquer política de proteção de crianças e jovens) cuja educação, saúde e segurança se encontram comprometidas, por omissão/negligência dos progenitores que revelaram manifesta incapacidade em assumir as responsabilidades parentais, e sendo igualmente inviável o seu acolhimento na família alargada, justifica-se a medida de promoção de proteção de acolhimento em instituição tendo em vista a adoção. 3. Se, atento o primado da família biológica, há efetivamente que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vislumbra a possibilidade de reencontrarem o equilíbrio, situações há em que tal não é viável, ou pelo menos não o é em tempo útil para a criança, pelo que se impõe encetar firme e atempadamente o caminho da adoção. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Henrique Antunes Teresa Albuquerque * (…)
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em 20.4.2020, o Ministério Público instaurou o presente processo de promoção e proteção em benefício de AA, nascido a .../.../2016, filho de BB e de CC. Foi celebrado acordo de promoção e proteção, aplicando à criança a medida de apoio junto dos pais (em 20.8.2020 e 11.10.2021 - fls. 34 e 103), prorrogada em 12.7.2022 (fls. 111). Em 06.02.2023, foi aplicada, a título provisório, a medida de acolhimento residencial (fls. 229). Em 08.3.2023 a criança ficou acolhida provisoriamente no Centro de Acolhimento ... - “...” da Fundação ..., em ..., onde se mantém. Cumprido o art.º 114°, n.º 1 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo/LPCJP [aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01.9[1]], a Exma. Magistrada do M.º Público apresentou alegações e concluiu que a medida adequada é a de confiança a instituição com vista a futura adoção. Realizado o debate judicial, com a audição das Técnicas Coordenadora do caso do SATT e Gestora da CAR, duas testemunhas e o pai, por acórdão de 12.7.2023 decidiu-se: - Aplicar ao menor AA a medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista à adoção, nos termos dos art.ºs 35º, n.º 1, al. g), e 38º-A, al. b), da LPCJP, confiando-se a mesma à guarda e cuidados da Casa de Acolhimento ... - "..." da Fundação ..., em .... - Ao abrigo do disposto no art.º 62º-A, n.º 1, da LPCJP tal medida durará até ser decretada a adoção e não está sujeita a revisão, exceto situações excecionais. - Atenta a medida aplicada, não há lugar a visitas por parte da família natural, ficando os pais da criança inibidos do exercício das responsabilidades parentais relativamente a este filho, ficando também proibidas as visitas ao menor na instituição, de acordo com os art.ºs 1978º-A do Código Civil (CC) e 62º-A, n.º 6, da LPCJP. Inconformado, o requerido apelou, formulando as seguintes conclusões:[2] 1ª - O acórdão, sob recurso, deveria ter aplicado quer do ponto de vista jurídico, quer do ponto de vista afetivo e do superior interesse da criança, que se justifica a atribuição do menor à guarda e aos cuidados do progenitor ou a aplicação de medidas de apoio junto do pai e não a medida mais gravosa – a adoção. 2ª - A rutura ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação, face aos factos apurados, não nos parece estar demonstrada. 3ª - O acolhimento do menor em instituição ocorreu a 08.3.2023, o menor tem 6 anos de idade, sendo que desde o seu nascimento até ao seu acolhimento residencial a família era acompanhada por equipas técnicas. 4ª - Aquando de acordo de promoção e proteção junto dos pais, os progenitores viviam conjuntamente, o menor residia com a mãe e pai e nunca foi identificada qualquer falta de condições de habitabilidade, higiene, alimentação, educação e afeto. O menor sempre se apresentava bem cuidado. Não se verificando qualquer outro motivo que levasse à proteção da criança que não os consumos de álcool e violência entre os pais do menor. 5ª - No entanto, o progenitor nunca deixou faltar no seu lar rendimentos para suportar as despesas do agregado familiar. 6ª - Após a separação dos pais do menor, a intervenção centrou-se na avó paterna, que salvo o devido respeito, esteve muito mal, pois atendendo que o menor tinha pai e mãe capazes apenas deveria continuar a intervenção junto destes, mas de forma como se de pais separados se tratasse. 7ª - O recorrente trabalhava diariamente, saindo de casa antes das 7 horas e regressando depois das 18 horas (facto provado 39), nunca tendo sido referido por qualquer intervenção técnica que o recorrente trabalhava muitas horas ou até lhe tenha sido solicitado que reduzisse a carga horária. 8ª - Pois, identificaram desde logo que uma avó paterna seria a viabilidade para o acompanhamento do menor em substituição do pai ou mãe, avó que nem sequer foi avaliada por consulta na equipa médica de saúde mental comunitária tal como os pais foram. 9ª - As equipas colocaram de parte a capacidade masculina para cuidar de um filho e direcionaram-se para uma feminina independentemente das capacidades físicas, de saúde e mental desta, continuando a perpetuar que a figura masculina é para o trabalho e feminina para os cuidados do lar e família. 10ª - No entanto, nunca se colocou em causa as competências do progenitor como pai nem o afeto dele para com a criança e da criança para com ele. 11ª - Desde que o menor está institucionalizado o progenitor tem visitado o menor todos os sábados, tendo para tal alterado os seus horários de trabalho, o que poderia ter feito caso as equipas de intervenção tivessem solicitado e verificado, caso tivessem intervencionado junto deste em vez da avó paterna. 12ª - Assim como telefona com regularidade quase diária, inteirando-se do percurso escolar, saúde e do dia-a-dia do menor, questionando o menor sobre essas questões e as funcionárias(os) da instituição. 13ª - Nas visitas ao menor verifica-se muito carinho, atenção e amor, pois conforme foi dito pela testemunha diretora da instituição e que há muita ligação e afeto do menor com o pai e o pai com o menor. 14ª - O progenitor sempre afirmou pretender ter o AA consigo. 15ª - É neste contexto que segue a avaliação psicológica, que “o pai manifesta investimento afetivo para com o AA e apresenta uma atitude adequada, atenta e carinhosa para com o AA.” 16ª - Tanto que, na verdade, em momento algum nos autos, quer através da prova testemunhal ou documental, foi demonstrado que o menor AA se apresentava descuidado, triste ou outras características negativas quando estava com o pai mesmo aos cuidados da avó paterna. 17ª - Importa também referir que o tribunal a quo “pinta” a figura do pai como uma pessoa agressiva e rude, no entanto nunca foi condenado de crimes de ofensas à integridade física nem se vislumbra nenhum facto que demostre tal comportamento do pai que possa efetivamente verificar a agressividade deste, pois a resiliência deste aos serviços ou até mesmo não querer colorar [colaborar] com estes apenas se deveu ao facto de ser uma pessoa com falta de confiança nos outros. 18ª - Pois nunca este pai foi agressivo com o AA. 19ª - O tribunal a quo constrói uma quadro negro da habitação da avó paterna, mas na verdade nos 6 anos que foram acompanhados pelos técnicos, e pelos últimos meses que tiveram os serviços mais interventivos junto da avó, nunca verificaram ou identificaram que esta não tinha condições de habitualidade ou higiene, nem foram identificadas situações de total desarrumação e desorientação como aquela que diversas vezes o tribunal a quo identifica, quando apenas ocorreu uma única vez. 20ª - Para a confiança do menor, com vista a futura adoção, ao lado dos fundamentos objetivos haverá que demonstrar que não existem ou estão seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação. 21ª - Afigura-se duvidoso, atenta à factualidade apurada e provada, que haja sido demonstrado um manifesto desinteresse do progenitor pelo filho em ordem a comprometer seriamente a qualidade e a continuidade dos vínculos da filiação. Desde logo, que esteja suficientemente caracterizado um evidente desinvestimento afetivo do pai relativamente ao menor. 22ª - No quadro factual apurado não se deteta essa ausência, esse desinteresse, essa distância do apelante em relação ao seu filho, pelo que não vemos que, como se afirma na sentença recorrida, o pai do menor “por ação e omissão, ainda que por motivos de saúde mental, puseram em perigo grave a segurança, saúde e o desenvolvimento da criança”. 23ª - A família é o meio privilegiado para a concretização do direito fundamental das crianças a um desenvolvimento harmonioso, num ambiente de afeição e responsabilidade, sem descontinuidades graves na educação e no afeto. De modo que, a medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção ou a instituição com vista a futura adoção só deverá ser adotada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica) e não puder salvaguardar-se a continuidade das ligações afetivas. 24ª - Encaminhar os filhos para adoção é próprio para situações de progenitora ou progenitores com patologias, por exemplo, alcoólicas, de drogas, indiferença, rejeição ou outras conjunturas desumanas em que os interesses dos menores são secundarizados ou até ignorados. 25ª - Colocar no mesmo cesto esses menores e seus respetivos progenitores como o AA e o pai, é chocante, pelo que o único caminho que se vislumbra como seguro é o regresso do menor à companhia do pai, a qual tem as condições reunidas para o receber. 26ª - Não se pode aceitar que o progenitor era resiliente à atuação de equipas técnicas ou outras entidades, quando durante mais de 6 anos contactou com estas entidades. 