Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VÍTOR AMARAL | ||
Descritores: | CLÁUSULAS CONTRATUAIS GERAIS DEVERES DE COMUNICAÇÃO/INFORMAÇÃO ÓNUS DA PROVA AVAL PRESTADO POR SÓCIO-GERENTE DE SOCIEDADE BENEFICIÁRIA DE FINANCIAMENTO BANCÁRIO | ||
Data do Acordão: | 10/08/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ANSIÃO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 6.º, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 32.º E 77.º DA LULL ARTIGOS 5.º, 3 E 6.º, DO DL 446/85, DE 25/10 | ||
Sumário: | 1. - No âmbito do regime das cláusulas contratuais gerais, quanto ao dever legal de comunicação (e informação) a cargo do predisponente, impende sobre a parte aderente o ónus de alegação de que não foi cumprido tal dever.
2. - Observado esse ónus de alegação, impende sobre a contraparte (predisponente) o ónus da alegação e prova dos factos demonstrativos do cumprimento desse dever (n.º 3 do art.º 5.º do DLei n.º 446/85, de 25-10, na redação aplicável). 3. - Em tal caso, não pode deixar o tribunal de se pronunciar, em sede de decisão da matéria de facto, sobre os factos alegados pelo predisponente no âmbito daquele seu ónus de alegação e prova, por se tratar de factualidade essencial à decisão do litígio. 4. - Estando em causa a prestação de garantia de aval em livranças, por quem é sócio e gerente de sociedade subscritora, beneficiária de financiamento bancário, deve ter-se por cumpridos os deveres de comunicação e informação quanto ao clausulado contratual geral referente à relação de garantia (aval), se o banco predisponente se colocou à disposição dos avalistas para lhes prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que estes reputassem necessários antes de subscreverem os contratos, perante um modo informal de relacionamento recíproco, a que todos os intervenientes aderiram, num quadro de relação duradoura marcada pela falta de disponibilidade temporal do sócio gerente da sociedade, e avalista desta, para estabelecer contactos diretos com o banco, levando à agilização de procedimentos/formalidades e comunicações. 5. - A natureza, o âmbito e as consequências da prestação da garantia cambiária do aval estão legalmente fixadas/estabelecidas (de longa data, tendo até aderido já ao senso comum), não se tratando, pois, de predisposição pelo banco à margem do regime legal, consabido que a ignorância da lei (aquele regime legal) não pode aproveitar a ninguém, antes devendo tal lei ser conhecida por quem é sócio gerente experiente de sociedade comercial por quotas, com anterior relação com o setor da banca. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório Por apenso aos autos de execução para pagamento de quantia certa que lhes move o “Banco 1..., S. A.”, com os sinais dos autos, vieram os executados AA e BB, também com os sinais dos autos, deduzir oposição mediante embargos de executado, pugnando pela extinção da execução e alegando, para tanto, em síntese ([1]): - a insuficiência do título executivo (duas livranças avalizadas pelos Embargantes); - a inexigibilidade do crédito exequendo, por falta de interpelação dos avalistas para pagamento, não demonstração de resolução contratual, nem quanto à liquidação da obrigação; - a impossibilidade, imputável ao Exequente, de os Embargantes ficarem sub-rogados nos direitos que lhes competiam, pelo pagamento das responsabilidades entretanto vencidas; - a mora do credor, por a boa-fé exigir que, perante o incumprimento da sociedade subscritora, o Exequente logo avisasse os Embargantes, enquanto avalistas, para cumprirem no lugar daquela, de modo a evitar o avolumar de responsabilidades; - a existência de abuso do direito do credor (nas modalidades do «venire» e «supressio»); - ter o Exequente já recebido parcialmente o montante peticionado; - estar ultrapassado o âmbito temporal do aval prestado; - ter a sociedade subscritora aderido a PER, já objeto de homologação judicial, com alteração do prazo de pagamento das responsabilidades, com a consequência de terem ficado prejudicados os títulos primitivos da dívida, incluindo as livranças; - tendo os contratos de abertura de crédito a que se referem as livranças sido elaborados com sujeição a clausulado contratual geral, nos quais foi prestado o aval, não ocorreu comunicação e informação aos avalistas/Embargantes quanto a tal clausulado, mormente no tocante à sua responsabilização, implicando a respetiva invalidade relativamente a estes. Liminarmente admitidos os embargos, o Exequente contestou, explicitando os valores peticionados em causa e pugnando pela improcedência dos argumentos invocados pela contraparte e, assim, concluindo pela total improcedência da oposição à execução. Em audiência prévia, foi proferido despacho saneador, julgando-se improcedentes as deduzidas exceções da insuficiência do título executivo (as livranças dadas à execução) e da falta de condições processuais para prosseguimento da execução (por inexigibilidade da obrigação exequenda, decorrente do invocado PER), a que se seguiu a enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova, incluindo-se nestes a matéria de «comunicação das cláusulas contratuais gerais integradas nos contratos» e «entrega de cópia aos embargantes dos referidos contratos». Realizada a audiência final, com produção de provas, foi proferida sentença, datada de 03/10/2022, julgando totalmente improcedentes os embargos de executado. Os Embargantes recorreram do assim decidido, tendo esta Relação, por acórdão de 28/02/2023, decidido anular, «oficiosamente, a decisão recorrida, para ampliação da matéria de facto, com repetição parcial do julgamento, quanto ao âmbito fáctico referente à questão da existência alegada de comunicação e informação aos Embargantes/aderentes do clausulado contratual geral que lhes respeita (de acordo com a versão fáctica afirmativa constante dos art.ºs 65.º a 71.º da contestação do Embargado e segundo o ónus da prova que lhe cabe)», julgando no mais prejudicadas as questões de direito suscitadas. Na 1.ª instância, em obediência ao decidido, procedeu-se à repetição parcial do julgamento, com produção de provas, após o que foi proferida sentença, datada de 29/02/2024, julgando improcedentes, por não provados, os embargos deduzidos. Novamente inconformados, os Embargantes recorrem do assim decidido, com apresentação de alegação (versando sobre matéria de facto e de direito), onde formulam as seguintes Conclusões ([2]): «A. O presente recurso é efetuado após prolação de douta Sentença, na sequência do decidido por douto Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no qual, ao abrigo do estabelecido nos n.ºs 2, al.ª c), e 3, al.ª c), do art.º 662.º do CPC, se procedeu oficiosamente, à anulação da decisão então recorrida, para ampliação da matéria de facto, com repetição parcial do julgamento, quanto ao âmbito fáctico referente à questão da existência alegada de comunicação e informação aos Apelantes/aderentes do clausulado contratual geral que lhes respeita, de acordo com a versão fáctica afirmativa constante dos artºs 65.º a 71.º da contestação do Apelado e segundo o ónus da prova que lhe cabe. B. Em obediência ao superiormente decidido, e efetuada a repetição parcial do julgamento, foi assim proferida nova douta Sentença, na qual foi, e com os termos e fundamentos nela expostos, julgados improcedentes, por não provados, os embargos à execução deduzidos. C. Assim, tem o presente recurso por objeto a nova decisão prolatada pelo Tribunal a quo, o qual versa sobre a matéria de facto e de direito, por com a douta decisão asseverada não poderem os Apelantes concordar, pelo que ora colocam em causa. D. O Tribunal a quo continuou a andar mal ao ter continuado a julgar improcedente os Embargos de Executado deduzidos pelos Apelantes, após a repetição parcial do julgamento. E. A douta Sentença recorrida, apesar do seu recorte técnico, não fez, salvo devido respeito, correta interpretação dos factos e não tomou em consideração toda a matéria relevante, bem como, por outro lado, se algumas das normas legais fossem bem interpretadas e corretamente aplicadas aos factos conduziriam, necessariamente, sempre com o devido respeito, a decisão diferente da tomada pelo douto Tribunal a quo. F. Como se lê na douta fundamentação, assenta essencialmente, nesta sessão de julgamento, nos depoimentos de parte de AA e BB, bem como no das testemunhas trabalhadoras do Apelado, CC e DD. G. Do depoimento da testemunha CC, retira-se inequivocamente que a mesma não presenciou (nem podia presenciar) o circunstancialismo e a factualidade em que foram celebrados os contratos de crédito descritos em pontos 3.º e 4.º de factos provados, nomeadamente o momento e forma pela qual foram presentes aos Apelantes, ou em que os mesmos os subscreveram, contratos celebrados entre o Banco e a referida empresa, a 06.07.2017, e 24.03.2014, cfr. referidos pontos, 3.º e 4.