Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
528/07.1GCVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: OLGA MAURÍCIO
Descritores: ESCUTA TELEFÓNICA
PRAZO
INÍCIO
DESPACHO
JUIZ
Data do Acordão: 02/19/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 187º Nº 6 CPP
Sumário: O início de contagem do prazo concedido para a recolha e gravação das interceções telefónicas inicia-se à data da prolação do despacho judicial que autoriza essa interceção e não à data efetiva do início da interceção.
Decisão Texto Integral: Acordam na 4ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

RELATÓRIO

1.

Nos presentes autos foram os arguidos A..., B... e C... absolvidos da prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, dos art. 26º, 203º, nº 1, e 204º, nº 2, al. e), do Código Penal.

2.
Inconformado, o Ministério Público recorreu, retirando da motivação as seguintes conclusões:
«1ª- Vem o presente recurso interposto, além do mais, da decisão da Mmª juiz que, em sede de sentença e como questão prévia, considerou nulas as escutas cujas transcrições foram juntas aos autos (acompanhadas dos despachos que as fundamentaram e respectivos CDS, nos termos do artigo 187, nº8 do CPP, conforme determinado pelo Venerando Tribunal Relação de Coimbra fls. 1211 e ss), por se entender que tal decisão traduz errada interpretação do disposto no artigo 187, nº 6 do CPP.
2ª- Com efeito, considerou a Mmª Juiz que as escutas são nulas por se mostrar ultrapassado o prazo de 60 dias fixado pelo JIC para realização das mesmas, ao abrigo do disposto no artigo 187, nº 6 do CPP.
3ª- Para tanto, alegou que tendo sido autorizadas por despachos proferidos em 10/4/2007 e 4/5/2007, em ambos os casos pelo prazo de 60 dias, viriam a ser efectuadas em 12/6/2007, 15/7/2007 e 16/7/2007 - aquelas que foram autorizadas por despacho de 10/4/2007, isto é, para além dos 60 dias posteriores a tal despacho - e em 24/7/2007 e 17/7/2007 - aquelas que foram autorizadas por despacho de 4/5/2007, isto é, para além dos 60 dias posteriores a tal despacho.
4ª- Ou seja, entendeu que o prazo fixado para realização das escutas ao abrigo do disposto no 187, nº6 do CPP, se conta a partir da data da prolação dos despachos que as autorizaram.
5ª- Contudo, tal traduz uma errada interpretação de tal normativo.
6ª- Na verdade, tal prazo só começa a correr no início efectivo da intercepção e não a partir do momento de prolação do despacho de autorização da medida. (Neste sentido cfr. Cláudio Lima Rodrigues, Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, «Dos pressupostos materiais de autorização de uma escuta telefónica, http://www. verbojuridico.com/ficheiros/doutrina/ppenal/ claudiolimarodrigues_autorizacaoescutatelefonica. pdf. e Ac. do TC n.º 4/2006; Processo nº 665105; Relator: Mário Torres).
7ª- Este entendimento é, aliás, o único que se mostra compatível com as diligências (técnicas e de comunicação entre as diversas entidades envolvidas) que sempre são necessárias para a concretização da escuta autorizada, determinando que a mesma nunca possa ocorrer no momento imediato á sua autorização; assim como é o único compatível com o prescrito no artigo 188 nº 3 do CPP que expressamente se refere ao momento do inicio da intercepção.
8ª- A decisão em recurso violou, pois, por errada interpretação, o disposto no artigo 187, nº 6 do CPP.
Assim,
9ª- e sendo certo que nunca foi alegado nos autos por quem quer que fosse, nem se mostra minimamente indiciado que as escutas autorizadas pelos despachos referidos tivessem decorrido durante mais de 60 dias, como nelas expressamente autorizado, tudo indicando, antes, em sentido contrário - sendo certo que as escutas em causa nos autos se reportam a período manifestamente inferior, não existindo noticia de outras anteriormente efectuadas, ao que acresce que as mesmas foram sujeitas á apreciação da JIC que, considerando-as válidas, as mandou transcrever,
10ª- Requer-se seja revogada a douta decisão que as declarou nulas e, consequentemente, seja determinado que se profira nova sentença em que as mesmas sejam atendidas como meio de prova válido no processo de formação da convicção do tribunal, sendo certo tratar-se de meio de prova de grande relevo, determinante, aliás, para a condenação do arguido A....
Subsidiariamente,
B- Da matéria de facto.
11ª- Subsidiariamente, se assim se não entender (ou seja, caso se entenda que as escutas certificadas nos autos são inválidas não podendo ser valoradas no processo de formação de convicção do tribunal) impugna-se a decisão proferida sobre a matéria-de-facto desta feita no que respeita aos arguidos B... e C...(cfr. o art. 403º nºs1 e 2,al. e) do Código do Processo Penal), nos termos e com os fundamentos que seguem.
12ª- Relativamente à matéria fáctica constante da pronúncia, o tribunal recorrido:
a) Deu como provado que:
- os factos dados como provados sob os artigos 1 a 5 da factualidade provada, foram da autoria de desconhecidos.
b) E como não provado que:
1. Foram os arguidos que praticaram tais factos;
2. Os arguidos agiram sempre de comum acordo e em conjugação de esforços e intentos, com o propósito conseguido de se apoderarem e fazerem seus os objectos e/ou valores que lograssem encontrar, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízos do(s) respectivo(s) dono(s).
3. Quando escalaram e abriram a janela, trepando a mesma e entrando através dela na habitação, agiram os arguidos com o propósito de, dessa forma, se introduzirem na residência para dali retirarem e levarem os objectos e/ou valores que encontrassem, o que lograram.
4. Ao usaram uma das chaves que haviam subtraído no interior da residência para abrir o veiculo ali estacionado, os arguidos agiram também com o propósito de levar o dito veiculo para dele se apropriarem, como conseguiram.
5. Os arguidos sabiam que a casa, os objectos e valores nela existentes e o veículo que ali estava estacionado, não lhes pertenciam, que não estavam autorizados a nela entrar, e que, ao actuarem da forma supra descrita, agiam contra a vontade e em prejuízo dos respectivos donos.
6. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei.
13ª - Ora, quanto a estes concretos pontos da matéria de facto dados como não provados, temos por inequívoco que a prova testemunhal produzida em audiência, conjugada com a prova documental constante dos autos, impunha que se dessem os mesmos como provados relativamente aos arguidos C...e B... e apenas como não provados relativamente ao arguido A... (no pressuposto, reafirma-se mais uma vez, da não consideração das escutas que é o que ora nos ocupa), consequentemente, também quanto ao mencionado ponto da matéria de facto dada como provada não deveria ter sido dado como provado que «os factos dados como provados sob os artigos 1 a 5 da factualidade provada, foram da autoria de desconhecidos», mas, sim, como provada a autoria de tais factos pelos arguidos C...e B....
14ª- Na verdade, com relevância para a decisão a proferir sobre estes concretos pontos da matéria de facto, e a impor que os mesmos fossem dados como provados nos exactos termos vindos de referir, sumariamos a seguinte prova coligida nos autos:
a - Relatório de vigilância de fls. 46, elaborado pelo agente F...;
b - depoimento deste mesmo agente F... prestado na sessão de julgamento de 19/12/2011, documentada na acta de fls. 962 e ss, gravado no sistema integrado de gravação digital das 11:58 horas às 12:14 horas, do qual se destacam os seguintes e concretos excertos relevantes:
- Com inicio aos 01:32, em resposta à Mmª Juiz, aquando da sua identificação:
- «A única coisa que participei nesses factos foi num relatório de vigilância aqui no Porto».
E a instâncias do MP, com inicio aos 01:57:
MP: «Já disse que fez uma vigilância e temos efectivamente a fls. 46 um relatório de vigilância subscrito por si, recorda-se ainda em que circunstâncias é que fez essa vigilância e quando e o que é que viu?»
Respondendo, diz a testemunha com inicio aos 01:57: «Recordo. Foi na noite de 16 de Julho de 2007, ali junto ao Norte Shoping, em que vi, eram quatro a altura, agora só estão três a ser julgados, já houve o falecimento de um dos irmãos, a sair do Norte Shoping e a dirigirem-se para uma viatura que constava ara apreender, essa viatura em causa que tinha sido furtada em Viseu. Portanto, eu avistei os quatro a sair do Norte Shoping a caminhar para o parque exterior desse parque, o C... abriu a viatura com o comando, entrou para o lado do condutor, ficando o B... ao lado dele e atrás o E... e o A..., no banco traseiro, portanto».
E questionado pelo MP sobre a que A... se referia disse:
- com inicio aos 03.40: « D..., a alcunha dele é X...».
Ao que o MP atalha, aos 03:46: «Nós estamos aqui hoje a julgar um A...», respondendo a testemunha:
- com inicio aos 03:52: «Pois, mas eu esse A... não o vi na viatura, o que vi foi o D..., com a alcunha X..., esse que a dr está a falar tem a alcunha de Y..., o ex jogador do (...)».
E especificando também melhores elementos identificativos do C... e do B... a quem se referira disse:
Com inicio aos 04:27, tratar-se de « C...» e de « B..., de alcunha W...» (aos 04:36).
Mais confirmando, a instâncias do MP, com inicio aos 04:48 tratar-se das 4 pessoas que identificou no relatório de vigilância que elaborou.
De seguida, continuando a descrição do ocorrido na vigilância que efectuou disse, aos 05:14 até 06:11: «Eu estava no parque, vi-os entrar no carro, eles começaram a pôr a viatura em movimento e eu segui-os, meti-me na retaguarda deles, entretanto julgo que eles se terão apercebido de mim, por uma razão muito simples, eles fizeram lá umas manobras contra um senhor, contra um arrumador que estava lá no local, houve uma travagem brusca da parte deles, eu também parei. Eles, um deles, quase que saí fora do carro, devem ter-se apercebido de mim nessa altura, e o C... começa a acelerar por aquela rua fora até á circunvalação e eu ainda tentei persegui-los mas a condução dele era um bocado perigosa, no sentido em que eu não iria arriscar e deixei de o perseguir, ou seja, perdi-o de vista na circunvalação. Já perto dos Produtos estrela. Foi a única coisa que eu presenciei.»
A pergunta do MP sobre se já tinha conhecimento, na altura, de que o carro era furtado disse, com inicio aos 06:24: «Sim, tinha conhecimento que a viatura era furtada, sim».
E a pergunta do MP, aos 06:45: «Estava a fazer essa vigilância por alguma razão especial, porquê?»
Respondeu, com inicio aos 06:45: «Como havia a suspeita de que o C... aderia estar com essa viatura e como a viatura estava para apreender, mantive-me ali até chegar o condutor».
MP aos 06:58: «Mas, foi porque passou e viu que estava ali o carro e ficou ver quem é que vinha para o carro?»
Respondeu, com inicio aos 07:02 : «Sim, Sim, exactamente. Nós tínhamos indicação de que a viatura estaria naquelas imediações, foi uma questão de procurar até encontrar»
MP aos 07:20: «não sabe quem é que vos deu essa indicação de que estava ali o carro?»
Testemunha com inicio aos 07:20: «Já não me recordo porque era um processo muito extenso, era muita gente envolvida neste inquérito, não faço ideia».
E, já a instâncias da defesa e em resposta á pergunta:
Aos 13:57: «em que lugar é que concretamente, eles se terão apercebido da sua presença, segundo a sua versão?»
Responde, aos 13:59 até 14:59: «Eles entram para o carro, não se apercebem de mim. Começam a circular ainda dentro do parque e há lá um arrumador que se mete, tipo á frente deles, por pensar que andavam á procura de lugar para arrumar o carro, e o condutor dá uma guinadela em direcção ao dito arrumador, a assustar, e o arrumador fica tipo a resmungar, a dizer qualquer coisa e o condutor faz uma travagem e há um dos passageiros que quase se põe fora do carro pela janela a insultar o fulano e acho que nessa altura se apercebem de mim na traseira do carro deles e a partir daí começam a acelerar e eu tento dentro das minhas possibilidades acompanhá-los, mas não consigo, não quis arriscar».
E a pergunta do advogado de defesa aos 15:30: «alguma razão para não os ter interceptado?»
Responde, com inicio aos 15:33: «pelo facto de eu estar sozinho, tinha inferioridade numérica, só isso mais nada».
Por último, a instâncias da Mmª Juiz aos 16:00 esclarece que os factos que relatou ocorreram «entre as 10h-10h30 da noite» (tal como consta documentado no relatório de vigilância).
15ª- Ora, parece-nos inequívoco, em face dos elementos probatórios apontados - e que, inclusive, levaram a Mª Juiz a considerar provado que: «o veiculo furtado ... veio a ser localizado nesse mesmo dia [dia do furto], cerca das 22:00 horas, pela PSP do Porto, quando nele se faziam transportar os arguidos C...e B... e ainda E... e o D... ... » (artigo 6° dos factos provados) - terem ido incorrectamente julgados os pontos de facto acima enunciados, pois os referidos elementos probatórios que deixámos enunciados impunham que o tribunal, de acordo com as regras da lógica e da experiência, inferisse/concluísse, sem margem para dúvidas, que os arguidos C...e B... praticaram os factos descritos sob os artigos 1 a 5 da factualidade dada como provada (que, não foram, por isso, da autoria de desconhecidos) e agiram dolosamente nos termos constantes da factualidade descrita na 1ª conclusão, nºs 2 a 6 da alínea b.