27ª - Equipas técnicas e entidades estas, que nunca estiveram diretamente focados neste como a pessoa para cuidar, educar e querer bem o AA. 28ª - Só e quando as restantes medidas de promoção e proteção não forem idóneas a proteger o superior interesse das crianças, será legítimo aplicar a medida de promoção e proteção de confiança na instituição onde se encontra, com vista à sua futura adoção. 29ª - E, tal, in casu, não aconteceu - por isso, há que esgotar primeiro e promover todas as diligências possíveis e impossíveis junto da família biológica, para aferir da disponibilidade, interesse e capacidade e só quando estas forem frustradas, avançar e propor a dita última medida. 30ª - Não foram esgotadas as diligências possíveis para a aplicação de medida diferente que a aplicada. 31ª - Todas as crianças e em especial o menor AA tem direito à sua verdade biológica, antes de lhe ser aplicada uma medida tão radical, definitiva e cortante como a de adoção, porquanto a sua família biológica quer desempenhar as suas responsabilidades parentais. 32ª - Não se deverá decidir por uma medida tão radical e definitiva sem se esgotar todas as possibilidades - a adoção é um corte definitivo e irreversível, um corte definitivo para o qual nenhum membro da família desejou, nomeadamente o Recorrente, ao qual nunca foi ponderado a aplicação de mecanismos de correção, procurando resolver as suas disfuncionalidades. 33ª - A decisão recorrida violou o art.º 1978º do CC e ainda os normativos dos n.ºs 5 e 6 do art.º 36º e n.ºs 1 e 2 do art.º 68º da CRP por errada interpretação do Tribunal a quo. 34ª - A decisão tomada constitui uma violação dos princípios e direitos consagrados na Convenção sobre os Direitos da Criança no n.º 1 do art.º 9º e no n.º 1 do art.º 18º. 35ª - Violou a Mm.ª Juiz do Tribunal a quo o disposto nos art.ºs 1978º do CC, 36º e 67º, da CRP e 3º, 4º, 34º, 35º e 62º-A da LPCJP. Remata pedindo a revogação do acórdão e a aplicação da medida de apoio junto do pai, nos termos dos art.ºs 35º, n.º 1, a), 39º, 41º e 42º da LPCJP. A requerida também recorreu, concluindo:[3] 1ª - Na decisão da 1ª instância, o superior interesse do menor, seu filho, não foi acautelado, por falta de pressupostos para que ao seu filho, AA, seja aplicada a medida de confiança à Instituição com vista à futura adoção. 2ª - Discorda-se do caminho e da interpretação efetuado pela matéria de facto dado como provada, na luz das considerações teóricas e princípios que norteiam a atuação judicial em matéria de promoção e proteção que é decidir que a única medida adequada, necessária a e proporcional é a de afastar o menor AA da família biológica. 3ª - Do regime legal e convencional em vigor emana a conceção de que o desenvolvimento feliz e harmonioso de uma criança se processa e deve realizar-se no seio da família biológica, tida como a mais capaz de proporcionar à criança o necessário ambiente de amor, aceitação e bem-estar. 4ª - A adoção representa corte definitivo para o qual nenhum membro da família desejou, nomeadamente a Recorrente, à qual nunca foi ponderado a aplicação de mecanismos de correção, procurando resolver as suas disfuncionalidades. 5ª - Existem sinais claros de que este filho e esta mãe mantêm laços afetivos. 6ª - A adoção não é garantia de melhoria de condição de vida do menor. 7ª - A decisão recorrida violou o art.º 1978º do CC e ainda os normativos dos n.ºs 5 e 6 do art.º 36º e n.ºs 1 e 2 do art.º 68º da CRP por errada interpretação do Tribunal a quo. 8ª - Não é justo para uma mãe, completamente desamparada, ver o Estado a retirar-lhe o filho - AA não foi esquecido pela sua mãe! 9ª - O total desapoio à progenitora trouxe à superfície vivências, traumas, sentimentos e experiências negativas que se refletiram na sua forma de estar e que desencadearam e aceleraram a sua ida para ..., país onde se sente mais protegida e integrada. 10ª - Esta mãe, que dilaceradamente abandona o país onde reside, a sua casa, o seu filho, não o faz inconsequentemente, pelo contrário, sempre com o objetivo de garantir e proporcionar ao AA bem-estar e conforto. 11ª - Os laços existentes entre ambos são fortes, tal é inegável, embora do período sem presença próxima da mãe. 12ª - O Acórdão deve ser revogado e a medida de promoção e proteção nele aplicada, ser substituída por outra que seja mais adequada às circunstâncias do caso em concreto, nomeadamente, pela medida provisória de manutenção do menor AA em acolhimento em instituição com vista de aplicação de medida de apoio junto de familiar. 13ª - Só desta forma será salvaguardado o verdadeiro interesse do menor, que é, o crescimento de AA no seio da família biológica. A Exma. Magistrada do M.º Público respondeu concluindo pela improcedência dos recursos. A Exma. Defensora do menor não respondeu.[4] Atento o referido acervo conclusivo, importa apreciar e decidir, principalmente, da legalidade e adequação da medida aplicada. * II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1) AA está registado como tendo nascido a .../.../2016 e como sendo filho de BB e de CC. 2) Em 20.8.2020 foi celebrado acordo de promoção e proteção tendo sido aplicada à criança a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, com acompanhamento da Associação .... 3) Em 11.10.2021 foi celebrado acordo de promoção e proteção tendo sido aplicada à criança a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais. 4) Em 06.02.2023 foi aplicada em benefício da criança medida provisória de promoção e proteção de acolhimento residencial. 5) Em 08.3.2023 a criança foi acolhida provisoriamente no Centro de Acolhimento ..., em ..., onde se mantém. 6) Antes do acolhimento, AA frequentava o 1º ano de escolaridade. 7) Em contexto escolar, era um aluno que não cumpria. 8) No português, no apoio ao estudo e na educação artística não conseguiu atingir as competências previstas para o 1º período letivo. 9) Recusava-se a trabalhar e, quando executava uma tarefa, não era empenhado. 10) Não revelava autonomia e era muito pouco organizado na realização das tarefas. 11) Apresentou falta de concentração/manutenção da atenção em sala de aula. 12) Apresentou-se muitas vezes sonolento. 13) Não revelava respeito pelos pares e restantes elementos da Comunidade Educativa. 14) Era um aluno que perturbava as atividades dentro da sala de aula, prejudicando-se e prejudicando os seus pares. 15) Durante o acolhimento residencial, AA melhorou o seu desempenho escolar e foi caracterizado como inteligente. 16) Mostrou empenho na aquisição da capacidade de leitura. 17) E empenho na identificação dos números. 18) A equipa da Associação ... ... acompanhou o agregado familiar do AA (criança, pais e avó paterna) desde 2016 e até setembro de 2021. 19) Durante o acompanhamento foi percecionado que o AA assumia comportamentos agressivos, com dificuldade em cumprir regras e limites impostos pela avó paterna e pelos pais. 20) Os pais de AA foram acompanhados em consultas de psiquiatria e de psicologia, no Serviço de Saúde Mental Comunitária, devido a historial de consumo excessivo de bebidas alcoólicas. 21) O pai foi avaliado em consulta na Equipa de Saúde Mental Comunitária a 15.5.2020. 22) Apresentou-se com péssimo contacto com os técnicos, sem motivação para qualquer mudança. 23) Registava hábitos alcoólicos acentuados, alterações de humor e de comportamento, com heteroagressividade, nomeadamente agressões à mãe do AA. 24) Foi reavaliado em 09.9.2021, não tinha feito medicação nenhuma e mantinha consumos abusivos de álcool e as mesmas alterações de comportamento. 25) Foi reavaliado em 21.4.2021, referiu que não queria continuar a vir às consultas, não queria tomar medicação e não precisava de consultas, tendo tido alta contra parecer médico. 26) A mãe foi avaliada em consulta na Equipa de Saúde Mental Comunitária a 15.5.2020. 27) Apresentou-se verborreica, acelerada, humor instável, hábitos alcoólicos, assumindo beber cerca de 3 a 4 litros de cerveja por dia, parecia apresentar debilidade ligeira. 28) Foi reavaliada em 09.9.2021, não tinha feito medicação nenhuma e mantinha consumos abusivos de álcool e os mesmos comportamentos. 29) Foi reavaliada em 21.4.2021, não tinha feito qualquer medicação nem aderido a qualquer projeto de tratamento, tendo tido alta da consulta. 30) A equipa técnica do Contrato Local de Desenvolvimento Social (CLDS) ... "Viver ..." acompanhou o agregado familiar do AA (criança, pais e avó paterna) desde setembro de 2021 e até à saída do AA do agregado familiar. 31) O acompanhamento incluía visitas domiciliárias com periodicidade semanal ou mais do que uma vez por semana. 32) Entre setembro de 2022 e março de 2023 foram realizadas 30 visitas domiciliárias. 33) Quando os pais de AA viviam como casal a intervenção do CLDS centrou-se na relação entre eles e nos cuidados que prestavam ao filho. 34) Depois da separação, a intervenção centrou-se na avó paterna, com enfoque na organização do espaço, designadamente a equipa técnica arrumava a roupa e limpava a casa com a avó paterna, 35) No apoio ao estudo do AA, com auxílio para a realização dos trabalhos de casa, 36) E no estabelecimento de contactos entre AA e a mãe. 37) O pai impedia o contacto entre AA e a mãe. 38) O pai trabalhava diariamente, saindo de casa antes das 7 horas e regressando depois das 18 horas, deixando AA aos cuidados da avó paterna nos dias úteis. 39) O horário de trabalho do pai e a indisponibilidade para a intervenção ditaram que o CLDS incidisse o seu trabalho junto da avó paterna. 