Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE MANUEL LOUREIRO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DECISÃO ADMINISTRATIVA PRAZO | ||
Data do Acordão: | 07/10/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DO TRABALHO DA FIGUEIRA DA FOZ | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 144º, Nº 1 E 145º/5 E 6 DO CPC; 33º/2 DA LEI 107/09, DE 14/09. | ||
Sumário: | I – O artº 33º/2 da Lei 107/09, de 14/09, tem por objecto apenas o prazo de dedução da impugnação judicial das decisões condenatórias proferidas pelas autoridades administrativas no âmbito do procedimento das contra-ordenações, e o prazo de 20 dias aí previsto está sujeito à regra da continuidade decorrente do estatuído no artº 144º/1 do CPC. II - O prazo de impugnação judicial da decisão da ACT e do ISS que condene uma pessoa individual ou colectiva pela prática de uma contra-ordenação laboral ou contra a segurança social não se suspende aos sábados, domingos e feriados (artºs 6º/1 da Lei 107/09,; 104º/1 do CPC; e 144º/1 do CPC), do mesmo modo que não se suspende durante as férias judiciais. | ||
Decisão Texto Integral: | I) Relatório
A Autoridade para as Condições do Trabalho, Unidade de Apoio ao Centro Local do Mondego, condenou a arguida A..., SA, com sede na rua […], na coima de € 750, pela prática de uma contra-ordenação descrita na proposta de decisão de fls. 28 a 30 dos autos. Inconformada com tal condenação, a arguida dela interpôs recurso para o Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz o qual, no seguimento de promoção do MP, por decisão de 7/2/2013, rejeitou o recurso por o considerar intempestivo – fls. 63 a 65. Novamente inconformada com esta decisão, interpôs a arguida recurso para esta Relação, sustentando que deveria ter sido aplicado o disposto no art. 145º/5/6 do CPC, pois que o recurso foi apresentado no primeiro dia útil seguinte ao termo do correspondente prazo. Apresentou as conclusões a seguir transcritas: “A - No caso em apreço a recorrente foi notificada a 26 de Dezembro de 2012 e o recurso apresentado a 16 de Janeiro de 2013, considerando o tribunal a quo que o prazo legal da sua interposição findou a 15 de Janeiro de 2013. B - A Lei 107/2009 veio instituir um regime especial para os prazos, num misto de contra-ordenacional ( 20 dias) com um misto de penal e civil, estipulando o art.º 6°, n.º 1 daquele diploma legal que a contagem de prazos é efectuada segundo o disposto no C. P. Penal. Ora, e assim sendo c - é de aplicar também o disposto no artigo 107º-A do C. P. Penal e art.º 145° do C. P.Civil, como vem aliás sendo posição unânime na Jurisprudência, pelo que o recurso interposto deveria ter sido admitido mediante o pagamento de multa, porquanto o mesmo entrou no primeiro dia útil ao termo do prazo.”. Neste Tribunal da Relação, assim como junto do tribunal recorrido, o Ministério Público entende que o recurso deve improceder Colhidos os vistos legais, cumpre agora decidir. * II) Questões a decidir É a seguinte a única questão a decidir nestes autos: saber se o art. 145º/5/6 do CPC se aplica ao recurso interposto das decisões condenatórias proferidas pelas autoridades administrativas no âmbito dos processos de contra-ordenações laborais e de segurança social. * III) Fundamentação A) De facto. A recorrente foi notificada, em 26/12/2012 (fls. 40 a 42), da decisão da ACT que a condenou como autora de uma contra-ordenação p. e p. nos termos das disposições conjugadas que estão identificadas na proposta de decisão que consta de fls. 28 a 30 destes autos. A recorrente interpôs recurso dessa decisão por fax que deu entrada nos serviços da ACT no dia 16/1/2013 (fls. 46 a 50). * B) De direito Considerando a data em que foi praticada a contra-ordenação pela qual a recorrente foi condenada (16/4/2011) é aplicável ao caso em apreço o regime da Lei 107/09, de 14/9, que aprovou o regime processual aplicável às contra-ordenações laborais e de segurança social, com entrada em vigor em 01/10/09 (artigo 65º). Conforme o artigo 2º/1/a/b dessa Lei, compete à ACT o procedimento das contra-ordenações quando estejam em causa contra-ordenações por violação de norma que consagre direitos ou imponha deveres a qualquer sujeito no âmbito da relação laboral e que seja punível com coima, competindo tal procedimento ao ISS, I.P. quando estejam em causa contra-ordenações praticadas no âmbito do sistema de segurança social. No Capítulo II, sob a epígrafe “Actos processuais na fase administrativa”, ou seja, no âmbito do procedimento administrativo, o artigo 6.