16ª- Fundamentando a decisão proferida no que concerne aos concretos factos de que aqui discordamos (ou seja, e em síntese, no que concerne ao facto de não ter sido dada como provada a autoria do crime pelos arguidos C... e B...) diz o tribunal recorrido, em suma, que:
- «os arguidos não quiseram prestar declarações em audiência sobre os factos que lhes eram imputados (apenas depuseram a final sobre as suas condições sócio-económicas) e
- nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência presenciou os factos em apreço. Acresce que a testemunha G...- mãe do arguido B... - a qual foi arrolada pelo referido arguido, relatou em audiência que não podia referido arguido ter cometido o furto em questão, porquanto o mesmo foi com ela e com o seu companheiro, numa sexta feira, para Mirandela, local onde o companheiro tem uma casa, e onde se deslocaram para efectuar uma obras, designadamente para colocar um chão e pintar uma paredes, tendo ali pernoitado e permanecido durante duas noites, tendo todos regressado ao Porto no Domingo, dia 15 de Julho de 2007, por volta das 18 horas. Mais referiu que o arguido B... saiu à noite, nesse mesmo dia, com a namorada para tomar café e regressou a casa perto da meia-noite e não saiu mais de casa nesse dia. Por sua vez, a testemunha H...- amiga e ex-namorada do arguido B... (e que também foi arrolada por este) - confirmou em certa medida tais factos. (...) Ora, tais depoimentos, apesar de não terem sido contrariados por qualquer outro elemento probatório, não lograram totalmente convencer, por não se afigurarem isentos, atenta a ligação pessoal destas testemunhas com o arguido B..., sendo certo que não é plausível, de acordo com as regras da experiência, que as mesmas se recordem daquilo que fizeram há uns anos a esta parte e, designadamente na data em que ocorreu o furto, sem que tivessem dado uma explicação aceitável para tamanha memória».
- O facto dos arguidos C... e B... terem sido vistos na posse da viatura furtada no dia 1617/2011, pelas 22h, não é suficiente para concluir pela sua culpabilidade, «tanto mais que, para além dos arguidos» nessa ocasião faziam-se ainda transportar em tal viatura «outros dois indivíduos (um deles já falecido conforme consta dos autos), de nome E... e o D...».
- «Não existe qualquer elemento de prova válido que indique que os referidos arguidos se deslocaram no dia do furto a Viseu, local onde ocorreu o mesmo.
- O facto de os referidos arguidos registarem condenações pela prática, particularmente de crimes contra o património, não se pode daqui extrair, á luz das regras da experiência comum, e em conjugação com a demais prova supra referida, que foram os mesmos que cometeram o aludido furto»
17ª- Porém, com natural respeito por opinião contrária, é de todo irrazoável que, perante a prova produzida, o tribunal tenha ficado com qualquer dúvida sobre a culpabilidade dos arguidos C... e B....
18ª- Note-se que não é uma qualquer dúvida em matéria de facto que obriga à aplicação do principio in dúbio pro reo, mas apenas a dúvida "razoável", após a produção de todas as provas e sua avaliação de acordo com a lei e as regras da experiência comum. Se após a ponderação da prova - toda a prova - o julgador se convenceu, com base numa análise objectiva e racional, de acordo com os critérios legais e doutrinais de valoração da prova sem que no seu espírito se tenha instalado a dúvida consistente ou razoável, não se verifica a violação de tal princípio.
19ª- Ora, se é certo que o "simples facto" dos arguidos terem sido vistos na viatura furtada não é por si suficiente para se concluir que foram eles os agentes do crime.
Tem, contudo, de atentar-se em que:
a) Tal ocorreu na noite do próprio dia em que o furto foi consumado;
b) O arguido C... tinha a chave da viatura, tendo-a aberto com o respectivo comando.
c) Puseram-se em fuga quando verificaram que estavam a ser seguidos por agente policial.
d) A prática de furtos qualificados é congruente com os antecedentes criminais dos arguidos em causa.
d) Não ofereceram qualquer explicação para o facto de estarem na posse da viatura furtada.
20ª- Não é provável, verosímil ou, sequer, crível que a viatura furtada e respectiva chave tenham sido achadas, vendidas ou dadas aos arguidos no próprio dia do furto; pelo que, logicamente, se estavam na sua posse, é porque foram eles a furtá-las. E, segundo as regras da lógica e da experiência, não pode deixar de concluir-se que as pessoas que furtaram o veículo foram as mesmas que assaltaram a residência e furtaram os restantes bens (note-se que as chaves da viatura, segundo os factos dados como provados (facto provado nº3) estavam no interior da residência e foram furtadas na mesma altura em que os restantes objectos.
21ª- Sem dúvida que no veículo foram vistos outros ocupantes que não vêem acusados e, por outro lado, não foi visto um dos que vêem acusados.
22ª- Mas esta circunstância não tem a virtualidade lógica que o tribunal lhe atribuiu no sentido de criar a dúvida razoável quanto à responsabilização dos arguidos C... e B....
23ª- Com efeito, são estes que vêm submetidos a julgamento e foram chamados a pronunciar-se sobre os factos e nada disseram. Quanto aos outros dois, um deles (irmão do arguido C...) já faleceu em 22/8/2008, conforme fls. 452, nunca tendo sido chamado aos autos e o outro não foi acusado nem nunca foi chamado a pronunciar-se sobre os factos, razão pela qual a sua presença na viatura nada pode permitir concluir e muito menos pode fundamentar duvidas sobre a culpabilidade dos arguidos pronunciados. E quanto á ausência na viatura do arguido A..., a única conclusão que legitima é a impossibilidade de concluir pela sua própria culpabilidade, face á inexistência de outros meios de prova que tenham sido produzidos quanto a ele (ou seja, não sendo consideradas as escutas).
24ª- Deve atender-se a que, como se reconhece no Ac. RC 11.05.2005 (Oliveira Mendes), www.dgsi.pt, «de acordo com as regras da experiência, a quem é imputado o furto de determinado objecto, que comprovadamente deteve, quando confrontado judicialmente com essa imputação, caso não seja o autor do crime, não se remeterá ao silêncio sobre a obtenção desse objecto».
25ª- Ou, como se refere no Ac. RC de 02-06-2009 (JORGE DIAS) www.dgsi.pt: "Sendo o silêncio do arguido um direito que lhe assiste, sem que isso possa prejudicar, não pode o mesmo esperar um benefício resultante do exercício desse direito ao silêncio. Se alguém detém na sua posse um objecto furtado, as regras da experiência hão-de fazer concluir algo dessa situação. Ao arguido que o possui não basta "calar-se”: terá de justificar o motivo da posse, sob ena de o julgador ter de concluir pelo que nos ditam as regras da experiência".
26ª- Acresce que, salvo o devido respeito, é no mínimo irrazoável que os depoimentos das testemunhas de defesa G... e H...tenham conseguido suscitar no espírito do julgador qualquer dúvida - muito menos uma dúvida razoável - sobre a culpabilidade do arguido B....
27ª- Vejamos:
a) - a testemunha G..., mãe do arguido B..., na sessão de julgamento de 19/12/20011, documentada na acta de fls. 962 e ss, prestou depoimento gravado no sistema de gravação digital das 12:15:51 horas ás 12:27:50, tendo declarado a instâncias do ilustre defensor, com inicio aos 2:50: «não foi o B... porque ele esteve-nos a ajudar a fazer umas obras na aldeia»; aos 3:12: «o meu companheiro veio esse fim de semana para a gente irmos para a aldeia fazer umas obras lá na casa e depois fomos numa sexta e viemos no domingo ao fim da tarde, o B... esteve lá connosco»; aos 3:45: «Chegamos já ao fim da tarde, depois ele ia ter com a namorada, tomar café, depois chegou a casa devia ser perto da meia noite ... e ficou em casa e não saiu mais de casa, tenho a certeza disso ... de manhã estava em casa, estava a dormir». Já a instâncias do MP, com inicio aos 5:23 até aos 06:35, verificamos que ela soube que o filho era acusado do furto ocorrido em Viseu e que constitui objecto do julgamento «quando ele recebeu a carta da acusação» e que foi nessa altura que «conversou com o companheiro» e chegou á conclusão que «não podia ter sido ele» porque ele «estava connosco a ajudar-nos nessas obras».
b) a testemunha H..., que se intitulou ex-namorada do B..., também ouvida na mesma sessão de 19/12/2011 já localizada, depoimento gravado com inicio ás 12:28:29 até ás 12:34:05, disse a instâncias do defensor, no sentido de esclarecer se sabia aonde tinha estado o B... no dia do furto que aqui lhe vem imputado, com inicio aos 3:37: «recordo-me de que estive com o B... nesse dia á noite, fomos tomar café», confrontada pela Mmª Juiz para esclarecer a que data se referia disse, com inicio aos 02:50: «no dia 16 de Julho de 2007, á noite», para aos 03:12 já afirmar, a instâncias do defensor, que esteve com ele «quando ele chegou de ter estado a ajudar os pais umas obras», que esteve com ele «até por volta da meia noite» e «daí ele foi para casa». A instâncias do MP para esclarecer quando é que teria conversado com o B... sobre o furto que aqui lhe vinha imputado e quando teria concluído sobre o que ele poderia ter andado a fazer nessa data, referiu, com inicio aos 04:53 até os 05:30: «quando ele recebeu a acusação».
 28ª- A falta de credibilidade destes depoimentos é, pois, manifesta e parece que também não terá passado despercebida á Mmª Juiz que escreveu: «tais depoimentos, apesar de não terem sido contrariados por qualquer outro elemento probatório, não lograram totalmente convencer, por não se afigurarem isentos»; contudo, ainda assim, e contraditoriamente, fundamentou também neles a sua dúvida sobre a culpabilidade do arguido B....
29ª- Na verdade, como é que é possível dar qualquer credibilidade a pessoas que depuseram nos termos em que elas o fizeram, sem isenção - como reconheceu o tribunal recorrido - dizendo ter absoluta certeza e inclusive contando pormenores de factos ocorridos há mais de 4 anos, sem qualquer explicação lógica para tanto, sendo certo que referiram que só quando o arguido foi notificado da acusação (que foi deduzida em Maio de 2010!) é que conversaram e verificaram, então, o que é que o arguido teria andado a fazer nessa data - lembre-se, situada 3 anos antes, no dia 1617/2007 (uma segunda feira) entre as 0h e as 8h-. Ou seja, 3 anos após os factos de que o arguido vem acusado, conseguiram determinar com a precisão que ficou indicada, o que fez o arguido no dia anterior ao furto (domingo) e ainda mais: que nessa mesma noite de domingo, depois de chegar a casa, não voltou a sair e que a sua mãe (pasme-se!) tem a certeza que na manhã seguinte (segunda feira) o encontrou a dormir na cama, razão pela qual não poderia ter estado em Viseu na madrugada de segunda feira - dia 16 - até ás 8h; ou seja, não podia ter estado em Viseu, porque estava em casa a dormir, de certeza absoluta!!!. Tudo isto lembrado 3 anos depois dos factos! Simplesmente, hilariante.
30ª- De todo o exposto, se conclui como supra na conclusão 13ª ou seja que: os elementos probatórios que deixámos enunciados impunham que o tribunal, de acordo com as regras da lógica e da experiência, inferisse/concluísse, sem margem para dúvidas, que os arguidos C...e B... praticaram os factos descritos sob os artigos 1 a 5 da factualidade dada como provada.
31ª- E, obviamente que, a concluir-se desse modo, terá também de se concluir que os arguidos agiram dolosamente nos termos que ficaram descritos na conclusão 12ª, al.b) nºs 2 a 6.
32ª- Isto porque, no que concerne à intenção com que os arguidos actuaram, dado que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa inferir, entre os quais o preenchimento dos elementos integrantes da infracção.
33ª- Tais factos, conjugados com os outros elementos dados como assentes pelo tribunal "a quo", tornam os arguidos incursos na co-autoria material do imputado crime de "furto qualificado", p. e p. nas disposições dos arts. 203º e 204º nº 2 al. e) do Código Penal, punível com pena de 02 a 08 anos de prisão, pelo qual haverão de ser condenados.
34ª- Essencialmente, à luz dos critérios tipológicos previstos no art. 71º do Código Penal para a determinação da pena, salientamos:
a) A natureza habitacional do espaço assaltado;
b) Ter o assalto ocorrido estando os habitantes no seu interior;
c) A quantidade e características dos artigos subtraídos;
d) O modo (profissional) de actuação;
e) A ausência de confissão e arrependimento;
f) Os antecedentes criminais (que constam dos factos dados como provados por remissão para os respectivos CRC e certidão juntos aos autos);
35ª- Afigurando-se-nos justa e criteriosa, porque dando expressão acertada às exigências da prevenção especial e geral (integrada esta pela ideia da culpa), a pena de 4 anos de prisão para cada um deles.
36ª - E essa pena deverá ser uma pena de prisão efectiva, por assim o exigirem as finalidades da punição, pois que nenhuma das penas de substituição previstas na lei, designadamente a suspensão da execução da pena prevista no art. 50º do C.Penal, se revela adequada a assegurar tais finalidades, designadamente as de prevenção especial.
37ª- Motivo por que deve o presente recurso ser julgado provido e procedente e, em consequência:
• Ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que, alterando a matéria-de-facto em conformidade e julgando cometido o crime em causa pelos arguidos C...e B..., os condene nos termos expostos.
• Ou, assim não se entendendo, determine a remessa dos autos ao tribunal " a quo" para, reabrindo a audiência, proceder à fixação das penas».