40) Com a saída de AA do agregado familiar, a família deixou de permitir a intervenção do CLDS. 41) A família nunca contactou com o SATT depois do acolhimento de AA. 42) O pai manifestou disponibilidade para a intervenção do CLDS condicionada à entrega do AA aos seus cuidados. 43) Durante o acolhimento, o pai e a avó paterna contactam telefonicamente a CAR com periodicidade diária. 44) Durante o acolhimento, a mãe contacta telefonicamente a CAR dia sim dia não. 45) Durante o acolhimento, o pai e a avó paterna visitam o menino na CAR todos os sábados. 46) O pai não tem contacto com as suas filhas DD e EE, maior e menor, respetivamente. 47) Os pais de AA iniciaram o relacionamento em 2016 e separaram-se a 19.9.2022. 48) Durante o período em que mantiveram um relacionamento vivenciaram forte instabilidade conjugal, oscilando entre períodos de aproximação e afastamento. 49) Os pais protagonizaram episódios de violência recíproca. 50) A mãe e a avó paterna protagonizaram episódios de violência recíproca. 51) Em novembro de 2022 o pai de AA começou a viver com uma companheira, que identificou como FF e a quem permitiu cuidar de AA. 52) FF declarou ser enfermeira e ter desempenhado funções no Hospital .... 53) FF não é nem foi enfermeira. 54) FF não trabalhou no Hospital .... 55) FF separou-se do pai de AA em janeiro de 2023. 56) AA deu sinais de ser batido por FF. 57) Confrontado, o pai não ponderou esta possibilidade. 58) Em sede de avaliação psicológica, o pai apresentou uma postura desafiante face à avaliação, com um contacto por vezes desajustado (de tonalidade hostil) e indicadores de esforço reduzido e escassa motivação para as tarefas, embora acabando por aderir às mesmas mediante reforço e apresentando momentos mais disponíveis e colaborantes com o avançar da avaliação. 59) A sua atitude denota resistência face ao processo avaliativo compatível com a postura que demonstra para com os serviços e o processo (evidencia marcada desconfiança e animosidade face aos técnicos e entidades protetivas), mostrando dificuldade em reconhecer a sua utilidade e centrando-se mais nos custos que tal lhe acarreta do que na sua importância face ao processo judicial a decorrer (enquadra a intervenção protetiva como uma fonte de incómodo e despesa). 60) Assumiu um discurso pouco elaborado, por vezes superficial e evasivo na resposta às questões colocadas, com pontuais incongruências na informação prestada, aliada a uma atitude socialmente desejável, consistente e acentuada, na resposta aos testes psicológicos, o que sugere tentativa de gestão da imagem transmitida. 61) À data da avaliação, mantinha humor normal, mas por vezes irritável. 62) Teve um discurso desorganizado, por vezes pouco claro, com vocabulário empobrecido e dificuldade em elaborar cognitiva e afetivamente sobre os acontecimentos de vida, requerendo frequentes requestionamentos para esclarecimento. 63) Quanto ao “insight”, uma avaliação compreensiva da informação recolhida sugere ausência de autocrítica ou omissão consciente de aspetos negativos referentes ao seu funcionamento, não identificando quaisquer dificuldades, fragilidades ou vulnerabilidades suas na resposta às necessidades do filho, e apresentando um padrão de atribuição externa das responsabilidades. 64) Não reconhece qualquer tipo de comportamento violento para com a Sr.ª CC. 65) O padrão de funcionamento apurado a partir da descrição da sua história de vida, da leitura das peças processuais e das entrevistas clínicas sugerem a presença de características antissociais, com respostas de agressividade que tendem a ser racionalizadas (ilustrada na descrição que faz sobre o episódio na infância em que, em resposta a uma situação de agressão, agrediu um colega de forma grave e premeditada), padrão de incumprimento de regras, de desajustamento social e história de problemas com a justiça. 66) É identificada no pai a presença de traços desadaptativos e patológicos de personalidade. 67) Apresenta perfil de personalidade marcado por forte desconfiança e suspeição face aos outros, com facilidade em se sentir maltratado, criticado e injustiçado e tendendo a adotar uma atitude vingativa, rancorosa e raivosa. 68) Estes sentimentos, passíveis de gerar hostilidade e conduzir a ataques de raiva mais descontrolados, sem remorsos pelas consequências dos seus atos, associam- se a rigidez, imaturidade, autocentração, tendência para culpabilizar os outros e postura argumentativa, resultando em dificuldades nos relacionamentos interpessoais, que tendem a ser superficiais e conflituosos. 69) Quanto ao funcionamento cognitivo, foi apurada uma capacidade intelectual média-inferior, aliada a resultados deficitários em prova de rastreio cognitivo, que, pese embora possam ser agravados por uma postura de desinvestimento do sujeito face às tarefas, coadunam- se com o seu percurso educativo (história de dificuldades de aprendizagem) e são compatíveis com a observação do comportamento e informação apurada em entrevista clínica acerca da sua história de vida (ajustamento pessoal, profissional e social). 70) Sobressaem fragilidades na capacidade de atenção/memória de trabalho, assim como em tarefas envolvendo cálculo mental, o que, ao nível da parentalidade, se pode repercutir em dificuldades na capacidade de vigilância do comportamento do filho e no suporte em contextos de aprendizagem. 71) No que concerne à parentalidade e dinâmica relacional com os filhos, o pai manifesta investimento afetivo para com o AA e apresenta uma atitude adequada, atenta e carinhosa para com o AA. 72) Quanto às filhas mais velhas, evidencia uma postura de manifesto desinvestimento e mesmo de rejeição, especialmente quanto à filha mais velha, com corte relacional, dúvidas sobre a paternidade das mesmas e uma referência a uma situação em que a DD o terá acusado de abuso sexual. 73) O pai apresenta os seguintes fatores de risco para um adequado exercício da parentalidade: a) meio familiar de origem com indicadores de disfuncionalidade (rigidez da figura paterna, por vezes fisicamente punitiva; escassez de manifestações de afeto; início precoce de atividade laboral para auxiliar economicamente o agregado; cortes relacionais entre a fratria; alegações de abuso sexual à filha mais velha do examinado perpetrado, segundo a Sr.ª CC, por um irmão do Sr. BB); b) percurso escolar com indicadores de desajustamento (reprovações no lº ciclo sugestivas de dificuldades de aprendizagem; comportamento agressivo para com colega e para com a professora, que normaliza [esta acidental, segundo o seu relato, mas descrita com visível satisfação]); abandono escolar precoce); c) percurso profissional pautado por atividades indiferenciadas e instabilidade; d) antecedentes criminais (condenações por falsificação de documentos, condução sob efeito de álcool, condução sem habilitação legal); e) instabilidade no relacionamento com a Sr.ª CC (conflitualidade, ruturas e reconciliações); f) parentalidade do AA não planeada e sem suporte sociofamiliar sustentável; g) filhas de relacionamento anterior que não estão ao seu cuidado; h) corte relacional com as filhas mais velhas (desinvestimento parental após a retirada da guarda da EE e indicadores de rejeição face a ambas, especialmente em relação à DD); i) antecedentes de psicopatologia (quadro depressivo); j) necessidade identificada de acompanhamento psiquiátrico, não cumprido e de utilidade não reconhecida pelo próprio (com abandono da medicação); k) desajustamento psicossocial (postura de conflitualidade [com a família alargada, família da Sr.ª CC, colegas de trabalho], agressividade[5] e problemas com a justiça; cf. informação processual); l) não adesão às orientações fornecidas pelos vários serviços, com contacto desajustado, visível animosidade face aos técnicos e incumprimento do plano de intervenção, ainda que a família apresente uma atitude mais colaborante perante algumas entidades, como para com o CLDS; m) traços psicopatológicos de personalidade que reforçam padrões relacionais disfuncionais e interação social desajustada; n) vulnerabilidade socioeconómica; o) presença de acontecimento de vida stressante, com impacto emocional e económico no agregado (acidente de viação em 2022); p) ausência de autocrítica e gestão da imagem transmitida em avaliação. 74) Como fatores protetores, destacam-se: a) relação de proximidade afetiva com a mãe, principal figura de suporte; b) hábitos de trabalho e inserção profissional; c) investimento afetivo para com o AA. 75) Quando esteve aos cuidados do pai, AA era cuidado também pela avó paterna, GG, em casa de quem pernoitava em dias úteis. 76) As residências do pai e da avó paterna distam cerca de 100 metros e situam-se na Quinta ..., .... 77) A 22.11.2022, pelas 22.55 horas, AA estava aos cuidados da avó paterna e a casa da avó paterna tinha lixo pelo chão, comida podre na cozinha e sala de estar, roupa amontoada no chão da casa de banho, roupa lavada misturada com roupa suja num dos quartos. 78) Nesse mesmo dia, na presença de Militares da GNR, AA usou as expressões “foda-se” e “merda”. 79) HH (prima paterna) vive com três filhos menores. 80) Está desempregada. 81) Tinha como rendimentos o rendimento social de inserção, os abonos de família e as prestações de alimentos aos filhos. 82) Foi integrada num contrato emprego - inserção CEI + na IPSS - CERE (Centro de Ensino e Recuperação do ...), mostrou-se inicialmente recetiva, mas, poucos dias depois de ter iniciado funções, começou a ausentar-se do trabalho, ultrapassando o limite de faltas, sem que tenha apresentado qualquer justificação. 