Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
181/13.3TBSPS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
DEFEITOS
REPARAÇÃO
PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 03/10/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU - S. PEDRO DO SUL - INST. LOCAL - SEC. COMP. GEN. - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.406, 762, 1207, 1208 CC, LEI Nº 24/96 DE 3/7, DL Nº 67/2003 DE 8/4
Sumário: 1.- O princípio da proporcionalidade implica uma justa medida, isto é, a escolha das soluções de que decorram menos gravames, sacrifícios ou perturbações para a posição jurídica dos interessados, acabando por funcionar como factor de equilíbrio, de garantia e de controle dos meios e medidas adoptadas.

2 - A conclusão sobre a desproporção do custo da reparação dos defeitos de empreitada resulta da prevalência da lei pela reparação natural ( artº 4º do DL 67/2003 de 08.04. e arts. 562 e 566 do CC) e da perspectivação primacial do direito do lesado à reposição ante factum lesivo -, postulando uma interpretação restritiva do conceito exigente de um sacrifício exorbitante ou desmesurado para o empreiteiro.

3 - Recai sobre o devedor o ónus de alegar e provar os factos que integram a desproporcionalidade.

4 - Inexiste desproporção, se, numa empreitada com preço de 2.238 euros, a reparação dos defeitos ascende a 4.500 euros, se o dono da obra em nada contribui para estes e não se prova grave afectação económico- financeira do empreiteiro.

5 - Colocando o dono da obra rede sobre o muro erigido pelo empreiteiro, e desabando este, assiste aquele o direito a ser reposto na situação anterior, com reedificação do muro e da rede, pois que tal não proíbe o art. 1221 do CC, e o permitem os princípios gerais e a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de Enneccerus-Lehman consagrada na nossa lei.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

C (…) e mulher, M (…) instauraram contra J (…) e mulher A (…) ação declarativa, de condenação, com processo sumário.

Alegaram.

Terem contratado o Réu para a edificação de um muro de suporte de terras, a edificar a norte da casa de habitação dos primeiros, o que o Réu fez.

Todavia, tal muro acabaria por ruir parcialmente, por motivos que os AA. apontam a deficiências de construção.

Invocam que tal edificação inscrevia-se no círculo de atividades a que o Réu se dedicava, sendo com os rendimentos delas advenientes que o Réu faria face às despesas do seu agregado, de que a Ré mulher faria parte.

Peticionaram:

A condenação dos Réus na reconstrução do muro derrubado, no seu enchimento a tardoz e na colocação de rede de vedação sobre o mesmo, bem como no pagamento da quantia de 250 euros por cada dia de atraso na execução dos peticionados trabalhos.

Contestaram os Réus.

Disseram, nuclearmente:

Excecionaram a caducidade do direito pretendido fazer valer pelos AA., em função do decurso dos prazos de denúncia dos defeitos e de acionamento judicial.

Impugnaram dizendo que o contrato de construção do muro não foi celebrado com qualquer dos AA., antes com um terceiro, C (...) .

Negam qualquer responsabilidade aos trabalhos efetuados pelo Réu no que tange ao desmoronamento do muro, apontando que este facto teria ocorrido seja porque o dito C (...) ou os AA. houvessem procedido ao alteamento do muro originariamente edificado pelo Réu, seja porque aqueles tivessem procedido ao enchimento do tardoz do muro numa altura superior a um metro, seja porque nesse enchimento tivessem utilizado máquinas de muito peso, seja porque não tivessem desviado as águas que se infiltraram nas terras de enchimento.

2.

Prosseguiu o processo os seus termos, tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«julgo o pedido parcialmente procedente, já que:

   A) Condeno os Réus:

   a) a reconstruirem, no prazo do 30 dias, o muro aludido em 4 e 5 da factualidade provada, para o que deverão desfazer a zona do muro não ruída, remover as pedras e terras existentes sobre as fundações, executar um novo muro com utilização de blocos de pedra adequados à altura e com respeito pela inclinação apontada em 17 da factualidade.

   b) a procederem ao enchimento do tardoz do novo muro a executar.

   c) a procederam à colocação, sobre o topo do novo muro a executar, de uma rede de vedação metálica, com cerca de um metro de altura, amarrada a postes de cimento pré-esforçado, ‘chumbados’ no topo desse novo muro.»

3.

Inconformados recorreram os réus.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

(…)

4.

Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, a questões essenciais decidendas são, lógica e metodologicamente, as seguintes:

1 ª  - Alteração da decisão sobre a matéria de facto.