º de factos provados. H. Ora, não tendo a testemunha estado presente nas negociações dos contratos em apreço, jamais poderia referir-se, e muito menos explicar a forma como decorrerem tais negociações em concreto, pelo que nenhuma relevância pode ter para demonstrar o cumprimento do ónus a que o Apelado está obrigado. I. Do depoimento da testemunha DD, resulta que aquando da elaboração do contrato de crédito relativo à conta corrente, o que necessariamente implicava a sua aprovação, o Apelado não conhecia o património dos avalistas. J. Ora, caso o banco Apelado entendesse pela necessidade do crédito a conceder à sociedade, ter como garantia complementar, do aval dos sócios desta, os Apelantes, necessariamente deveria, previamente, inteirar-se da sua valia patrimonial, e questionado os Apelantes relativamente aos bens que possuíam, o que resulta do normal comportamento bancário. K. Não o tendo feito o Apelado, a única conclusão a retirar, é que tais avales, e a sua valia, seria irrelevante e desnecessária, para a concessão do crédito em causa, e consequentemente não teria sido o tema aval tratado em qualquer das conversações “havidas” entre a testemunha e a Apelante mulher, não só para a abertura de conta, mas e também para a formalização da operação de crédito em conta corrente e, posteriormente, da linha Capitalizar. L. A que acresce, que tendo já a sociedade beneficiado à época de créditos bancários em outras instituições, sem a necessidade de prestarem os Apelantes aval, seria normal e compreensível que tal tema não fosse abordado no caso, ou que sobre esse tema não fosse solicitado algum esclarecimento pelos Apelantes à testemunha, ou a qualquer outro funcionário do banco Apelado, tendo o tema passado despercebido à Apelante mulher, que não havia sido alertada para tal exigência nos contatos havidos com a testemunha. M. Do mesmo depoimento da testemunha verifica-se que esta não responde em concreto ao circunstancialismo ocorrido com as outorgas dos contratos, nem a explicação das condições contratuais, mas antes o que seria, no entendimento da testemunha, usualmente praticado por via de regra, ou sobre esclarecimentos de eventuais dúvidas que que os Apelados pudessem ter sobre tais condições, referindo no entanto que a Apelada mulher sempre usava da normal diligência para questionar condições que não aceitasse, ou compreendesse. N. Não se re[t]ira, ou se pode retirar, que tenham existido quaisquer negociações relativamente às condições de aprovação da conta corrente, e posteriormente quanto à linha Capitalizar, nomeadamente quanto à prestação de aval pelos Apelantes à sociedade A..., para a concessão dos créditos em causa, nem prévias, nem posteriores, O. Bem como do depoimento não se pode retirar, do que a testemunha refere como sendo o procedimento usual ou habitual, seu, ou do banco, nos casos de concessão de créditos, tenha sido cumprido no caso sub judice. P. De outra banda, não ficou demonstrado, ou consta dos autos que relativamente a quaisquer dos contratos em causa, depois de outorgados por todas as partes, tenha sido fornecido à sociedade A... uma via, ou mesmo uma mera cópia, obrigação de entrega de um exemplar contendo todas as assinaturas que a não ter sido efetuada, deveria ser considerada como uma nulidade atípica. Q. Do depoimento da testemunha, não resulta que a Apelante mulher, como administrativa e sócia da sociedade A..., a qual tinha a seu cargo o relacionamento com os bancos, fosse, no caso, descuidada ou desinteressada dos assuntos que dissessem respeito à sociedade, ou não solicitando esclarecimentos quando se mostrassem necessários. R. Em suma do depoimento da testemunha resulta claro que não se recorda se as condições dos créditos, sem concretizar quais, foram explicadas presencialmente aos Apelantes, tão só presume que tal possa ter ocorrido. S. Do depoimento de parte de BB, resulta que foi o Apelado que procurou a sociedade A... e que a pretendia angariar como cliente, oferecendo-lhe uma pré-aprovação de uma conta corrente de 100.000 euros, ou seja, não foi a sociedade que procurou e solicitou ao banco tal crédito. T. Mais confirma a depoente que, nas conversações iniciais para a abertura de conta e concessão da conta corrente, nunca se falou da necessidade de se dar em garantia uma livrança avalisada pelos Apelantes, sendo normal que a Apelante mulher, a pessoa encarregue na empresa dos contatos com os bancos, não questionasse dessa condição, tanto mais que no único crédito que a sociedade havia antes contraído junto da Banco 2..., tal aval não foi exigido, acreditando a depoente que essa condição/garantia deveria ter sido expressamente informada pelo Apelado. U. Resulta ainda que para os Apelantes, o aval a ser dado, recairia sobre as suas participações de capital (quotas) na sociedade, e não sobre os seus bens pessoais, bens pessoais que de resto nunca foi solicitada pelo Apelado tal informação aos Apelantes, o que contribuiu para cimentar, erradamente é certo, que o aval não incidiria sobre os seus bens pessoais, mas antes e tão só sobre as quotas que detinham na sociedade. Naturalmente caso os funcionários do Apelado informassem de tal condição, o erro em que laboravam os Apelantes seria seguramente esclarecido. V. Porém, acredita-se que tal esclarecimento não tenha sido prestado intencionalmente, pois, com grande certeza, a ser prestado tal esclarecimento, com certeza não angariariam a conta da sociedade, como declarou a depoente a instancias da Mm.ª Juiz, tanto mais que a sociedade no único financiamento que havia contraído junto da Banco 2..., tal exigência de garantia não existia, não sendo assim a “oferta” de conta corrente pelo Apelado competitiva com a que vigorava na Banco 2..., nem a sociedade a substituiria com essa condição pela nova conta corrente, de que não necessitava. W. Resulta evidente que os Apelados avalizaram as livranças e aderiam aos contratos de crédito em manifesto erro, o que só foi possível porque acreditaram na sua boa-fé, que a exigência de aval pessoal deveria ter sido expressamente informada pelo apelado, o que em momento algum sucedeu, nem quando deu indicação para a Apelante mulher para escrever no verso da livrança “bom para aval ao subscritor” e a subscrever com o marido, sócio-gerente, X. e não tendo sucedido, os Apelados não estavam sensibilizados, nem despertos, para solicitarem tal informação ou esclarecimento, conferiram nos contratos tão só do que foram informados, nomeadamente, montantes, taxas e prazos, o que é normal, razão pela qual “não tinham dúvidas” a esclarecer. Y. Resulta ainda evidente, pela analise do doc.8 da Contestação em conjugação com os depoimentos supra transcritos que o início do relacionamento não teve origem num pedido de crédito ao Apelado, antes pelo contrário, foi este, com o intuito de angariar a sociedade A... como cliente, lhes “ofereceu” uma conta corrente, seguramente para substituir a existente junto da Banco 2..., com condições pré aprovadas, as quais não foram alvo de qualquer negociação, antes, e tão só, careciam da aceitação das condições propostas pela sociedade A..., nada mais. Z. Quanto à linha Capitalizar, o comportamento do Apelado foi idêntico, isto é, o funcionário do Apelado omitiu dos Apelantes as consequências resultantes de um aval pessoal, na sua esfera patrimonial, veja-se que quando questionada a testemunha DD, o funcionário da Apelado que tinha a cargo o acompanhamento do cliente A..., sobre se havia informado os Apelantes em que consistia, concretamente, a garantia de aval, este responde, convenientemente, que não se recordava, como aliás não se recordava de terem decorrido negociações previas à concessão dos créditos, nem da forma (pessoal ou telefonicamente) como terá comunicado as condições de aprovação (se é que as comunicou), e, no caso afirmativo, que condições concretamente comunicou, ou mesmo se entregou à sociedade A..., as vias dos contratos celebrados com a assinatura de todas as partes. AA. O Apelado, tinha o dever de informação e comunicação sobre o conteúdo das cláusulas contratuais, nomeadamente aquelas que implicavam a responsabilização pessoal dos Apelante pelo aval, pois que só podem ser corretamente aceites se destes forem conhecidas, para evitar os vícios na formação da vontade, nomeadamente os aludidos nos artigos 246.º, 247.º e 251.º do Código Civil, vícios que se verificam in casu. BB. É que ainda que, e sem conceder, se os Apelantes quisessem prestar aval a favor da sociedade A..., tinham de estar informados sobre o conteúdo da obrigação que assumiam para formar a sua declaração negocial de forma livre e esclarecida e em conformidade com o que seria a sua vontade caso estivesse na posse de todos os elementos para decidir, o que não sucedeu. CC. Mais, resulta claro que os Apelantes, nomeadamente a Apelante mulher, que tinha a seu cargo os contatos e relacionamento bancário, usou da diligência necessária, no circunstancialismo descrito, para que, tendo em conta a importância do contrato e a extensão e complexidade das cláusulas, se torneasse possível o seu conhecimento efetivo, por quem use de comum diligência, DD. Conhecimento que só não se tornou possível devido á omissão de comunicação pelo Apelado da exigência de aval, deixando os Apelantes continuarem a laborar em erro, isto é no erróneo entendimento que tinham das consequências de prestação de aval na sua esfera patrimonial, diligência a qual, como se disse, terá de ser apreciada de acordo com as circunstâncias do caso, devendo ter-se ainda em atenção que a Apelada mulher só tem o ciclo secundário de ensino, e a sua experiencia bancária e literacia financeira se resume à de um normal depositante, sendo certo que antes dos créditos em causa, a sociedade só havia recorrido uma vez na Banco 2... a um apoio financeiro, sem a necessidade do mesmo ser avalizado. EE. Não resulta demonstrado e provado que o Apelado deu conhecimento prévio das cláusulas dos contratos em causa, tendo somente estes sidos deixados na sede da sociedade A... para serem assinados, sem que fossem prestados quaisquer esclarecimentos quanto ao limite das responsabilidades dos Apelantes, nomeadamente como avalistas. FF. Tanto mais que os Avalistas, aqui Apelantes, não estavam esclarecidos e informados suficientemente dos textos contratuais, antes em erro, de forma a pedir os esclarecimentos de que careciam, antes da outorga dos contratos, não se podendo retirar das suas subscrições, que prescindissem de quaisquer explicações quanto aos respetivos termos contratuais. GG. Se o conceito de avalista faz parte do senso comum, e não carece de particular explicação, o mesmo não sucede com as cláusulas e declarações que influem e implicam responsabilidades por via da prestação de aval, e que a possa influenciar, HH. como a da entrega de livrança em “branco” e suas implicações para os terceiros garantes, aqui Apelantes, das resultantes do pacto de preenchimento, do prazo das operações e da manutenção ou não dos avales depois do período inicial, II. isto é, da manutenção ou não dos avales em consequência de uma eventual renovação das operações avalizadas