83) Como consequência deste incumprimento, o agregado familiar deixou de receber a prestação de RSI, com efeitos a partir de junho de 2023 e durante dois anos. 84) HH esteve com AA não mais de três vezes. 85) Verbalizou querer ficar a cuidar de AA "quando arranjasse um trabalhinho". 86) HH tem registo de 2,5 dias de atividade profissional em agosto de 2021 e 6,5 dias de julho a setembro de 2022. 87) A mãe de AA deslocou-se para ... a 03.11.2022. 88) Por referência a 23.01.2023, está a viver num quarto, com apoio social. 89) Está desempregada. 90) Reconhece não dispor de condições para ter o filho aos seus cuidados. 91) Em sede de avaliação psicológica, a mãe apresentou uma postura colaborante, ajustada ao contexto avaliativo e disponível na prestação de informação. 92) Na resposta aos instrumentos de avaliação psicológica foram detetados, de forma consistente, enviesamentos de resposta no sentido do socialmente desejável, os quais impõem reservas à interpretação dos testes psicológicos pela potencial minimização de problemas ou dificuldades. 93) À data da avaliação pela Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Coimbra, a mãe mantinha humor eutímico (normal), ainda que, por vezes, pontuado por ansiedade, com ressonância afetiva congruente com o relatado e um discurso organizado com débito rápido. 94) Quanto ao “insight”, uma avaliação compreensiva da informação recolhida sugere autocrítica frágil. 95) Apesar de reconhecer áreas de vulnerabilidade no seu funcionamento pessoal e conduta ao longo da vida, tende a remeter essas questões para o passado e a apresentar um “locus” de controlo externo, atribuindo aos outros e às circunstâncias a responsabilidade pelas dificuldades vivenciadas. 96) Não parece reconhecer o impacto dessas mesmas circunstâncias no seu exercício parental ou na estabilidade dos filhos, o que sugere que as necessidades destes e as suas repostas às mesmas não são totalmente compreendidas por si. 97) Apresenta uma estrutura emocionalmente vulnerável, com características de insegurança, dificuldades em lidar com o stress, instabilidade emocional e dificuldades na autorregulação, com recurso a estratégias de “coping” disfuncionais e centradas na externalização para lidar com o sofrimento. 98) São identificados na mãe traços de personalidade desadaptativos que assumem significado clínico (traços patológicos de personalidade), enquadrando-se num perfil que remete para um funcionamento pautado por disforia (e. g., sentimentos de insatisfação, insegurança e inadequação, negatividade e pessimismo, falta de energia), com queixas somáticas generalizadas e medos específicos. 99) Registam-se respostas compatíveis com uma propensão para a irritabilidade aliada a uma postura exigente e imatura face aos demais. 100) Do ponto de vista cognitivo, emerge um funcionamento global considerado normativo, sem constrangimentos para a parentalidade ou indícios de declínio, surgindo como área forte a rapidez de processamento de informação (nomeadamente em tarefas visuais) e as competências de raciocínio indutivo e espacial. 101) No que concerne à parentalidade e à dinâmica relacional com os filhos, manifesta investimento afetivo para com estes, bem como no investimento nos contactos com os mais velhos e na qualidade da interação com o AA. 102) No que se refere à interação, apresenta uma atitude ajustada, atenta, pedagógica e afetuosa com o AA. 103) Apresenta instabilidade emocional. 104) Apresenta os seguintes fatores de risco para um adequado exercício da parentalidade: a) contexto familiar de origem com indicadores de disfuncionalidade (violência doméstica entre os seus pais e do pai para com a examinada, segundo a avó materna do AA; alcoolismo paterno; ausência de figuras de referência para o suporte afetivo na infância/adolescência; experiências de rejeição por parte da sua mãe, com conflitualidade e corte relacional à data da avaliação); b) dificuldades de ajustamento na adolescência, com elevada introversão, isolamento social e experiência de vitimação (bullying), com impacto na saúde mental (quadro de anorexia na adolescência); c) instabilidade nas relações conjugais/afetivas com reincidência em padrões de relacionamento desadaptativos (conflitualidade, violência conjugal, ruturas e reconciliações); d) parentalidade do AA não planeada e sem suporte sociofamiliar sustentável; e) história de acolhimento em casa-abrigo com os filhos durante a relação com o Sr. BB, em 2018; f) filhos de relacionamento anterior que não estão ao seu cuidado (II e JJ, à guarda do pai), com história de sinalização por suspeita de negligência (à data da separação conjugal, o que rejeita) e indicadores de envolvimento parental mais reduzido à data da avaliação (à exceção das visitas e contactos, que dizia manter); g) antecedentes de psicopatologia e episódios de descompensação psiquiátrica com necessidade de encaminhamento hospitalar (acresce referência a história prévia de ideação/tentativa de suicídio em resposta à retirada dos filhos mais velhos), agravados por h) história de consumo abusivo de álcool, com recaída reportada em julho de 2022; i) necessidade de acompanhamento psiquiátrico e psicológico, não cumpridos e de relevância não reconhecida pela própria à data da avaliação (com abandono da medicação); j) desajustamento psicossocial (postura de conflitualidade [com a família alargada do companheiro, colegas de trabalho] e problemas com a justiça; k) atitude de desacordo e não adesão às orientações fornecidas pelos vários serviços, com incumprimento do plano de intervenção (ausência de apoio percebido por parte do SATT/Tribunal/instituições), ainda que apresente uma atitude mais colaborante perante algumas entidades, como para com o CLDS (a quem aparenta reconhecer maior suporte prestado); l) traços psicopatológicos de personalidade que reforçam padrões relacionais disfuncionais; m) vulnerabilidade socioeconómica, com situação de desemprego e desenraizamento social; n) rede de suporte instrumental reduzida e centrada no companheiro (irmã distante geograficamente); o) presença de acontecimento de vida stressante, com impacto emocional e económico no agregado (acidente de viação em 2022); p) crítica diminuída e postura socialmente desejável na resposta aos testes psicológicos. 105) Quanto a fatores protetores, identificam-se: a) relação de proximidade afetiva com a sua avó, sentida como figura apoiante durante a vida adulta, e com uma das irmãs; b) percurso escolar regular e hábitos de trabalho, apesar da instabilidade laboral nos anos mais recentes; c) ausência de dificuldades de foro cognitivo; d) recurso à rede em situações de crise e adesão à intervenção do CLDS, mesmo após indicação para arquivamento do processo judicial; e) reconhecimento de adequação no projeto de vida dos filhos mais velhos junto do pai, sugerindo preservação de algum “insight"; f) investimento afetivo para com os filhos. 106) II, irmão uterino de AA, de 18 anos, vive com o irmão germano JJ, de 16 anos, e com o pai. 107) O jovem frequenta o 2º ano do curso técnico profissional Audiovisuais. 108) Os rendimentos económicos do agregado são provenientes do trabalho do pai e das prestações sociais aplicadas aos jovens. 109) A tia materna KK declarou não ter condições para receber AA e cuidar da criança. 110) A avó materna, LL, está hospitalizada desde 21.3.2023. 111) Não reúne condições de saúde mínimas para cuidar da criança. 112) Antes do acolhimento de AA, manifestou disponibilidade para acolher AA acompanhado da mãe. 113) A mãe recusou integrar com AA o agregado da avó materna da criança. 2. Cumpre apreciar e decidir. Estamos perante um processo de jurisdição voluntária (art.º 100º, da LPCJP), pelo que o tribunal não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente/não está sujeito a critérios de legalidade estrita, tendo a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna) (art.º 987º, do Código de Processo Civil/CPC), a que melhor serve os interesses em causa[6]; salvaguardados os efeitos já produzidos, será sempre possível a alteração de tais resoluções com fundamento em circunstâncias supervenientes[7] (cf. art.ºs 986º, n.º 2; 987º; 988º, n.º 1, 1ª parte e 989º, do CPC). Daí que, em cada caso, releve, sobretudo, a preocupação de respeitar a verdade material e a finalidade prosseguida no processo (de promoção e proteção), pelo que a atuação processual dos interessados no desfecho da lide e os princípios e as regras do Processo Civil poderão ser secundarizados se e quando colidam ou inviabilizem a possibilidade de proferir a decisão tida como mais equitativa, conveniente e oportuna. 3. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial. A adoção é regulada e protegida nos termos da lei, a qual deve estabelecer formas céleres para a respetiva tramitação (art.º 36º, n.ºs 5, 6 e 7, da Constituição da República Portuguesa/CRP). A família, como elemento fundamental da sociedade, tem direito à proteção da sociedade e do Estado e à efetivação de todas as condições que permitam a realização pessoal dos seus membros (art.º 67º, n.º 1, da CRP). Os pais e as mães têm direito à proteção da sociedade e do Estado na realização da sua insubstituível ação em relação aos filhos, nomeadamente quanto à sua educação, com garantia de realização profissional e de participação na vida cívica do país (art.º 68º, n.º 1, da CRP). As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições. O Estado assegura especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (art.