Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
837/22.0YLPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MÁRIO RODRIGUES DA SILVA
Descritores: ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA
OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO DEDUZIDA PELO SENHORIO
DIFERIMENTO DA DESOCUPAÇÃO DO IMÓVEL ARRENDADO PARA A HABITAÇÃO
Data do Acordão: 11/22/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA POR UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 1096.º E 1097.º, N.º 1, ALÍNEA C), AMBOS DO CÓDIGO CIVIL, E ARTIGO 15.º-N DO NRAU
Sumário: I - A oposição à renovação pode definir-se como a declaração de um dos contraentes perante outro, comunicada com determinada antecedência, segundo os casos, de recusa de prorrogação do contrato com prazo certo, fazendo-o assim cessar no último dia da sua duração.

II - A oposição à renovação é, por natureza, um instituto específico dos contratos dotados de prorrogação automática; logo, quanto ao arrendamento de prédios urbanos, é privativo dos contratos com prazo certo.

III - O diferimento da desocupação do locado consiste num aumento ou dilatação do prazo conferido ao requerido para este proceder à desocupação do imóvel objeto de contrato de arrendamento habitacional, por motivos sociais imperiosos.

IV- Não se trata, pois de uma oposição à pretensão do requerente de desocupação, uma vez que o arrendatário reconhece e aceita, logo à partida, o facto de ter de desocupar o imóvel, carecendo apenas de um prazo maior para o fazer, prazo esse que não poderá superior a cinco meses a contar do trânsito em julgado da decisão que conceder esse diferimento.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

RELATÓRIO

AA e BB instauraram em 14-06-2022 procedimento especial de despejo contra CC, relativamente ao imóvel identificado no requerimento inicial, com fundamento na cessação do respetivo contrato de arrendamento por oposição à renovação pelo senhorio.

O réu deduziu oposição, alegando, em síntese, que recebeu a carta de denúncia do contrato em março de 2020, tendo sido informado pela imobiliária identificada no contrato que devia continuar a pagar as rendas e que aquela iria contactar o senhorio, de modo a permitir que continuasse a residir no imóvel, não tendo o réu obtido resposta e tendo continuado a pagar as rendas, ficando convicto que aquele havia desistido da denúncia. Requereu ainda a suspensão das diligências atinentes à desocupação e entrega do imóvel, considerando a sua situação socioeconómica.

Os autores pronunciaram-se acerca da exceção invocada e do pedido de diferimento da desocupação do imóvel, concluindo que ambos devem ser julgados improcedentes.

Foi realizada audiência de julgamento.

Foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Pelo exposto, julga-se:

A) Procedente, o procedimento especial de despejo e, em consequência, decreta-se o despejo, condenando-se o réu entregar aos autores a andar frente, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, situado no Lote ...5 (na Rua ...), na Quinta ..., em ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...17, que foi objeto do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, em 01/03/2011.

B) Improcedente o pedido de deferimento de desocupação formulado pelo réu.”

Inconformado, o réu CC interpôs recurso, terminando as alegações com as seguintes conclusões (que se reproduzem):

“1.  

A ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo tribunal a quo que julgou Procedente o procedimento especial de despejo e improcedente o presente incidente de diferimento da desocupação de imóvel.

               2.

A questão central para o R. é demonstrar que efectivamente que o R. recebeu a carta da denuncia do contrato junto aos Autos em Março de 2020. Mas,

3.

Uma vez que continuou a liquidar as rendas até aos dias de hoje, estava convicto que o senhorio havia desistido da denuncia.

4.

Daí entender que a presente denuncia do contrato aqui posto em crise não preenche as regras introduzidas pela Lei 6/2006 de 27.02, nomeadamente no seu artigo 1104.º, na justa medida em que durante mais de dois anos continuou a receber rendas sem deduzir ou expressar qualquer oposição.

Por outro lado,

5.

O requerido é vendedor ambulante e reside no locado juntamente com a sua esposa que é doméstica e uma filha menor de idade.

6.

Como tal, o único provento auferido pelo agregado familiar é o da sua venda ambulante que durante muitos meses não atinge o salário mínimo. Assim,

7.

Ao contrário do defendido na Douta Sentença, o diferimento da desocupação do imóvel arrendado pode acontecer mesmo com as rendas em dia, o que é o presente caso. Ora,

8.

