Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3991/19.4T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
NRAU
ACTUALIZAÇÃO DA RENDA
COMUNICAÇÃO
VALOR PATRIMONIAL DO LOCADO
INEFICÁCIA
Data do Acordão: 11/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JL CÍVEL - JUIZ 3
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.30, 31 NRAU, LEI N~6/2006 DE 27/2, LEI Nº 79/2014 DE 19/12, AERS. 38, 130 CIMI
Sumário: 1. Pese embora a alteração introduzida ao NRAU pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, o procedimento de actualização da renda por iniciativa do senhorio pressupõe ou implica a menção e a junção, na respectiva comunicação, de todos os elementos e documentos enumerados no art.º 30º do NRAU (requisitos de ordem substancial), sem os quais não é possível uma esclarecida tomada de posição por parte do destinatário/arrendatário, nos termos e para os efeitos do art.º 31º do NRAU.

2. Sob pena de ineficácia de tal comunicação, o senhorio tem o ónus de enviar ao arrendatário uma cópia da caderneta predial urbana da qual conste o valor matricial do local arrendado (calculado nos termos do art.º 38º do CIMI), requisito não observado se da caderneta predial enviada apenas consta o valor patrimonial da totalidade do imóvel, e não, devidamente discriminado, o valor das partes susceptíveis de utilização independente que o compõem, incluindo, a que está locada à Ré.

3. Só uma comunicação devidamente instruída permitirá ao arrendatário declarar se aceita o valor da renda proposto ou opor-se, indicando um novo valor (n.º 3 do art.º 31º do NRAU) ou, se assim o entender, “reclamar de qualquer incorreção na inscrição matricial do locado” junto do Serviço de Finanças, nos termos do disposto no art.º 130º do CIMI (n.º 6).

Decisão Texto Integral:






           

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. M (…), na qualidade de cabeça-de-casal da herança de M (…) instaurou a presente acção declarativa comum contra M (…) e A (…), pedindo que seja condenada a pagar-lhe os montantes de € 14 570,19 e € 6 256,61 a título de, respectivamente, valores das rendas por liquidar e indemnização pela mora (ao abrigo do disposto no art.º 1041º, n.º 1, do Código Civil/CC) e, ainda,  os juros vincendos, à taxa de 4 %, sobre as aludidas quantias, desde a citação até integral pagamento.

Alegou, em resumo: é cabeça-de-casal na herança por óbito dos pais, M (…9 e M (…); desde Abril de 1958 que a Ré ocupa e usufrui do prédio urbano melhor descrito no art.º 13º da petição inicial (p. i.), que integra a herança indivisa por óbito do referido M (…), mediante o pagamento de renda; em 2017, a renda, de € 27, foi actualizada para o montante de € 884,07 mensais, a pagar desde Fevereiro de 2018; a Ré/arrendatária limitou-se a pagar € 27 de renda mensal.

A Ré contestou, por excepção, invocando a ilegitimidade da A. (preterição de litisconsórcio necessário) e, por impugnação, alegando, nomeadamente, que a A. comunicou-lhe a transição do arrendamento para o NRAU e a actualização da renda paga pelo arrendamento do R/C e cave, do lado direito, e garagem, tudo, parte do mencionado prédio urbano, utilizando para o efeito, numa primeira carta, o valor patrimonial total do prédio de € 477 400 e, numa segunda missiva, sem qualquer suporte legal, um terço desse valor, em clara violação do disposto no art.º 30º, al. b), do NRAU, que lhe impunha, sob pena de ineficácia da comunicação, que indicasse à Ré o especifico valor do espaço a ela “locado”; só depois de inscrito discriminadamente na matriz, e espelhado na competente caderneta predial, o valor patrimonial individualizado desse espaço, poderia a Ré, após comunicação desse especifico valor, nos termos do citado art.º 30º, al. b), vir reclamar, se assim o entendesse, à luz do preceituado no art.º 31º, n.º 6, do NRAU, de qualquer incorreção de que o mesmo enfermasse; por falta de um essencial requisito legal (indicação do específico valor patrimonial do locado à Ré), a actualização da renda exigida através das comunicações da A., plasmada nas cartas juntas como docs. 6 e 8 à p. i., é totalmente destituída de efeitos legais. Concluiu pela sua absolvição da instância ou do pedido.

A A. respondeu concluindo pela improcedência da dita excepção, julgada improcedente em sede de audiência prévia.

Afirmada a inexistência de outras questões obstativas do conhecimento do mérito (art.º 595º n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil/CPC) e discriminados os factos provados (por acordo e documentos) e as normas jurídicas tidas por aplicáveis, observado o contraditório, a Mm.ª Juíza a quo julgou a acção improcedente, por não provada, absolvendo a Ré do pedido.

Inconformada, a A. interpôs a presente apelação, formulando as seguintes conclusões:

1ª - Pese embora se diga, a início da sentença, que “As normas convocáveis para a decisão da causa são os art.ºs 27º, 30º e 31º da Lei n.º 6/2006, de 27.02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, de 19-12”, verifica-se, depois, no enquadramento jurídico-legal e de Direito a que procedeu o Tribunal recorrido e que expressa ao longo da sua decisão, que aplicou, incorrectamente e com manifesto erro de julgamento, o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), na redacção que lhe foi dada pela (e até à) Lei n.º 31/2012, de 14.8.