3.
O recurso foi admitido.
Os arguidos C... e B... responderam, defendendo a manutenção do decidido.
Quanto à primeira questão, alegaram que a reforma do C.P.P. operada pela Lei nº 48/2007, de 29/8, visou introduzir um maior grau de exigência no que se refere aos pressupostos relativos à admissão e autorização das escutas telefónicas como meio de prova, nomeadamente no que respeita aos respetivos prazos.
Quanto ao mais referem que a única prova de que o Ministério Público se socorre para impugnar a decisão do tribunal recorrido é uma testemunha que apenas presenciou factos na cidade do Porto, que ocorreram, no mínimo, 14 horas após o crime, nada sabendo sobre o que se passou em Lourosa.
Tal como o Ministério Público admite, «o "simples facto" dos arguidos terem sido vistos na viatura furtada não é por si suficiente para se concluir que foram eles os agentes do crime … ninguém presenciou a prática do crime pelos arguidos C... e B...».
Assim, e como não podia deixar de ser dizem, houve que aplicar o princípio in dubio pro reo.

O Exmº P.G.A. não se pronunciou.

4.
Proferido despacho preliminar foram colhidos os vistos legais.
Realizada a conferência cumpre decidir.
 
*
*
FACTOS PROVADOS

5.
O arguido A... requereu a declaração da nulidade das transcrições das interceções telefónicas referentes às sessões 19811, 19822, 19823, 19849, 19860, 19899 e 19929 do alvo 32773M, por violação do disposto no art. 188º, nº 7, do C.P.P., por inexistência de despacho de validação das mesmas.
Sobre o requerido foi proferido o seguinte despacho:
«Enquanto meio excepcional de obtenção de prova em processo penal (excepcionalidade essa reconhecida pelo nº 3 do artigo 126º do CPP), a intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser efectuadas nos quadros estreitos dos procedimentos fixados pelos artigos 187º e 188º do Código de Processo Penal.
Os citados normativos estabelecem um regime de autorização e de controlo judicial e o “sistema de catálogo”, em consonância com o disposto nos nº 1 e 4 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa.
Enquanto o artigo 187.º do Código de Processo Penal consagra a admissibilidade da intercepção e gravação de conversações ou comunicações telefónicas para valerem como meio de prova, o artigo 188.º do mesmo diploma legal estabelece as formalidades a que estão sujeitos os actos de intercepção e gravação. Daí que se considere que os requisitos das escutas telefónicas assumem uma natureza material ou substancial no artigo 187º do CPP, e uma natureza formal ou procedimental no artigo 188º do CPP.
A natureza material advém da exigência legal que este meio de obtenção de prova só pode ser utilizado em determinadas situações, melhor, quando existam indícios da prática de certos tipos de crime (crimes do catálogo) e terá de ser sempre autorizada por despacho de um juiz; são, portanto, as condições de admissibilidade das escutas telefónicas.
Concomitantemente a estas condições de admissibilidade das escutas telefónicas, o legislador ordinário estabeleceu determinados formalismos inerentes à realização das mesmas, a forma como se processarão as escutas, com o fim de efectivar o papel do Juiz no controlo e fiscalização deste meio de obtenção de prova, por si previamente autorizado, os requisitos formais.
As escutas telefónicas restringem, primordialmente, o direito fundamental de inviolabilidade nas telecomunicações, o qual tem a sua consagração constitucional no citado artigo 34º, nº 4, da CRP.
Com efeito, e conforme se alude no Acórdão do TC nº 407/97 (DR, II série, nº 164, 18/7/97, p. 8604), a existência, no Código de Processo Penal, de um regime sobre «escutas telefónicas» deve-se a uma autorização expressa da Constituição.
Tal regime só existe porque a Constituição expressamente autoriza a sua existência: é o que decorre do nº 1 do artigo 34º, dos nºs 1 e 2 do artigo 18º, e do nº 4 do artigo 34º da CRP. Sendo o direito ao sigilo dos meios de comunicação privada (dito inviolável pelo nº 1 do artigo 34º) um direito fundamental directamente aplicável (artigo 18º, nº 1), a sua restrição terá que ser autorizada pela própria Constituição (artigo 18º nº 2); a previsão, por lei ordinária, de um regime que permita às autoridades públicas a intercepção e gravação de conversações telefónicas sem o consentimento dos intervenientes é, evidentemente, uma restrição; tal restrição legal só existe porque a Constituição, no nº 4 do artigo 34º, expressamente a autoriza.
Por outro lado, o artigo 32.º, n.º 8, da Constituição da República dispõe ainda que: “São nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”.
De forma a consagrar as referidas disposições normativas constitucionais, no direito ordinário adjectivo, o legislador estabelece, no seu artigo 126º do CPP, os métodos proibidos de prova, segundo o qual:
“1 – São nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas.
2 – São ofensivas da integridade física ou moral das pessoas as provas obtidas, mesmo que com consentimento delas, mediante:
a) Perturbação da liberdade de vontade ou de decisão através de maus tratos, ofensas corporais, administração de meios de qualquer natureza, hipnose ou utilização de meios cruéis ou enganosos;
b) Perturbação, por qualquer meio, da capacidade de memória ou de avaliação;
c) Utilização da força, fora dos casos e dos limites permitidos pela lei;
d) Ameaça com medida legalmente inadmissível e, bem assim, com denegação ou condicionamento da obtenção de benefício legalmente previsto;
e) Promessa de vantagem legalmente inadmissível.
3 – Ressalvados os casos previstos na lei, são igualmente nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas mediante intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular.
4 – Se o uso dos métodos de obtenção de provas previstos neste artigo constituir crime, podem aquelas ser utilizadas com o fim exclusivo de proceder contra os agentes do mesmo”.
Verificamos, assim, que ao nível da inviolabilidade das telecomunicações estabelece-se uma ressalva, ou seja, serão válidas as provas obtidas mediante a violação do referido direito fundamental, nos casos previstos na lei penal adjectiva ou desde que haja consentimento do seu titular. Este regime jurídico, diferente dos nºs 1 e 2 do mesmo artigo, deve-se ao facto de que, aqui, os direitos fundamentais em questão não se prendem directamente com a dignidade da pessoa humana, trata-se de direitos disponíveis, e portanto, restringíveis.
Independentemente, da aludida diferença, certo é que a não observância dos pressupostos materiais de realização de uma intercepção telefónica gera uma proibição de prova, por violação dos artigos 32.º, n.º 8 da CRP e 126.º, n.º 3 do CPP, uma vez que tais pressupostos são aqueles de que a lei faz depender a adopção do método de obtenção de prova. Mais concretamente, estamos perante uma proibição de produção de prova (por utilização de um método de produção de prova proibido), por violação de determinados direitos liberdades e garantias, que vai redundar numa proibição de valoração das gravações assim obtidas, como estatuído expressamente no art. 126.º, n.º 3 do CPP.
Por conseguinte, atestada a violação dos artigos 187.º e ou 188.º do CPP, estabelece o art. 190.º do CPP a nulidade desses actos.
Com efeito, estabelece o citado artigo 190º do CPP, que: “os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º, 188.º e 189.º são estabelecidos sob pena de nulidade”.
Tem-se posto a questão – quer na doutrina, quer na jurisprudência – de saber se a nulidade a que se refere este preceito é exactamente a mesma nas situações em que se violem os pressupostos materiais de admissibilidade das escutas telefónicas (com assento legal no art. 187.º do CPP) e nos casos em que se violem as formalidades das operações, previstas no art. 188.º do CPP.
Tem sido entendimento praticamente unânime da nossa jurisprudência que é necessário distinguir, entre a violação dos pressupostos materiais de admissibilidade da medida (que segundo a mesma corrente se identificam com o art. 187.º do CPP) e os requisitos formais de realização das mesmas (identificados com os casos elencados no art. 188.º do CPP), de tal sorte que a violação do primeiro grupo de situações gera uma proibição de prova e a correspondente nulidade extra-sistemática, e a violação do segundo grupo de situações gera uma mera nulidade sanável, reconduzível ao sistema geral das nulidades processuais. Ou seja, repousa este entendimento, na distinção entre proibições de prova e regras de produção de prova, entendidas as primeiras como limites à descoberta da verdade material e as segundas como regras de exteriorização da prova – Cfr entre outros Ac. do STJ de 7/12/2005, Processo nº 05P2942, Relator: SILVA FLOR, segundo o qual, “Como é jurisprudência dominante neste Supremo Tribunal, a cominação estabelecia no artigo 189.º do Código de Processo Penal, que fulmina com a sanção de nulidade genericamente as infracções ao disposto nos artigos 187.º e 188.º, não significa que se trate sempre de nulidades absolutas. Há que distinguir a inobservância dos pressupostos para a recolha, estabelecidos no artigo 188.º, dos pressupostos substanciais de admissão das escutas, a que alude o artigo 187.º, em que está em causa a utilização de um meio de prova proibido, por ilegal intromissão nas comunicações. No primeiro caso a nulidade é relativa, sanável, no segundo é absoluta. Neste sentido cfr. os acórdãos deste Supremo Tribunal de 26-11-2003, Proc. n.º 3164/03, de 21-10-2004, Proc. n.º 3030/04, de 2-2-2005, Proc. n.º 3776/05, e de 15-06-2005, Proc. n.º 1556/05.”; Ac. do STJ de 29/12/2006; Processo n.º 06P3059; Relator: OLIVEIRA MENDES, segundo o qual, “os procedimentos para realização de intercepções e gravações telefónicas estabelecidos no art. 188.º, após ordem ou autorização judicial para o efeito, constituem formalidades processuais cuja não observância não contende com a validade e a fidedignidade daquele meio de prova, razão pela qual, como este Supremo vem entendendo, à violação dos procedimentos previstos naquele normativo é aplicável o regime das nulidades sanáveis, previsto no art. 120.º do CPP”; Ac. do STJ de 07/03/07; Processo n.º 06P4797; Relator: ARMINDO MONTEIRO: “Na cominação estabelecida no art. 189.º do CPP [actual art. 190.º], que fala genericamente em nulidade para a infracção às regras dos arts. 187.º e 188.º do CPP, há que distinguir entre pressupostos substanciais de admissão das escutas, com previsão no art. 187.º do CPP, e condições processuais da sua aquisição, enunciadas no predito art. 188.º, para o efeito de assinalar o vício que atinja os primeiros a nulidade absoluta e a infracção às segundas como nulidade relativa, sanável […]”; Ac. do STJ de 31/01/2008; Processo n.º 06P4805; Relator: CARMONA DA MOTA, segundo o qual: “[…] quando a nulidade do meio utilizado (a escuta telefónica) radique não nos requisitos e condições de admissibilidade (art. 187.º) mas nos requisitos formais, sendo esta modalidade ainda que igualmente proibida, menos agressiva do conteúdo essencial da garantia constitucional da inviolabilidade das telecomunicações”.