Conforme resulta da matéria dada como provada em E) a H), entende o R. que se encontram todos os requisitos exigidos nos termos do art.º 15º-N do NRAU para o deferimento da desocupação e entrega do imóvel aqui posto em crise pelo prazo de coadune com o realojamento do R. e sua família. Vejamos,

9.

O requerido é vendedor ambulante e reside no locado juntamente com a sua esposa que é doméstica e uma filha menor de idade, desde 2011.

10.

Sempre pagou atempadamente as rendas.

11.

Como tal, o único provento auferido pelo agregado familiar é o da sua venda ambulante que durante muitos meses não atinge o salário mínimo. Assim,

12.

É com base na singela venda ambulante que são suportadas todas as despesas do agregado familiar aqui posto em crise.

13.

Como tal, face à carência de meios económicos do R. e sua família não se verifica a mínima capacidade do mesmo em abandonar o imóvel melhor identificado nos presentes autos e, por decorrência, arrendar uma nova habitação.

14.

 Neste sentido, dado que no caso aqui posto em crise verificam-se sérias dificuldades de realojamento, pelo que devem ser informadas as entidades competentes e espoletados os mecanismos sociais necessários para realojamento do executado.

15.

Tanto mais que, só assim se respeita o principio da dignidade da pessoa humana - do executado - e da promoção da família, enquanto núcleo estruturante da nossa sociedade, conforme consagra aliás a Constituição da Republica.

16.

Até porque conforme também consagra a Constituição da Republica Portuguesa no seu artigo nº 65 que: “ Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.”

17.

Entender modestamente o R. que alegou e provou não dispor de outra habitação, em termos imediatos e, a premente necessidade de permanência no locado dado o número de pessoas que consigo habitam (por também terem, eventualmente, de ser realojadas), nos termos do artigo 15º-N do NRAU. Aliás,

18.

Na fundamentação de Direito, o próprio Tribunal reconhece a subida do mercado de arrendamento, mas entende que é o R. que não está disponível para suportar uma renda mais elevada, o que se estranha, porquanto não se percebe como é que o R. com rendimentos equivalentes ao ordenado mínimo nacional conseguirá pagar renda superior.

19.

Situação nem sequer contestada pelo senhorio, já que não pagou taxa de justiça devida naquelas circunstâncias, o que se invoca para os devidos e legais efeitos.

20.

Na sua decisão, o tribunal devia ainda ter tido em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas. Ora,

21.

E mais uma vez no nosso modesto entender, tal não aconteceu, violando assim o disposto no artigos 15º-N do NRAU e 861.º n.º 6 do C.P.C.

22.

Evitando-se que o R. e sua família fiquem completamente desalojados, situação, facilmente, evitável, com o diferimento da entrega do imóvel para um prazo que se coadune com o realojamento do R. numa Habitação fornecida pelo Estado.

23.

O tribunal “a quo” cometeu erro de julgamento sobre a matéria de facto elencada, os elementos aí apresentados impunham decisão diversa e violou o disposto no n.º 1 do artigo 590.º do Código de Processo Civil.

24.

Andou mal o “tribunal a quo” ao concluir que o incidente não tem fundamento legal.

25.

Termos em que e por violação do disposto nos artigos 15º-N do NRAU e 861.º n.º 6 do C.P.C., 590.º, n.º 1 e 4 e 865.º do Código de Processo Civil e ainda 1101.º e ss. da Lei n.º 6/2006, deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá ser proferida outra que admita o incidente de diferimento da desocupação de imóvel apresentado e que julgue improcedente o despejo objeto dos presentes Autos.

TERMOS EM QUE:

Deve o presente ser admitido e a decisão recorrida ser revogada e, em consequência, a sentença reformulada.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

O recurso foi admitido.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.

OBJETO DO RECURSO

Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são as seguintes:
1. Se a presente “denúncia” do contrato de arrendamento preenche as regras introduzidas pela Lei 6/2006, de 27.02, nomeadamente no seu artigo 1104º.
2. Se verificam os requisitos do diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação.