2ª - Mais ressalta ainda o erro de julgamento (error iuris) no enquadramento legal incorrecto e na violação do Direito vigente, quando o Tribunal a quo cita dois acórdãos do STJ incidentes sobre procedimentos de actualização da renda anteriores às alterações introduzidas pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, ao NRAU, e quando se chega mesmo a num desses acórdãos a se fazer menção ao facto de não serem ainda aplicáveis as alterações de relevo introduzidas por aquele diploma ao procedimento de actualização de renda que ali estava em causa, porque reportado a data anterior a 2013, sendo, por isso, necessariamente apenas considerado e ponderado o regime jurídico do arrendamento na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14.8.

- A Ré desconsiderou que estavam já há muito em vigor as alterações ao art.º 31º do NRAU, nomeadamente, o estabelecido nos respectivos n.ºs 6 a 8, pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, tanto que até invocou expressamente, na sua resposta à A., apenas a Lei n.º 6/2006, de 27.02, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, de 14.8.

- Sucede que o procedimento de actualização de renda em apreço decorreu em finais de 2017, pelo que estando há muito em vigor as alterações de relevo - determinantes para a apreciação e a decisão da causa - introduzidas ao art.º 31º do NRAU pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, e sem prejuízo até da sua imediata aplicação, aquando da entrada em vigor do diploma, a procedimentos já então pendentes, nos termos concretamente previstos no respectivo art.º 6º.

5ª - À semelhança do que feito pela Ré, o próprio Tribunal a quo desconsiderou por inteiro aquelas que eram as normas vigentes e aplicáveis ao procedimento de actualização de renda em apreço, como se não estivesse então em vigor o estabelecido, em segunda alteração ao NRAU, pela Lei n.º 79/2014, de 19.12.

6ª - A A. deu escrupuloso cumprimento aos requisitos legais previstos nas alíneas b) e c) do art.º 30º da Lei n.º 6/2006, de 27.02, alterada pela Lei n.º 31/2012, de 14.8, e pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, tendo mesmo sido dado por provado que comunicou o valor do imóvel como avaliado pela Autoridade Tributária nos termos do art.º 38º do CIMI, juntando logo com a primeira comunicação datada de 07.9.2017 a caderneta predial urbana, que até teve o cuidado de novamente remeter à Ré com a carta de 31.10.2017.

7ª - Em devidas atenção e aplicação da Lei n.º 6/2006, de 27.02, na redacção dada pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, cabia à arrendatária reclamar, no prazo para resposta previsto no art.º 31º, n.º 1, do NRAU, junto do Serviço de Finanças competente de qualquer incorrecção na inscrição matricial do locado nos termos do art.º 130º do CIMI, daí podendo decorrer avaliação diversa da constante da caderneta predial em função de uma também diversa inscrição matricial do imóvel ao abrigo e nos termos do art.º 38º do mesmo diploma legal, mas sem que tal reclamação suspendesse (ou suspenda) a actualização da renda, como determinado no n.º 7 daquele mesmo art.º 31º do NRAU, sempre continuando a ser eficaz a comunicação efectuada pelo senhorio ao abrigo do art.º 30º do mesmo diploma.

8ª - E, mesmo que tivesse a Ré apresentado reclamação como previsto no 31º, n.º 6, do NRAU, aplicável ao caso concreto, pela incorrecção na inscrição matricial que veio alegar apenas junto da A. e já em sede do procedimento de actualização de renda, sempre teria que se verificar o pressuposto - de necessária redução - para haver lugar a direito de recuperação de algum valor, face à renda actualizada e que a Ré deveria ter pago desde Fevereiro de 2018, no valor de € 884,07, nos termos previstos nos n.ºs 7 e 8 daquele mesmo preceito legal.

9ª - Tendo o Legislador estabelecido que cabia ao arrendatário reclamar de eventual incorrecção matricial e inerente avaliação fiscal logo aquando da sua resposta ao senhorio ao abrigo do art.º 31º do NRAU, e que essa reclamação não suspendia a actualização da renda por referência à avaliação patrimonial conforme à inscrição matricial do imóvel locado (como constante da caderneta predial), assegurou-se também que, a haver incorrecção nesta inscrição matricial que venha a importar outra avaliação pelas Finanças e um eventual valor patrimonial tributário inferior (inclusivamente, nos termos e para os efeitos do disposto do art.º 35º, n.º 2, alíneas a) e b), do NRAU), ficasse garantida a consideração desse valor nos termos expressamente consignados nos n.ºs 7 e 8 do NRAU, na redacção aplicável.

10ª - O Tribunal a quo não procedeu a correcto enquadramento jurídico-legal dos factos, incorrendo em erro de julgamento na própria determinação das normas e do Direito efectivamente aplicáveis ao caso (error iuris), e violando directamente a lei

substantiva.

11ª - O erro de julgamento, tal como a não conformidade do entendido e decidido na sentença com o direito substantivo não se incluem nas nulidades da sentença (art.º 615º do CPC), sendo antes susceptíveis de ser banidas, mediante interposição de recurso, com a revogação da sentença que padece daqueles vícios de relevo maior.

            A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Importa, assim, apreciar se a A. procedeu a uma válida/eficaz actualização da renda, pressuposto da procedência da acção.