Sobre esta questão veja-se ainda Cláudio Lima Rodrigues, “Das proibições de prova no âmbito do direito processual penal – o caso específico das proibições de prova no âmbito das escutas telefónicas e da valoração da prova proibida pro reo”, in www.verbojuridico/ficheiros/doutrina/ppenal/ claudiolimarodrigues-proibicaoprovaescutas.pdf, o qual defende além do mais que: “Por nós como ponto de partida, esta orientação tem-se por fundada. De facto, ela tenta distinguir a violação de pressupostos materiais de admissibilidade das escutas telefónicas, das meras formalidades das operações que consubstanciam meras regras de produção de prova. Enquanto os primeiros acabam por ser uma concretização do princípio da proporcionalidade (art. 18.º, n.º 2 da CRP) a observar na restrição de direitos, liberdades e garantias, os segundos não apresentam esse mesmo referente constitucional. Enquanto os primeiros ainda visam a protecção de direitos constitucionalmente tutelados, nos segundos tal não acontece.
Como tal, a violação das normas que prevêem estes pressupostos materiais de admissibilidade de intercepções telefónicas geram uma proibição de valoração da prova assim obtida (artigos 32.º, n.º 8 da CRP e 126.º, n.º 3 do CPP), senda a medida nula (art. 190.º do CPP), nulidade essa que se identifica com a nulidade absoluta associada às proibições de prova (artigos 118.º, n.º 3 e 126.º, n.º 3 do CPP), uma vez que tais requisitos legais, são os requisitos de que a lei faz depender a admissibilidade da escuta telefónica, no fundo, que a torna conforme com a Lei Fundamental.
Por sua vez, a violação de normas que prescrevem meras formalidades na realização da prova, não geram uma proibição de prova, já que elas não estão “programadas” para a tutela de direitos, liberdades e garantias. Por conseguinte, a nulidade a que se refere o art. 190.º do CPP, neste caso específico, não é uma nulidade absoluta, mas sim uma nulidade reconduzível ao sistema geral das invalidades previstas no Código de Processo Penal, mais concretamente uma nulidade sanável (art. 120.º do CPP), dada a ausência de cominação expressa de uma nulidade insanável (art. 119.º do CPP) (…)”.
Ainda sobre esta matéria pode ler-se, além do mais, e na parte que aqui releva, no comentário ao Código de Processo Penal – Comentários e notas práticas, Magistrados do Ministério Público do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, pág. 510: “A caracterização dos vícios a que se refere o artigo 189º vem sendo objecto de soluções divergentes: uma delas, no sentido de uma apertada interpretação do preceito de modo a abranger todas as formalidades; outras, fazendo distinções.
Tendência forte da jurisprudência vai no sentido de que existe nulidade insanável se não for colhido despacho judicial de autorização das escutas telefónicas ou se estas se prolongarem para além do período fixado ou depois de conhecido o despacho que ordene o seu término.
Tratar-se-á mesmo de um método proibido de prova - artigo 126.º, n.º 3, do CPPenal:"são igualmente nulas as provas obtidas mediante intromissão na vida privada.ou nas telecomunicações sem o consentimento do respectivo titular".
Mas quanto ao incumprimento de outras formalidades, nomeadamente a não apresentação imediata ao juiz, do auto lavrado junto com as fitas gravadas ou elementos análogos, parece minoritária a posição que considera linearmente que a violação de "todos os requisitos e condições referidos nos artigos 187.º e 188.º são estabelecidos sob pena de nulidade", entendendo o termo nulidade como nulidade insanável.”
Tecidas estas breves considerações, vejamos no caso vertente, se se verifica a invocada nulidade.
Ora, sustenta o ilustre mandatário do arguido A... que não se encontram satisfeitos os requisitos e nem as condições legais estabelecidas para as transcrições das intercepções telefónicas referentes às sessões 19811, 19822, 19823, 19849, 19860, 19899 e 19939, do alvo 32773M do Anexo P, sendo estas nulas, conforme art. 190.º, por aplicação do n.º 1 do art. 105.º, por violarem o disposto no n.º 7 do art. 188.º, todos do C.P.Penal, porquanto não existe nenhum despacho a validar estas transcrições.
Sustenta ainda o referido mandatário, que nos termos do art. 188.º, n.º 3, do C.P.Penal, na redacção anterior à Lei n.º 48/2007, de 29/08, depois de ordenada a transcrição compete ainda ao juiz de instrução criminal titular ordenar que a mesma seja junta ao processo, por considerar relevante para a prova dos factos em investigação, e que a junção aos autos das transcrições precede de despacho de validação das mesmas, garantindo que as mesmas estão em conformidade com as intercepções telefónicas efectuadas aos alvos a que respeitam. Mais refere que a alteração legislativa pela entrada em vigor da Lei n.º 48/2007, de 29/08, não derrogou o princípio instituído pelo anterior n.º 3 do art. 188.º, consagrando-o agora no n.º 7 daquele mesmo art. 188.º, ambos do C.P.Penal, pelo que só as transcrições previamente validadas por despacho do Juiz de Instrução Criminal podem ser incorporadas e juntas ao processo, caso contrário estão feridas de nulidade, e também a ordem de validação das transcrições carece de promoção do Ministério Público, que no presente caso também não existiu.
Ora, desde logo se refere que, pese embora não tenha havido qualquer despacho a validar a transcrição das sessões constantes de fls. 1328 a 1337 (cfr. certidão de fls. 1417, proveniente do referido Proc. n.º 841/06.5 PIPRT, onde refere que “não existem nos autos outros despachos relativos a validações das referidas intercepções”), o certo é que o legislador, e designadamente o citado artigo 188º (quer na redacção actual, quer antes da entrada em vigor da lei 48/2007 de 29/8) não impõe que o juiz profira qualquer despacho a validar as transcrições por si ordenadas, nem tão pouco que certifique a correspondência da transcrição às gravações.
A este propósito, veja-se, conforme bem refere a digna magistrada do Ministério Público, o Ac. do TC 450/2007, disponível em http://www.tribunal constitucional.pt/Acordaos, que além do mais, decidiu “não julgar inconstitucional a norma extraída dos artigos 188.º, n.º 4, 2ª parte, e 101º, n.º 2, do Código de Processo Penal, na interpretação segundo a qual o juiz de instrução criminal não tem de assinar o auto de transcrição das gravações telefónicas nem tem de certificar a conformidade da transcrição”.
Com efeito, e tal como bem refere a digna magistrada do Ministério Publico as gravações e as transcrições estão ao dispor dos vários sujeitos processuais – incluindo os arguidos – para que possam, se assim o entenderem, certificar-se de tal correspondência e, caso verifiquem que a mesma não existe, poderão, então, levar ao conhecimento do juiz a discrepância que, em concreto, verificaram, para que este determine a correcção das transcrições, conforme lhe é permitido pelo nº 10 do artigo 188º do CPP.
No caso vertente, foi inclusivamente facultado ao referido mandatário do arguido A..., conforme o por si requerido, cópia dos respectivos cds que foram remetidos com a certidão a que se alude a fls. 1417, tendo-lhe sido ainda concedido o prazo por si requerido, para os analisar (conforme decorre da respectiva acta constante de fls. 2016 a 2018), e pelo mesmo nada foi requerido, quanto ao concreto conteúdo da transcrição das sessões em causa.
Teremos assim de concluir, que não se verifica qualquer nulidade por falta de despacho a validar as transcrições em causa, que foram ordenadas pelo Mmº Juiz de Instrução.
Não obstante, importa aqui frisar, conforme o sustentado pela ilustre defensora dos arguidos C... e B... em sede de alegações finais, que a escutas referentes às sessões em causa, mencionadas a fls. fls. 1328 a 1337 foram efectuadas após o prazo que foi concedido nos despachos proferidos pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal, constantes de fls. 1426 a 1427, e 1428 a 1430, o primeiro proferido em 10/04/2007 (que autoriza as intercepções e gravações das chamadas telefónicas, efectuadas e recebidas de e para vários nºs de telefone, incluindo na parte que aqui releva o nº (...), pelo prazo de 60 dias) e o segundo proferido em 4/05/2007 (que autoriza as intercepções e gravações das chamadas telefónicas, efectuadas e recebidas de e para vários nºs de telefone, incluindo na parte que aqui releva o nº 918632757, pelo prazo de 60 dias).
Com efeito, as transcrições constantes de fls. 1328 a 1334, relativas ao nº (...), com o código de alvo nº 32773M – C...– dizem respeito às sessões nºs 9090, 9101, 19810, 19811, 1922, 19823, 19830, 19849, 19860, 19884, 19890, 19891, 19899, 19939, as duas primeiras ocorridas no dia 12/06/2007; a terceira, quarta, quinta e sexta ocorridas no dia 15/07/2007 e as demais ocorridas no dia 16/07/2007.
Por sua vez, as transcrições constantes de fls. 1335 a 1337, relativas ao nº 918632757, com o código de alvo nº 1L715M – D... – dizem respeito às sessões nºs 18306, 18308, 15489, 15490, 15491, 15492, 15493, 15494, as duas primeiras ocorridas no dia 24/07/2007, e as demais ocorridas no dia 17/07/2007.
Ora, uma vez que as referidas escutas se prolongaram para além do período de 60 dias que foi fixado pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal, nos despachos constantes de fls. 1426 a 1427, e 1428 a 1430, e não existindo qualquer outro despacho judicial a autorizar a respectiva prorrogação, teremos de considerar que as mesmas são nulas, não podendo ser valoradas, e isto independentemente do referido juiz de Instrução Criminal ter posteriormente ordenado a transcrição das referidas sessões.
A prorrogação das escutas só pode ser ordenada pelo juiz, o qual, deverá motivar essa mesma renovação, a qual implica um novo juízo de ponderação e análise da verificação dos pressupostos ordinários e constitucionais legitimadores deste meio de prova. No fundo, não é mais do que um novo despacho de autorização judicial.
Conforme acima se aludiu a jurisprudência maioritária, com a qual concordamos, vai no sentido de que existe nulidade insanável se não for colhido despacho judicial de autorização das escutas telefónicas ou se estas se prolongarem para além do período fixado ou depois de conhecido o despacho que ordene o seu término.
Teremos, assim, que julgar verificada a nulidade das escutas em causa, por terem sido efectuadas para além do período que foi fixado nos despachos proferidos pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal, constantes de fls. 1426 a 1427, e 1428 a 1430, e sem tenha havido qualquer outro despacho judicial a prorrogar as mesmas, sendo tal nulidade absoluta ou insanável e, por conseguinte, de conhecimento oficioso.
Em face do exposto, decide-se:
a) Indeferir a arguida nulidade invocada pelo arguido, por falta de despacho do Mmº Juiz de Instrução Criminal a validar as transcrições, por si ordenadas, constantes de fls. 1328 a 1337.
b) Declarar verificada, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 32.º, n.º 8 da CRP, 126.º, n.º 3, 187º e 190.º do CPP, a nulidade - que entendemos ser absoluta ou insanável - das escutas telefónicas referentes às sessões supra mencionadas, cuja transcrição consta de fls. 1328 a 1337, por virtude de as mesmas terem sido efectuadas para além do período de 60 dias que foi fixado pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal, nos despachos constantes de fls. 1426 a 1427, e 1428 a 1430, e sem que tenha havido qualquer outro despacho judicial a autorizar a respectiva prorrogação, não podendo, por conseguinte, as mesmas ser valoradas».