º, sob a epígrafe “Contagem dos prazos”, estatui que: “1 – À contagem dos prazos para a prática de actos processuais previstos na presente lei são aplicáveis as disposições constantes da lei do processo penal. 2 – A contagem referida no número anterior não se suspende durante as férias judiciais.”. Inserido no Capítulo IV, com a epígrafe “Tramitação processual”, Secção II com a epígrafe “Fase judicial”, e sob a epígrafe “Forma e prazo” estabelece o artigo 33.º: “1 – A impugnação judicial é dirigida ao tribunal de trabalho competente e deve conter alegações, conclusões e indicação dos meios de prova a produzir. 2 – A impugnação judicial é apresentada na autoridade administrativa que tenha proferido a decisão de aplicação da coima, no prazo de 20 dias após a sua notificação.”. A dedução de impugnação judicial ainda se insere na fase administrativa. Com efeito, ainda que inserido em secção denominada fase judicial, o art. 33º/2 acabado de transcrever tem por objecto, apenas, o prazo de dedução da impugnação, fixando-o em 20 dias. Ainda assim, por força do citado art. 6º/2, a contagem desse prazo não se suspende durante as férias judicias, sendo que por força do nº 1 desse mesmo dispositivo aplicam-se à contagem do aludido prazo de 20 dias as disposições do CPP, designadamente o nº 1 do seu art. 104º, nos termos do qual “Aplicam-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições da lei do processo civil.” Consequentemente, o prazo de vinte dias supra enunciado está sujeito à regra da continuidade decorrente do estatuído no art. 144º/1 do CPC. De tudo se conclui, pois, que o prazo de impugnação judicial da decisão da ACT e do ISS que condene uma pessoa individual ou colectiva pela prática de uma contra-ordenação laboral ou contra a segurança social não se suspende aos sábados, domingos e feriados (arts. 6º/1 da Lei 107/09, 104º/1 do CPP e 144º/1 do CPC), do mesmo modo que não se suspende durante as férias judiciais (art. 6º/2 da Lei 107/09). Já assim acontecia, mesmo antes da entrada em vigor da Lei 107/09, tendo em conta a norma aplicável do art. 59º/3 do DL 433/82, de 27/10, na redacção introduzida pelo DL 356/89, de 17/10, interpretado nos termos do Assento n.º 2/94, de 10-03-1994, proferido no processo n.º 45325, publicado no Diário da República I-A, de 7/5/94, e no BMJ 435, pág. 49, que fixou a seguinte jurisprudência obrigatória geral: “Não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO), com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro.” – neste acórdão discutia-se a aplicabilidade da suspensão do prazo prevista no artigo 144º/3 do CPC na redacção então vigente (a introduzida pelo DL 381-A/85, de 28/9), no que a férias, sábados, domingos e feriados respeitava, estabelecendo-se então a doutrina de que o prazo de recurso não era um prazo judicial a que se aplicasse o citado artigo 144º/3, antes correndo continuamente. No mesmo sentido se decidiu, já no âmbito de vigência da Lei 107/09, no acórdão para fixação de jurisprudência de 17/1/2013 (Diário da República I-A, de 15/2/2013), nos termos do qual “Instaurado processo de contra-ordenação laboral em data anterior à entrada em vigor da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro, à contagem do prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa que, já na vigência deste último diploma, aplique uma coima, é aplicável o novo regime nele introduzido pelo número 1 do seu artigo 6.º, correndo o prazo de forma contínua, não se suspendendo por isso aos sábados, domingos e feriados.”. De tudo resulta, agora por referência ao caso em apreço, que tendo a recorrente sido notificada em 26/12/12 da decisão condenatória proferida pela ACT, o prazo de vinte dias de que a mesma dispunha para recorrer terminou em 15/1/2013. Tendo o recurso sido apresentado no dia 16/1/2013, primeiro dia útil subsequente ao do termo do prazo, a questão que ora se coloca é a de saber se pode a recorrente beneficiar do estatuído no art. 145º/5 do CPC. Comece por dizer-se que o art. 6º/1 da Lei 107/09 apenas remete para as disposições constantes da lei processual penal referentes à contagem dos prazos, o mesmo sucedendo com a remissão contida no art. 104º/1 do CPP para as disposições da lei do processo civil. Por isso mesmo, a remissão contida no referido art. 6º/1 não