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II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

a)  A A. é cabeça-de-casal por óbito de seu pai, M (…)falecido em 21.02.1964, no estado de casado, sob o regime de comunhão geral de bens, com M (…).

b) A A. é cabeça-de-casal por óbito desta, ocorrido em 13.7.1988.

c) Não foi feita partilha dos bens integrantes da herança pelos óbitos.

d) Os herdeiros A (…9 e M (…)vieram a falecer em 27.10.2010 e 03.10.2014, respectivamente.

e) M (…), um dos sucessíveis por óbito de seu pai e herdeiro A (…)faleceu em 12.8.2015.

f) Integra a herança indivisa por óbito de M (…), de que é herdeira e cabeça-de-casal a A., o prédio em propriedade total, destinado à habitação, sito na Rua (…) (...) , inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 2653, da União de Freguesias de (...) ( (...) ) e descrito na Conservatória do Registo Predial.

g) Por contrato de arrendamento outorgado em 01.02.1975 por M (…) e M (…) e A (…) como senhorios e A (…), como arrendatário, foi-lhe dado de arrendamento o rés-do-chão, cave e garagem, lado direito, do prédio identificado em f)[1].

h) O casamento celebrado entre a Ré e A (…), em 26.5.1957, foi dissolvido por óbito deste ocorrido em 27.10.2010.

i) Em 2017, a renda devida pela fruição do locado referido em g) era de € 27.

j) Em 08.9.2017, a A., na qualidade de cabeça-de-casal da herança que integra o aludido imóvel, remeteu à Ré carta datada de 07.9.2017 por esta recebida em 11.9.2017, pela qual lhe comunicou, ao abrigo e nos termos do art.º 30º do NRAU em vigor: «1. (…) intenção que o aludido contrato de arrendamento transite para o regime NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano); / 2. Propor que o contrato de arrendamento passe a ser do tipo de contrato com prazo certo, com a duração de 5 (cinco) anos; / 3. Propor-lhe que o valor da renda mensal, actualmente de € 27 (vinte sete euros) seja actualizado para o valor de € 884,07 (oitocentos e oitenta e quatro euros e sete cêntimos) mensais

k) A A. escreveu, na referida carta: “O valor do imóvel, avaliado nos termos do artigo 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), é de € 477 400 (quatrocentos e setenta e sete mil e quatrocentos euros)” e juntou a respectiva caderneta predial urbana.

l) A Ré respondeu por carta datada de 04.10.2017 e recepcionada em 06.10.2017, nos seguintes termos: “1º Para que a informação ora comunicada possa produzir quaisquer efeitos legais, exige o art.º 30º, alínea b) da citada Lei n.º 6/2006, que pelo senhorio seja nela indicada ao arrendatário o valor do locado[2], avaliado nos termos do art.º 38º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana. Ou seja: o valor patrimonial da específica parte do imóvel objecto do arrendamento. / Acontece que, da caderneta predial ora enviada por V. Ex.ª apenas consta o valor patrimonial da totalidade do imóvel e não, descriminado, o da parte que me está locada através de contrato de arrendamento supra identificado. / A falta de tal requisito legal (indicação do valor patrimonial estritamente correspondente à parte do imóvel a mim arrendada) torna totalmente desprovida de efeitos legais a comunicação ora enviada. / 2º Não obstante, e cautelarmente, aproveito para informar que, como resulta da certidão de nascimento que em anexo junto, nasci em 8 de Dezembro de 1930, pelo que me encontro na situação prevista no n.º 1 do art.º 36º da citada Lei n.º 6/2006 (mais de 65 anos de idade). / Neste quadro, e nos termos do disposto nos art.ºs 31º, n.ºs 1 e 4, alínea b), 32º, n.º 4 e 36º da citada Lei n.º 6/2006, de 27-2, na redacção introduzida pela Lei n.º 31/2012, de 14-08, sou expressamente a comunicar que: A) me oponho ao valor de € 884,07[3] proposto por V. Ex.ª para actualização da renda mensal; B) não aceito que o contrato de arrendamento fique submetido ao regime do NRAU; C) não aceito as alterações do tipo e duração do contrato (prazo certo com duração de cinco anos) propostas por V. Ex.ª”.

m) Por carta datada de 31.10.2017 e enviada nessa mesma data à Ré, a A., comunicou-lhe que: “o valor patrimonial do locado aqui concretamente considerado é de € 159 133,33, ou seja, o correspondente a 1/3 (um terço) do valor patrimonial do imóvel, mais se informando que este é de € 477 400, como avaliado nos termos do artigo 38º do CIMI e de acordo com a respectiva inscrição matricial”, conforme cópia da caderneta predial que (novamente) acompanhou esta comunicação.

n) Mais lhe comunicou, ao abrigo e nos termos do art.º 30º do NRAU em vigor: «1. (…) intenção que o aludido contrato de arrendamento transite para o regime NRAU (Novo Regime do Arrendamento Urbano); 2. Propor que o contrato de arrendamento passe a ser do tipo de contrato com prazo certo, com a duração de 5 (cinco) anos; 3. Propor-lhe que o valor da renda mensal, actualmente de € 27 (vinte sete euros) seja actualizado para o valor de € 884,07 (oitocentos e oitenta e quatro euros e sete cêntimos) mensais

o) Conforme caderneta predial do imóvel, este encontrava-se e encontra-se inscrito e descrito como Prédio em Propriedade Total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente e avaliado em conformidade com esta inscrição matricial.