6.
Na sentença recorrida foram dados como provados os seguintes factos:
«1. Entre as 00:00 horas e as 8:00 horas do dia 16 de Julho de 2007, desconhecidos dirigiram-se à residência de L..., sita na (...) Viseu, com o propósito de nela entrar e dali retirarem os objectos e valores que lograssem encontrar, para dos mesmos se apropriarem.
2. Ali chegados, escalaram por uma janela que abriram e depois entraram através da mesma no interior da garagem da casa, a partir da qual tiveram acesso a toda a residência.
3. Do interior da residência, os referidos desconhecidos retiraram e levaram pelo menos:
- dois televisores LCD,
- uma câmara de vídeo,
- as chaves de dois veículos automóveis,
- uma carteira de senhora, a qual continha no seu interior: o BI, o cartão de contribuinte e o cartão de utente de I...., o B.I. de J..., três cartões de crédito, um cheque, três relógios, um anel em ouro, um anel em prata, uma aliança, em ouro, uma pulseira em ouro.
4. Após, usaram uma das chaves, subtraídas no interior da residência, e com ela abriram o veiculo automóvel, de marca Mercedes, modelo B180D, com a matricula (...)CR, que estava estacionado em frente da casa, introduziram-se no interior do mesmo e levaram-no; apropriando-se assim do veiculo e fazendo-o seu.
5. Os referidos desconhecidos apropriaram-se também dos restantes objectos e valores que haviam retirado da residência, fazendo-os seus.
6. O veículo furtado, que pertencia a L..., veio a ser localizado nesse mesmo dia, cerca das 22:00 horas, pela PSP do Porto, quando nele se faziam transportar os arguidos C...e B... e ainda E... e o D...; tendo sido recuperado no dia 19-07-2007 e entregue ao respectivo proprietário.
*
Quanto aos antecedentes criminais provou-se que:
7. O arguido A... já sofreu as condenações que constam do seu certificado de registo criminal, constante de fls. 1384 a 1387, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo ainda a relativa ao processo nº 841/06.5PIRT, conforme a certidão de fls. 1418 a 1938.
8. O arguido B... já sofreu as condenações que constam do seu certificado de registo criminal, constante de fls. 1958 a 1974, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo ainda a relativa ao processo nº 841/06.5PIRT, conforme a certidão de fls. 1418 a 1938.
9. O arguido C...já sofreu as condenações que constam do seu certificado de registo criminal, constante de fls. 1388 a 1408, cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido, sendo ainda a relativa ao processo nº 841/06.5PIRT, conforme a certidão de fls. 1418 a 1938.
Quanto às condições pessoais e económicas dos arguidos provou-se que:
10. Quanto ao arguido C...:
10.1. O processo de desenvolvimento psicossocial e afectivo de C...decorreu no agregado familiar de origem, de modesto estrato socio-económico, sendo o progenitor a única figura capaz de orientar o processo educativo dos descendentes.
10.2. Após o falecimento deste, contava C...11 anos de idade, a mãe ficou com os descendentes a seu cargo, contudo revelou incapacidade de supervisão e acompanhamento educacional, devido a limitações de natureza psicológica que apresentava.
10.3. Neste contexto, assistiu-se à desagregação familiar, com graves consequências para todos os seus membros, acentuando-se as dificuldades sócio económicas e relacionais, tendo o arguido registado desmotivação e desinvestimento escolar, com elevado absentismo, em particular aquando da frequência do 5º ano de escolaridade.
10.4. Reporta-se a esta fase o início de um percurso progressivamente desviante, inserido em grupo de pares associado a práticas delinquentes, facto pelo qual foi sujeito a várias medidas tutelares educativas, incluindo medida de internamento no Centro Educativo de Santa Clara em Vila do Conde, onde concluiu o 2º ciclo do ensino básico.
10.5. Após o cumprimento desta medida, em Fevereiro de 2006, o arguido reintegrou o agregado materno, tendo retomado o contacto com o grupo de pares do seu bairro.
10.6. Mantinha as mesmas condutas anti-sociais anteriores e hábitos aditivos, e não exercia qualquer actividade de natureza valorativa e estruturada.
10.7. À data dos factos constantes nos presentes autos (16.07.2007) o arguido alternava a residência entre a casa da progenitora sita na Rua (...) Porto e a casa dos pais da namorada (actual cônjuge), com quem mantinha uma relação afectiva há vários anos.
10.8. Não obstante, protagonizava um percurso de vida sem objectivos lícitos, circunscrito à ociosidade, durante o dia e, à noite acompanhava o grupo de pares com comportamentos, acentuadamente associais.
10.9.Tinha ainda desistido de um curso de formação de informática para que tinha sido proposto, alheando-se de actividades estruturadas e valorativas.
10.10. Envolvido neste contexto associal e ilícito, C...foi preso em 13.10.2007, data em que deu entrada no Estabelecimento Prisional do Porto, onde teve dificuldades de adaptação às regras do contexto prisional, sendo alvo de duas medidas disciplinares, por envolvimento em negócios não autorizados e posse de dinheiro, no entanto, conseguiu concluir o 9º ano de escolaridade e desenvolveu esforços posteriormente conseguidos de abstinência do consumo de estupefacientes.
10.11. Em 20.04.2009 contraiu matrimónio com a namorada, beneficiando do regime de visitas intimas.
10.12. Transferido em 11.03.2010 para o Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, C..., exceptuando uma punição em Janeiro de 2012, por posse de telemóvel, tem adoptado um comportamento correcto com os vários intervenientes do sistema prisional, demonstrando motivação para a promoção de competências pessoais e formativas.
10.13. Assim, para além de ter frequentado o sistema de ensino de forma investida, com conclusão do 12º ano, integrou um curso de delitos estradais e concluiu o primeiro módulo de um curso de formação profissional de canalizador, tendo em Abril de 2013 iniciado o segundo módulo deste mesmo curso, numa postura motivada e com aproveitamento.
10.14. Não obstante o percurso associal protagonizado pelo arguido e actual reclusão, C...sempre dispôs do apoio da mãe e da cônjuge, apesar de actualmente esta ter ido trabalhar para França.
10.15. C...encontra-se a cumprir uma pena de 11 anos e 9 meses de prisão à ordem do processo nº 841/06.5PIPRT da 3ª Vara Criminal do Porto.
10. 16. Face ao presente processo apresenta uma postura algo apreensiva, contudo com alguma expectativa de ficar com a situação juridico penal mais definida, para oportunamente poder beneficiar de medidas de flexibilização da pena.
10.17. O arguido avança ainda com o facto da reclusão se ter constituído como oportunidade para ultrapassar o consumo aditivo e de reestruturação do seu percurso de vida, face ao qual apresenta sentido crítico, pelo que tem procurado, enquanto recluso, adquirir maior formação pessoal e profissional, definindo objectivos de vida pró-sociais.
10.18. Confrontado com os factos constantes dos presentes autos e em abstracto, revela crítica e capacidade de censura sobre os mesmos, identificando inclusive os níveis de gravidade e consequências para as vítimas.
11. Quanto ao arguido A...:
11.1. O arguido A... é o mais novo de dois descendentes, tendo o seu processo de desenvolvimento decorrido junto do agregado familiar de origem, na freguesia de (...), na cidade do Porto, constituído pela mãe, avó e tia materna, tendo o pai falecido no decurso da gravidez da progenitora.
11.2. A dinâmica familiar, considerada funcional, deu prioridade ao desempenho laboral, como forma de fazer face às despesas domésticas, descurando o acompanhamento pedagógico e/ou educacional dos descendentes.
11.3. A... frequentou o sistema de ensino, em idade própria, concluindo o 3.º ciclo do ensino básico aos 16 anos, com a obtenção de via profissionalizante, no curso de informática.
11.4. Posteriormente frequentou outro curso profissional com vista à obtenção do 12.º ano de escolaridade, contudo, ainda no decorrer da frequência do 1.º ano desse curso, começou apresentar elevado grau de absentismo e desmotivação, acabando por abandonar os estudos.
11.5. Foi nesta fase que A... começou evidenciar comportamentos desviantes, quer pela inatividade, que o caraterizava nesse período, quer pela sua inserção em grupos de pares conotados com comportamentos desviantes, motivando contactos com o sistema de justiça penal.
11.6. No tocante da ocupação dos seus tempos livres, esta foi sempre dirigida para a prática desportiva, tendo jogado futebol nas camadas jovens do Salgueiros Futebol Clube, onde iniciou prática desportiva aos 8 anos de idade, tendo abandonado o clube com 15 anos.
11.7. Refere ter jogado mais dois anos noutro clube da cidade do Porto.
11.8. Á data dos factos, Julho de 2007, o arguido tinha iniciado coabitação com a namorada, na mesma freguesia, na sequência da gravidez daquela, contava o arguido 18 anos de idade.
11.9. Desta relação nasceram dois filhos, atualmente com 5 e 4 anos de idade.
11.10. A família constituída vivia com dificuldades económicas, apenas A... trabalhava, ajudante de eletricista e empregado de frutaria, com alguns períodos de inatividade, auferindo o salário mínimo nacional, sendo a companheira da altura, beneficiária do rendimento social de inserção (RSI), suportando o casal o encargo da renda da habitação.
11.11. Os conflitos relacionais começaram a surgir, associados à insuficiência económica, ocorrendo, em simultâneo, desorganização pessoal do arguido, dificuldades de assunção das responsabilidades parentais estando subjacente, alguma imaturidade resultante, nomeadamente, da idade jovem do casal.
11.12. A rutura desta união de facto, aconteceu em meados do ano de 2009, ficando os dois filhos entregues à respetiva progenitora e familiares desta.
11.13. Em finais de 2010 encetou nova relação afetiva, tendo uma filha, de 2 anos de idade, da atual companheira, passando esta a integrar o agregado familiar de origem de A... ao qual o arguido tinha regressado em 2009.
11.14. Este núcleo constituído passou então a residir em habitação, inserida em aglomerado tipo “ilha”, em economia partilhada com a mãe, avó e tia materna do arguido, residentes em dois espaços contíguos.
11.15. A atual companheira esteve desempregada, no nascimento da filha, tendo posteriormente desenvolvido, atividade nas limpezas em habitações de particulares, estando atualmente a laborar, enquanto cozinheira, num café na cidade do Porto.
11.16. Dispõe ainda como fonte de rendimento o abono de família da filha menor.
11.17. Não obstante esta situação, com a reforma da avó e os rendimentos auferidos pela progenitora, empregada de balcão, e pela tia materna de A..., que não especificaram, conseguem uma gestão doméstica equilibrada, compatível com os encargos quotidianos, relativos à alimentação e infantário da menor.
11.18. O relacionamento entre o casal é considerado gratificante, apresentando-se o arguido motivado na construção de um futuro normativo, para o que contribui, também, o apoio efetivo proporcionado pela família de origem.
11.19. Do contacto estabelecido no meio social de residência do arguido, as habitações onde morou situam-se na mesma área geográfica, não foram referenciados comportamentos que obstem o retorno de A... àquele meio, não lhe sendo associada imagem de agressividade/violência, embora acompanhasse grupo de pares de conduta desviante, que exerciam influência perniciosa.
11.20. A... encontra-se, pela primeira vez, a cumprir pena efetiva de prisão, condenado em 5 anos e 6 meses de prisão, por vários crimes contra o património, à ordem do processo 841/06.5PIPRT, da 3ª Vara Criminal do Porto.
11.21. Apresentou-se voluntariamente, em 22/07/2011, no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, onde se mantém.
11.22. Assume os crimes cometidos e o desvalor da sua conduta criminal, que considera estarem associados à permeabilidade à influência de outros pares e à sua imaturidade, reconhecendo que terá sido o seu grande fator de risco.
11.23. Contudo refere que atualmente, com a assunção dos deveres parentais e com o apoio dos familiares, esta situação estará debelada.
11.24. O arguido mostra-se preocupado e um pouco ansioso com os presentes autos, formula em abstrato, avaliação crítica relativamente à tipologia dos factos constantes na acusação, sendo que a clarificação da situação jurídico-penal lhe permite traçar metas na preparação para a liberdade, com a inclusão de medidas de flexibilização de pena.
11.25. A... tem mantido um comportamento ajustado ao normativo do contexto prisional, investido na sua valorização pessoal, concluiu o curso de informática e frequenta, no momento, o curso de formação profissional de pastelaria/padaria, que segundo verbaliza, lhe permitirá alcançar o objetivo da empregabilidade, quando em liberdade, mostrando-se muito motivado nesse sentido.
11.26. Participa em actividades desportivas, futebol e voleibol, o que permite o desenvolvimento de competências sociais e relacionais construtivas.
11.27. É visitado com regularidade pelos familiares que mais o apoiam, companheira, mãe, tia, avó e filhos, sendo que os dois filhos mais velhos, frutos da primeira união de facto do arguido, vêm acompanhados pelos familiares diretos de A....
12. Quanto ao arguido B... 12.1. B... é filho único da união dos progenitores, os quais estão separados desde o seu nascimento, pelo que o arguido viveu sempre com a progenitora e avós maternos, descrevendo a dinâmica familiar de forma positiva e marcada por laços de afetividade.
12.2. O processo educativo do arguido foi então da responsabilidade da mãe em coadjuvação com os avós, adotando os castigos físicos e não físico, como prática educativa.
12.3. O arguido refere ter sido uma criança/adolescente irrequieto e problemático.
12.4. Ingressou no ensino em idade regulamentar, tendo concluído o 7º ano de escolaridade aos 14 anos.
12.5. Foi alvo de várias sanções disciplinares e não revelava assiduidade, tendo terminado o percurso escolar por manifesto desinteresse pelas atividades letivas.
12.6. Em simultâneo com aquele trajeto, outro semelhante foi encetado na área do desporto, mais especificamente no futebol, iniciado aos 12 anos, mas que abandonou 4 anos depois, apesar de ter acalentado o sonho de ser futebolista profissional.
12.7. Posteriormente, procurou inserir-se profissionalmente, tendo registado uma experiência como distribuidor de publicidade durante 1 ano.
12.8. Contudo, a sua atitude displicente e desinvestida, determinou novas desistências e, concomitantemente, o convívio com um grupo de pares com condutas desviantes, em que ele também se envolveu, acabou por desencadear a adoção de comportamentos transgressores, confrontando-o com sistema de justiça tutelar de menores e penal e subsequente reclusão.
12.9. À data dos factos na origem do presente processo, que se reportam a 16 de Julho de 2007, B... residia com a progenitora e com os avós maternos, numa habitação de tipologia 3, dotada de infra-estruturas básicas e de boas condições de habitabilidade inserida num bairro de cariz social.
12.10. Mantinha uma postura desinvestimento ao nível do desempenho de uma atividade profissional, sendo a dinâmica e organização familiares perturbadas pelos constrangimentos resultantes dos comportamentos transgressivos do arguido, relativamente aos quais os elementos da família não conseguiam sobrepor uma atitude de controlo.
12.11. Na sequência do estilo de vida que vinha então protagonizando, sofreu várias condenações.
12.12. Ao abrigo do processo nº 841/06.5PIPRT da 3ª Vara Criminal do Porto, o arguido foi preso preventivamente a 13/10/2007, tendo sido condenado, no âmbito deste processo, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
12.13. Posteriormente e no âmbito do processo nº 726/06.5PWPRT da 4ª Vara Criminal do Porto, foi efetuado o cúmulo jurídico de ambas as penas, resultando numa condenação de 5 anos e 2 meses de prisão, tendo o acórdão transitado 22 de Novembro 2011.
12.14. Durante o cumprimento da pena de prisão e após um período inicial de maior instabilidade o arguido mudou a sua postura, tendo até concluído o 9º ano de escolaridade.
12.15. B... foi restituído à liberdade, no termo da pena, a 09/12/2012, encontrando-se desde então desempregado.
12.16. Reintegrou o agregado familiar de origem, constituído pelos avós e progenitora e, pontualmente, pelo companheiro desta, situação que permanece inalterada.
12.17. A dinâmica familiar pauta-se por relações de solidariedade e de afetividade entre os seus elementos.
12.18. O agregado familiar subsiste com as reformas dos avós maternos que, somadas, perfazem cerca de €1450, uma vez que a progenitora deixou de ser beneficiária de rendimento social de inserção há cerca de 2 anos.
12.19. As despesas inerentes à manutenção da habitação ascendem a cerca de €300 em renda, água e energia elétrica.
12.20. Estes valores são suportados integralmente pelos avós.
12.21. Adicionalmente, apresentam despesas de medicação, cujo valor não souberam precisar, devido a doença de foro cancerígeno do avô, descrevendo a situação económica, atualmente, como difícil.
12.22. Em Outubro de 2012 a progenitora e respetivo companheiro abriram uma loja de produtos de mercearia tradicionais, sendo que B... a auxilia no estabelecimento comercial durante a tarde recebendo, por vezes, pequenas remunerações pelos seus serviços.
12.23. Contudo, a mãe refere não auferir vencimento certo, uma vez que a loja constitui ainda um investimento recente, não tendo ainda lucro.
12.24. B... encontra-se a tirar a carta de condução de ligeiros e como projeto de futuro pretende encontrar uma colocação laboral, referindo que para isso está inscrito no Instituto de Emprego e Formação Profissional.
12.25. O quotidiano do arguido é gerido em torno do auxílio que presta à mãe na loja daquela e na procura de emprego.
12.26. Nos tempos livres, gosta de jogar computador e de conviver com amigos, alguns deles, parte do grupo de pares que integrava no passado.
12.27. No meio de residência é do conhecimento dos moradores os seus confrontos com o sistema de administração da justiça penal e o cumprimento de pena de prisão a que esteve sujeito, sendo que no entanto não nos foram transmitidos sentimentos de rejeição face à sua presença, uma vez que junto dos vizinhos nunca assumiu postura desadequada.
12.28. Este não é o primeiro confronto do arguido com o sistema de justiça, tendo já sofrido condenações anteriores por factos idênticos aos que vem acusado e que resultaram em condenações e cumprimento de pena de prisão.
12.29. Face ao actual confronto, B... verbaliza tranquilidade, estando convicto que toda a situação se irá esclarecer em sede de julgamento, perspetivando assim como possível um desfecho positivo do mesmo.
12.30. No entanto, o facto de ter sido condenado anteriormente, segundo o arguido poderá constituir-se como um fator negativo, a ser tido em conta no desfecho do atual processo.
12.31. Em abstracto e perante a generalidade das vítimas, revela reduzida capacidade de descentração, bem como reduzido juízo de censurabilidade e de ilicitude face à natureza dos factos subjacentes ao presente processo.
12.32. Em caso de condenação manifesta adesão a uma medida a executar na comunidade.
12.33. O actual confronto com o sistema de administração de justiça não produziu, até o presente, impacto negativo na sua inserção sócio-familiar, continuando a beneficiar do apoio da família».