2ª - Improcedência da ação, rectius: a) resolução do contrato versus condenação na efetivação de obra nova; b) absolvição por trabalhos de inovação dos autores.

5.

Apreciando.

5.1.

Primeira questão.

5.1.1.

Urge ter presente que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº607 nº5  do CPC.

Perante o estatuído neste artigo exige-se ao juiz que julgue conforme a convicção que a prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175.

O princípio da prova livre significa a prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente;  mas apreciada em conformidade racional com tal prova e com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed.  III, p.245.

Acresce que há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas.

Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas.

Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, p.03B3893 dgsi.pt.

 Ademais a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída, dialeticamente, para além dos dados objetivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a atividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt.

Nesta conformidade - e como em qualquer atividade humana - existirá sempre na atuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade e erro.

Mas tal é inelutável. O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro.

O que passa, como se viu, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objetiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum.

E tendo-se presente que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade acrescido, já que por virtude delas entram, na formação da convicção do julgador, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova, e fatores que não são racionalmente demonstráveis.

Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade– a qual não está ao alcance do tribunal ad quem - Acs. do STJ de 19.05.2005  e de 23-04-2009  dgsi.pt., p.09P0114.

5.1.2.

Ademais, e em termos de direito positivo, urge atentar que o impugnante da decisão sobre a matéria de facto tem de cumprir, desde logo liminarmente e  com  o maior rigor possível, as exigências formais do artº 640º do CPC.

Das mesmas sobressai a indicação – nº 1 al. b) - dos «concretos meios probatórios constantes no processo ou do registo ou gravação nele realizada que impunham decisão… diversa…»

Sendo que -nº2 al. a) - «quando os meios probatórios…tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de rejeição imediata do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o recurso…».

 Acresce que, como constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, o recorrente não pode limitar-se a invocar mais ou menos abstrata e genericamente, a prova que aduz em abono da alteração dos factos.

E, assim, querendo impor, em termos mais ou menos apriorísticos, a sua subjetiva convicção sobre a prova.

Porque, afinal, quem julga é o juiz.

Por conseguinte, para obter ganho de causa neste particular, deve ele efetivar uma concreta e discriminada análise objetiva, crítica, logica e racional da prova, de sorte a convencer o tribunal ad quem da bondade da sua pretensão.

 A qual, como é outrossim comummente aceite, apenas pode proceder se se concluir que o julgador apreciou o acervo probatório  com extrapolação manifesta dos cânones e das regras hermenêuticas, e para além da margem de álea em direito permitida e que lhe é concedida.

E só quando se concluir que  a  natureza e a força da  prova produzida é de tal ordem e magnitude que inequivocamente contraria ou infirma tal convicção,  se podem censurar as respostas dadas.

Sendo que, repete-se, a intolerabilidade destas tem de ser demonstrada pelo recorrente através de uma concreta e dilucidada análise hermenêutica de todo o acervo probatório produzido ou, ao menos, no qual se fundamentou a resposta.

5.1.3.

(…)

5.1.6.

Por conseguinte, os factos a considerar são os apurados na 1ª instância, a saber:

1 – Encontra-se descrito na CRP de São Pedro do Sul, sob a ficha 1272 da freguesia de Carvalhais, um prédio misto inscrito na matriz urbana da freguesia de Carvalhais sob o artigo 1080, e na rústica da mesma freguesia sob o artigo 5383, composto de casa de habitação, logradouro e terreno culto e inculto, sito no (...) , concelho de São Pedro do Sul.

2 – Pela apresentação nº 3858, de 25.2.11, mostra-se inscrita, no registo predial, a aquisição, por doação, em benefício de ambos os AA., do prédio descrito em 1.

3 – O Réu dedica-se à actividade de terraplanagens, abertura de poços e construção de muros, para a qual se encontra colectado.

4 – Contra o pagamento da importância de 2.238 euros, o Réu obrigou-se a edificar, para os AA., e no prédio descrito em 1, um muro de suporte de terras, em blocos de granito.

5 – Tal muro teria o comprimento de cerca de 17 mts, e uma altura entre 4,50 a 5 mts, incluindo fundações.

6 – Na sequência da obrigação assumida, referida em 4, o Réu procedeu, durante o mês de Junho de 2012, à edificação do referido muro, que deu por concluído a 20 de Junho desse ano.

7 – Foi o Réu quem forneceu todos os materiais necessários à edificação do muro.

8 – Após a conclusão do muro os AA. acabaram o enchimento de terras, numa altura de cerca de um metro, a tardoz do mesmo.