p) A Ré respondeu por carta datada de 28.11.2017, recepcionada pela A. em 29.11.2017, nos seguintes termos: “Conforme lhe referi na m/ anterior carta de 4/10/2017, para que a comunicação, ora novamente efetuada através da carta em ref.ª, possa ter qualquer eficácia legal, exige o art.º 30º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 6/2006, que nela seja indicado o valor do locado (ou seja: o valor patrimonial da específica parte do imóvel objecto do arrendamento) avaliado nos termos do art.º 38º e seguintes do CIMI e constante da caderneta predial urbana, e, bem assim, remetida cópia desta. / Acontece que nem na supra identificada carta, nem na anterior de 7/09/2017, V. Ex.ª indica o valor patrimonial correspondente à parte do imóvel objecto do contrato de arrendamento em causa, sendo o critério (1/3 do valor patrimonial total do imóvel) utilizado por V.  Ex.ª na carta em referência, absolutamente destituído de suporte legal, não podendo, naturalmente, ser aceite. / Por outro lado, da caderneta predial ora enviada por V. Ex.ª, obtida em 2014-04-15, apenas consta o valor da totalidade do imóvel, e não, como se impõe, devidamente descriminado, o valor das partes susceptíveis de utilização independente que o compõem, incluindo a que me está locada, ademais resultando aquele valor de uma avaliação efectuada em 2013/01/02, a um prédio naquela descrito como não tendo andares, nem divisões susceptíveis de utilização independente, o que manifestamente não corresponde à realidade. / A falta de tal requisito legal (indicação do valor patrimonial estritamente correspondente ao locado) torna totalmente ineficaz a comunicação ora enviada, sendo que a V. Ex.ª, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de M (…), cabia e cabe promover a avaliação descriminada de parte do imóvel objecto do arrendamento supra referenciado (…)”.

q) A A. respondeu por carta datada de 13.12.2017, nos seguintes termos: “1. Atendendo a que V. Ex.ª se opôs à transição do contrato de arrendamento em apreço para o regime do NRAU e invocou, unicamente, a circunstância a que se alude na alínea b) do n.º 4 do artigo 31º daquele diploma legal, e reiterando nós posição anterior, o contrato mantém-se em vigor sem alteração do regime aplicável, como previsto no artigo 36º, n.º 1, primeira parte, do NRAU. / 2. Atenta a oposição de V. Ex.ª ao tipo e à duração do contrato de arrendamento, como por nós propostos e que reiteramos, o contrato mantém-se também sem alteração àquele respeito. / 3. Não alegando V. Ex.ª, em oposição à renda proposta, senão a circunstância prevista no artigo 31º, n.º 4, alínea b), do NRAU, a renda é actualizada para o valor de € 884,07 (oitocentos e oitenta e quatro euros e sete cêntimos) mensais, ao abrigo do disposto no artigo 36º, n.º 1, in fine, e n.º 6, e no artigo 35º, n.º 2, alíneas a) e b), daquele mesmo diploma legal”.

r) Da carta referida em q) consta que: «Devemos também referir que, alegando V. Ex.ª incorreção na inscrição matricial do locado e do valor patrimonial avaliado em conformidade e nos termos do artigo 38º do CIMI, deveria V. Ex.ª, no mesmo prazo de 30 dias legalmente previsto para a resposta que apresentou ao abrigo do artigo 31º, n.º 1, do NRAU, ter reclamado desse facto junto do serviço de finanças competente nos termos do disposto no artigo 130º do CIMI e como estipulado no n.º 6 do aludido artigo 31º do NRAU, ainda que tal reclamação não suspendesse a actualização da renda como ora operada, como resulta do n.º 7 daquele mesmo preceito legal. / Passando o valor da renda a ser de € 884,07 (oitocentos e oitenta e quatro euros e sete cêntimos) mensais, a mesma é devida e deverá já ser paga naquele montante a partir de 1º dia do 2º mês seguinte ao da recepção da presente comunicação

s) A Ré enviou à A. carta datada de 03.01.2018, reiterando o teor da carta de 28.11.2017.

t) A Ré continuou a pagar € 27, a título de renda mensal.

u) Por carta datada de 30.5.2018, a A. interpelou a Ré para o incumprimento do pagamento atempado e integral das rendas devidas em Fevereiro, Março, Abril e Maio de 2018, num valor em falta relativamente a cada um daqueles meses de € 857,07, num total, em dívida, a título de rendas, de € 3 428,28 (três mil quatrocentos e vinte e oito euros e vinte e oito cêntimos), a que acrescia a indemnização (50 %) pela mora no pagamento integral de cada renda, ao abrigo do disposto no art.º 1041º do CC.

v) A Ré respondeu à A. nos termos plasmados na sua carta de 11.6.2018.

            2. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

Aplicando-se à situação dos autos o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27.02, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 79/2014, de 19.12 (cf. o art.º 9º), vejamos as normas que aqui relevam.

O aludido regime jurídico aplica-se aos contratos de arrendamento para habitação celebrados antes da entrada em vigor do RAU, aprovado pelo DL n.º 321-B/90, de 15.10 (art.º 27º).

A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando, sob pena de ineficácia da sua comunicação: a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), constante da caderneta predial urbana; c) Cópia da caderneta predial urbana; d) Que o prazo de resposta é de 30 dias; e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte; f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no n.º 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no artigo 32º; g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo seguinte (art.º 30º).