sem a autorização dos avalistas, da mora e das consequências da resolução dos contratos para o caso da sociedade avalizada não cumprir as suas obrigações, de entre outras. JJ. Pois a caraterização destas cláusulas (de entre outras) compreendem inquestionavelmente conceitos técnico-jurídicos, pelo que tinha o Apelado o dever de atempada comunicação e cabal esclarecimento, o qual não fica preenchido com qualquer declaração que possa ou não ter sido subscrita pelos Avalistas com a celebração dos contratos de crédito em causa nos autos, sem tal explicação. KK. Ora, no domínio das cláusulas contratuais gerais não basta a sua aceitação, como foi no caso dos Avalistas/Apelantes, exige-se que lhes tenham sido efetivamente comunicadas tais cláusulas, e que haja uma efetiva informação sobre as mesmas, informação e esclarecimentos razoáveis e essenciais, que o Apelado não prestou aos Recorrentes, nem nos preliminares à subscrição dos contratos, nem mesmo em um qualquer momento posterior. LL. Resulta inequívoco que o banco Apelado não cumpriu o dever de comunicação, seja por omissão ou inércia própria, seja por optar por um procedimento negocial (via telefónica ou outro) onde não está presente, mas em que não deixa de ter a obrigação de cumprir tal dever, sendo a consequência de que todas as cláusulas dos contratos que impliquem a responsabilidade pessoal dos Apelantes, isto é como Avalistas, devem ter-se por excluídas relativamente aos mesmos, que delas, sem culpa, desconheciam o real significado. MM. Tendo o Apelado omitido aquele ónus em relação a cláusulas fulcrais para o negócio tido em vista, isto é, as que exigem a constituição dos Apelantes como avalista, terão as mesmas que considerar-se excluídas, o que afeta integralmente os termos dos contratos com reflexo sobre os direitos e obrigações constituídos pelos mesmos. NN. De outra banda, não basta a simples disposição, por parte dos Apelantes, do conteúdo das cláusulas contratuais gerais, para que tal dever se considere como correta e legalmente cumprido. OO. Quem as utiliza tais contratos, deve, além de comunicar o respetivo conteúdo, informar o aderente do seu significado e das suas implicações, tendo em conta as especificidades de cada caso em concreto, sob pena de não se poder ter por cumprido tal dever, cabendo, o ónus da prova de que assim aconteceu, no caso, o Apelado. PP. Não se tendo provando que aos Apelantes avalistas das duas livranças de garantia fora dada a informação necessária quanto às responsabilidades inerentes ao aval, bem como dos pactos de preenchimento respetivos, as mesmas terão ainda de considerar-se incompletas pelo que nulas, não podendo servir de base a ação executiva. QQ. Não pode o douto Tribunal a quo concluir e ter como provado terem sido cumpridos os comandos legais de informação fundamentando pelo Apelado. RR. Tanto mais que como resulta da normal experiência de vida, nas negociações de créditos bancários o que é tratado/negociado são os montantes e taxas, não as clausulas contratuais gerais, pois essas a banca não aceita, em regra, negociar, nem nas aludidas negociações, são nesse momento, os contratos e seus clausulados dados a conhecer, SS. Como prescreve o art.º 8.º do citado diploma legal, deverão ser excluídas, além de outras, as cláusulas que não tenham sido comunicadas nos termos do art.º 5.º e as que forem comunicadas com violação do dever de informação, de molde que não seja de esperar o seu conhecimento efetivo. TT. Assim, não pode ter-se por cumprido tal dever de informação e esclarecimento por parte do Apelado, quando não constam da fundamentação da douta Sentença, de modo categórico, do elenco dos factos provados e não provados, factos e circunstâncias que retratam de forma perfeitamente clara e inquestionável o sucesso probatório a que o Apelante estava onerado, nem da tese factual sustentada na douta Sentença recorrida com recurso às regras da normal experiencia de vida, pois estas regras não são prova bastante, nem provam o seu contrário, e muito menos podem isentar o Apelado do ónus probatório a que está vinculado, e que não se mostrou cumprido. UU. Pelo que e quanto ao ponto c) de factos não provados, deve o mesmo passar a integrar os factos dados como provados, no lugar que lhe pertencer, com a seguinte redação: c) os contratos descritos em 3) e 4) dos Factos provados não foram objeto de prévia negociação individual, não foram entregues cópias aos embargantes depois de subscritos por todos os intervenientes, não lhes tendo sido o seu conteúdo informado ou explicado quando os subescreveram, nem em momento anterior ou mesmo posteriormente. Os Embargantes limitaram-se a subscrevê-los e a avalisar nas livranças em branco a sociedade A..., Lda., em manifesto erro quanto à responsabilidade que tais avales constituíram, tal qual lhes foram apresentados pelo Exequente, tendo-lhes sido omitido e não prestados quaisquer esclarecimentos quanto às implicações e ao limite das suas responsabilidades, nomeadamente como avalistas. VV. E, em consequência o ponto 22) de factos provados ser eliminado, o que também se requer. WW. Assim, e em consequência, terá de se verificar preenchida a previsão do art.º 8.º, al. a) do citado normativo, e, por isso, as cláusulas contendo conceitos técnico jurídicos, declarações dos avalistas Apelantes relativas à sua responsabilização e com elas relacionadas, carecem, por esta via, de validade, e de poderem ser aplicadas aos presentes autos executivos. XX. Isto é, derivado de tal incumprimento, as todas as cláusulas dos contratos em causa nos presentes autos, nomeadamente da Linha Capitalizar e da abertura de crédito em Conta, que se encontrem nas circunstâncias acima enumeradas, terão de ser, quanto aos avalistas, aqui Apelantes, excluídas, declaradas inválidas, e sem qualquer efeito, o que se requer. Normas violadas: artigos 246.º, 247.º, 251.º, 334.º, 813.º, 814.º, 815.º e 816.º, do Código Civil; artigos 5.º, n.º 2, e 8.º, do Regime das Cláusulas Contratuais Gerais, aprovado pelo DL 446/85, de 25/10, com as respetivas alterações; artigos 53.º e 77.º da LULL NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE V. EXAS. SUPRIRÃO, se requer que o presente Recurso seja declarado procedente, por provado, Fazendo assim V. Exas. Venerandos Desembargadores a costumada JUSTIÇA». Contra-alegou o Recorrido, concluindo pela total improcedência do recurso. Este foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos (apenso de embargos) e efeito meramente devolutivo, tendo então sido determinada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime fixado. Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
II – Âmbito recursivo Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, está em causa na presente apelação saber: a) Se ocorreu erro de julgamento de facto, devendo alterar-se o quadro fáctico da sentença [quanto aos impugnados al.ª c) dos factos dados como não provados, a dever transitar, nos moldes pretendidos, para o quadro provado, e ponto 22 do elenco dado como provado, a dever ser eliminado]; b) Se, verificado tal erro na decisão de facto, ocorre invalidade de clausulado contratual geral, por falta de comunicação e informação pelo predisponente (banco) aos Recorrentes/aderentes/avalistas, levando à exclusão das respetivas cláusulas, com o decorrente afastamento da responsabilidade de tais avalistas e procedência dos embargos.
III – Fundamentação A) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto Pugnam os Recorrentes por uma outra decisão de facto, com redação diferenciada quanto a dois pontos do quadro fáctico da causa, um deles dado como provado na sentença e a dever agora ser eliminado; o outro, julgado não provado, a dever agora passar a “provado”, com determinada redação proposta. Assim, e concretizando, pretendem [cfr. conclusão VV)] que seja eliminado o ponto 22 do quadro dado como provado, o qual tem a seguinte redação: «22 - O Embargado colocou-se à disposição dos embargantes para lhe prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que estes reputassem necessários antes de subscreverem os contratos descritos em 3) e 4) e apenas quando chamados a cumprir, após terem assinado voluntariamente os pactos de preenchimento e as livranças, onde se obrigaram como avalistas, aduzem a violação dos deveres de comunicação e informação, pelo banco, das cláusulas contratuais referentes ao aval.». E advogam [conclusão UU)] que a al.ª c) dos factos dados como não provados – que apresenta o seguinte teor: «c) os contratos descritos em 3) e 4) dos Factos provados não foram objecto de prévia negociação individual, não foram entregues cópias aos embargantes, não lhes tendo sido o seu conteúdo informado ou explicado no momento em que os subescreveram, nem mesmo posteriormente. No dia das suas assinaturas, os Embargantes limitaram-se a subscrevê-los e a avalisar nas livranças em branco a sociedade A..., Lda., tal qual lhes foram apresentados pelo Exequente, só nesse momento, e sem que lhes fossem prestados quaisquer esclarecimentos quanto ao limite das suas responsabilidades, nomeadamente como avalistas» – transite, afinal, para o quadro provado, “no lugar que lhe pertencer”, com a seguinte redação proposta: «os contratos descritos em 3) e 4) dos Factos provados não foram objeto de prévia negociação individual, não foram entregues cópias aos embargantes depois de subscritos por todos os intervenientes, não lhes tendo sido o seu conteúdo informado ou explicado quando os subescreveram, nem em momento anterior ou mesmo posteriormente. Os Embargantes limitaram-se a subscrevê-los e a avalisar nas livranças em branco a sociedade A..., Lda., em manifesto erro quanto à responsabilidade que tais avales constituíram, tal qual lhes foram apresentados pelo Exequente, tendo-lhes sido omitido e não prestados quaisquer esclarecimentos quanto às implicações e ao limite das suas responsabilidades, nomeadamente como avalistas.». A justificação da convicção da 1.