pode ter-se por feita para o art. 107º/5 do CPP e 145º/5 do CPC, que não respeitam à contagem de prazos, mas sim à prática de actos fora do seu prazo legal e respectivas condições de admissibilidade, estabelecendo tais normas um regime privativo para os actos a praticar nos tribunais. E isso é tanto mais assim quanto é certo que a interposição de recurso da decisão da autoridade administrativa ainda integra a fase administrativa do processo de contra-ordenação. Com efeito, o recurso da decisão administrativa é apresentado na própria autoridade administrativa recorrida (art. 33º/2 da Lei 107/09), que tem a faculdade de apresentar alegações, revogar total ou parcialmente a decisão ou apresentar os autos ao MP (art. 36º da Lei 107/09), sendo que verdadeiramente os autos só entram na fase judicial com a apresentação dos autos ao juiz (art. 37º da Lei 107/09); só a partir de então terão aplicação ao processo de contra-ordenação normas como as dos arts. 107º/5 do CPP e 145º/5 do CPC, ex vi dos arts. 60º da Lei 107/09 e 41º do RGCO. De resto, a respeito desta mesma questão, no mesmo sentido e já no âmbito de vigência da Lei 107/09, esta Relação já teve oportunidade de se pronunciar no acórdão de 20/6/2012, no âmbito do recurso penal 435/11.3TTFIG, de que foi segundo adjunto o ora Presidente desta secção social, nos termos a seguir transcritos: “Argumenta ainda a recorrente que este prazo tem natureza judicial sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 145º do Cód. Proc. Civil pelo que lhe é permitido praticar o acto nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo. Para o efeito, alega que o artigo 33º da Lei 107/09 se encontra inserido na secção II do Capº IV da mesma Lei, com a epígrafe “Fase Judicial”, o que leva a entender que o legislador quis atribuir ao prazo nesse preceito consignado a natureza judicial. Em primeiro lugar, a vontade do legislador e a inserção sistemática de determinada preceito são elementos adjuvantes da interpretação jurídica, não decisivos, não se podendo olvidar que na busca do verdadeiro alcance da lei devem ter-se também em conta outros elementos de interpretação. Em segundo lugar, o preceito em referência corresponde com alterações ao nº 3 do artigo 59º do Dec. Lei 433/82 que se encontra inserido no Capº V desse Dec. Lei sob a epígrafe “Recurso e Processos Judiciais”. Pese embora esta inserção sistemática, nem por isso o STJ no acórdão nº 2/94 de 10/03/94 “in” DR I de 07/05/94 deixou de fixar, com carácter obrigatório para os tribunais judiciais que “não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro”. A apresentação do recurso na entidade administrativa que tenha aplicado a coima aponta também no sentido da natureza não judicial do prazo sendo que é esse o entendimento da jurisprudência e da doutrina, conforme se dá nota nas motivações apresentadas pelo MºPº em 1ª instância. Aliás nenhuma razão válida é apresentada ou ocorre no sentido de não ser de manter a jurisprudência obrigatória acima referida. E sobre o assunto nada mais de útil se nos oferece dizer. Como o prazo fixado no nº 2 do artigo 33º da Lei 107/09 tem natureza administrativa, não lhe sendo aplicável o regime previsto no nº 5 do artigo 145º do Cód.Proc. Civil, é de concluir que o recurso foi interposto intempestivamente na medida em que deu entrada em 14 de Dezembro de 2010 quando o prazo legal para o efeito havia terminado no dia anterior, ou seja no dia 13/12.”. No mesmo sentido do ora decidido, embora por referência ao regime geral de impugnação das contra-ordenações, podem consultar-se os acórdãos desta Relação de 3/12/08, proferido no âmbito do recurso 533/08.0TBPMS.C1, da Relação do Porto de 21/5/08, proferido no âmbito do processo JTRP00041360, o acórdão da Relação de Évora de 12/7/2012, proferido no âmbito do recurso 179/10.3TBORQ.E1, Como resulta do supra exposto, não se vê razão para divergir do assim decidido. Assim, não beneficiando a recorrente do regime do art. 145º/5 do CPC, bem andou o tribunal recorrido ao rejeitar, por extemporâneo, o recurso apresentado pela recorrente em 16/1/2013, quando o seu prazo de interposição tinha já terminado em 15/1/2013. * IV) Decisão Termos em que deliberam os juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Coimbra no sentido de julgar o recurso improcedente, confirmando-se o despacho recorrido. Custas pela recorrente. (Jorge Manuel Loureiro - Relator) (Ramalho Pinto) |