O prazo para a resposta do arrendatário é de 30 dias a contar da receção da comunicação prevista no artigo anterior (art.º 31º, n.º 1). O arrendatário, na sua resposta, pode: a) Aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio; b) Opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 33º (…) (n.º 3). Se for caso disso, o arrendatário deve ainda, na sua resposta, invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias: (…) b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade igual ou superior a 60 %, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 36º (n.º 4). O arrendatário pode, no prazo previsto no n.º 1, reclamar de qualquer incorreção na inscrição matricial do locado, nos termos do disposto no artigo 130º do CIMI, junto do serviço de finanças competente (n.º 6). A reclamação referida no número anterior não suspende a atualização da renda, mas, quando determine uma diminuição do valor da mesma, há lugar à recuperação pelo arrendatário da diminuição desse valor desde a data em que foi devida a renda atualizada (n.º 7).

3. O DL n.º 287/2003, de 12.11, ao proceder à reforma da tributação do património (versão primitiva e subsequentes alterações), estabelece, nomeadamente:

Os valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos objecto da avaliação geral são determinados por avaliação directa, nos termos dos artigos 38º e seguintes do CIMI (art.º 15º-D, n.º 1, aditado pela Lei n.º 60-A/2011, de 30.11).

Quando se proceder à avaliação de prédio arrendado, o IMI incidirá sobre o valor patrimonial tributário apurado nos termos do artigo 38º do CIMI, ou, caso haja lugar a aumento da renda de forma faseada, nos termos do artigo 38º da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, que aprova o Novo Regime do Arrendamento Urbano, sobre a parte desse valor correspondente a uma percentagem igual à da renda actualizada prevista nos artigos 39º, 40º, 41º e 53º da referida lei sobre o montante máximo da nova renda (art.º 17º[4], n.º 2 - na redacção conferida pela Lei n.º 6/2006, de 27.02). Não tendo sido realizada a avaliação nos termos do n.º 2, no ano da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006 (…), o valor patrimonial tributário de prédio ou parte de prédio urbano arrendado, por contrato ainda vigente e que tenha dado lugar ao pagamento de rendas até 31 de Dezembro de 2001, é o que resultar da capitalização da renda anual pela aplicação do factor 12, se tal valor for inferior ao determinado nos termos do artigo anterior (n.º 4). A partir do ano seguinte ao da entrada em vigor da Lei n.º 6/2006, 27 de Fevereiro, que aprova o NRAU, e enquanto não existir avaliação nos termos do artigo 38º do CIMI, o valor patrimonial tributário do prédio, para efeitos de IMI, é determinado nos termos do artigo anterior (n.º 5).

Tratando-se de prédios urbanos só em parte arrendados, cujos rendimentos parciais estão discriminados nas matrizes urbanas, aplicam-se os dois critérios a que se referem os artigos 16º e 17º à parte não arrendada e à parte arrendada, respectivamente, somando-se os dois valores para determinar o valor patrimonial tributário global do prédio (art.º 19º).

4. Prevê o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis/CIMI (aprovado pelo DL n.º 287/2003, de 12.11 - “Anexo I”):

- O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar (art.º 8º, n.º 1). Na situação prevista no art.º 81º o imposto é devido pela herança indivisa representada pelo cabeça-de-casal (n.º 5).

- As matrizes prediais são registos de que constam, designadamente, a caracterização dos prédios, a localização e o seu valor patrimonial tributário, a identidade dos proprietários e, sendo caso disso, dos usufrutuários e superficiários (art.º 12º, n.º 1). Existem duas matrizes, uma para a propriedade rústica e outra para a propriedade urbana (n.º 2). Cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial tributário (n.º 3). As matrizes são actualizadas anualmente com referência a 31 de Dezembro (n.º 4).

- A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão: Vt = Vc x A x Ca x Cl x Cq x Cv em que: Vt = valor patrimonial tributário; Vc = valor base dos prédios edificados; A = área bruta de construção mais a área excedente à área de implantação; Ca = coeficiente de afectação; Cl = coeficiente de localização Cq = coeficiente de qualidade e conforto; Cv = coeficiente de vetustez (art.º 38º, n.º 1; cf., ainda, quanto aos referidos factores/coeficientes, os art.ºs 39º e seguintes).

- Quando um prédio faça parte de herança indivisa, é inscrito na matriz predial respectiva em nome do autor da herança com o aditamento 'Cabeça-de-casal da herança de...', sendo atribuído à herança indivisa, oficiosamente, o respectivo número de identificação fiscal pelo serviço de finanças referido no artigo 25º do Código do Imposto do Selo (art.º 81º, n.º 1).

- As matrizes urbanas devem especificar: a) O nome, identificação fiscal e residência dos proprietários, usufrutuários ou superficiários; b) A localização e nome do prédio, quando o tenha, confrontações ou número de polícia, quando exista; c) Descrição do prédio ou indicação da sua tipologia, quando esta exista; d) Os elementos considerados para o cálculo do valor patrimonial tributário do prédio; e) O valor patrimonial tributário (art.º 91º, n.º 1).

- A cada edifício em regime de propriedade horizontal corresponde uma só inscrição na matriz, excepto no caso previsto na parte final do n.º 1 do art.º 79º (art.º 92º, n.º 1). Na descrição genérica do edifício deve mencionar-se o facto de ele se encontrar em regime de propriedade horizontal (n.º 2). Cada uma das fracções autónomas é pormenorizadamente descrita e individualizada pela letra maiúscula que lhe competir segundo a ordem alfabética (n.º 3).