ª instância apresenta-se pelo seguinte modo ([3]): «(…) as declarações de parte do executado AA, engenheiro civil, sócio gerente da subscritora das livranças, A..., Lda, não mereceram credibilidade porquanto, no fundo, apresentou uma memória selectiva quanto aos factos em discussão, na medida em que, ora referiu que contrato Linha Capitalizar Fundo de Maneio poderia ter garantias associadas, não se lembrando, ora adiantou que sempre que assinou uma livrança é porque havia e tinha subscrito igualmente um pacto de preenchimento da livrança. Depois, relativamente à negociação dos contratos em apreço basicamente limitou-se a referir que assinava sempre os documentos na empresa, nunca se dirigia às instituições financeiras, desconhecendo, contudo, quem levava os contratos à empresa, quem os recolhia. Contudo, asseverou que nunca ficou com cópia, o que, pelas reservas que tal depoimento vago, genérico, pouco preciso apresentou, não nos mereceram credibilidade. Com efeito, não faz muito sentido, à luz das regras da experiência comum, que um sócio gerente de uma empresa com alguma dimensão (uma vez que declarou que tinham linhas de garantia bancária em várias empresas superiores a dois milhões de euros), com formação superior, prestasse declarações, de forma tão desprendida, vaga, sobre contratos de financiamento com montantes envolvidos na ordem dos 600,000,00 € (seiscentos mil euros). Do por si declarado resultou que nem sequer sabia quais os montantes envolvidos quando a empresa deixou de cumprir os contratos, aludindo a que nem sequer tinham acesso a extractos, o que não merece credibilidade, por à luz das regras da experiência comum não ser de crer um tal alheamento da vida da empresa por parte do seu sócio gerente. Para além disso, a forma despreendida como falou da assinatura dos contratos não se compadece com o reconhecimento presencial de assinaturas que, por exemplo, teve lugar, perante advogado, no que respeita ao contrato descrito no Ponto 3) dos Factos Provados. Por outro, é inegável que relativamente ao contrato descrito no Ponto 4) dos Factos provados, o que se constata é que o mesmo inicia, “no seguimento das conversações havidas”, o que, implica, por si só a existência de uma negociação prévia ao mesmo. Até a testemunha EE, contabilista da A..., revelou ter conhecimento de que esta sociedade que se dedicava a trabalhos com obras públicas, trabalhava, via de regra, com garantias bancárias e que tinha contas correntes em quase todas as instituições bancárias. FF, bancário, a prestar serviço para a Exequente no Centro de Empresas do Banco 1... em ..., responsável desde 2007, (…) asseverou que o Banco acompanha regularmente os seus clientes, mediante reuniões com gerentes, directores financeiros, sendo que a própria testemunha os tenta conhecer a todos, aludindo a reunião havida em Setembro de 2019 – reunião de acompanhamento – por já haver preocupação com contas da empresa. Mais referiu, de forma credível, que neste tipo de contratos é normal serem acompanhados de garantias bancárias de boa execução de obra ou garantias de cumprimento, para além de livranças. A testemunha CC, bancária, a prestar serviço na Direcção de Recuperação de Crédito de Empresas do Banco 1..., anui conhecer apenas, através de contato telefónico, a embargante. Mais descreveu o período em que as dificuldades financeiras da empresa devedora se forma revelando, a emissão das cartas de interpelação e resolução, o acionamento da garantia bancária (retratada nos documentos de fls.81 a 83 dos autos). Mais explicou que o formato do contrato de conta corrente ainda é assim, por se extrair desta forma do programa informático, após negociação entre as partes. Matéria de facto da ampliação e dada como provada no ponto 22) dos Factos Provados Novamente ouvido em sede de declarações de parte/depoimento de parte a propósito da matéria descrita no despacho dato de 09.05.2023, AA declarou que o contrato de empréstimo no âmbito da Linha especifica CAPITALIZAR - "Fundo de Maneio” que tomou a escrita do Banco ...02 celebrado entre o Banco e a referida empresa, a 06.07.2017, conforme documento de fls.32 a 48 dos autos, terá sido apresentado a solicitação da A... ou o Banco que o apresentou. Referiu que a empresa A..., da qual era sócio e gerente, ficou interessado e daí a celebração do referido contrato. Apesar de ter referido, mais do que uma vez, que o que ficou acordado, por referência a ambos os contratos, foi o que ficou estabelecido, tendo o contrato de abertura de crédito em conta corrente sido uma iniciativa do embargado, o declarante/depoente reiterou que dos documentos apenas verificou o prazo, o valor e a taxa de juro e que nenhum funcionário do Embargado lhe explicou o demais clausulado, nem em que consistia os avais apostos nas livranças, insistindo que achava que estava a dar de aval o capital social da empresa (620 mil euros). Igualmente ouvida em sede de depoimento de parte, a executada/embargante BB anuiu na assinatura dos contratos e livranças dadas à execução. Mais declarou que não se deslocava à agência bancária do embargado, mas sim este, através de um funcionário seu, que identificou como sendo DD, era quem contatava consigo, dirigindo-se à sede da A... ou através de contato telefónico. Assim, referiu que era este funcionário que deixava os contratos no escritório da A..., com indicação do local onde deveriam ser apostas as assinaturas, para, no dia a seguir ou mais tarde, os recolher. À semelhança do seu marido, a depoente declarou que apenas se preocupava em verificar do valor do contrato, prazo e taxa de juro, porquanto isso era o que era falado nas conversações, não lendo os contratos. Contudo, aduziu que se dúvidas existissem, o embargado as teria esclarecido. Reiterou que para si o aval se resumia à sua qualidade e património enquanto gerente da sociedade A..., uma vez que, o capital social da empresa era superior o valor mutuado. Ambos os depoentes confirmaram que tinham tido financiamento(s) anterior(es) na Banco 2..., S.A., onde se incluíam livranças, mas não avalizadas. Foram ainda arroladas as testemunhas CC e DD, bancários a prestar serviço no embargado. A primeira, ao serviço da recuperação de crédito, não esteve presente nas negociações dos contratos em apreço, os quais descreveu que decorrem de negociações, explicitando que as condições dos contratos da Linha Capitalizar não são fixas, têm parâmetros e destes deste intervalos procura-se o mais vantajoso para o cliente. A testemunha DD confirmou que trabalha no Centro de Empresas de ... do Embargado, confirmando que esteve várias vezes com a executada, com quem contatava pessoal e telefonicamente, e apenas uma vez com o executado/embargante. A testemunha declarou, de forma espontânea, que abordou a A... por se tratar de alvo potencial, o que localizou em 2012/2013. Reconheceu que não tinha conhecimento do património dos avalistas, apenas documentação relativa à empresa. Confirmou que os contratos eram por si entregues na A... para serem assinados pelos representantes legais e depois passava para os recolher uns dias depois. Referiu que as condições dos empréstimos resultavam de negociações, não era tudo aceite tacitamente, sendo que as condições dos empréstimos como montantes, prazo, taxa, respectivas garantias como livranças, garantias autónomas, eram comunicadas por email ou carta e pensa que presencialmente, não podendo asseverar com certeza absoluta atento o lapso de tempo decorrido. Contudo, via de regra entregava em mão os contratos e recolhia, sendo que referiu que, no âmbito da sua actividade passava ainda pela empresa de 2 ou 3 em 3 meses (acompanhamento do cliente). Mais referiu que tinha conhecimento que os embargantes tinham negociações com outros Bancos antes do embargado, designadamente, com avais. Ora, concatenada a prova coligida, o que extraímos, desde logo, das declarações das partes, é que estiveram na posse de ambos os contratos a que as livranças se reportam. Os documentos foram deixados ou remetidos às instalações da A... e aí recolhidas as assinaturas. O contrato de fls. 32 a 48, condições gerais, condições específicas, condições particulares, garantias, mostra-se assinado e rubricado pelos depoentes, sejam como sócios gerentes da A..., seja como avalistas. O contrato de fls.55 a 59 mostra-se assinado e rubricado pelo Embargante e rubricado pela Embargante, tendo ambos assinado o pacto de preenchimento de livrança em caução. Olhando para ambos os contratos, no seu todo, constatamos que a apresentação gráfica das condições particulares e gerais – tipo e tamanho da letra, espaçamento entre linhas, o espaçamento entre parágrafos, as epigrafes a negrito em função do contexto -, permite identificar, sem esforço, nomeadamente, cada uma das cláusulas e, dentro destas, as subcláusulas, que compõem os contratos. Pelo que, de per si, nem pelo número de páginas, nem pelo tamanho e tipo de letra, nem pelas restantes características da redação do texto e respetiva apresentação, os contratos, apresentam dificuldades de leitura. O comércio bancário não pode prescindir do uso de alguma linguagem mais jurídica. Porém, no caso vertente, a linguagem e terminologia utilizada, não apresenta grandes dificuldades de compreensão usando de comum diligência, afigurando-se-nos até que as cláusulas são autoexplicativas. Cada uma das páginas dos contratos está assinada /rubricada. Os Embargantes tiveram os contratos e pactos de preenchimento consigo. Recorde-se que, no âmbito da sociedade os Embargantes celebraram outros contratos bancários e contactaram anteriormente com livranças. Quem contrata sabe e não pode ignorar, que tem de pressupor uma certa compreensão mínima do que se passa. E, quem, como os Embargantes, se afoita a avalizar financiamentos bancários, é de supor, justificadamente, entende, ao menos medianamente, as consequências do incumprimento dessa obrigação. Tanto mais por se tratar de uma consequência transversal a (atrevemo-nos a dizer) todos os negócios (não só bancários). Em lado algum os Embargantes