9 – Nos trabalhos de enchimento supra referidos os AA. contaram com o auxílio de uma máquina retroescavadora.

10 – E procederam à colocação, sobre o topo do muro, de uma rede de vedação metálica, com cerca de um metro de altura, amarrada a postes de cimento pré-esforçado, ‘chumbados’ no topo do sobredito muro.

11 – Já depois da conclusão da edificação do muro, e da realização dos trabalhos apontados em 8 e 10, o muro ruiu na sua maior parte.

12 – Em consequência de tal ruína a vedação de rede que encimava o referido muro ficou totalmente destruída.

13 – Também parte da terra que tinha sido colocada no seu tardoz, para efeitos de enchimento, desabou.

14 – Atendendo à altura média do muro, a dimensão dos blocos de pedra utilizados na construção, em particular nas primeiras camadas sobre as fundações, não era a adequada para garantir a estabilidade daquele.

15 – Não foi efectuado qualquer tipo de ancoragem do muro.

16 – O muro foi edificado quase na ‘vertical’, ou seja, com uma inclinação próxima dos 90 graus.

17 – Considerando a altura média do muro este deveria possuir um maior desvio da sua ‘vertical’, da ordem dos 10 a 15 graus para o interior.

18 – A queda do muro apontada 11 ficou a dever-se à inadequação da dimensão dos blocos utilizados na sua edificação, bem como ao facto de não possuir a inclinação apontada em 17.

19 – Tendo em vista a reconstrução do muro será necessário desfazer a zona do muro não ruída, remover as pedras e terras existentes sobre as fundações, executar um novo muro com utilização de blocos de pedra adequados à altura e com respeito pela inclinação apontada em 17, encher o tardoz do muro com terras, limpar e regularizar o terreno onde caíram as pedras e as terras resultantes do desabamento.

20 – O custo da realização dos trabalhos referidos em 19 ascenderá a cerca de 4.500 euros, sem IVA.

21 – Na recolocação da rede de vedação metálica e dos postes de cimento apontados em 10 será necessário despender um montante não concretamente apurado.

22 – Para a realização dos trabalhos apontados em 19 e 21 será bastante um prazo de 30 dias.

23 – É com o rendimento auferido pelo Réu no exercício da actividade apontada em 3 que o seu casal faz face às despesas da família.

24 – A execução da edificação do muro foi acompanhada por (…), pai/sogro dos AA., o qual, aquando da conclusão dos trabalhos, não apontou qualquer reserva à qualidade do edificado.

25 – O Réu sabia que aquele (…) actuava, perante si, em nome e por conta dos AA..

26 – O Inverno de 2012-13 foi muito chuvoso.

27 – Em consequência o terreno a tardoz do muro encharcava e, por isso, aumentava o peso ou pressão sobre o dito muro.

5.2

Segunda questão.

5.2.1.

Estamos perante um contrato de empreitada o qual é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra à realização de certa obra, mediante um preço . artº 1207º e sgs. do CC.

 A característica fundamental deste contrato e o que o distingue de outros, como, vg. o contrato de trabalho, é o facto de nele se prometer o resultado de uma atividade sem subordinação à direção da outra parte.

Assim, o empreiteiro não é um subordinado do dono da obra, mas antes um contraente que atua segundo a sua vontade, embora obrigado ao resultado ajustado.

O contrato é bilateral, oneroso e comutativo: o direito do dono da obra a que esta seja feita sem defeitos tem o correspetivo no dever do empreiteiro a fazê-la sem defeitos; o direito deste a receber o preço tem o correspetivo no dever do dono a pagá-lo.

O dono da obra tem  um direito subjetivo de exigir do empreiteiro a obtenção do resultado anuído. Isto é, assiste-lhe o direito a que, no prazo acordado, lhe seja entregue a obra realizada nos moldes convencionados e sem defeitos.

Na verdade o dever primordial do empreiteiro  consiste na realização da obra em conformidade com o convencionado e sem vícios -art.º 1208.º do CC.

Sendo finalmente de notar que ambas as partes devem pautar a sua atuação dentro da ideia de que os contratos devem ser pontualmente cumpridos  -art.º 406.º do CC - e de boa fé  -art.º 762.º n.º 2 CC.

5.2.2.

No caso vertente encontramo-nos perante uma empreitada em que o empreiteiro  exerce com carácter profissional uma atividade económica que visa a obtenção de lucros  e o dono da obra é pessoa singular que deve ser considerado  como consumidor.