            - O sujeito passivo, a câmara municipal e a junta de freguesia podem, a todo o tempo, reclamar de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, nomeadamente com base nos seguintes fundamentos: a) Valor patrimonial tributário considerado desactualizado; b) Indevida inclusão do prédio na matriz; c) Erro na designação das pessoas e residências ou na descrição dos prédios; (…) h) Não discriminação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos por andares ou divisões de utilização autónoma; i) Passagem do prédio ao regime de propriedade horizontal; (…) (art.º 130º, n.º 3).

            - A apreciação das reclamações referidas no artigo anterior é da competência dos chefes de finanças da área de situação dos prédios (art.º 131º).

            5. A Mm.ª Juíza a quo considerou e concluiu:

            - É irrelevante, para efeitos de actualização da respetiva renda, a comunicação feita pela A. à Ré através da carta datada de 09.9.2017 (dita em II. 1. j) e k), supra), porquanto a mesma reporta-se a todo o prédio.

- O processo de actualização da renda foi desencadeado pela A., apenas, em 31.10.2017, mediante o envio à Ré/arrendatária de carta onde afirmou, para além do mais, que propunha que o valor da renda mensal actualmente de € 27 seja actualizado para o valor de € 884,07 mensais, considerando que “o valor patrimonial do locado aqui concretamente considerado é de € 159 133,33, ou seja, o correspondente a 1/3 (um terço) do valor patrimonial do imóvel, mais se informando que este é de € 477 400, como avaliado nos termos do art.º 38º do CIMI e de acordo com a respectiva inscrição matricial” (cf. II. 1. m) e n), supra).

- A esta carta respondeu a Ré, através de carta datada de 28.11.2017, conforme consta de II. 1. p), supra, alegando, nomeadamente, que “(…) exige o art.º 30º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 6/2006, que nela seja indicado o valor do locado (ou seja: o valor patrimonial da específica parte do imóvel objecto do arrendamento) avaliado nos termos do art.º 38º e seguintes do CIMI e constante da caderneta predial urbana, e, bem assim, remetida cópia desta./ Acontece que nem na supra identificada carta, nem na anterior de 07/9/2017, V. Ex.ª indica o valor patrimonial correspondente à parte do imóvel objecto do contrato de arrendamento em causa, sendo o critério (1/3 do valor patrimonial total do imóvel) utilizado por V.Ex.ª (…), absolutamente destituído de suporte legal, não podendo, naturalmente, ser aceite./ Por outro lado, da caderneta predial enviada por V. Ex.ª, obtida em 2014-04-15, apenas consta o valor da totalidade do imóvel, e não, como se impõe, (…) o valor das partes susceptíveis de utilização independente que o compõem, incluindo a que me está locada, ademais resultando aquele valor de uma avaliação efectuada em 2013/01/02, a um prédio naquela descrito como não tendo andares, nem divisões susceptíveis de utilização independente, o que manifestamente não corresponde à realidade./ A falta de tal requisito legal (indicação do valor patrimonial estritamente correspondente ao locado) torna totalmente ineficaz a comunicação ora enviada, sendo que a V. Ex.ª, na qualidade de cabeça-de-casal da herança de M (...) , cabia e cabe promover a avaliação (…) de parte do imóvel objecto do arrendamento supra referenciado (…)”.

-  “(…) não é ao arrendatário que cabe reclamar, junto dos serviços de finanças, de qualquer incorreção na inscrição matricial do locado, nos termos do disposto no art.º 130º do CIMI./ É, antes, ao proprietário do prédio que cabe a tarefa de requerer, na Repartição de Finanças, o valor patrimonial individualizado do locado que deve figurar na caderneta predial, destinada a instruir o procedimento de actualização da renda relativa ao locado./ (…) constitui condição para o senhorio exercer o direito de requer a atualização do valor da renda, a indicação, na carta que dirige ao arrendatário, do valor do locado constante da caderneta predial urbana, avaliado de acordo com o critério previsto no art.º 38º e segs. do CIMI, bem como a respectiva caderneta predial./ (…) o arrendatário não pode ser penalizado pelo incumprimento deste ónus, na medida em que o conhecimento do valor matricial do local arrendado não só é um elemento determinante no cálculo da nova renda como é também um elemento relevante na tomada de decisão do arrendatário perante os direitos que lhe são conferidos pelo art.º 31º, n.º 3 da Lei nº 31/2014, ou seja: i) aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio [al. a)]; ii) opor-se ao valor da renda proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 33º [al. b)]; iii) pronunciar-se quanto ao tipo ou à duração do contrato propostos pelo senhorio [al. c)]; iv) denunciar o contrato de arrendamento, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 34º [al. d)]”.

- Demostrada a falta de comunicação, por parte da A./senhoria à Ré/arrendatária, do valor patrimonial do locado, impõe-se concluir não ter aquela cumprido o formalismo previsto no art.º 30º da citada Lei n.º 31/2014. / Daí que, não se revelando eficaz a comunicação da A. datada de 31.10.2017, não ocorreu uma alteração do montante da renda.

6. Afigura-se que a resposta dada pela 1ª instância não merece qualquer reparo.

Independentemente da questão de saber o se, o como e o quando para uma correcta/adequada inscrição ou descrição predial da realidade a considerar, e atendo-nos, tão-somente, ao que decorre dos elementos juntos aos autos e ao mencionado quadro normativo, tudo nos diz que a razão está do lado da Ré e que caberá à A. desencadear os procedimentos preliminares para uma eficaz (eventual) actualização da renda em apreço.