7.
E foram julgados não provados quaisquer outros factos com relevância para a causa, nomeadamente:
«1. Foram os arguidos que praticaram os factos aludidos nos pontos 1 a 5;
2. Os arguidos agiram sempre de comum acordo e em conjugação de esforços e intentos, com o propósito conseguido de se apoderarem e fazerem seus os objectos e/ou valores que lograssem encontrar, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízos do(s) respectivo(s) dono(s).
3. Quando escalaram e abriram a janela, trepando a mesma e entrando através dela na habitação, agiram os arguidos com o propósito de, dessa forma, se introduzirem na residência para dali retirarem e levarem os objectos e/ou valores que encontrassem, o que lograram.
4. Ao usaram uma das chaves que haviam subtraído no interior da residência para abrir o veiculo ali estacionado, os arguidos agiram também com o propósito de levar o dito veiculo para dele se apropriarem, como conseguiram.
5. Os arguidos sabiam que a casa, os objectos e valores nela existentes e o veículo que ali estava estacionado, não lhes pertenciam, que não estavam autorizados a nela entrar, e que, ao actuarem da forma supra descrita, agiam contra a vontade e em prejuízo dos respectivos donos.
6. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei».

8.
O tribunal recorrido motivou a sua decisão sobre os factos provados e não provados nos seguintes termos:
«O tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência, bem como na prova documental junta aos autos (com a exclusão da referente às escutas telefónicas supra mencionadas, atenta a decisão que antecede a título de questão prévia), conjugada com as regras da experiência.
Assim, e no que concerne aos factos que foram dados como provados, o tribunal alicerçou a sua convicção designadamente:
- Nas fotografias de fls. 25, auto de apreensão de fls. 30, termo de entrega de fls. 41; informação e relatório de vigilância de fls. 44 a 46, informação, fotografias e termo de entrega de fls. 71 a 80, as quais fazem parte da certidão de fls. 456 a 472 a 474;
- Nos depoimentos das testemunhas L... e I..., os quais não obstante serem queixosos depuseram de forma isenta, serena e convicta, e não obstante não terem presenciado o furto em causa, esclareceram que se encontravam no interior da residência de ambos, sita na morada que consta da acusação, quando ocorreu o furto em causa (que foi no dia em que apresentaram queixa), e que só se aperceberam do mesmo quando acordaram de manhã, razão pela qual pensam que o mesmo terá ocorrido quando se encontravam a dormir, entre a meia noite e as 8 horas da manhã. Relataram ainda quais os vestígios que foram deixados no interior da residência pela pessoa ou pessoas que efectuaram o furto em causa – designadamente pegadas numa bicicleta, vestígios palmares numa parede, e num LCD – sendo que tais vestígios lhe permitiram concluir que os mesmos escalaram por uma janela que abriram e depois entraram através da mesma no interior da garagem da casa, a partir da qual tiveram acesso a toda a residência. Esclareceram ainda quais os objectos que foram furtados do interior da residência e que foi ainda furtado o veículo de marca Mercedes, modelo B180D, com a matricula (...)CR, que estava estacionado em frente da casa, e quais os objectos que foram recuperados e posteriormente entregues, incluindo o veículo supra referido;
- No depoimento da testemunha M...., agente da PSP na Divisão de investigação criminal do Porto – o qual, depôs de forma isenta e credível, esclareceu em audiência que efectuou algumas diligências de investigação no âmbito do inquérito donde foram desapensados os presentes autos, e onde foram efectuadas escutas telefónicas, e no âmbito do qual foi recuperado, em 19 de Julho de 2007, um veículo Mercedes classe B. Mais referiu que não sabia qual o resultado da inspecção lofoscópica que consta a fls. 8.
- No depoimento da testemunha F..., agente da PSP na Divisão de investigação criminal do Porto, o qual depôs de forma isenta e credível e confirmou o teor da informação e relatório de vigilância que consta a fls. 44 a 46 dos autos, tendo o mesmo esclarecido e concretizado o modo como ocorreu tal vigilância.
- Quanto às condições pessoais e económicas dos arguidos relevaram as suas próprias declarações, bem como o teor dos respectivos relatórios sociais juntos aos autos, constantes de fls.
- Quanto aos antecedentes criminais dos arguidos, o tribunal fundou a sua convicção no teor dos certificados de registo criminal constantes de fls. fls. 1384 a 1387, 1388 a 1408, 1958 a 1974 e na certidão de fls. 1418 a 1938, relativa ao processo nº 841/06.5PIRT.
A factualidade dada como não provada, resultou do facto de não ter sido produzida prova suficiente que lograsse convencer o tribunal da sua verificação, sendo certo que os arguidos não quiseram prestar declarações em audiência sobre os factos que lhes eram imputados (apenas depuseram sobre as suas condições sócio-económicas), e nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência presenciou os factos em apreço. Acresce que a testemunha G...– mãe do arguido B... – a qual foi arrolada pelo referido arguido, relatou em audiência que não podia o referido arguido ter cometido o furto em questão, porquanto o mesmo foi com ela e com o seu companheiro, numa sexta feira, para Mirandela, local onde o companheiro tem uma casa, e onde se deslocaram para efectuar uma obras, designadamente para colocar um chão e pintar uma paredes, tendo ali pernoitado e permanecido durante duas noites, tendo todos regressado ao Porto no Domingo, dia 15 de Julho de 2007, por volta das 18 horas. Mais referiu que o arguido B... saiu à noite, nesse mesmo dia, com a namorada para tomar café e regressou a casa perto da meia-noite e não saiu mais de casa nesse dia. Por sua vez, a testemunha H...– amiga e ex-namorada do arguido B... (e que também foi arrolada por este) – confirmou, em certa medida, tais factos. Com efeito, esta testemunha instada pelo defensor do arguido para esclarecer se sabia onde tinha estado o referido arguido B... no dia do furto, referiu que esteve com o mesmo nesse dia à noite, e que foram ambos tomar café. Todavia, instada para esclarecer a que data se referia disse no dia 16 de Julho de 2007, à noite, sendo que, posteriormente afirmou, a instâncias do defensor, que esteve com ele quando este chegou após ter estado a ajudar os pais numas obras, e que esteve com o mesmo até por volta da meia noite e daí ele foi para casa. Ora, tais depoimentos, apesar de não terem sido contrariados por qualquer outro elemento probatório, não lograram totalmente convencer, por não se afigurarem isentos, atenta a ligação pessoal destas testemunhas com o arguido B..., sendo certo que não é plausível, de acordo com as regras da experiência, que as mesmas se recordem daquilo que fizeram há uns anos a esta parte, e designadamente na data em que ocorreu o furto, sem que tivessem dado uma explicação aceitável para tamanha memória.
Face à importância que reveste esclarece-se ainda que, pese embora tenham resultado demonstrados os factos supra aludidos no ponto 6 dos factos provados, através dos elementos de prova acima indicados (designadamente através do depoimento da testemunha F..., agente da PSP na Divisão de investigação criminal do Porto, o qual confirmou o teor da informação e relatório de vigilância que consta a fls. 44 a 46 dos autos, tendo mesmo esclarecido e concretizado o modo como ocorreu tal vigilância), o certo é que, tais factos por si só não são suficientes para concluir, com o mínimo de razoabilidade e segurança, à luz das regras da experiência, que foram os arguidos, e designadamente os arguidos B... e C..., quem cometeu os factos em apreço que foram dados como não provados (sendo certo que o arguido A... não se fazia transportar nem estava no interior do aludido veículo, como foi referido pela referida testemunha F...), tanto mais que resultou demonstrado que o veiculo em causa foi furtado em Viseu, entre as 00:00 horas e as 8:00 horas do dia 16 de Julho de 2007 e foi localizado nesse mesmo dia, cerca das 22:00 horas, no Porto, quando nele se faziam transportar, para além dos referidos arguidos C...e B... , outros dois indivíduos (um deles já falecido conforme consta dos autos), de nome E... e ainda o D..., de alcunha “ X... (cfr. fls. 44 a 46). Ora, à luz das regras da experiência, tal furto poderia ter sido cometido por todos os que se faziam transportar no dito veículo, ou por apenas algum ou alguns deles, ou ainda através da participação de terceiros, o que se desconhece.
Acresce que, também não existe qualquer elemento de prova válido que indique que os referidos arguidos se deslocaram no dia do furto a Viseu, local onde ocorreu o mesmo.

Salienta-se ainda que o facto de os referidos arguidos registarem condenações pela prática, particularmente de crimes contra o património, não se pode daqui extrair, à luz das regras da experiência, e em conjugação com a demais prova supra referida, que foram os mesmos que cometerem o aludido furto.
Ora, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável a estes arguidos e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de não se ter logrado a prova completa da circunstância desfavorável aos arguidos, levando a dar como não provado o(s) facto(s) sobre que recai a dúvida. Assim, por força do princípio "in dubio pro reo", enquanto estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, aproveitam aos referidos arguidos as dúvidas existentes sobre a verificação dos factos, que foram dados como não provados».
*
*

DECISÃO

Como sabemos, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente (art. 412º, nº 1, in fine, do C.P.P., Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 2ª ed., III, 335 e jurisprudência uniforme do S.T.J. - cfr. acórdão do S.T.J. de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, pág. 196 e jurisprudência ali citada e Simas Santos / Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 5ª ed., pág. 74 e decisões ali referenciadas), sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios enumerados no art. 410º, nº 2, do mesmo Código.