º 69º, n.ºs 1 e 2, da CRP). 4. A intervenção para promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto, ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento ou quando esse perigo resulte de ação ou omissão de terceiros, da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo, considerando-se que a criança (ou o jovem) está em perigo quando, designadamente, se encontre numa das seguintes situações: a) Está abandonada ou vive entregue a si própria; b) Sofre maus-tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe o cuidado ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais; e) É obrigada a atividade ou trabalhos excessivos ou inadequados para a sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudicais à sua formação ou desenvolvimento; f) Está sujeita, de forma direta ou indireta, a comportamentos que afetem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; g) Assume comportamentos ou se entrega a atividades ou consumos que afetem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação (art.º 3º da LPCJP). Entre os princípios norteadores da intervenção para a promoção e proteção da criança, destacam-se o do interesse superior da criança e do jovem, o da intervenção precoce, o da intervenção mínima, o da proporcionalidade e atualidade, o da responsabilidade parental e o da prevalência da família [art.º 4º, alíneas a), c), d), e), f) e h)]. Para efeitos da Lei de Promoção dos Direitos e de Proteção da Criança e do Jovem em Perigo considera-se criança (ou jovem) a pessoa com menos de 18 anos ou a pessoa com menos de 21 anos que solicite a continuação da intervenção iniciada antes de atingir os 18 anos, e ainda a pessoa até aos 25 anos sempre que existam, e apenas enquanto durem, processos educativos ou de formação profissional [art.º 5º, alínea a)]; As finalidades das medidas de promoção são o afastamento do perigo em que estão incursos os jovens e crianças, a criação de condições que permitam proteger e promover a segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral e garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso (art.º 34º). As medidas de promoção e proteção vêm enumeradas no art.º 35º, n.º 1, da LPCJP, subdividindo-se em medidas a executar no meio natural de vida ou em regime de colocação (cf. n.º 2). [8] A medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adoção é aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978º do Código Civil (art.º 38º-A, aditado pela Lei n.º 31/2003, de 22.8 e na redação conferida pela Lei n.º 142/2015, de 08.9).
A medida de apoio junto dos pais - primeira e principal medida no meio natural de vida - consiste em proporcionar à criança ou jovem apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica (art.º 39º). A medida de apoio junto de outro familiar consiste na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de um familiar com quem resida ou a quem seja entregue, acompanhada de apoio de natureza psicopedagógica e social e, quando necessário, ajuda económica (art.º 40º). Quando sejam aplicadas as medidas previstas nos artigos 39º e 40º, os pais ou os familiares a quem a criança ou o jovem sejam entregues podem beneficiar de um programa de formação visando o melhor exercício das funções parentais (art.º 41º, n.º 1). As referidas medidas de apoio podem abranger o agregado familiar da criança e do jovem (art.º 42º). 5. O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações: a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos; b) Se tiver havido consentimento prévio para a adoção; c) Se os pais tiverem abandonado a criança; d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança; e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança (art.º 1978º, n.º 1, do CC, na redação conferida pela Lei n.º 143/2015, de 08.9). Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança (n.º 2). Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças (n.º 3). A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela (n.º 4). Decretada a medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção, ficam os pais inibidos do exercício das responsabilidades parentais (art.º 1978º-A, do CC, na redação da Lei n.º 143/2015, de 08.9). 6. A sociedade e o Estado têm o especial dever de desencadear as ações adequadas à proteção da criança vítima de violência, abandono ou tratamento negligente, ou por qualquer outra forma privada de um ambiente familiar normal (art.º 69º, da CRP). É com esse desiderato que surge, no nosso ordenamento jurídico, a LPCJP (art.ºs 1º e 2º). As situações enumeradas no art.º 3º e qualquer outra igualmente suscetível de configurar perigo para a segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento da criança ou do jovem comprometem os direitos fundamentais da criança ou do jovem, legitimando a intervenção do Estado e da sociedade na sua vida e autonomia e na sua família.[9] O direito das crianças à proteção consagrado do art.º 69º da CRP é um “direito social” que não tem por sujeitos passivos apenas o Estado e os poderes públicos, em geral, mas também a “sociedade”, a começar pela própria família (incluindo os progenitores) e pelas demais instituições (creches, escolas, instituições de acolhimento de menores, etc.), o que configura uma clara expressão de direitos fundamentais nas relações entre particulares. O n.º 2, do referido art.º, ao impor ao Estado o dever de especial proteção às crianças órfãs, abandonadas, ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal, tem em vista a proteção da criança ou jovem em perigo, promovendo os seus direitos, legitimando a intervenção do Estado, especificando medidas e definindo os esquemas procedimentais indispensáveis a tal proteção. E a Constituição individualiza três situações de perigo (crianças órfãs, abandonadas, privadas de ambiente familiar normal), sendo que na densificação do conceito de “ambiente familiar normal” a “anomalia” deve ser vista na perspetiva da falta de condições para o cuidado e o desenvolvimento da criança (situações de toxicodependência e de alcoolismo, de prisão dos pais, etc.). 7. O interesse da criança constitui o parâmetro material básico de qualquer política de proteção de crianças e jovens, justificando a retirada da criança à guarda dos pais e o favorecimento da adoção mesmo contra a oposição dos pais como forma de proteção a criança privada de um ambiente familiar normal.[10] O superior interesse da criança pode ser concretizado como a satisfação da premente necessidade da criança de crescer harmoniosamente, em ambiente de amor, aceitação e bem-estar, salvaguardando-se a continuidade das suas ligações afetivas estáveis.[11] 8. O princípio da prevalência da família terá de ser entendido não no sentido da afirmação da prevalência da família biológica, mas sim como o assinalar do direito sagrado da criança à família, seja ela a natural (se possível), seja a adotiva, reconhecendo que é na família que a criança tem as ideais condições de crescimento e desenvolvimento e é aquela o centro primordial de desenvolvimento dos afetos.[12] A intervenção de proteção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontra, no momento em que a decisão é tomada (princípios da proporcionalidade e atualidade). 9. Não se impugnou a decisão sobre a matéria de facto.[13] Contudo, ante as particularidades e vicissitudes da situação em análise, esta Relação verificou o que foi sendo indagado nas cinco conferências e audições dos pais que precederam o debate judicial (realizadas em 20.8.2020, 05.02.2021, 11.10.2021, 20.12.2022 e 23.01.2023), bem como a produção de prova e o mais que teve lugar naquela última diligência (de 03.7.2023). 10. Refere o acórdão recorrido, nomeadamente: «(...) A mãe[14] de AA reconheceu não dispor de condições para ter a criança consigo. A mãe decidiu regressar a ..., onde vive num quarto com apoio social. (...) A mãe podia ter ingressado com AA no agregado da sua própria mãe, (...) mas decidiu não o fazer, tendo AA integrado um acolhimento residencial. A mãe podia ter permanecido em Portugal, ainda que beneficiando também aqui de apoio social, mais próxima do filho, mas optou por mudar de país. (...) O irmão uterino II vive com o pai, aos seus cuidados, não dispondo de autonomia e, consequentemente, condições para ser uma alternativa ao projeto de vida do AA. A tia materna KK e a avó materna LL não se revelaram disponíveis e com condições para cuidarem do AA. Não são conhecidos outros familiares maternos com condições, disponibilidade e capacidade para cuidarem deste menino. Na família paterna foi indicada pelo pai a prima HH. Não só AA não tem relação de proximidade com esta prima - com quem esteve não mais de três vezes - como ela própria não se assumiu como alternativa para o projeto de vida da criança, já que condicionou a possibilidade de cuidar do menino à obtenção de um trabalho, sendo certo que não lhe é conhecida qualquer atividade profissional regular no passado, como não apresentou qualquer espectativa de a obter no futuro, nem sequer qualquer empenho. Esta prima tem três filhos a seu cargo, está desempregada, vivia de RSI que deixou de receber no mês passado, estando ela própria e os seus filhos numa situação de vulnerabilidade socioeconómica, que, seguramente, em nada beneficiaria o AA. O pai e a avó paterna são quem tem assumido os cuidados à criança, em conjunto com a mãe quando esta integrava o agregado familiar. Trata-se de uma família com intervenção