Logo,  é de aplicar, em primeira mão, o disposto no DL 67/2003 de 8 de Abril, com as alterações subsequentes, o qual introduziu no direito interno a  Diretiva 1999/44/CE2.

E, apenas subsidiariamente, nos caos omissos ou duvidosos, o disposto na lei nacional e, em síntese, supra explanada.

Na verdade, com esta diretiva pretendeu-se a harmonização da legislação europeia nesta área e uma proteção acrescida do consumidor.

Pelo que a legislação nacional, apenas, por via de regra, deverá ser aplicada, quando se revelar mais favorável ou aquele corpo normativo se mostrar lacunoso.

Assim:

Preceitua o artº 2º de tal diploma:

1 - O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.

2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:

a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;

b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;

c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;

d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.

3 - Não se considera existir falta de conformidade, na acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.

Estipula o artº 4º:

1 - Em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato.

Finalmente impõe o artº 12º da Lei 24/96 de 31.07 (Lei de defesa do consumidor):

1 - O consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos.

2 - O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei.

Laivos da  aludida acrescida proteção ressumbram do facto de, desde logo  no que concerne à compra e venda defeituosa: «contrariamente ao que consta do artigo 914º do Código Civil, para o Decreto-Lei nº 67/2003 o desconhecimento, “sem culpa”, do “vício ou falta de qualidade de que a coisa padece” não afasta a correspondente responsabilidade do vendedor (artigos 2º, nº 1 e nº 3º).»-  Ac. do STJ de 30.09.2010, p. 822/06.9TBVCT.G1.S1.

É que o conceito relevante para o efeito do artº 2º de tal DL é o de conformidade dos bens com o contrato, advindo a responsabilidade do vendedor, pelo menos por via de regra, independentemente da existência, ou não, de culpa, stricto sensu, desde que se verifiquem os factos índice estabelecidos no nº2 e em função dos quais a desconformidade se presume.

Tal acrescida proteção dimana ainda do facto de, versus o que sucede na legislação nacional, os direitos permitidos ao consumidor em caso de incumprimento do contrato, poderem, por via de regra, ser exercidos eletivamente, não estando eles sujeitos a um  qualquer exercício sequencial decorrente de uma pré-determinada e fixa  hierarquização de tais direitos.

 E diz-se, «por via de regra» porque têm de excluir-se de tal hipótese de escolha, os casos de intolerável desequilíbrio na composição dos direitos e interesses em presença e, bem assim, os casos  de atuação com  má fé, ou com  abuso de direito -cfr. Ac. do STJ de 30.09.2010, p. 822/06.9TBVCT.G1.S1 e João Calvão da Silva in  Vendas de Bens de Consumo, 4ª edição, página 110.

5.2.3.

In casu  os recorrentes alegam que «Ficando provado que a execucao do novo muro ultrapasse 4.500 euros e a este valor acresce o custo dos trabalhos, incerto, que os autores inovaram no mesmo, é manifesta a desproporcionalidade de exigir muro novo quando o valor da prestacao paga foi 2.238 euros. Razao pela qual apenas existe o direito dos autores a resolucao do contrato e a recebimento daquilo que pagaram – 2.238 euros.»

 O princípio da proporcionalidade –  desde logo em definição mais atinente ao direito administrativo, mas com laivos aplicáveis ao direito privado -, define-se como aquele segundo o qual a limitação de bens ou interesses privados deve ser adequada, necessária  e equilibrada.

«A adequação significa que a medida tomada em concreto deve ser causalmente ajustada à finalidade que se propõe atingir, numa relação de ajustamento ponderado entre o meio usado e o fim ou objectivo conseguido; a necessidade significa idoneidade para o fim que se pretende alcançar, no sentido em que, de entre as várias medidas abstractamente idóneas deve ser escolhida aquela que menor lesão cause a direitos e interesse dos particulares; o equilíbrio exige que os benefícios que se esperam alcançar com determinada medida administrativa, adequada e necessária, suplantem, segundo parâmetros materiais, os custos que ocasionará» . - Freitas do Amaral In Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, págs. 129/132 e Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., pág. 924, apud. Ac. do STJ de 25.09.2014, p. 21/14.6YFLSB.

Em suma, o princípio da proporcionalidade implica uma justa medida, isto é, a escolha das soluções de que decorram menos gravames, sacrifícios ou perturbações para a posição jurídica dos interessados, acabando por funcionar como fator de equilíbrio, de garantia e de controle dos meios e medidas adotadas.