Por via dessa delimitação são as seguintes as questões a decidir:
I – Impugnação da decisão que declarou a nulidade de parte das escutas telefónicas efetuadas
II – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

*
I – Impugnação da decisão que declarou a nulidade de parte das escutas telefónicas efetuadas

            A decisão recorrida declarou a nulidade das escutas efetuadas no âmbito do processo 841/06.5PIPRT, por terem sido feitas para além do prazo de 60 dias concedido no despacho judicial que as autorizou.
            Diz ela que «uma vez que as referidas escutas se prolongaram para além do período de 60 dias que foi fixado pelo Mmº Juiz de Instrução Criminal, nos despachos constantes de fls. 1426 a 1427, e 1428 a 1430, e não existindo qualquer outro despacho judicial a autorizar a respectiva prorrogação, teremos de considerar que as mesmas são nulas, não podendo ser valoradas … A prorrogação das escutas só pode ser ordenada pelo juiz, o qual, deverá motivar essa mesma renovação, a qual implica um novo juízo de ponderação e análise da verificação dos pressupostos ordinários e constitucionais legitimadores deste meio de prova. No fundo, não é mais do que um novo despacho de autorização judicial … existe nulidade insanável se não for colhido despacho judicial de autorização das escutas telefónicas ou se estas se prolongarem para além do período fixado ou depois de conhecido o despacho que ordene o seu término.
Teremos, assim, que julgar verificada a nulidade das escutas em causa … sendo tal nulidade absoluta ou insanável e, por conseguinte, de conhecimento oficioso».
            A isto o Ministério Público contrapõe dizendo que o prazo para realização das escutas, fixado no despacho judicial que as autorizou, «só começa a correr no início efectivo da intercepção e não a partir do momento de prolação do despacho de autorização da medida». E uma vez que não se indicia que o prazo, assim contado, tenha sido ultrapassado, devem elas ser tidas como válidas.

            O art. 187º do C.P.P. inicia o capítulo relativo às escutas telefónicas e trata da respetiva admissibilidade.
            Nos termos do seu nº 1 a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas só podem ser autorizadas «se houver razões para crer que a diligência é indispensável para a descoberta da verdade ou que a prova seria, de outra forma, impossível ou muito difícil de obter, por despacho fundamentado do juiz de instrução e mediante requerimento do Ministério Público …».
            Esta redação foi introduzida pela Lei 48/2007, de 29/8, que pretendeu tornar mais apertada a possibilidade de realização de escutas, tudo devido à sua natureza manifestamente intrusiva.
            Enquanto anteriormente as escutas podiam ser validamente realizadas se houvesse razões para crer que a diligência tinha «grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova», agora só é possível o recurso a este meio de prova se ele se afigurar indispensável à descoberta da verdade ou se se entender que, de outra forma, a prova é impossível ou muito difícil de obter.
            Houve, pois, o cuidado de proteger mais os direitos fundamentais – desde logo o direito à privacidade -, tornando mais exigente a possibilidade de utilização deste meio de prova.

            Quando procede à análise do pedido de autorização de realização de escutas telefónicas, o juiz terá que apurar, primeiro, se existem indícios da prática de algum dos crimes para cuja investigação é possível utilizá-las, elencados no nº 1 do art. 187º.
            Tem, depois, que decidir se este meio de prova é indispensável ou se, sem ele, a prova é muito difícil ou impossível de obter.
            Tem, ainda, que se certificar que o alvo se enquadra dentre o elenco das pessoas escutáveis.
            Se as respostas a todas estas perguntas forem positivas, então o juiz autorizará a realização de escutas.
            Concluindo pela admissibilidade de realização das escutas o juiz, no despacho que as autorize, tem mais um juízo a fazer, relativo ao prazo concedido para a sua realização.

            Uma outra alteração trazida pela Lei 48/2007, de 29/8, foi a introdução de prazo. Diz o nº 6 da norma que «a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações são autorizadas pelo prazo máximo de três meses, renovável por períodos sujeitos ao mesmo limite, desde que se verifiquem os respectivos requisitos de admissibilidade».
            Então, no despacho de autorização o juiz terá que fixar o prazo máximo em que aquele meio de prova pode ser utilizado. Este prazo é renovável, mas esta renovação depende de novo despacho judicial que deve sindicar, de novo, os requisitos da sua admissibilidade. Findo o prazo da autorização terá que haver um novo pedido, devidamente fundamentado, perante o qual o juiz terá que repetir o juízo acima enunciado: se, perante os elementos do processo, concluir que os pressupostos se mantêm, então repetirá a autorização antes concedida. Relativamente à verificação dos requisitos do corpo do nº 1 do art. 187º do C.P.P. cada novo despacho de renovação é, materialmente, um despacho de autorização.  

            E se as escutas se prolongarem para além do prazo concedido?
            Conforme foi decidido, isto significa que as escutas foram realizadas sem autorização judicial e que a prova assim obtida é, portanto, nula.

            E em que momento é que o prazo estabelecido no despacho de autorização começa a contar?
            A decisão recorrida decidiu que o prazo se conta a partir do despacho de autorização. O Ministério Público defende que ele começa com o início das escutas.
            Resulta da sentença recorrida que os despachos autorizando a realização das escutas que estão em causa no recurso datam de 10-4-2007 e 4-5-2007, tendo em ambos sido concedido o prazo de 60 dias ao longo dos quais as mesmas poderiam ser realizadas.
            Por sua vez as escutas autorizadas pelo primeiro despacho foram recolhidas em 12-6-2007, 15-7-2007 e 16-7-2007 e as autorizadas pelo segundo despacho em 17-7-2007 e 24-7-2007.
            Perante isto decidiu-se que estas escutas se prolongaram para além do período de 60 dias que inicialmente fixado e não existindo outro despacho judicial a autorizar a respectiva prorrogação foram declaradas nulas.

            Entendemos que a razão está do lado da decisão.
            Conforme referimos a lei atual é especialmente exigente na análise do pedido de realização de interceção e gravação de comunicações. Ao introduzir requisitos mais apertados a lei quis reforçar a afirmação que se trata de uma medida excecional e acentuar a subsidiariedade do recurso às escutas.
            Já com a lei anterior se entendia que este meio de prova deveria ser utilizado com parcimónia, em casos contados. Atualmente esta orientação impôs-se, sendo essencial ter sempre em conta que se trata de um meio de prova muito intrusivo, violados de direitos fundamentais, e que, portanto, só deverá ser usado quando seja indispensável.
            Portanto, é sempre um meio de prova subsidiário.
            Na decisão autorizando a realização de escutas o juiz terá que expor as razões que o levam a concluir que os pressupostos legais que legitimam a diligência se verificam. E é precisamente por isto que entendemos que o prazo concedido para a recolha e gravação das interceções se inicia aquando da prolação do despacho.
Os factos que permitem o recurso às escutas terão que se verificar, evidentemente, quando o juiz analisa o caso. E se têm que se verificar no momento da decisão, como compreender que este despacho – que autorizou as escutas por ter entendido que naquele momento os respetivos pressupostos se verificavam -, seja executado sem ter isso em conta?
Repare-se no caso em análise: num primeiro momento foi proferido despacho autorizando a realização de escutas em 10-4-2007, sendo que as escutas realizadas a coberto desta autorização foram recolhidas em 12-6-2007, 15-7-2007 e 16-7-2007, ou seja, o despacho autorizando a realização de escutas foi executado mais de dois meses depois da sua prolação; na segunda situação aconteceu o mesmo, pois o despacho de autorização data de 4-5-2007 e foi executado em 17-7-2007.
Perante isto fazemos a seguinte pergunta: que atualidade tinha, nesta altura, dois meses depois, o despacho que autorizou a realização de escutas?
Não tinha nenhuma, evidentemente.
E mesmo que a situação real se mantivesse igual ao que era dois meses antes isso não põe em causa a afirmação anterior: o que devia acontecer dois meses depois, se a situação se mantivesse, era a renovação do pedido de realização de escutas.
Entender diferentemente é permitir o que sucedeu no caso: que a autoridade, de posse da autorização judicial, a execute quando bem lhe aprouvesse.
E a entender-se no sentido defendido pelo Ministério Público tal significava, afinal, a possibilidade de as escutas serem realizadas quando a realidade já se podia ter alterado, num momento em que já não se verificavam os requisitos da sua admissibilidade.
            E teríamos, finalmente e em substância, escutas feitas sem verificação dos respetivos pressupostos, portanto em violação da lei.
Não nos parece que seja este o espírito da lei.
O controlo da recolha de provas mediante a intercepção e a gravação de conversações ou comunicações telefónicas tem que caber ao juiz e isto exige que o período de realização das escutas se inicie imediatamente a seguir ao despacho de sindicância dos pressupostos da sua admissibilidade.

            Por isso temos a decisão recorrida como aquela que, tendo em conta o espírito da lei, a interpretou de forma adequada.

            Tendo aquelas escutas sido realizadas para além do prazo concedido, significa que foram realizadas sem autorização judicial.
            E escutas feitas sem autorização judicial são nulas.
*

II – Impugnação da decisão sobre a matéria de facto

            O Ministério Público impugna a decisão sobre a matéria de facto no segmento relativo aos factos não provados e no que aos arguidos B... e C... respeita, por entender que todos eles devem transitar para a matéria assente.
            Os factos são os seguintes:
«1. Foram os arguidos que praticaram os factos aludidos nos pontos 1 a 5;
2. Os arguidos agiram sempre de comum acordo e em conjugação de esforços e intentos, com o propósito conseguido de se apoderarem e fazerem seus os objectos e/ou valores que lograssem encontrar, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e em prejuízos do(s) respectivo(s) dono(s).
3. Quando escalaram e abriram a janela, trepando a mesma e entrando através dela na habitação, agiram os arguidos com o propósito de, dessa forma, se introduzirem na residência para dali retirarem e levarem os objectos e/ou valores que encontrassem, o que lograram.
4. Ao usaram uma das chaves que haviam subtraído no interior da residência para abrir o veiculo ali estacionado, os arguidos agiram também com o propósito de levar o dito veiculo para dele se apropriarem, como conseguiram.
5. Os arguidos sabiam que a casa, os objectos e valores nela existentes e o veículo que ali estava estacionado, não lhes pertenciam, que não estavam autorizados a nela entrar, e que, ao actuarem da forma supra descrita, agiam contra a vontade e em prejuízo dos respectivos donos.
6. Os arguidos agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo as suas condutas proibidas e punidas por lei».

            As provas que o Ministério Público convoca para demonstrar que os arguidos praticaram estes factos são compostas pelo relatório de vigilância elaborado pelo agente F... e pelo depoimento deste agente que, defende, demonstram que foram os arguidos que praticaram os factos constantes da acusação porque:
- ele estava de vigilância no local porque tinha sido informado que a viatura furtada estaria ali;
- viu a viatura e manteve-se no local até chegar o condutor;
- viu quatro indivíduos saírem do Norte Shopping e dirigirem-se à viatura;
- o C...abriu a porta do veículo com o comando e entrou para o lado do condutor, o B... ficou ao seu lado e o D... e o E... entraram para trás;
- a testemunha não viu o A...;
- quando os indivíduos saíram seguiu-os, mas eles fugiram quando perceberam que estavam a ser seguidos;
- foram estas pessoas que a testemunha identificou no relatório de vigilância.

            Recordando, na fundamentação deste segmento da decisão lê-se na sentença recorrida o seguinte:
«A factualidade dada como não provada, resultou do facto de não ter sido produzida prova suficiente que lograsse convencer o tribunal da sua verificação, sendo certo que os arguidos não quiseram prestar declarações … e nenhuma das testemunhas inquiridas em audiência presenciou os factos em apreço …
Face à importância que reveste esclarece-se ainda que, pese embora tenham resultado demonstrados os factos supra aludidos no ponto 6 dos factos provados, através dos elementos de prova acima indicados (designadamente através do depoimento da testemunha F..., agente da PSP na Divisão de investigação criminal do Porto, o qual confirmou o teor da informação e relatório de vigilância que consta a fls. 44 a 46 dos autos, tendo mesmo esclarecido e concretizado o modo como ocorreu tal vigilância), o certo é que, tais factos por si só não são suficientes para concluir, com o mínimo de razoabilidade e segurança, à luz das regras da experiência, que foram os arguidos, e designadamente os arguidos B... e C..., quem cometeu os factos em apreço que foram dados como não provados (sendo certo que o arguido A... não se fazia transportar nem estava no interior do aludido veículo, como foi referido pela referida testemunha F...), tanto mais que resultou demonstrado que o veiculo em causa foi furtado em Viseu, entre as 00:00 horas e as 8:00 horas do dia 16 de Julho de 2007 e foi localizado nesse mesmo dia, cerca das 22:00 horas, no Porto, quando nele se faziam transportar, para além dos referidos arguidos C...e B... , outros dois indivíduos (um deles já falecido conforme consta dos autos), de nome E... e ainda o D... … à luz das regras da experiência, tal furto poderia ter sido cometido por todos os que se faziam transportar no dito veículo, ou por apenas algum ou alguns deles, ou ainda através da participação de terceiros, o que se desconhece.
Acresce que, também não existe qualquer elemento de prova válido que indique que os referidos arguidos se deslocaram no dia do furto a Viseu, local onde ocorreu o mesmo.
Salienta-se ainda que o facto de os referidos arguidos registarem condenações pela prática, particularmente de crimes contra o património, não se pode daqui extrair, à luz das regras da experiência, e em conjugação com a demais prova supra referida, que foram os mesmos que cometerem o aludido furto.
Ora, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável a estes arguidos e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de não se ter logrado a prova completa da circunstância desfavorável aos arguidos, levando a dar como não provado o(s) facto(s) sobre que recai a dúvida. Assim, por força do princípio "in dubio pro reo", enquanto estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido, aproveitam aos referidos arguidos as dúvidas existentes sobre a verificação dos factos, que foram dados como não provados».