FUNDAMENTOS DE FACTO

Na sentença recorrida foi fixada a seguinte matéria de facto da seguinte forma que se reproduz:

“a) Factos provados

A) Por acordo escrito designado “contrato de arrendamento com prazo certo”, com data de 01/03/2011, os autores declararam dar de arrendamento ao réu, e este tomar de arrendamento para habitação do seu agregado familiar, a Andar Frente, do prédio urbano constituído em propriedade horizontal, situado no Lote ...5 (na Rua ...), na Quinta ..., em ..., inscrito na Matriz Predial Urbana sob o artigo n.º ...10 da freguesia ... e Concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...17, titular do Alvará de Licença de Utilização nº ...56, emitido pela Câmara Municipal ... em 25 de Agosto de 2000, mediante o pagamento da renda anual, na primeira anuidade, de €3.600,00, a pagar em duodécimos €300,00.

B) A cláusula terceira do acordo tem o seguinte teor: “o presente contrato é feito pelo prazo certo de 5 (cinco) anos, nos termos dos artigos 1.095 e seguintes do Código Civil com as alterações introduzidas pela Lei n.º 6/2006 de 27/02, com início em 01 de Março de 2011 e termo em 28 de Fevereiro de 2016, e renovável automaticamente no fim do prazo por OS SENHORIOS poderão impedir a renovação do contrato, opondo-se a ela mediante comunicação ao arrendatário com uma antecedência não inferior a um ano do termo do  contrato nos termos do artigo 1.097º do Código Civil”.

C) Os autores enviaram ao réu carta datada de 27/02/2020, com o seguinte teor:

“Exmo. Senhor

AA, contribuinte fiscal n.º ..., e BB, contribuinte fiscal n.º ..., residentes em Av. ..., Edifício ..., ..., loja ..., ... ..., vimos através da presente informar V.Exa que não pretendemos renovar o contrato de arrendamento celebrado a 1 de Março de propriedade horizontal situado na Quinta ..., ..., em ....

D) O réu recebeu a carta da denúncia do contrato junto aos autos em março de 2020.

E) O réu vive na fração autónoma identificada na alínea A) com a sua esposa e dois filhos.

F) O réu é vendedor ambulante.

G) Desde fevereiro de 2022, o réu pagar as rendas através de depósito na caixa Geral de Depósitos, por não ser aceite o seu recebimento pelos autores.

H) O réu tem procurado uma casa para arrendar.

b) Factos não provados

1. A Imobiliária informou o réu que deveria continuar a pagar a renda, e que aquela iria chegar à fala com o senhorio de modo a permitir que o réu continuasse a residir no imóvel.

2. O único provento auferido pelo agregado familiar é o da venda ambulante do réu, que durante muitos meses não atinge o salário mínimo.

3. A procura de casa para a renda pelo réu mostrou-se infrutífera por serem exigidos fiadores e, muitos deles, a análise da situação financeira dos arrendatários através do seu IRS, e o pagamento adiantado de, pelo menos, duas rendas.

FUNDAMENTOS DE DIREITO
1. Se a presente “denúncia” do contrato de arrendamento preenche as regras introduzidas pela Lei 6/2006, de 27.02, nomeadamente no seu artigo 1104º.

Como está provado nos autos foi celebrado entre os autores e o réu um contrato de arrendamento pelo prazo de cinco anos, com início a 01/03/2011 e termo a 28/12/2016, sendo renovável automaticamente por períodos iguais e sucessivos de um ano (cláusula 3ª do contrato).

De harmonia com o artigo 1094º, nº 1, do Código Civil “O contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada”.

Relativamente aos contratos de duração indeterminada vigora o instituto da denúncia, com sede no artigo 1101º do CC.

Já relativamente aos arrendamentos habitacionais com prazo certo, vigora o instituto da oposição à renovação deduzida pelo senhorio, previsto no artigo 1097º do CC.

A oposição à renovação pode, na verdade, definir-se como a declaração de um dos contraentes perante outro, comunicada com determinada antecedência, segundo os casos, de recursa de prorrogação do contrato com prazo certo, fazendo-o assim cessar no último dia da sua duração[1].

A oposição à renovação é, por natureza, um instituto específico dos contratos dotados de prorrogação automática; logo, quanto ao arrendamento de prédios urbanos, é privativo dos contratos com prazo certo[2].

Não é assim aplicável ao contrato dos autos, como contrato de arrendamento com prazo certo o instituto da denúncia, invocado pelo apelante na Conc. 4 das suas alegações de recurso.

Como é sabido aos contratos é aplicável em regra o regime jurídico vigente à época da sua celebração.