alegam que solicitaram esclarecimentos adicionais para melhor entender o alcance das cláusulas decisivas para a formação de uma esclarecida vontade de contratar. Do que tiveram oportunidade, até porquanto a Embargante referiu que se tivesse procurado esclarecimentos, certamente lhe teriam sido fornecidos pelo embargado. Sendo que, no caso em apreço, como referido, a linguagem e terminologia utilizada no contrato, não apresenta grandes dificuldades de compreensão usando de comum diligência, afigurando-se-nos até autoexplicativas as cláusulas colocadas em causa pelos Embargantes. Termos em que efectivamente, compaginando a prova produzida entendemos que efectivamente resultou provado que o Embargado colocou-se à disposição dos embargantes para lhe prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que estes reputassem necessários antes de subscreverem os contratos descritos em 3) e 4) e apenas quando chamados a cumprir, após terem assinado voluntariamente os pactos de preenchimento e as livranças, onde se obrigaram como avalistas, aduzem a violação dos deveres de comunicação e informação, pelo banco, das cláusulas contratuais referentes ao aval. O que se denota do declarado pelos Embargantes é que procuram reduzir a sua qualidade de avalista à qualidade de sócio, o que não se afigura crível em face das regras da experiência comum. É consabido que o financiamento por parte dos Bancos às sociedades via de regra não prescinde de garantias adicionais, designadamente, avais, prestados pelos próprios sócios. Trata-se de uma garantia adicional perante a ocorrência de um incumprimento. Não se vislumbra como é que o embargado aceitaria proceder a celebração destes contratos em apreço, pelos valores envolvidos, tendo apenas como garantia adicional (sem esquecer a garantia autónoma), o próprio capital social da sociedade. Assim, o alegado pelo embargante não se afigura verosímil, sendo que, o tipo de contratos em apreço não se compagina com inexperiência pelos mesmos aduzida, tanto mais que reconhecem que possuíam financiamentos anteriores em outra instituição bancária. (…) As alíneas b), c) e d) derivam da ausência de prova que as permitisse sustentar positivamente (…). Por outro lado, analisado o objecto de ambos os contratos, as regras da experiência comum, levam-nos a concluir que o seu teor deriva de conversações prévias entre as partes, e mesmo, admitindo que o embargante dessas se alheava, ele próprio remeteu para a sua esposa, também embargante, essa negociação, o que igualmente foi confirmado pela testemunha FF. Assim, não colhe o argumento de que desconheciam o teor dos contratos, apenas sendo confrontados com a necessidade de aposição da sua assinatura. Por isso, pelas reservas já descritas, e considerando as regras da experiência comum e a prática bancária, não colhem igualmente os argumentos de que nada foi lido, explicado, ou entregue qualquer exemplar. Os contratos estão inclusive rubricados e assinados pelas partes, incluindo o embargante.». Perante a empreendida impugnação da decisão relativa à matéria de facto, importa verificar, em caso de cumprimento dos ónus legais imperativos a que alude o art.º 640.º do NCPCiv., se outro deveria ter sido o julgamento da 1.ª instância, por as provas produzidas – as convocadas no recurso, se necessário na sua conjugação com as demais a que se reporta a sentença – imporem decisão diversa (art.º 662.º, n.º 1, do NCPCiv.). Para tanto, neste exercício de sindicância da decisão recorrida, não pode olvidar-se, por um lado, que a Relação deverá formar a sua própria e autónoma convicção, de que não poderá demitir-se, mas também, por outro lado, que é o Julgador em 1.ª instância quem detém a total imediação perante a prova pessoal produzida e objeto de simples gravação áudio, sabido ainda que a convicção do julgador não pode assentar em padrões de verdade absoluta – nunca atingível no caso de valoração da prova pessoal –, mas de probabilidade séria de ocorrência de factos que o Tribunal não presenciou e de que, por isso, apenas tem acesso indireto, através do que lhe é relatado, por pessoas também, por seu lado, compreensivelmente limitadas, porventura, na capacidade de perceção/captação dos fenómenos reais, de conservação dos mesmos na memória e de comunicação/transmissão cabal do que foi percecionado. Por isso, importa também verificar se o juízo do Tribunal recorrido, perante os elementos disponíveis, se situa ainda dentro de uma adequada margem de razoabilidade/aceitabilidade que deve ser conferida pela Relação, sabido – insiste-se – que é a 1.ª instância quem beneficia da total imediação perante a prova pessoal. Termos em que cabe à parte recorrente mostrar que, efetivamente, as provas convocadas impõem decisão diversa, por ser manifesto que deveria ter sido outro o sentido decisório sobre os factos, tornando claro/seguro/incontornável – e não meramente possível/eventual/duvidoso – o erro de julgamento. Vejamos. Desde logo, é seguro que o embargante AA, para além de avalista, também reúne a qualidade de sócio-gerente/legal representante da sociedade devedora. O que o coloca no âmago de todos os interesses subjacentes à contratação financeira estabelecida (entre banco/credor, empresa/devedora e avalista/sócio-gerente/legal representante desta última), sabido, por outro lado, que a co-Embargante/avalista, sua mulher, é também sócia empenhada na vida societária. Daí que, nessa sua qualidade, sempre tivesse esse Embargante marido de conhecer o que se passava com a sociedade (o mesmo ocorrendo, irrestrita e logicamente, com a sua mulher, até pelo seu papel na relação com o banco), os empréstimos/financiamentos que obtinha, as suas dívidas e os avais que lhe prestava, por ser o respetivo sócio-gerente/legal representante, não sendo credível, como sublinhado na sentença, que se alheasse de tudo isso, a começar, em sede de contratação, quando estavam envolvidos valores pecuniários como os aqui em discussão. Os Apelantes apresentam segmentados excertos/transcrição da gravação áudio do depoimento da testemunha CC, para significar, quanto ao que importa, que a mesma desconhecia as negociações em concreto estabelecidas entre as partes. Mas o que não diverge do expendido na sentença, já que nesta se deixou claro que essa testemunha «não esteve presente nas negociações dos contratos em apreço», o que, todavia, não a impediu de os descrever como decorrentes «de negociações, explicitando que as condições dos contratos da Linha Capitalizar não são fixas, têm parâmetros e destes deste intervalos procura-se o mais vantajoso para o cliente». Ou seja – apreciando –, a testemunha, por não ter estado presente nas negociações destes contratos, não poderia depor – como não depôs – sobre o modo concreto como essas negociações decorreram, inter partes, já que de tal não tinha um conhecimento direto e pessoal. Mas podia depor, como depôs, sobre os procedimentos – a prática – do banco em situações semelhantes, o modus operandi do banco credor/financiador, perante os seus clientes, em situações similares, do que, como funcionária bancária, é compreensível que tivesse conhecimento preciso e relevante. Outra questão é a de saber em que termos, perante os contornos do caso e a forma como o depoimento foi prestado – com ou sem riqueza de pormenores e de forma clara, fundamentada, convicta e convincente, ou não –, deverá essa parcela do depoimento ser valorada para efeitos de formação da convicção, obviamente, na conjugação com as demais provas relevantes produzidas. Claro que a indicação daquele modus operandi do banco como prática corrente/comum/habitual, se não mostra automaticamente o que se passou na negociação do caso, não deixa de ser um indicador a merecer ponderação – entre outros – para a dita formação da convicção do Julgador. Concorda-se com os Apelantes quando referem que é normal que uma qualquer instituição de crédito procure o seu lucro, mas daí não pode retirar-se, sem mais, a adoção de práticas lesivas dos direitos dos clientes, seja no âmbito da utilização de clausulado contratual geral, seja fora dele, nem do depoimento da aludida testemunha se pode retirar que os funcionários de agência bancária, por não elaborarem nem poderem modificar aquele clausulado, também não o soubessem explicar aos clientes. Passando ao depoimento da testemunha DD, começa por formular, no seu acervo alegatório, a parte recorrente (socorrendo-se de transcrição da gravação áudio): «00.01:30 -Testemunha: questionada a testemunha pela Magistrada judicial, se conhecia os Apelantes, AA, e BB responde a testemunha: 00.01:39 - Testemunha: sim, estive várias vezes com ela, e o Sr. AA, se a memória não me falha, estive uma vez com ele, cruzamo-nos e cumprimentamo-nos.». Nesta senda, esgrimem os Apelantes que «não se pode deixar de estranhar que esta [testemunha], na realidade, nunca tenha falado com o legal representante, mas sim com sua mulher, embora sócia minoritária da sociedade, e encarregue na empresa, de cariz familiar, dos assuntos com os bancos, não tinha poderes de representação, e de decisão societários. Contraria toda a experiência de vida que um quando bancário, relativamente a uma sociedade que o primeiro financia em valores importantes, não tenha estabelecido, ao longo dos anos, um qualquer contato profissional com o seu gerente, sendo certo que tal contato seria também do interesse do banco, o que evidencia uma falta de acompanhamento notória, e um comportamento, no mínimo, negligente.». Ora, o que pode dizer-se, salvo o devido respeito, é que não competia ao banco opinar sobre o modo de organização interna e distribuição de tarefas dentro de uma empresa terceira/alheia, mesmo que sua cliente. Não lhe cabia, com efeito, interferir na vida interna dessa empresa/sociedade, ainda que sua devedora. Se a empresa/sociedade por quotas e os seus sócios e gerentes entendiam organizar-se desse modo, o que não a inibia de contratar e obter financiamentos bancários, era matéria que só ao foro interno societário dizia