dos serviços sociais pelo menos desde o nascimento da criança, ou seja, pelo menos há seis anos. Ainda assim, a avó paterna manteve a criança a viver em condições degradantes. As imagens que motivam a factualidade descrita no facto 77[15] são bem mais expressivas que a respetiva descrição. As condições em que a avó paterna manteve AA a viver, com o acordo do pai, que residia a cerca de 100 metros, não são dignas de qualquer ser humano, muito menos de uma criança. Note-se que as condições da casa chegaram a este estado de manifesta falta de higiene e organização quando o agregado beneficiava de uma intervenção particularmente intensa e presente, com visitas domiciliárias com periodicidade semanal ou mais de uma vez por semana e com auxílio na limpeza e arrumação da roupa. Aos cuidados do pai e da avó paterna AA não só viveu em condições desumanas como não conseguia ter sucesso escolar, mesmo com apoio ao estudo. A frequentar o lº ano de escolaridade, recusava-se a trabalhar, não se concentrava, apresentava-se sonolento, perturbava as atividades e não respeitava os colegas e os adultos. Na presença das forças de autoridade em sua casa, AA usou expressões desadequadas para qualquer pessoa mais ainda para uma criança, concretamente “foda-se” e “merda”. É manifesto que o pai e a avó paterna não souberam promover a educação da criança. Mas não se trata apenas de educação e motivação para a escola. O pai apresenta-se para com os serviços, seja sociais ou de saúde, de forma agressiva e hostil. Regista hábitos alcoólicos sem motivação para a mudança. Protagonizou episódios de violência, incluindo relativamente à mãe de AA, não assumindo a gravidade dos atos que pratica. Impedia a criança de contactar com a mãe, sem justificação aparente. O pai mantém-se, agora, indisponível para um trabalho técnico contínuo, apenas aceitando alguma intervenção se o filho ficasse em casa, o que revela falta de consciência dos problemas identificados. A ausência de autocrítica identificada na avaliação psicológica é o reflexo desta incapacidade para identificar os problemas e para a mudança. A agressividade é uma constante na caracterização deste pai, com reflexos na presença de traços desadaptativos e patológicos da personalidade, atitude vingativa, rancorosa e raivosa, contactos desajustados e animosidade face aos técnicos. Apresenta uma capacidade intelectual média-inferior, com fragilidades na capacidade de atenção/memória de trabalho. Quando foi avaliado em consulta na equipa de saúde mental, apresentava hábitos alcoólicos acentuados, alterações de humor e heteroagressividade. Manteve os consumos abusivos de álcool e as alterações comportamentais, recusou a toma de medicação e desistiu das consultas, tendo tido alta contra parecer médico. O pai e a avó não só não asseguraram que AA vivia com o mínimo de condições e dignidade como não há registo de terem promovido ou aceitado qualquer alteração nas suas vidas no sentido de serem uma alternativa para a criança. O pai e a avó paterna recusaram a continuidade da intervenção do CLDS depois da saída da criança de casa e não contactaram os serviços para retomar a intervenção, não sendo, por conseguinte, conhecidas mudanças nos respetivos agregados familiares que permitam equacionar o regresso de AA aos respetivos agregados.» 11. O coletivo de juízas considera depois, e conclui: «Não havendo resposta na família, a questão que se coloca agora é a da opção entre a aplicação/prorrogação da medida de acolhimento residencial ou a aplicação da medida de confiança a instituição com vista à adoção. A opção entre uma e outra medida tem por fundamento os princípios basilares em sede de promoção e proteção dos direitos das crianças, acima enunciados: princípio do superior interesse da criança e o princípio da prevalência da família. O interesse superior da criança deve servir de critério da decisão judicial, neste caso concreto, quer se opte por uma medida de institucionalização que tenha em vista uma futura reestruturação e reunificação da família biológica, quer se considere ser a adoção O projeto da Vida da criança (ver, entre outros, o artigo 21e da Convenção sobre os Direitos das Crianças). A medida de acolhimento residencial tem como finalidade contribuir para a criação de condições que garantam a adequada satisfação de necessidades físicas, psíquicas, emocionais e sociais das crianças e jovens e o efetivo exercício dos seus direitos, favorecendo a sua integração em contexto sociofamiliar seguro e promovendo a sua educação, bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 49º-A, n.º 2, da LPCJP). (...) A tónica aqui coloca-se na viabilidade da reunificação familiar, concretamente na aquisição de competências por parte dos pais ou da avó paterna, uma vez que não são conhecidos outros elementos na família com disponibilidade e capacidade para ficar com a criança. Os pais e a avó paterna foram acompanhados pelos serviços sociais e de saúde pelo menos desde o nascimento de AA. (...) O pai e a avó paterna denotam incapacidade para reconhecer as necessidades da criança e incapacidade de mudar em função dessas necessidades. Circunstância aliada, quanto ao pai, ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas, também com incapacidade para reconhecer que se trata de um problema. A desorganização não se limita a um maior ou menor gosto, mas assume uma natureza caótica, com AA a manifestar já reflexos dessa vivência, concretamente recusa em fazer trabalhos na escola, incapacidade de estar concentrado, falta de respeito por colegas e adultos e utilização de linguagem grosseira, socialmente desadequada para uma criança de 6 anos. Esta família foi objeto de intervenção a nível da saúde, com acompanhamento do pai ao nível da saúde mental, sem sucesso por recusa em se tratar, e ao nível social, com enfoque na aquisição de competências para cuidar da criança, sem sucesso, face ao estado caótico e sujo em que a casa da avó (onde a criança vivia por vontade do pai e da avó) foi encontrada. (...) Face ao insucesso da intervenção, o pai e a avó paterna não reúnem condições para o regresso do AA em segurança a qualquer um destes agregados ou casas (considerando que se trata de um agregado único a viver em duas casas próximas). Será exigível manter este menino acolhido, neste impasse até que os pais, em particular o pai, ou a avó, o priorizem nas suas vidas e se empenhem em adquirir as competências que reconhecidamente não possuem? A resposta parece óbvia. Não é possível deixar a vida de uma criança suspensa até que o pai, a mãe, os pais ou outros familiares se interessem por si. Não se trata de educação para a parentalidade. Mas de algo muito mais profundo, que o tempo e a vida até podem resolver (ou não), não sendo admissível que a criança fique refém dessa resolução ou não resolução. A mãe revela desinteresse pela situação do filho, tendo optado por residir noutro país, e o pai mostra-se incapaz de cuidar do filho, não estando aptos para o exercício das funções próprias da maternidade e paternidade, não tendo capacidade para cuidar e zelar pelo bem-estar e são desenvolvimento da criança. O pai, fruto das suas limitações ao nível da saúde mental, com reflexos nos cuidados à criança (...) não só não tem capacidade para o exercício da parentalidade como não é expectável que a venha a adquirir em breve, durante a infância do filho, ou sequer que a venha a adquirir (o pai tem vindo a ser sujeito a várias intervenções de cariz clínico e social, sem sucesso, não se mostrando disponível para novas intervenções). Assim, dos factos provados terá de se concluir que a criança, em face da ausência da mãe da sua vida e da incapacidade do pai para cuidar dela, é por estes negligenciada em toda a linha, seja em termos de saúde, educação e bem-estar, bem como em termos afetivos. Não há qualquer progresso da família biológica que justifique que AA continue a aguardar por uma aquisição de competências parentais que tarda e não chega, pelo que a aplicação da medida de acolhimento residencial, com prorrogação de permanência na CAR, não acautela os interesses da criança. (...) o apoio junto dos pais biológicos ou de um deles não é uma medida adequada a salvaguardar os interesses da criança, atenta a ausência manifestada pela mãe e a incapacidade evidenciada pelo pai e pela avó paterna. Entendemos que o interesse da criança passa por se obviar à colocação na família de origem, em face dos indícios claros que correm perigo a sua saúde, a segurança, a formação, a educação e desenvolvimento. Na verdade, não basta a mera afirmação que se gosta dos filhos, sem lhes proporcionar o mínimo de conforto e habitabilidade, sem os alimentar devidamente, sem cuidar da sua higiene e saúde, sem os vigiar como deve ser e sem lhes dar carinho e amor. Assim não é merecê-los. (...) “Inviabilizada qualquer outra solução no âmbito da família biológica, a proteção dos meninos não pode continuar exclusivamente centrada na ideia de recuperação da família biológica, esquecendo que o tempo das crianças não é o mesmo das suas famílias de origem. Esgotadas as possibilidades de a criança usufruir de um crescimento feliz e saudável dentro da sua família biológica, mesmo alargada, com o apoio do Estado e da sociedade, resta a adoção como a resposta adequada” (Acórdão da RP de 14.3.2017-processo 1609/14.0TMPRT.P1, dgsi). Resulta da factualidade provada que estão seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, uma vez que os pais, por ação e omissão, ainda que por motivos de saúde mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde e o desenvolvimento da criança. A mãe não procura o contacto presencial com o filho há quase um ano (desde 03.11.2022), limitando-se a uma parentalidade por telefone ou videochamada, inviabilizando a vinculação da criança e o estabelecimento de qualquer relação securizante. O pai apresenta uma capacidade intelectual média-inferior, aliada a uma postura de agressividade e hostilidade para com os serviços sociais e de saúde e a manutenção de consumos abusivos de bebidas alcoólicas, sem potencial de mudança por falta de reconhecimento de qualquer problema, incompatível com o exercício da parentalidade. AA necessita de ter uma família estável que lhe dê carinho e amor e lhe proporcione de forma duradoura condições para o seu desenvolvimento harmonioso, devendo ser salvaguardada a necessidade da criança de continuidade nas relações, não podendo estar sujeita a testes sobre a eventual aquisição de competências dos seus pais biológicos, não devendo ser deslocada de acordo com cada decisão tentada. (...) Verifica-se, assim, nos autos em relação aos pais a situação prevista na al. d) do n.