A ser assim seria, pois, de concluir que ao mesmo seriam aplicáveis as regras da Lei nº 6/2006 de 27/02 que aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e que entrou em vigor em 27 de junho de 2006.

No entanto, resulta igualmente da matéria de facto provada que a comunicação de cessação do contrato de arrendamento, por oposição à renovação da parte dos autores, datada de 27 de fevereiro de 2020, foi recebida pelo réu em março de 2020, indicando como data da cessação do contrato o dia 28 de fevereiro de 2021, altura em que já vigorava o artigo 1096º e 1097º do Código Civil na versão da Lei nº 13/2019, de 12/02.

Esta versão do artigo 1096º do CC já se aplica ao contrato dos autos porque regula sobre o conteúdo da relação jurídica do arrendamento e, por isso, se aplica às relações de arrendamento já constituídas – artigo 12º, 2 do CC, 2ª parte do Código Civil.
Estabelece o art.º 1096º, nº 1, do Código Civil, na redação atual resultante da Lei 13/2019, de 12 de fevereiro, sob a epígrafe Renovação automática:
“Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”
Estabelece, por sua vez, o artigo 1097º, nº 1, al. c), do Código Civil na redação resultante da Lei nº 13/2019, de 12/02 que “O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima de 240 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for superior a seis anos, a ter em conta, porque o contrato em causa, celebrado em 2011, teve uma duração superior a 6 anos.
Segundo o acórdão do TRL, de 8-02-2022[3], com qual se concorda “A imperatividade do art.º 1097 do C.C. não abarca o estabelecimento de prazos mais alargados dos aí previstos quanto à antecedência da comunicação, pelo senhorio ao inquilino, da oposição à renovação do contrato de arrendamento, devendo considerar-se aplicável, por isso, o prazo de antecedência superior, de um ano, previsto para o efeito no contrato celebrado”.
Não tendo o senhorio observado com a antecedência legal o prazo de comunicação da oposição à renovação, deve esta considerar-se reportada à data da renovação contratual subsequente[4].
Concorda-se assim com a sentença recorrida quando refere que “Uma vez que a carta foi recebida apenas em março de 2020, impondo o contrato uma antecedência não inferior a um ano do termo do contrato, não sendo apta a obstar à renovação do contrato que operaria no final de fevereiro de 2021, constitui, inequivocamente, uma oposição à renovação do contrato, no termo do período subsequente, determinando a cessação do contrato no final de fevereiro de 2022”.

Por fim, importa referir que a aceitação das rendas pelos autores enquanto senhorios não pode significar desistência do direito de oposição já exercido uma vez que, concomitantemente com o recebimento de tais rendas, não foi manifestada qualquer vontade de renovação do contrato de arrendamento[5].


2. Saber se se verificam os requisitos do diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação

O incidente para diferimento da desocupação de imóvel arrendado para habitação, encontra-se previsto no art.º 15.º-N, do RAU, que dispõe o seguinte:

1 - No caso de imóvel arrendado para habitação, dentro do prazo para a oposição ao procedimento especial de despejo, o arrendatário pode requerer ao juiz do tribunal judicial da situação do locado o diferimento da desocupação, por razões sociais imperiosas, devendo logo oferecer as provas disponíveis e indicar as testemunhas a apresentar, até ao limite de três.

2 - O diferimento de desocupação do locado para habitação é decidido de acordo com o prudente arbítrio do tribunal, devendo o juiz ter em consideração as exigências da boa-fé, a circunstância de o arrendatário não dispor imediatamente de outra habitação, o número de pessoas que habitam com o arrendatário, a sua idade, o seu estado de saúde e, em geral, a situação económica e social das pessoas envolvidas, só podendo ser concedido desde que se verifique algum dos seguintes fundamentos:

a) Que, tratando-se de resolução por não pagamento de rendas, a falta do mesmo se deve a carência de meios do arrendatário, o que se presume relativamente ao beneficiário de subsídio de desemprego, de valor igual ou inferior à retribuição mínima mensal garantida, ou de rendimento social de inserção;

b) Que o arrendatário tem deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 /prct..

3 - No caso de diferimento decidido com base na alínea a) do número anterior, cabe ao Fundo de Socorro Social do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social pagar ao senhorio as rendas correspondentes ao período de diferimento, ficando aquele sub-rogado nos direitos deste.