No caso vertente e perante a norma diretamente aplicável – artº 4º do cit. DL - já vimos que aos réus, liminarmente, assiste jus à escolha do modo como pretendem ver satisfeito o seu direito – artº 4º  do DL supra citado.

E tendo eles optado pela reconstituição natural em detrimento da redução do preço ou da resolução do contrato, estão, pois,  em princípio, no seu direito.

Até porque, no âmbito da lei geral, esta dá primazia à reparação em espécie, em detrimento de qualquer medida substitutiva - cfr. artºs 562º, 566º, 1220º e 1221º do CC.

Por conseguinte, o direito à reparação apenas pode ser obstaculizado se houver má fé do demandante, ou a reconstituição natural seja excessivamente onerosa para o devedor – 566º -  ou ainda, noutra nuance, as despesas tidas pelo demandado sejam desproporcionadas ao proveito que o demandante obtenha – 1221º nº2.

Ora considerando que tanto a lei geral, como a lei do consumidor, dão prevalência à reparação in natura,  no pressuposto de que ela, regra geral, é a mais adequada a uma indemnização efetiva e integral - tanto assim que apenas pode ser substituída pela indemnização em dinheiro nos casos do artº 566º e se apresenta como primeira solução de satisfação do lesado na duas leis, sendo que naquela obrigatoriamente e nesta facultativamente -, a conclusão sobre emergência da desproporcionalidade/excessiva onerosidade, tem de  advir de uma interpretação restritiva destes conceitos.

Ou seja, apenas se pode considerar existir falta de proporcionalidade na medida em que a reparação represente um sacrifício exorbitante, desmesuradamente superior, ou claramente desajustado para o responsável, atento o seu custo, por reporte à desvalorização provocada pelo defeito e  ao consequente prejuízo que dela  dimanou para o lesado e que por causa dela deixou de auferir– cfr. João Cura Mariano, in Responsabilidade Contratual do Empreiteiro Pelos Defeitos da Obra, 2ª ed., p.117.

E considerando-se ainda noutras circunstancias, como seja  a situação económico-financeira de ambos, maxime do obrigado.

 Porém, esta conclusão tem de ser condicionada e advir, essencialmente, não pela perspetivação do interesse do lesante, mas antes pela perspetivação e consideração primeira do interesse do lesado e da sua pretensão e direito à reposição no statuo quo ante ao evento lesivo; assume-se assim, verdadeira e justamente, este direito, como a pedra de toque, o quid essencial e determinante, na aferição da excessiva onerosidade ou desproporção.

No caso sub judice provou-se que o custo da reparação ultrapassa o preço da empreitada em pouco mais do dobro.

Contudo, este acréscimo, tem certamente como sua causa fulcral, a perspetivação da nova construção com o respeito pelas boas regras da arte construtiva, quer no atinente à necessidade de uma maior grossura do muro, quer, quer no respeitante à sua adequada edificação/inclinação, quer no que tange à utilização de materiais de boa qualidade e à sua adequada colocação na obra.

Obviamente que tudo isto encarece a obra, a qual, se assim fosse edificada pelo réu, certamente que implicaria que ele tivesse subido o preço inicial pedido aos autores.

Acresce que, apesar de comparativamente com este preço inicial, o valor da reparação ser elevado, em termos absolutos não o é assim tanto.

Afinal estamos a falar de um excesso de cerca de 2.250,00 euros, quantia esta que, não provando o réu ter uma situação económico financeira deficitária ou meridianamente debilitada – e, assim, devendo presumir-se  remediada -  não clama a conclusão de que para ele é incomportável.

Pode até dizer-se, a título de conforto, que são os riscos da profissão: umas vezes, numas obras, ganha-se até mais do que se perspetivava; outras vezes, noutras obras, não se ganha tanto ou até se têm prejuízos.      

E devendo ter-se presente que: «O ónus de alegar e provar os factos que eventualmente integrem desproporcionalidade …recai sobre o devedor» - Ac. do STJ de 12.09.2013, p. 1942/07.8TBBNV.L1.S1

Em todo o caso, e se não fosse o réu a assumir os acrescidos encargos da reparação adequada, caberia perguntar: quem os suportaria? A resposta é intuitiva: certamente os autores.

Mas, então, nova pergunta: com que fundamento e obrigação, legal ou moral - os autores deveriam agora gastar mais de 4.500,00 euros numa obra relativamente à qual que lhes foi assegurado pelos réus que podia ser edificada – e bem edificada -  por menos de metade, e sem que para tal acréscimo tenham dado qualquer causa, muito menos censurável, versus o que acontece com os réus?