respeito, sem direito do banco de se imiscuir. A este apenas cabia verificar do seu interesse na contratação e observar os direitos do cliente, não resultando da transcrição antecedente que assim não houvesse feito, mormente no campo da comunicação e informação sobre o conteúdo de clausulado contratual geral, que é o que aqui importa. Acresce que também não releva para este específico campo problematizado que os funcionários do banco financiador não conhecessem o património dos avalistas, matéria que apenas tinha que ver com o risco e com a substância e fortaleza das garantias de que o banco entendeu fazer-se rodear. Se os avalistas não tivessem património e, ainda assim, o banco os tivesse admitido como tal, o problema seria do banco (plano do risco), em caso de acionamento dos garantes, o qual apenas de si se poderia queixar (por ter acolhido a prestação de uma garantia “fraca”). E nem tal questão interfere com a matéria de comunicação e informação sobre clausulado contratual geral. O que não pode acolher-se agora é – pelo seu pendor meramente aleatório – que «tal aval, e a sua valia era irrelevante, desnecessária, para a concessão do crédito em causa, e consequentemente não teria sido o tema tratado em qualquer das ditas reuniões “havidas” entre a testemunha e a Apelante mulher, não só para a abertura de conta, mas e também para a formalização da operação de crédito em conta corrente». Não passando do domínio dos juízos hipotéticos – sem base factual consistente – a elaboração no sentido de que, «tendo já a sociedade beneficiado à época de créditos bancários em outras instituições, sem a necessidade de prestarem os Apelantes aval, seria normal e compreensível que tal tema não fosse abordado no caso, ou que sobre esse tema não fosse solicitado algum esclarecimento pelos Apelantes à testemunha, ou a qualquer outro funcionário do banco Apelado, podendo o tema ter mesmo passado despercebido à Apelante mulher, que não havia sido alertada para tal exigência nos contatos havidos com a testemunha». Acrescentam os Recorrentes (quanto à mesma testemunha): «(…) 00.06:00 -Mandatária do Apelado: questiona o que entende a testemunha quanto diz as condições, o que entende pelas condições, a taxa de juro, o montante, respondendo esta, 00.06:10 - Testemunha: montantes, prazo e as respetivas condições associadas. 00.06:35 -Mandatária do Apelado: questiona novamente a testemunha se isso foi falado, explicado, é negociado, falado, e qual a forma, ao telefone, presencialmente, respondendo a testemunha, 00.06:37 - Testemunha: sim, foi comunicado como eu disse presencialmente, tenho quase a certeza, e foi-lhe entregue, enviado, e enviada comunicação por mail para lhe ser entregue, mas presencialmente também lhe terá sido comunicado, tenho quase a certeza, não me recordo passado este tempo todo.». Ora, os impugnantes colocam em causa a valia de tal depoimento, quanto à matéria que agora importa. Todavia, embora a testemunha reconheça que, «passado este tempo todo», não se recorda de todos os pormenores da contratação, tem presentes as ideias gerais sobre a mesma, ou seja, que houve comunicação presencial (ter sido “entregue, enviado, e enviada comunicação por mail para lhe ser entregue, mas presencialmente também lhe terá sido comunicado”), do que não pode retirar-se que a testemunha minta, que já não se recorde de nada e que tal comunicação se traduza num ato inexistente. Também não colhe, a nosso ver, indagar, neste âmbito de deveres de comunicação e informação quanto a clausulado contratual geral, sobre se foi explicado em concreto, pelo banco aos avalistas, “em que consistia o aval, e quais as consequências” desse ato, posto tratar-se de matéria regulada por lei expressa (LULL, nos seus art.ºs 30.º e segs., mormente 32.º, e 77.º), sendo que o desconhecimento ou a má interpretação da lei não aproveita a ninguém (art.º 6.º do CCiv.). Assevera ainda a parte recorrente que, «Do depoimento da testemunha, não resulta que a Apelante mulher, como administrativa e sócia da sociedade A..., a qual tinha a seu cargo o relacionamento com os bancos, fosse, no caso, descuidada ou desinteressada dos assuntos que dissessem respeito à sociedade, ou não solicitando esclarecimentos quando se mostrassem necessários». Ora, a testemunha afirma que as explicações e os esclarecimentos eram prestados àquela “administrativa e sócia da sociedade” e também avalista, tal como foi avalista o respetivo marido e sócio gerente da sociedade aludida. Assim, os avalistas, também sócios (e um deles gerente/legal representante) da sociedade, tiveram que intervir na negociação – a sociedade, ente coletivo, não o poderia fazer, logicamente, por si própria –, pelo que ficaram ao corrente da mesma, informação de que dispunham no momento de se apresentarem como garantes/avalistas, sendo que, ademais, já tinham anterior prática societária e de relação com a banca. Quanto a eventuais dúvidas no decurso da negociação, os Apelantes apresentam o seguinte excerto/transcrição do declarado/deposto pela Executada/Embargante/Recorrente mulher: «(…) 00.05:49 - Mandatária do Apelado: os senhores tiveram na vossa posse os contratos, quando passava o funcionário do banco, certo, deixava os contratos... 00.05:52 - Depoente: para que pudesse recolher a assinatura do meu marido os pudesse assinar, porque ele normalmente está em obra, e só mesmo ao final do dia, ou no dia seguinte, ou à noite a que horas fossem é que viria. Portanto ficavam dentro da pastinha, com a indicação onde era para assinar, era assinado, e depois voltavam lá para os ir buscar. 00.06:34 - Mandatária do Apelado: questiona a depoente se surgisse alguma dúvida enquanto os contratos estavam na posse dos contratos, tinham abertura para falar como banco, responde esta, 00.06:40 - Depoente: na altura tanto quanto à conta corrente quanto ao financiamento o que foi falado era valor, o prazo, a taxa de juro, embora soubéssemos que ela poderia oscilar, e foi só isso. 00.07:40 - Mandatária do Apelado: questiona a depoente se o banco não se disponibilizou para explicar qualquer questão que quisessem ver esclarecida, podem não ter tido dúvidas, mas se tivessem acha que alguém do outro lado ia responder, ao que esta responde, 00.07:53 - Depoente: eu acho que se houvesse alguma questão, além daquelas que fosse importante para nós, porque nós tínhamos confiança no banco, que nos pudesse afetar, eu acho que o banco tinha esclarecido, não esclareceu, nunca se falou em nada, que não se cingisse à questão do valor, taxa de juro, do prazo de pagamento 00.08:15 - Mandatária do Apelado: questiona a depoente, tanto quanto pensa saber, nas relações comerciais com outros bancos não avalizavam livranças, a que a testemunha responde, 00.08:39 - Depoente: o primeiro financiamento que fizemos foi na Banco 2..., com o Banco 1... foi o segundo, e com o financiamento com a Banco 2... houve uma livrança, mas não foi avalizada. 00.08:54 - Mandatária do Apelado: mas com o Banco 1... foi, 00.08:59 - Depoente: foi, mas o que tínhamos em mente, toda a nossa ideia era que aquele aval diz respeito à nossa empresa, à nossa quota na empresa, nunca se entendeu de outra forma. 00.09:10 - Mandatária do Apelado: mas a questão é essa, nunca perguntaram, respondendo a depoente, 00.09:23 - Depoente: não tínhamos porque perguntar, nunca nos passaria pela cabeça, porque na realidade nos tínhamos uma empresa com capital social de, penso que eram, à volta de 650.000 euros, e esse capital seria suficiente para garantir o valor do financiamento, quando nos pediram a documentação necessária para o financiamento, todos os documentos que nos pediram diziam respeito à empresa, nunca o banco mos perguntou se nós tínhamos bens próprios, nem sequer qual era o nosso financiamento, se tínhamos bens, se tínhamos imóveis, nunca nos fizeram essa pergunta. Para nós, era uma não questão, não havia dúvidas.». Ora, mais uma vez, o aval vem definido e regulado na lei (LULL), seja quanto à sua natureza, seja quanto ao seu âmbito/alcance, seja quanto aos seus efeitos/consequências, sendo que a ignorância ou má interpretação da lei a ninguém aproveita ou favorece. Donde que, por se tratar de matéria de lei expressa, não esteja em causa propriamente o regime das cláusulas contratuais gerais, sendo que, como a própria Recorrente reconheceu, o banco não deixaria de esclarecer todas as dúvidas ou questões que lhe fossem colocadas (nem que fosse explicar, aos sócios da sociedade, se ainda necessário, o que é um aval). No caso, como se verifica do verso dos títulos/livranças, os Apelantes manuscreveram (pelo seu próprio punho), “Bom para aval ao subscritor”, o que fizeram por serem sócios (e um deles também o gerente) – com a inerente experiência societária, comercial e perante a banca – da empresa subscritora, a sociedade por quotas “A...”, que, através daquela contratação, logrou obter o aludido financiamento junto da banca. Donde que não colha a invocação de «omissão de comunicação pelo Apelado da exigência de aval, deixando os Apelantes continuarem a laborar em erro, isto é no erróneo entendimento que tinham das consequências de prestação de aval na sua esfera patrimonial», quando as consequências da prestação do aval estão legalmente fixadas [não se trata de predisposição pelo banco à margem do regime legal, sendo que a ignorância deste – a própria lei – não pode aproveitar a ninguém, antes devendo ser conhecido por pessoas que são sócias/gerentes experientes de sociedade comercial por quotas, ademais, com anterior relação com o setor da banca]. Donde que, salvo o devido respeito, não se evidencie qualquer erro de julgamento de facto do Tribunal recorrido, não se impondo decisão diversa, razão pela qual, na improcedência desta vertente da impugnação, permanece incólume a decisão da matéria de facto – quanto a factos provados e aos não provados –, sendo, pois, à factualidade provada da sentença – e somente a essa, assim tornada definitiva – que deverá atender-se para a decisão de direito da causa.