Na verdade - esta a questão central -, a A. nunca indicou, à Ré, o valor patrimonial da parte locada do prédio “em propriedade total, destinado a habitação, sito na Rua (…), (...) ” (cf. II. 1. f), supra), o que era, e é, essencial para a validade/eficácia da comunicação prevista no art.º 30º, alíneas b) e c), do NRAU, antolhando-se evidente que o valor aventado e arbitrariamente indicado na comunicação de 31.10.2017, dita em II. 1. m), supra, não foi determinado segundo os procedimentos legalmente previstos e tendo presente toda a correspondente realidade predial.[5] 

7. A caderneta predial urbana junta com as comunicações referidas em II. 1. j) e m), supra, respeitava a todo o referido imóvel “inscrito e descrito como Prédio em Propriedade Total sem andares nem divisões susceptíveis de utilização independente e avaliado em conformidade com esta inscrição matricial” (cf. II. 1. o), supra e documentos de fls. 19, 21 e 26 verso).

Porém, vistos os elementos juntos aos autos, sabemos, designadamente:

- O contrato de arrendamento em causa foi outorgado em 01.02.1975, tendo por objecto o rés-do-chão, cave e garagem, lado direito, do aludido prédio (cf. II. 1. g), supra, e documento de fls. 64).

- Existiram e, porventura, existem ainda (em parte), outros três contratos de arrendamento, celebrados em 01.4.1958, 22.8.1972 e 01.8.1981, o primeiro, tendo por objecto o 1º andar direito; o segundo, recaindo sobre a subcave, cave, r/c, 1º andar e sótão, constituindo toda a parte esquerda do prédio; o último, respeitando ao 1º andar e sótão (cf. os documentos de fls. 58 verso, 60 e 65).

- Segundo a descrição predial, o prédio urbano em apreço, com a área total de 1100 m2, destinado a habitação, tem uma área coberta de 217 m2 e uma área descoberta de 883 m2; é composto de subcave, cave, r/c, 1º andar e sótão (s. c. 186 m2; garagem 31 m2) (cf. documento de fls. 66).

- A correspondente caderneta predial urbana descreve-o da seguinte forma: “Um prédio que se destina a habitação e que se compõe de subcave, r/c, 1º andar e sótão. Lado Esquerdo – subcave, com 3 divisões para arrumos; cave com 3 divisões e wc; r/c com 4 divisões, casa de banho e despensa; 1º andar com 6 divisões e 2 casas de banho; sótão com 1 divisão ampla; 1 garagem. Lado Direito – subcave com 3 divisões e wc; r/c com 5 divisões e casa de banho; 1º andar com 5 divisões e casa de banho; sótão com 2 divisões esconsas para arrumos.”

Quanto à “Afectação” menciona-se o seguinte: “N.º de pisos: 5; Tipologia/Divisões: 35” (cf. documento de fls. 19).

- Foi inscrito na matriz no ano de 1989; no ano 2012, foi-lhe atribuído o valor patrimonial actual (CIMI) de € 477 400, com os seguintes factores: Vc - 603,00; A – 571,2150; Ca – 1,00; CI – 2,25; Cq – 1,120 e Cv – 0,55 (ibidem).

8. Tendo presente a descrita realidade predial e retomando o explanado em II. 6., supra, acrescenta-se:

- Pese embora a alteração introduzida ao NRAU pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, mormente quanto à nova redacção dada ao art.º 31º, afigura-se que o procedimento de actualização da renda por iniciativa do senhorio - considerando, ainda, o preceituado nos art.ºs 27º e 30 e seguintes do NRAU (arrendamentos para habitação) -, sempre pressupõe ou implica a menção e a junção, na respectiva comunicação, de todos os elementos e documentos enumerados no art.º 30º do NRAU (requisitos de ordem substancial), sem os quais, diga-se, não é possível uma esclarecida tomada de posição (resposta) por parte do destinatário/arrendatário, nos termos e para os efeitos do art.º 31º do NRAU.

- Só depois de uma comunicação devidamente instruída poderá/deverá o arrendatário, no prazo de 30 dias (n.º 1 do art.º 31º do NRAU), declarar se aceita o valor da renda proposto pelo senhorio ou opor-se, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 33º  (n.º 3) (obviamente, o conhecimento do valor matricial do local arrendado é um elemento relevante na tomada de decisão do arrendatário), ou, se assim o entender,  reclamar de qualquer incorreção na inscrição matricial do locado junto do Serviço de Finanças, nos termos do disposto no art.º 130º do CIMI (n.º 6).[6]

- No caso em análise, na correspondente matriz predial, não existe qualquer individualização/concretização da parte locada.

- Consequentemente, salvo o devido respeito por opinião em contrário, não seria possível afirmar qualquer incorrecção  relativamente ao que (ainda) não existe naquela matriz!, nos termos do disposto no art.º 130º do CIMI, cabendo, antes, ao titular inscrito, à luz do quadro legal, providenciar pela realização dessa prévia concretização, só depois podendo vir a ser determinado o respectivo valor patrimonial (cf., nomeadamente, os art.ºs 8º, n.º 5; 12º, n.º 3; 81º, n.º 1 e 130º, n.º 3 do CIMI).[7]

9. Totalmente ineficaz, pois, a comunicação de actualização do valor da renda de 31.10.2017 - tudo se passando como se não tivesse sido feita -, a que a Ré/arrendatária respondeu como consta de II. 1. p e s), supra (cf. o art.º 30º do NRAU).[8]

Não ocorrendo uma alteração válida da renda, a Ré continuou a pagar a retribuição devida (cf. II. 1. n) e t), supra e os art.ºs 1022º e 1038º, alínea a) do CC).