º 1 do artigo 1978º do Código Civil. Por outro lado, não se verifica (...) o obstáculo a que se alude no n.º 4 do artigo 1978º do Código Civil. Importa ainda acrescentar que a vinculação que existe entre o AA e o pai e a avó paterna não deve nem pode ser utilizado como argumento para manter a criança à espera que estes familiares adquiram competências para assegurarem os seus direitos e legítimos interesses. AA não tem de ficar indefinidamente a aguardar que a família, em particular o pai, reconheça a sua falta de capacidade e permita que a intervenção se concretize. Ou que encontre terceira pessoa com disponibilidade e capacidade para cuidar de AA, como aparentava ter sucedido aquando do início do relacionamento com FF, suposta enfermeira, que veio a revelar-se pessoa falsa, cujo verdadeiro interesse não chegou a ser apurado, e cuja presença no agregado não chegou a dois meses. Não se duvida do amor que o pai sente pelo AA. Mas só o amor não chega para assegurar o crescimento saudável, feliz e harmonioso de uma criança. O pai não se revelou disponível para adquirir competências parentais nem para cessar os consumos abusivos de álcool. Nem agora com o acolhimento de AA, já que declarou aceitar a intervenção do CLDS apenas se AA regressasse a casa, evidenciando, uma vez mais, falta de consciência das suas limitações. (...) «Frustrando-se, em Processo de Promoção e Proteção (...) todas as múltiplas tentativas feitas no sentido de preservar a qualidade e a continuidade dos vínculos afetivos próprios da filiação, afinal séria e irreversivelmente comprometidos devido ao óbvio e persistente alheamento dos pais na prossecução do interesse dos filhos, que não retrocederam no seu comportamento ativo e omissivo gerador de perigo grave para a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento e que justificou o seu acolhimento em instituição (...) inexistindo garantias sérias, sólidas e definidas no tempo de que as hipóteses de alteração para melhor, alardeadas pela progenitora, sejam reais, correspondam a uma firme determinação e comportem qualquer potencialidade de reversão justificativa do prolongamento da medida para permitir mais "análise", "estudo" e "experimentação", "até que mude de vida", é de (...) [decretar] a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção e até esta ser decretada, assim se afirmando a supremacia do interesse das crianças em detrimento dos desejos da mãe» (Acórdão da RG de 06.10.2016-processo 291/11.1TBVPA-A.G2, dgsi). Esta criança tem direito a uma família adotiva, porque a biológica demonstrou claramente a sua incapacidade. É necessário "proporcionar à criança a possibilidade de ser integrada numa família onde poderá começar a estabelecer uma vinculação segura, que até ao momento lhe foi inacessível na família biológica". Na verdade, o interesse superior do AA não se compadece com situações de instabilidade, necessitando nesta fase da sua vida de muito amor, carinho e atenção, que lhe pode ser assegurado por tal medida, que se mostra proporcional, atual e adequada aos seus interesses e atuais necessidades. (...) Tal situação é precisamente a que ocorre no caso em apreço, pelo que a medida de confiança a instituição com vista à adoção é aquela que melhor corresponde ao superior interesse desta criança.» 12. O expendido pelo Tribunal recorrido é inteiramente correto e decorre claramente das informações, relatórios e exames juntos aos autos (cf., designadamente, fls. 13, 26, 38, 109, 110, 115, 148, 162, 179, 181, 186, 213, 236 e 240) e da matéria de facto dada como provada [principalmente, sob os n.ºs 15) a 17), 20), 22) a 29), 37), 41), 46), 49), 50), 58), 59), 63) a 65), 66), 68), 72), 73), 77), 87) a 90), 96), 98), 99), 103) e 104)]. Na verdade, nada nos diz que os progenitores (atualmente com as idades de 45 anos/mãe e 52 anos/pai) possam ainda vir a adquirir as competências parentais indispensáveis ao desenvolvimento saudável e harmonioso do AA, e tudo aponta no sentido de que, mesmo a verificar-se alguma melhoria nas personalidades e no percurso de vida daqueles, qualquer perspetiva de uma eventual futura entrega do menor aos progenitores envolveria, sempre, risco e perigo num grau verdadeiramente inaceitável! Ademais, os dois irmãos uterinos e as duas irmãs consanguíneas do AA, uma delas ainda menor, foram confiados, há muito, aos ex-cônjuges dos requeridos, sabendo-se que, pelo menos, o requerido, desinteressou-se da situação das filhas (cf., v. g., o relatório social de fls. 13). 13. Dados os interesses em presença, não se poderá colocar o interesse superior da criança, constitucional e legalmente consagrado, num estado de perigo iminente (e permanente), sendo que, em derradeira análise, se é certo que os direitos e interesses dos pais e restantes familiares deverão ser tidos em conta, jamais se poderá ignorar que os direitos e interesses das crianças têm primazia.[16] 14. Constitui pressuposto da medida de confiança com vista à adoção que “não existam” ou “se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação”, situação que deverá ser constatada a partir da verificação objetiva de qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 1978º, do CC.[17] Dois dos princípios norteadores da aplicação das medidas de promoção e proteção são - como referido - os da responsabilidade parental e da prevalência da família [art.º 4º, alíneas f) e h)]. No caso dos autos, nenhum dos progenitores dispõe de competências pessoais que lhe permitam assumir de forma eficaz e adequada as responsabilidades parentais relativamente ao menor - persiste uma situação de perigo para os cuidados básicos de educação, higiene pessoal e bem-estar da criança. Não foi identificada qualquer pessoa dentro da família alargada do menor que tenha vontade e capacidade para debelar os perigos em que este se encontrava quando foi determinado o seu acolhimento institucional. Por isso, as medidas com potencialidade para pôr termo à situação em que o menor se achava antes dessa decisão para acolhimento institucional não passam por medidas a executar no meio natural de vida [previstas nas alíneas a) a d) do n.º 1, do art.º 35º]. 15. Relevando os denominados “fatores protetores” relativos aos progenitores, elencados, principalmente, em II. 1. 74) e 105), supra, o restante quadro fático aponta, inequivocamente, para o sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação (art.º 1978º, n.º 1, do CC) e da parentalidade, tendo-se frustrado - e vendo-se sucessivamente desvalorizado, e, por vezes, recusado[18] - o apoio prestado aos progenitores e avó paterna.[19] Não se vislumbra que “mecanismos de correção” [utilizando expressão empregue pelo progenitor/apelante] ou de apoio poderiam ainda ser eficaz e atempadamente prestados/aplicados![20] [21] E o AA merece ter um pai e uma mãe que o protejam e tudo façam para prevenir e eliminar qualquer real e/ou potencial situação de risco. 16. Tendo existido “investimento afetivo para com o AA” por parte dos seus progenitores/requeridos [não propriamente, um relacionamento afetivo consistente[22] ou “relações de afeto de qualidade e significativas”[23] (expressão utilizada pela progenitora/apelante)][24], também se deverá considerar que esta criança, generosa e inocente (como todas as crianças - quiçá, supremo e imerecido bem dos adultos[25]), foi caraterizada, pelas técnicas deste caso, como “um miúdo que imediatamente manifesta afeto” e com “uma relação muito fácil”, inclusive, na presença de “pessoas que não conhece”.[26] 17. Sem prejuízo do que ficou dito [v. g., em II. 12., supra], a possível futura integração do menor nos agregados dos progenitores constituiria, certamente, uma regressão (um revés) em termos de competências já adquiridas na instituição ou levaria a que as não desenvolvesse ao ritmo a que pode futuramente fazê-lo - daí, a inteira adequação da resposta do acolhimento em instituição e a confiança com vista à adoção.[27] O AA merece crescer no seio de uma família que proporcione as condições ao nível dos cuidados alimentares, saúde, estabilidade residencial e emocional, acompanhamento na educação e formação[28] - os progenitores nunca reuniram tais condições e não se perspetiva que venham a reuni-las em tempo útil para o menor. O seu projeto de vida não se compadece com mais delongas; o AA tem direito a uma família que dele cuide com amor, em disponibilidade total, sendo que o tempo das crianças, o tempo do seu crescimento e desenvolvimento flui inexoravelmente e a um ritmo mais célere que o dos adultos, o que impõe uma intervenção tanto quanto possível precoce, proporcional e adequada à remoção dos perigos e danos que determinaram a necessidade de aplicação de uma medida de promoção e proteção [art.º 4º, alíneas c) e e)][29]. Nada a objetar, pois, à conclusão do tribunal recorrido de que os factos elencados como provados integram a situação prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 1978º, do CC, e que o interesse do AA impõe assim que se aplique a medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção [art.º 35º, n.º 1, alínea g)], convictos de que assim se respeitará o indeclinável objetivo de alcançar “o melhor para a criança”, pois “é esta que conta em primeiro lugar”.[30] 18. Conclui-se, desta forma, pela insubsistência das “conclusões” das alegações de recurso e o acerto da decisão do tribunal recorrido, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais. * III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedentes as apelações, confirmando-se a decisão recorrida. Sem custas (art.º 4º, n.º 1, alínea i), do Regulamento das Custas Processuais). * 10.10.2023