O diferimento da desocupação do locado consiste num aumento ou dilatação do prazo conferido ao requerido para este proceder à desocupação do imóvel objeto de contrato de arrendamento habitacional, por motivos sociais imperiosos, não se tratando, pois de uma oposição à pretensão do requerente de desocupação, uma vez que o arrendatário reconhece e aceita, logo à partida, o facto de ter de desocupar o imóvel, carecendo apenas de um prazo maior para o fazer, prazo esse que não poderá superior a cinco meses a contar do trânsito em julgado da decisão que conceder esse diferimento, arbitrado casuisticamente, não se tratando propriamente de um meio de defesa ao dispor do arrendatário.

                  O diferimento da desocupação do locado encontra-se condicionado à verificação de determinados requisitos casuisticamente aferidos.

                  Neste sentido e em primeiro lugar, o diferimento da desocupação do imóvel arrendado apenas poderá ser concedido em relação a contratos de arrendamento habitacional, uma vez que na génese desta figura presidem razões sociais imperiosas, assentes em direitos fundamentais constitucionalmente protegidos, como sejam o direito à habitação do arrendatário e seu agregado familiar, não sendo porém de aplicação geral a todo e qualquer arrendatário que haja sido requerido em sede de procedimento especial de despejo, uma vez que terá de se verificar, imperativamente, uma das seguintes situações, constantes das alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 15º-N: a carência de meios do arrendatário, quando o requerimento de despejo se baseie na resolução por falta de pagamento de rendas ou o facto de o arrendatário ser portador de deficiência com grau de incapacidade igual ou superior a 60%.

Diversamente, não constituirá, por si só, fundamento bastante de carência de meios do arrendatário, o facto de este beneficiar de apoio judiciário, não podendo o juiz presumir tal carência com base na concessão desse apoio nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, como vem sustentado jurisprudencialmente[6]. Por outras palavras, não pode ser extraído do facto de o arrendatário beneficiar de tal apoio, que a ausência de pagamento de rendas se deve à carência de meios e consequentemente, que o beneficio de apoio judiciário obsta à restituição imediata do locado, não sendo, de igual forma, possível extrair tal presunção de quaisquer outras circunstâncias que não o referido beneficio de subsidio de desemprego ou rendimento social de inserção[7].

Concorda-se, pois, integralmente com o decidido na sentença recorrida quando refere “Não resulta dos factos provados (ou sequer alegados) qualquer dessas hipóteses (não se tratando de resolução por não pagamento de rendas, nem de uma situação de deficiência do réu).

Nestes termos, inexiste fundamento legal para o diferimento de desocupação do locado.”

                                                                          x

Improcede, pois, integralmente a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.

                                                                          x

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo do apelante (artigos 527º, nºs 1 e 2, 607º, nº 6 e 663º, nº 2, todos do CPC).            

                                                                         

(…)

DECISÃO

Com fundamento no atrás exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, com a consequente, confirmação da decisão recorrida.

As custas seriam devidas pelo apelante, se não beneficiasse de apoio judiciário.

                                                                                                       Coimbra, 22 de novembro de 2022

Mário Rodrigues da Silva- relator

Cristina Neves- adjunta

Teresa Albuquerque- adjunta

(Texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, respeitando-se, no entanto, em caso de transcrição, a grafia do texto original)



([1]) Pinto Furtado, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, 2019, p. 393.
([2]) Pinto Furtado, Manual de Arrendamento Urbano, 4ª ed. atualizada, vol. II, Almedina, p. 899.
([3]) Proc. 966/21.7YLPRT.L1-7, relatora Maria da Conceição Saavedra, www.dgsi.pt.
([4]) Cf. Acórdão do STJ, de 27-05-2010, proc. 971/08.9TVPRT.P1.S1, relator Hélder Roque, www.dgsi.pt.
([5]) Cf. Acórdão do TRP, de 30-06-2005, proc. 0532722, relator Ataíde das Neves, www.dgsi.pt.

([6]) Ac. do TRE, de 22-02-2018, proc. 2063/17.0YLPRT.E, relator Paulo Amaral, www.dgsi.pt.
([7]) Edgar Alexandre Martins Valente, Manual de Arrendamento e Despejo, Almedina, pp. 504-507.