B) Quadro fáctico a considerar 1. - Após sindicância pela Relação, é a seguinte a factualidade que resultou provada: «1- O exequente/embargado deu entrada em juízo da acção executiva principal de que os presentes são apenso, contra os Executados/Embargantes, para pagamento da quantia de 226 578,01 € (Duzentos e Vinte e Seis Mil Quinhentos e Setenta e Oito Euros e Um Cêntimo), apresentando como título executivo duas livranças, a saber: a) Livrança com o N.º...74, com a seguinte “Frente”
[mostra-se, assim, digitalizado o rosto de um documento/livrança, a fls. 183 v.º do processo físico, em modo fotográfico, de difícil leitura, atenta a reduzida dimensão ali dos carateres e da própria figura ([4]) Desse documento consta, então, tanto quanto pode captar-se, o rosto de uma livrança, com aquele número e da qual consta a indicação do Exequente, por um lado, e, por outro, da sociedade «A..., Ld.ª», com uma rúbrica sob a menção «a gerência», no local reservado ao subscritor.] e verso:
[mostra-se digitalizado o verso de um documento/livrança, a fls. 183 v.º do processo físico, em modo fotográfico Desse documento consta o verso de livrança, com duas rúbricas sob a menção «Bom para aval ao subscritor»] b) Livrança com o N.º...00, com a seguinte “Frente”:
[mostra-se digitalizado o rosto de outro documento/livrança, a fls. 183 v.º do processo físico, em modo fotográfico, de difícil leitura, atenta a reduzida dimensão ali dos carateres e da própria figura, Desse documento consta, tanto quanto pode captar-se o rosto de uma livrança, com aquele número e da qual consta a indicação do Exequente, por um lado, e, por outro, da sociedade «A..., Ld.ª», com uma rúbrica sob a menção «a gerência», no local reservado ao subscritor.] verso:
[mostra-se digitalizado o verso de um documento/livrança, a fls. 184 do processo físico, em modo fotográfico, Desse documento consta o verso de livrança, com duas rúbricas sob a menção «Bom para aval ao subscritor»]. 2 – Ambas as livranças têm como data de vencimento em 16.07.2020, avalisadas pelos executados AA e BB, que não foram pagas no vencimento, nem posteriormente. 3 – A livrança mencionada em 1 a) preenchida pelo valor € 115.387,14 foi entregue ao Banco pela empresa A... LDA. com o aval dos executados, como garantia das responsabilidades decorrentes de um contrato de empréstimo no âmbito da Linha especifica CAPITALIZAR - "Fundo de Maneio “ que tomou a escrita do Banco ...02 celebrado entre o Banco e a referida empresa, a 06.07.2017, conforme documento de fls.32 a 48, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, ficando o Banco autorizado a proceder ao seu preenchimento pelos valores em dívida decorrentes daquele contrato em caso de incumprimento. 4- A livrança mencionada em 1 b) preenchida pelo valor € 105.027,11 foi entregue ao Banco pela empresa A... LDA, com o aval dos executados, como garantia das responsabilidades decorrentes de um contrato de conta corrente celebrado em 24.03.2014, conforme documento de fls.55 a 59 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, entre o Banco 1... e a referida empresa, ficando o Banco autorizado a proceder ao seu preenchimento pelos valores em dívida, decorrentes daquele contrato, em caso de incumprimento. 5 - Nas circunstâncias descritas em 3) e 4)) as livranças foram entregues em branco, quanto à data de preenchimento e valor, encontrando-se apenas assinadas no local destinado aos avalistas. 6 – Relativamente ao contrato descrito em 1.a) e 2), foram os avalistas informados, por carta registada com aviso de receção datada de 13.03.2020, do incumprimento da dívida emergente da relação subjacente e foi remetida cópia da carta da interpelação ao cliente para proceder, ao pagamento ao Banco 1... das prestações vencidas em 06.12.2019 e 06.03.2020 no valor de € 15.352,75 e € 34.308,33, respectivamente, acrescidas dos correspondentes juros de mora até à data da liquidação, missivas estas que foram recebidas em 20.03.2020 e 17.03.2020. 7 - Na clausula décima das Condições Gerais do contrato descrito em 1.a) e 2) pode lêr-se que “Também em garantia do integral e tempestivo cumprimento das obrigações decorrentes para a Beneficiaria do presente contrato, esta entregou ao Banco, uma livrança por si devidamente subscrita - e avalizada pelos Avalistas, caso as CPE prevejam a existência de tal aval -, com montante e data de vencimento em branco, podendo o Banco desde já efectuar o respectivos preenchimento integral e assim formar o correspondente titulo de crédito, se o presente contrato for rescindido, fixando-lhe a data de emissão, correspondente a data em que o Banco efectue o preenchimento, a data de vencimento, que ocorrera 10 dias após a data de emissão, e o montante, correspondente a tudo quanto, naquela data de vencimento, constituir o crédito do Banco, incluindo os encargos referidos no ponto seguinte.” 8 – Na sequência do descrito em 6) e perante a ausência de pagamento, a Exequente/Embargada dirigiu missivas aos Embargantes e mutuária para procederem ao pagamento da livrança, por cartas registadas com avisos de recepção datadas de 06.07.2020, juntas a fls.52 e 53 dos autos e cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os devidos e legais efeitos, sendo que a da mutuária foi rececionada em 08.07.2020 e as dos embargantes não foram reclamadas. 9 – No âmbito do contrato descrito em 2), e para garantia do mesmo, a SGM, no âmbito da Linha especifica CAPITALIZAR - "Fundo de Maneio", prestou por conta e a pedido da Beneficiaria, a garantia autónoma e a primeira solicitação com o numero ...40, a favor do Banco, com os termos e condições previstos no contrato. 10 - Declarado o vencimento antecipado do contrato de empréstimo aludido em 2), a 13.03.2020, e não tendo sido pago o valor total do capital em divida vencida a 23.03.2020, foi solicitado à SGM, ao abrigo da supra referida garantia o pagamento de 50% do capital em divida, ou seja € 107.502,78. 11 – Em cumprimento da solicitação descrita em 10), foi remetido o pagamento a 27.04.2020, e amortizada a dívida de capital. 12 - Assim, a Livrança com o nº ...74, preenchida pelo valor € 115.387,14 da seguinte forma: - € 108 989,88 Correspondente ao valor da capital em dívida - € 5.820,32 Correspondente aos juros remuneratórios vencidos e não pagos devidos desde a data de vencimento de cada das prestações acrescido de imposto de selo - €576,94€ Correspondente ao Imposto de selo sobre a livrança. 13 - Na mesma data descrita em 4) foi entregue o Pacto de preenchimento no qual os “(…) avalista(s), abaixo identificados, entregam, nesta data, ao Banco 1..., uma livrança de caução, devidamente subscrita e avalizada pelos intervenientes, com o montante e a data de vencimento em branco, ficando o Banco irrevogavelmente autorizado a completar o seu preenchimento, nomeadamente no que diz respeito a data de vencimento, valor e local de pagamento, quando o entender necessário para a boa cobrança dos seus créditos, encargos e despesas que venha a suportar, logo que deixe de ser cumprida qualquer obrigação caucionada (…)” conforme documento nº 9 junto com a Contestação aos Embargos e que aqui se dá por integralmente reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. 14 – No contrato descrito em 4) consta como limite 100.000,00 € e como prazo: “Válido por 6 meses a contar da data da abertura de conta, considerando-se automaticamente renovado por iguais períodos, salvo denúncia de qualquer das partes com a antecedência mínima de 15 dias em relação ao fim do período que então estiver em curso”. Mais consta como Garantias o aval dos embargantes nas condições descritas em 13 “Em titulação das responsabilidades derivadas para V.Exa (s) da utilização do crédito concedido através do presente contrato, V. Exa (s) entrega(m) ao Banco livrança subscrita por Vexa (s), com o montante a data de vencimento em branco, ficando o Banco autorizado a completar o seu preenchimento nos termos da carta mandato subscrita também por V.Exa (s)”. 15 - Os avalistas foram informados, por carta registada com aviso de receção datada de 13.03.2020, do incumprimento da relação subjacente, juntando-se cópia da carta da interpelação ao cliente para proceder, ao pagamento ao Banco 1... das prestações vencidas em 06.12.2019 e 06.03.2020 no valor de € 15.352,75 e € 34.308,33, respectivamente, acrescidas dos correspondentes juros de mora até à data da liquidação, missiva esta que foi recebida, conforme se pode verificar pela assinatura aposta no aviso de recepção, e comprovativo dos CTT, datada de 17.03.2020, 20.03.2020. 16 - Do mesmo modo foi também recebida a interpelação da devedora/mutuária, subscritora da livrança, para que pague, sob a cominação do preenchimento e execução da livrança em branco, conforme se pode verificar pela assinatura aposta no aviso de recepção, e comprovativo dos CTT, de 17.03.2020. 17 - E, consequentemente, interpelados os avalistas para procederem ao pagamento daquela livrança, por cartas registadas com aviso de recepção datadas de 06.07.2020, as quais não foram reclamadas. 18- Já a missiva remetida ao mutuário foi recebida, conforme se pode verificar pela assinatura aposta no aviso de recepção, e comprovativo dos CTT, de 08.07.2020. 19 - Quanto à Livrança com o nº ...00, preenchida pelo valor € 105.027,11, da seguinte forma: - € 103.458,00 Correspondente ao valor da capital em dívida - € 1.043,97 Correspondente aos juros remuneratórios vencidos e não pagos devidos desde a data de vencimento de cada das prestações acrescido do respectivo imposto de selo sobre os juros. - € 525,14 Correspondente ao Imposto de selo sobre a livrança. 20 - A sociedade avalizada A... Lda. aderiu a um PER para se restruturar, o qual foi aprovado por sentença proferida em 03.07.2020, e transitada em julgado em 20.07.2020, tendo o processo n.º 701/20.... corrido termos pelo Juiz ..., do Juízo de Comercio de ..., do Tribunal Judicial da Comarca de .... 21 - Antes de decorrido o período de carência aprovado no âmbito daquele plano de recuperação veio a empresa recorrer a novo PER que tomou o nº de processo 16/22.... no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo de Comércio de ... Juiz ... de ..., no âmbito do qual foi a 05/01/2022, proferido despacho de nomeação de Administrador Judicial Provisório. 22 - O Embargado colocou-se à disposição dos embargantes para lhe prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que estes reputassem necessários antes de subscreverem os contratos descritos em 3) e 4) e apenas quando chamados a cumprir, após terem assinado voluntariamente os pactos de preenchimento e as livranças, onde se obrigaram como avalistas, aduzem a violação dos deveres de comunicação e informação, pelo banco, das cláusulas contratuais referentes ao aval.». 2. - E foi julgado como não provado: «a) aos avalistas não foi dado conhecimento prévio à execução das quantias alegadamente em dívida, nem a que título eram devidas, nem a data do seu pagamento, nem tão pouco quando se iniciaram os aludidos incumprimentos, bem como em que data terá ocorrido o eventual vencimento de tais responsabilidades, ou ocorrido a sua resolução contratual. b) quando os Embargantes deram nessa livrança o seu aval à sociedade subscritora, apondo a sua assinatura no verso da livrança sob os dizeres “Bom por aval ao subscritor”, desde logo, não declararam autorizar o seu preenchimento pelo Exequente na data em que este julgasse mais conveniente, nem deram o seu acordo a permanecer na condição de avalistas após a data do seu termo inicial, ou seja, para as suas prorrogações. c) os contratos descritos em 3) e 4) dos Factos provados não foram objecto de prévia negociação individual, não foram entregues cópias aos embargantes, não lhes tendo sido o seu conteúdo informado ou explicado no momento em que os subescreveram, nem mesmo posteriormente. No dia das suas assinaturas, os Embargantes limitaram-se a subscrevê-los e a avalisar nas livranças em branco a sociedade A..., Lda., tal qual lhes foram apresentados pelo Exequente, só nesse momento, e sem que lhes fossem prestados quaisquer esclarecimentos quanto ao limite das suas responsabilidades, nomeadamente como avalistas. d) que as livranças dadas à execução se reportam a quaisquer outros contratos de financiamento que não os dados como provados em 3) e 4) dos Factos provados.».