[1] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem, relevando para a situação dos autos a redação conferida pelas Leis n.ºs 23/2017, de 23.5 e 26/2018, de 05.7. [2] Que vão simplificadas/sintetizadas, sobretudo, no texto que corporiza, apenas, citações da doutrina e da jurisprudência ou multiplica/repete o quadro legal; de resto, as pretensas “conclusões” quase reproduzem a totalidade do arrazoado da fundamentação da alegação de recurso... [3] Idem. Posteriormente, a progenitora enviou a este Tribunal as comunicações eletrónicas de 17.9.2023 e 01.10.2023 (reafirmando a posição expressa nos autos). [4] Os Recursos foram admitidos «(...) com subida imediata e nos próprios autos e com efeito suspensivo (...)» (fls. 308). [8] Preceitua o n.º 1 do referido art.º: “As medidas de promoção e proteção são as seguintes: a) Apoio junto dos pais; b) Apoio junto de outro familiar; c) Confiança a pessoa idónea; d) Apoio para a autonomia de vida; e) Acolhimento familiar; f) Acolhimento residencial; g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.” Consideram-se medidas a executar no meio natural de vida as previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 e medidas de colocação as previstas nas alíneas e) e f); a medida prevista na alínea g) é considerada a executar no meio natural de vida no primeiro caso e de colocação, no segundo e terceiro casos (n.º 3, do mesmo art.º). [11] Vide Paulo Guerra, Confiança judicial com vista à adoção, Revista do M.º Público, Ano 26, n.º 104, pág. 81). [12] Vide Paulo Guerra, Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo Anotada, 3ª edição, Almedina, 2018, em anotação ao artigo 4º. [13] A este respeito, refere o progenitor/apelante: “No que diz respeito à matéria de facto dada como provada, nada temos a apontar.” [16] Veja-se, a propósito, o acórdão da RP de 04.11.2013-processo 10588/10.2TBVNG.P1 [assim sumariado: I - Os direitos dos menores consagrado no art.º 180º da OTM e no art.º 1878º, n.º 1 do Código Civil, tutelados igualmente no art.º 69º da Constituição da República Portuguesa – direito à infância, indubitavelmente prevalecem sobre interesses e direitos dos seus progenitores. II - É inerente à natureza humana que um pai, ou uma mãe, concedam os seus próprios interesses em beneficio da estabilidade emocional e psicológica do filho. III - Não se trata, sequer, de abdicar dos seus direitos mas, primordialmente, de cumprir os seus deveres. IV - Ser pai, ou mãe, é também manifestar naturalmente este comportamento, sacrificando os seus naturais sentimentos e anseios, em homenagem aos direitos fundamentais de uma criança crescer com segurança e apoio nas suas referências primeiras como são os comportamentos dos progenitores no que à sua própria pessoa respeita], publicado no “site” da dgsi. [17] Cf., por exemplo, acórdão da RL de 05.11.2015-processo 6368/13.1TBALM.L1-2 [concluindo-se: «I - Do regime legal e convencional em vigor emana a conceção de que o desenvolvimento feliz e harmonioso de uma criança se processa e deve realizar-se no seio da família biológica, tida como a mais capaz de proporcionar à criança o necessário ambiente de amor, aceitação e bem estar; porém, se esta não puder ou não quiser desempenhar esse papel, haverá que, sendo possível, optar pela sua integração numa outra família, através da adoção. II - Constitui pressuposto da medida de confiança de menor para adoção que “não existam” ou “se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação” - tal situação será constatada “pela verificação objectiva” de qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 1978º do Código Civil (corpo do n.º 1 do art.º 1978º). III - Ou seja, a ocorrência de qualquer dessas situações constituirá via necessária para a demonstração da inexistência ou do sério comprometimento do vínculo afetivo entre o progenitor e a criança, para o efeito da confiança da criança para adoção; adicionalmente, porém, haverá que apreciar se essas situações traduzem, em concreto, inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação.»], publicado no “site” da dgsi. [21] Na Proposta de Lei n.º 57/IX 3618 (D.A.R., II Série A – n.º 88, 26 de abril de 2003, pág. 3618 e seguintes), ligada à redação do art.º 1978º do CC (introduzida pela Lei n.º 31/2003 e que continua a ser referencial), fez-se constar da respetiva exposição de motivos [sublinhado nosso]: “A adopção constitui o instituto que visa proporcionar às crianças desprovidas de meio familiar o desenvolvimento pleno e harmonioso da sua personalidade num ambiente de amor e compreensão, através da sua integração numa nova família. / Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante com a criança, impõe a Constituição que se salvaguarde o superior interesse da criança, particularmente através da adopção. / Esta concepção da adopção corresponde àquela que está plasmada em importantes instrumentos jurídicos internacionais como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção Europeia em Matéria de Adopção de Crianças. / Trata-se, por outro lado, de uma intervenção que se reclama urgente, porquanto a personalidade da criança se constrói nos primeiros tempos de vida, revelando-se imprescindível para que a criança seja feliz e saudável que quem exerce as funções parentais lhe preste os adequados cuidados e afecto. / E se, atento o primado da família biológica, há efectivamente que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vislumbra a possibilidade destas reencontrarem o equilíbrio, situações há em que tal não é viável, ou pelo menos não o é em tempo útil para a criança, devendo em tais situações encetar-se firme e atempadamente o caminho da adopção. (…), sendo certo que a institucionalização não pode ser considerada uma solução, mas tão somente uma medida de protecção. (…). / Assim, passa a ser expressamente mencionado o superior interesse da criança como critério fundamental para ser decidida a adopção, o qual constitui, aliás, o conceito de referência nesta matéria. / São desenvolvidos os conceitos de colocação do menor em perigo e de manifesto desinteresse pelo filho, pressupostos do decretamento da confiança judicial, clarificando-se que neste segundo conceito está essencialmente em causa a qualidade e a continuidade dos vínculos próprios da filiação. (...). Este entendimento do legislador foi acolhido e sublinhado, nomeadamente, no acórdão do STJ de 30.11.2004 (CJ-STJ, XII, 3, 130), destacando que «“(...) se, atento o primado da família biológica, há efetivamente que apoiar as famílias disfuncionais, quando se vislumbra a possibilidade destas reencontrarem o equilíbrio, situações há em que tal não é viável, ou pelo menos não o é em tempo útil para a criança, devendo em tais situações encetar-se firme e atempadamente o caminho da adoção.”» [24] Assim, também, o que com inteira propriedade se fez constar da resposta da Exma. Magistrada do M.º Público, quando relativamente ao pai conclui: «não sendo o seu investimento afetivo relativamente ao filho AA suficiente, em função destas fragilidades [principalmente, as descritas em II. 1. 73), supra], para lhe assegurar potencial de mudança». [27] Vide, a propósito, T. Berry Brazelton e Syanley I. Greenspan, ob. cit., págs. 61 e seguinte: “Penso que se tem dado demasiada importância aos direitos dos pais biológicos, minimizando os da criança. Quanto mais tempo decorre, mais fortes deverão ser os motivos invocados para reaver o bebé. São os direitos deste que devem prevalecer (…)”. [28] De acordo com o disposto no art.º 4º, alínea g), a prevalência da família na promoção de direitos e na proteção da criança e do jovem implica a prevalência das medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adoção - deste princípio resulta uma clara e compreensível preferência do legislador por medidas de promoção e proteção que facultem a integração das crianças e jovens em ambientes familiares, quer assentem na família natural ou em família adotiva. Veja-se, a propósito, a perspetiva transmitida pelo II (que completou, recentemente, 19 anos), irmão uterino do AA: “(...) Está ciente das necessidades de o menino ´ter uma família que cuide dele, gostava que fosse a nossa. Não vai viver sempre na instituição!” (cf. fls. 237). |