10. Soçobram, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso.


*

III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela A./apelante.


*

03.11.2020

Fonte Ramos ( Relator)

Alberto Ruço

Vítor Amaral





[1] Rectifica-se lapso manifesto (cf. documento de fls. 64).
[2] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[3] Rectifica-se lapso manifesto (cf. documento de fls. 22 verso).
[4] Que estabeleceu um regime transitório para os prédios urbanos arrendados.

[5] Daí, nada será de opor ao explanado na resposta à alegação de recurso, mormente quando se diz que para que a comunicação da A. pudesse ter qualquer eficácia legal, «era indispensável que, em cumprimento do citado art.º 30º al. b) da Lei n.º 6/2006, na redação introduzida pela Lei 31/2012 de 14.8, mantida pela Lei n.º 79/2014, de 19.12, nela tivesse sido indicado, que não foi, o valor do locado; ou seja: o valor patrimonial da individualizada parte do imóvel objecto do arrendamento, avaliado nos termos do art.º 38º e seguintes do CIMI e constante da caderneta predial urbana./ Acontece que nunca a recorrente indicou à recorrida o valor patrimonial correspondente à parte do imóvel objecto do contrato de arrendamento em causa, sendo o critério (1/3 do valor patrimonial total do imóvel) utilizado na carta de 31.10.2017 absolutamente aleatório e destituído de suporte legal

[6] E se é certo que o próprio legislador veio cometer ao inquilino, através da nova redacção que a Lei 79/2014, de 19.12, conferiu ao NRAU, o ónus de impugnação do valor patrimonial tributário constante da caderneta predial do imóvel locado (cf. o art.º 31º, n.º 6 do NRAU e a disposição transitória do art.º 6º da Lei 79/2014), competindo-lhe por isso o correspondente ónus de alegação e prova (cf. o acórdão da RC de 22.11.2016-processo 395/13.6TBSPS.C1 - ECLI:PT:TRC:2016:395.13.6TBSPS.C1.19:), tal ónus, parece-nos, já não terá qualquer razão de ser se, como sucedeu no caso em análise, o senhorio não indicou e demonstrou o valor patrimonial do objecto arrendado.

[7] Também nada será de objectar ao que a esse propósito se alega na resposta à alegação de recurso: «Por outro lado, também da caderneta predial enviada à apelada, obtida em 2014/4/15, apenas consta o valor patrimonial da totalidade do imóvel, e não, como se impunha, devidamente discriminado, o valor das partes susceptíveis de utilização independente que o compõem, incluindo a que está locada à recorrida, ademais resultando aquele valor de uma avaliação efectuada em 2013/01/02, a um prédio naquela descrito como não tendo andares nem divisões susceptíveis de utilização independente, o que manifestamente não corresponde à realidade

   E, depois: «Só depois de inscrito discriminadamente na matriz, e espelhado na competente caderneta predial, o valor patrimonial individualizado desses espaços, locados à recorrida, poderia esta, após comunicação desse especifico valor, nos termos do citado art.º 30º, al. b), vir reclamar, se assim o entendesse, à luz do preceituado no art.º 31º, n.º 6, do NRAU, de qualquer incorreção de que o mesmo enfermasse

[8] Sobre toda a matéria, cf., de entre vários, os acórdãos da RC de 13.01.2015-processo 658/13.0TBCVL.C1 e do STJ de 20.12.2017-processo 2058/16.1YLPRT.L1.S1 [considerando-se, designadamente - entendimento não postergado pelo regime jurídico introduzido pela Lei n.º 79/2014, de 19.12 - : «(…) não é ao arrendatário que cabe reclamar, junto dos serviços de finanças, de qualquer incorreção na inscrição matricial do locado, nos termos do disposto no art.º 130º do CIMI. / É, antes, ao proprietário do prédio que cabe a tarefa de requerer, na Repartição de Finanças, o valor patrimonial individualizado do locado que deve figurar na caderneta predial, destinada a instruir o procedimento de actualização da renda relativa ao locado. / É que, tal como já se deixou dito, constitui condição para o senhorio exercer o direito de requer a atualização do valor da renda, a indicação, na carta que dirige ao arrendatário, do valor do locado constante da caderneta predial urbana, avaliado de acordo com o critério previsto no art.º 38º e segs. do CIMI, bem como a respectiva caderneta predial.»], publicados no “site” da dgsi.

 Na doutrina, vide, nomeadamente, Luís Menezes Leitão, Arrendamento Urbano, 4ª edição, Almedina, pág. 188 e Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado, 2ª Edição, Coimbra Editora, pág.140, onde se refere: “Na sua comunicação, o senhorio tem plena liberdade para transmitir ao arrendatário o valor da renda pretendida, bem como a modalidade temporal que pretende que o contrato passe a ter, mas tem o ónus de enviar ao arrendatário, nessa comunicação, uma cópia da caderneta predial urbana da qual conste o valor do local arrendado (calculado nos termos do artigo 38º do CIMI)”.