            Face ao texto do recurso, por um lado, e ao da decisão, por outro, constatamos que não há qualquer desconformidade entre o conteúdo das provas invocadas pelo Ministério Público e o que sobre ele diz a sentença: há total coincidência neste aspeto.
            Não estando em causa o conteúdo das provas, o que diverge é a convicção formada perante elas. O que está em causa é, portanto, o processo de formação da convicção.
            Aliás, isto mesmo entende o Ministério Público quando diz que o processo de formação da convicção do tribunal recorrido padece de deficiências e contradições lógicas.
           
            Temos, então, que nos centrar não no conteúdo da prova produzida, mas no percurso seguido pelo tribunal recorrido na análise da prova indicada pelo Ministério Público.

            À decisão sobre os factos não provados o Ministério Público contrapõe avançando com aquilo que chama de «argumentos lógicos», nos seguintes termos:
«É certo que o “simples facto” dos arguidos terem sido vistos na viatura furtada não é por si suficiente para se concluir que foram eles os agentes do crime.
É inegável, de tão evidente.
Mas atente-se:
Tal ocorreu na noite do próprio dia em que o furto foi consumado;
O arguido C... tinha a chave da viatura, tendo-a aberto com o respectivo comando.
Puseram-se em fuga quando verificaram que estavam a ser seguidos por agente policial.
A prática dos furtos qualificados é congruente com os antecedentes criminais dos arguidos em causa.
Não ofereceram qualquer explicação lógica para o facto de estarem na posse da viatura furtada».
            Portanto, o Ministério Público assenta a sua argumentação no facto de o furto julgado no processo ter sido realizado na noite do próprio dia em que os arguidos foram vistos a entrar e conduzir a viatura furtada, no facto de eles não terem explicado as razões de terem a viatura consigo e, ainda, no facto de terem antecedentes criminais deste tipo de crime.

            Mas esta lógica tem duas falhas: primeiro, dos três arguidos apenas o C... e o B... foram vistos pela testemunha naquele dia; para além disso, com estes arguidos estavam duas outras pessoas não arguidas no processo.
            Ou seja, estes argumentos seriam válidos para os arguidos C... e B..., mas já não valem para o arguido A..., que não estava no local, pois a testemunha disse, de forma expressa, que não viu este arguido. Para além disso não explica como se entender a presença de D... e E... no local.
            A isto o Ministério Público avança com a seguinte explicação:
«Sem dúvida que no veículo foram vistos outros ocupantes que não vêem acusados e, por outro lado, não foi visto um dos que vêem acusados (o A...).
Mas esta circunstância não tem a virtualidade lógica que o tribunal lhe atribuiu no sentido de criar a dúvida quanto à responsabilização dos arguidos C... e B....
Com efeito, são estes que vêm acusados e foram eles que foram chamados a pronunciar-se sobre os factos e nada disseram. Quanto aos outros dois, um deles já faleceu em data muito anterior à dedução da acusação … e o outro não foi acusado/pronunciado nem foi chamado a pronunciar-se sobre os factos, razão pela qual a sua presença na viatura nada pode permitir concluir e muito menos pode fundamentar dúvidas sobre a culpabilidade dos arguidos acusados/pronunciados. Quanto à ausência da viatura do arguido A..., a única conclusão que legitima é a impossibilidade de concluir pela sua própria culpabilidade, face à inexistência de outros meios de prova que tenham sido validamente …».
*
Dispõe o art. 127º do C.P.P. que «salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente».
Apreciação livre da prova não é apreciação arbitrária da prova. E para o garantir exige a lei, no nº 2 do art. 374º do C.P.P., a fundamentação da sentença, «que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal» (à violação deste comando corresponde a nulidade da decisão, conforme determina o art. 379º, nº 1, al. a)).

Como toda a discricionariedade jurídica, também a livre apreciação da prova tem limites que não podem ser ultrapassados. Esta liberdade de apreciação é uma liberdade pré-determinada ao dever de perseguir a verdade material, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, reconduzível a critérios objectivos e, portanto, susceptível de motivação e de controlo. Não se trata de mera operação voluntarista, mas de conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), envolvendo a apreciação da credibilidade que merecem os meios de prova, onde intervêm elementos não racionalmente explicáveis (daí o papel essencial que assume a imediação).
Para além disso intervêm deduções e induções do julgador, baseadas nas regras da lógica, da experiência e nos conhecimentos científicos [1].

Portanto, a livre apreciação da prova pressupõe a concorrência de critérios objectivos que permitam estabelecer um substrato racional de fundamentação da convicção.
A convicção é a certeza adquirida, o convencimento.
Então a livre convicção é o processo de convencimento do juiz sobre os factos, feito de acordo com a regra enunciada.
O que verdadeiramente se busca no processo é a verdade material acessível ao nosso conhecimento: verdade material porque afastada da influência que a acusação e a defesa exerçam sobre ela; verdade material porque verdade judicial, prática, e obtida não a todo o preço mas de forma processualmente válida [2].
Daí que a prova, para alguns, mais não seja do que uma demonstração do racional, um esforço de razoabilidade: é a verdade contextual e possível que resulta, precisamente, do trabalho de apreciação da prova, apreciação esta que é livre.
Mas como esta liberdade não é arbitrariedade o juiz tem uma margem de liberdade de apreciação, sim, mas dentro dos limites fixados na lei, limites estes constituídos por vectores, essenciais e que integram a base do nosso sistema processual penal, e que são o grau de convicção exigido para a decisão, a proibição de determinados meios de prova e o respeito absoluto pelos princípios da presunção de inocência e do in dubio pro reo [3].
            Trilhado todo este percurso surge, então, a decisão, que consiste, afinal, na opção por uma das versões em conflito no processo, já que, conforme sabemos, na esmagadora maioria dos casos há, pelo menos, duas versões em confronto no julgamento da causa. Não sendo opção do julgador não decidir [4], terá ele que fazer a sua opção de acordo com as regras enunciadas.
No processo de sindicância da decisão recorrida o tribunal de recurso não vai à procura de uma convicção autónoma, fundada na sua própria interpretação da prova. Ao invés, o recurso destina-se a verificar se os factos em apreciação estão devidamente suportados pela análise crítica feita às provas.
Então, a censura desferida à formação da convicção do tribunal recorrido não pode assentar no ataque à fase final da formação de tal convicção, ou seja, à valoração da prova, mas deve assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente na existência dos dados objectivos referidos na motivação, na violação dos princípios de prova quanto à aquisição de tais dados ou porque não houve liberdade de formação da convicção. Entender as coisas de outra forma era inverter a posição das personagens do processo, substituindo a convicção de quem tem de julgar pela convicção dos que esperam a decisão [5].

O Ministério Público alega que o tribunal errou na valoração da prova resultante da vigilância e do depoimento do agente porque, recordemos: 
«Sem dúvida que no veículo foram vistos outros ocupantes que não vêem acusados e, por outro lado, não foi visto um dos que vêem acusados (o A...).
Mas esta circunstância não tem a virtualidade lógica que o tribunal lhe atribuiu no sentido de criar a dúvida quanto à responsabilização dos arguidos C... e B....
Com efeito, são estes que vêm acusados e foram eles que foram chamados a pronunciar-se sobre os factos e nada disseram. Quanto aos outros dois, um deles já faleceu em data muito anterior à dedução da acusação … e o outro não foi acusado/pronunciado nem foi chamado a pronunciar-se sobre os factos, razão pela qual a sua presença na viatura nada pode permitir concluir e muito menos pode fundamentar dúvidas sobre a culpabilidade dos arguidos acusados/pronunciados. Quanto à ausência da viatura do arguido A..., a única conclusão que legitima é a impossibilidade de concluir pela sua própria culpabilidade, face à inexistência de outros meios de prova que tenham sido validamente …».

Para o Ministério Público a prova irrefutável de terem sido os arguidos C... e B... a cometerem o furto investigado neste processo reside no facto de eles circularem no veículo furtado no próprio dia do furto e não terem explicado como acederam à sua posse.
Mas o argumento não é só este porque se o fosse ficava por explicar qual a razão de D... e E... terem ficado fora do elenco dos suspeitos.
E a razão é, para nós, uma razão de fé, fé na infalibilidade da acusação. Para o Ministério Público a circunstância apontada demonstra a intervenção dos arguidos C... e B... nos factos, e não também de D... e E..., pois só eles é que foram acusados.
Parece, pois, que a acusação equivalerá a sentença.

E, depois, temos também a falta de explicação dos arguidos C... e B... quanto ao facto de terem na sua posse o veículo.
Para o Ministério Público a falta de explicação dos arguidos é processualmente relevante porque só a sua explicação importava.

Ora, se dentre os quatro indivíduos que foram vistos a entrar no veículo apenas o C... e o B... estavam acusados, é claro que só eles foram chamados a pronunciar-se sobre essa situação. E é claro que só eles enquanto arguidos podiam dar a explicação pretendida pelo Ministério Público.
Mas tudo o mais fica por explicar: fica por explicar a intervenção nos factos dos outros dois indivíduos, D... e E..., que também entraram no veículo furtado; fica por explicar a intervenção do arguido A..., que também estava acusado e de cuja absolvição o Ministério Público não recorre por entender que a sua ausência naquele dia impossibilita concluir pela sua participação nos factos.

É evidente que não é possível secundar tal argumentação.
A acusação apoia-se em indícios e é por isso que se lhe segue o julgamento: para indagar se os indícios se provam.
Caso os indícios que levaram à acusação se provem sobrevém a condenação. Caso contrário não há condenação.
E a absolvição pode resultar da prova da inocência do agente ou da ausência de prova da culpa do agente, caso em que intervém, muitas vezes, o princípio in dubio pro reo.

Como sabemos, o princípio in dubio pro reo constitui um limite normativo do princípio da livre apreciação da prova, do art. 127º do C.P.P.: no caso de dúvida sobre os factos desfavoráveis este princípio impõe a decisão a tomar.
Como diz Cristina Líbano Monteiro [6] de acordo com este princípio o universo fático (do processo) passa a ser constituído por dois hemisférios, com tratamento diferenciado no momento da decisão: o dos factos favoráveis ao arguido e o dos factos desfavoráveis. Os primeiros serão dados como provados, sejam certos ou duvidosos, e os segundos serão dados como provados apenas no caso de certeza da sua verificação.
Como se vê esta orientação impede o juiz de decidir segundo a sua convicção em determinadas situações.
Trata-se de um mecanismo de desbloqueio de eventuais impasses que se poderiam criar sobre factos duvidosos, caso em que os factos duvidosos terão que ser dados como não provados.

Pelas razões indicadas secundamos a sentença recorrida quando afirma que as provas feitas não permitem afirmar a certeza da intervenção dos arguidos C... e B... nos factos.
E não sendo possível afirmar essa certeza o desfecho é aquele que foi dado: a absolvição, por respeito ao princípio in dubio pro reo.

*

DISPOSITIVO

Pelos fundamentos expostos, na improcedência do recurso, confirma-se na íntegra a decisão recorrida.

            Sem custas.
Coimbra, 2014-02-19


Olga Maurício (Relatora)

José Calvário

[1] Acórdão do T.R.C. de 18-8-2004, processo 1937/04.
[2] Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 2004, pág. 193/194.
3 Limites enumerados por Paulo Pinto de Albuquerque, no seu Comentário ao Código de Processo Penal, 1ª ed., pág.335.
4 Nos termos do nº 2 do art. 3º do Estatuto dos Magistrados Judiciais estes «não podem abster-se de julgar com fundamento na falta, obscuridade ou ambiguidade da lei, ou em dúvida insanável sobre o caso em litígio, desde que este deva ser juridicamente regulado».
5 Acórdão do Tribunal Constitucional nº 198/2004, de 24-3-2004.




[6] In Perigosidade de Inimputáveis e In Dubio Pro Reo, 1997, pág. 48 e segs.