Obviamente que no confronto dos específicos contornos da situação de cada uma das partes decorrentes dos factos apurados, há indubitavelmente que concluir, ex vi da lei e da ética, que terão de ser os réus a suportar o acréscimo do custo.

5.2.4.

Clamam ainda os recorrentes que  não são obrigados a recolocar em cima do muro a  rede amarrada em postes de cimento pré esforçado e chumbados no topo do dito e que  se danificou com a sua queda.

Isto porque  foram os autores que posteriormente nele colocaram tal rede , qual, assim, é obra inovadora não contratada, não estando abrangida pelo artº 1221º.

Mais uma vez os recorrentes batalham ingloriamente.

Na verdade o artº 1221º reporta-se aos defeitos, tout court.

Mas ele não impede o lesado de ser ressarcido de outros danos que a defeituosa construção, acarrete.

Tal dimana do disposto no artº 1223º que admite a indemnização nos termos gerais e que é um reflexo do artº 483º.

Ademais tais danos podem ser consequência direta ou indireta, mediata ou imediata do facto ilícito, quer seja único quer seja concausal.

Tal ressuma dos princípios gerais em sede de causalidade adequada.

Na verdade, e no que tange à problemática da causalidade adequada, importa ter presente  constituir jurisprudência pacífica do nosso mais Alto Tribunal que:

«Na concepção mais criteriosa da doutrina da causalidade adequada, para os casos em que a obrigação de indemnização procede de facto ilícito culposo, quer se trate de responsabilidade extracontratual, quer contratual - a «formulação negativa de  Enneccerus-Lehman», acolhida no artigo 563.º do Código Civil segundo a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal de Justiça - o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais, extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto»

Ademais:

 «Esta doutrina … não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado».

« …nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:

-- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;

-- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano» -Cfr. entre outros, os Acs. do STJ de 06.11.2002, 29.06.04, 20.10.2005, 07.04.2005 e 13-03-2008 in dgsi.pt, ps. 02B1750, 03B4474, 05B2286, 05B294 e 08A369 e A. Varela, ob. cit. ps. 746/756. 

Ora podendo os autores usar, fruir e retirar do muro, como propriedade sua, as utilidades que, sem prejudicar terceiros, bem lhes aprouvesse – artº 1305º do CC - e tendo tais utilidades sido destruídas pela deficiente construção do muro, é evidente que os demandantes ficaram prejudicados por causa de facto imputável ao réu empreiteiro, pelo que  a eles assiste o direito de, no âmbito e por causa da empreitada, impetrarem a reposição do muro com as obras nele depois por eles efetivadas.

Pois que só assim ficam repostos, in totum, na situação anterior à queda, à qual, repete-se, têm direito.

 

Improcede o recurso.

6.

Sumariando:

I - Se um muro é construído em torno de uma casa para suporte de terras do seu logradouro e a fatura da empreitada respetiva é emitida em nome da dona, poderia dar-se como provado – se mais prova não houvesse, que houve -,  porque lógico e presumível, que  ela, apesar de ser acompanhada pelo pai e sogro dos donos da habitação, foi no interesse e por conta destes.

II - A conclusão sobre a desproporção do custo da reparação dos defeitos de empreitada como fator obstaculizante desta, tem de advir -  ex vi da prevalência da lei pela reparação natural : artº 4º do DL 67/2003  de 08.04. e artºs 562º e 566º do CC, e da perspetivação primacial do direito do lesado à reposição ante factum lesivo -,  de uma interpretação restritiva de tal conceito exigente de um sacrifício exorbitante ou desmesurado para o empreiteiro.

III – Assim, inexiste desproporção, se, numa empreitada com preço de 2238  euros, a reparação dos defeitos ascende a 4.500 euros, se o dono da obra em nada contribui para estes e não se prova grave afetação económico- financeira do empreiteiro.

IV - Colocando o dono da obra rede sobre o muro erigido pelo empreiteiro, e desabando este, assiste aquele o direito a ser reposto na situação anterior, com reedificação do muro e da rede, pois que tal não proíbe o artº 1221º do CC, e o permitem os princípios gerais e a teoria da causalidade adequada na formulação negativa de  Enneccerus-Lehman consagrada na nossa lei.

7.

Deliberação.

Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pelos recorrentes.

Coimbra, 2015.03.10.

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Carlos Moreira ( Relator )

Anabela Luna de Carvalho

Moreira do Carmo