C) O Direito Da invalidade de clausulado contratual geral e respetivas consequências O Tribunal a quo proferiu decisão de improcedência dos embargos de executado, perante o que os Embargantes, confiados no êxito da sua impugnação da decisão de facto, pugnam por uma diversa decisão de direito, que conduza à revogação da sentença, para procedência da oposição à execução e decorrente extinção da ação executiva. Para tanto, invocaram, desde logo, que ocorre invalidade de clausulado contratual geral – predisposto pelo banco exequente no âmbito contratual em discussão – que lhes respeita, mormente quanto ao recorte das suas responsabilidades enquanto garantes/avalistas, por falta de comunicação e informação pelo predisponente aos Recorrentes/aderentes, do que agora cabe conhecer. É sabido que, no âmbito do regime legal das cláusulas contratuais gerais, alegando o aderente (no caso, os Embargantes) omissão de comunicação e informação quanto a clausulado contratual geral implicado e decorrendo do n.º 3 do art.º 5.º do DLei n.º 446/85, de 25-10, na redação aplicável, que o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva das cláusulas cabe ao contratante que submeta a outrem as cláusulas gerais, razão pela qual o ónus probatório quanto a tal factualidade tem de caber ao predisponente (no caso, o banco Exequente/Embargado), teria, necessariamente, a parte aqui embargada/apelada (tal banco credor) de mostrar ter procedido a essa comunicação e informação. Se o ónus da prova cabia, assim, ao Exequente/Embargado, bastando, para tanto, aos Embargantes alegar que foi inobservado o dever de comunicação e informação (art.ºs 5.º e 6.º do dito DLei n.º 446/85) quanto a determinadas cláusulas contratuais gerais, então a formulação fáctica haveria de ser elaborada de acordo com esse ónus da prova. Isto é, em vez de se questionar – para dar como provado ou não provado – se «os contratos (…) não foram objecto de prévia negociação individual, não foram entregues cópias aos embargantes, não lhes tendo sido o seu conteúdo informado ou explicado (…)», se «os Embargantes limitaram-se a subscrevê-los e a avalisar nas livranças em branco (…) sem que lhes fossem prestados quaisquer esclarecimentos quanto ao limite das suas responsabilidades, nomeadamente como avalistas» (formulação negativa do facto, a colocar o ónus da prova na esfera dos Executados/Embargantes), o que teria de se indagar era a vertente positiva (o facto inverso), se «houve prévia negociação, com informação e explicação do conteúdo…», cabendo ao Exequente/predisponente fazer essa prova positiva, no sentido de ter prestado a necessária comunicação e informação à aqui contraparte aderente. Com efeito, o art.º 5.º, n.º 3, do aludido DLei dispõe que o ónus da prova da comunicação adequada e efetiva cabe ao contraente que submeta a outrem as cláusulas contratuais gerais ([5]). Contraente esse que ainda «deve informar, de acordo com as circunstâncias, a outra parte» dos aspetos naquelas compreendidos «cuja aclaração se justifique» (art.º 6.º, n.º 1, do mesmo diploma legal). Assim, a mais de não se ter provado que não houve comunicação e informação, sabido que da não prova de um facto não pode inferir-se o facto contrário, importava saber se dos factos provados resulta a observância de tal dever de comunicação/informação pelo banco predisponente aos aderentes. Ora, se dos factos provados nada constava a respeito, como se o problema se esgotasse com o veredito de não provado quanto ao vertido sob a al.ª c) do inicial quadro fáctico julgado não provado, tendo, porém, os Embargantes invocado expressamente e em devido tempo a «invalidade» do clausulado contratual geral que lhes é prejudicial, por falta do predisponente ao legal dever de comunicação e informação, e a contraparte, na contestação aos embargos, impugnado/contestado esta versão e alegando, outrossim, que os Embargantes/aderentes foram devidamente informados/esclarecidos, pelo que «a exequente cumpriu tal dever [de comunicação] e foi atingido o escopo pretendido pelo legislador» (cfr. art.ºs 65.º a 71.º desse articulado), seguro é que o deficit foi, entretanto, resolvido, com a baixa dos autos à 1.ª instância, para ampliação da matéria de facto, com repetição parcial do julgamento, o que foi feito, tendo sido proferida nova sentença, a agora recorrida, cuja decisão de facto, como visto, se mantém incólume. Como explicitado no anterior acórdão do TRC destes autos, perante tais versões contraditórias alegadas, e visto o ónus da prova que impendia sobre a parte exequente/embargada, enquanto predisponente – uma vez observado o ónus de alegação a impender sobre os aderentes –, teria de se refletir no quadro fáctico da sentença se aos Executados/Embargantes foi comunicado e informado/explicado, pelo Exequente/predisponente, o teor do dito clausulado contratual geral, matéria cujo substrato fáctico teria de ser julgado como provado ou não provado (nesta formulação positiva). Tanto mais ser certo que, dentre as questões a decidir na sentença, foram enunciadas as seguintes: «f) Da comunicação das cláusulas contratuais gerais integradas nos contratos de abertura de crédito em conta corrente celebrados em 06.07.2017 e 24.03.2014; // g) da entrega de cópia aos embargantes dos referidos contratos.». Ora, essa tarefa mostra-se agora realizada, encontrando-se provado que: «22 - O Embargado colocou-se à disposição dos embargantes para lhe[s] prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que estes reputassem necessários antes de subscreverem os contratos descritos em 3) e 4) e apenas quando chamados a cumprir, após terem assinado voluntariamente os pactos de preenchimento e as livranças, onde se obrigaram como avalistas, aduzem a violação dos deveres de comunicação e informação, pelo banco, das cláusulas contratuais referentes ao aval». E não provado que «c) os contratos descritos em 3) e 4) dos Factos provados não foram objecto de prévia negociação individual, não foram entregues cópias aos embargantes, não lhes tendo sido o seu conteúdo informado ou explicado no momento em que os subescreveram, nem mesmo posteriormente. No dia das suas assinaturas, os Embargantes limitaram-se a subscrevê-los e a avalisar nas livranças em branco a sociedade A..., Lda., tal qual lhes foram apresentados pelo Exequente, só nesse momento, e sem que lhes fossem prestados quaisquer esclarecimentos quanto ao limite das suas responsabilidades, nomeadamente como avalistas». E na fundamentação de direito da decisão em crise entendeu-se que: «No caso vertente, os Embargantes revelaram, em depoimento de parte, saber a relação que subjaz às livranças exequendas. Ademais, a prova produzida permitiu concluir que os Embargantes tiveram a possibilidade de tomar conhecimento completo e efetivo do conteúdo dos contratos. Perante a dificuldade que se depara aos bancos de vierem a provar terem tomado as medidas adequadas e idóneas para que o aderente conheça e compreenda o sentido e o alcance das cláusulas do contrato a que se submete, sobretudo em situações e que já passaram vários anos sobre a data da celebração do contrato, a verdade é que ainda assim foi possível apurar que efetivamente, o Embargado colocou-se à disposição dos embargantes para lhe prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que estes reputassem necessários antes de subscreverem os contratos descritos em 3) e 4) dos Factos provados e apenas quando chamados a cumprir, após terem assinado voluntariamente os pactos de preenchimento e as livranças, onde se obrigaram como avalistas, aduzem a violação dos deveres de comunicação e informação, pelo banco, das cláusulas contratuais referentes ao aval. Assim não padecem de qualquer nulidade na medida em que estão assinados por todas as partes, objeto de prévia negociação e colocada o embargado na disposição de prestar esclarecimentos sobre os mesmos, nada foi requerido até serem chamados a cumprir. A existir falta de conhecimento das clausulas – que não resultou provada - ele apenas ocorreu por um comportamento negligente ou pouco diligente dos Embargantes que, apesar de terem sido colocados em posição de conhecer essas cláusulas (tiveram na sua posse o contrato, assinaram-no e rubricaram-no) não tiveram qualquer preocupação em assegurar-se do seu teor. A invocação dos Embargantes tem por único objetivo procurar eximir-se ao cumprimento da sua obrigação. Mesmo que assim não fosse – e é - quem subscreve e entrega uma livrança em branco no instante em que celebra, não poderá deixar de possuir uma noção sumária de que, com esse comportamento está a assumir uma garantia de cumprimento do contrato, a qual poderá ser acionada, através do preenchimento do titulo, em caso de incumprimento.». Concorda-se – diz-se desde já, com todo o respeito devido por diversa posição – com este entendimento da 1.ª instância, sabido, por provado, que o Embargado se colocou à disposição dos embargantes para lhes prestar todos os esclarecimentos e informações complementares que estes reputassem necessários antes de subscreverem os contratos, sem esquecer o modo informal como as partes/intervenientes se relacionavam, em postura a que todos livremente aderiram, a que não será estranha a pouca disponibilidade, designadamente temporal, do sócio gerente da sociedade, e avalista desta, para estabelecer contactos diretos com o banco, no âmbito de uma relação que se sabia duradoura e de confiança recíproca. Por isso, é de ter por observado/cumprido, in casu, o dever de comunicação e informação sobre clausulado contratual geral predisposto, sendo de atender ao tipo de relacionamento escolhido em concreto pelas ditas partes – também, e especialmente, pelos sócios/avalistas, atenta a falta de tempo destes (inclusive, para deslocação amiúde à agência bancária pelo legal representante da sociedade por quotas) e decorrente necessidade de agilização de procedimentos/formalidades e comunicações –, o qual incutia comportamentos marcados pela complacência, descontração e confiança (em comunicações por vezes à distância), mitigando, de algum modo, uma perspetiva estrita/rigorosa sobre a acuidade (e exercício presencial/imediato) de tais deveres. Sem esquecer – insiste-se mais uma vez – que a natureza, o âmbito e as consequências da prestação da garantia cambiária do aval estão legalmente fixadas/estabelecidas (de longa data, tendo até aderido já ao senso comum), não se tratando, pois, de predisposição pelo banco à margem do regime legal, consabido que a ignorância da lei (aquele regime legal) não pode aproveitar a ninguém, antes devendo tal lei ser conhecida por quem é sócio e gerente experiente de sociedade comercial por quotas (de âmbito familiar, sendo casados entre si aqueles dois sócios), com anterior relação com o setor da banca. Sendo este o único objeto do atual recurso – objeto delimitado pelas respetivas conclusões de apelação –, e inexistindo qualquer violação de lei em que tivesse incorrido a sentença agora recorrida, resta, então, julgar improcedente a apelação e confirmar o decidido pela 1.ª instância. Vencidos no recurso, cabe aos Recorrentes suportar as custas da apelação (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.). *** (…)
*** V – DecisãoPelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na improcedência do recurso, em manter a decisão recorrida. Custas do recurso pelos Apelantes – parte vencida (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.). Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior). Assinaturas eletrónicas.
Coimbra, 08/10/2024 Vítor Amaral (relator) Luís Cravo Fernando Monteiro
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