Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4212/18.2T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
INCAPACIDADE PERMANENTE
INDEMNIZAÇÃO
CÁLCULO
AJUDAS DE CUSTO
RETRIBUIÇÃO
RENDIMENTOS ILIQUIDOS
DANO FUTURO
LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 03/31/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JC CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTS.342, 494, 496, 562, 563, 564, 566 CC, 258, 260 CT, 609 Nº2 CPC
Sumário: 1. A incapacidade permanente é, de per si, um dano patrimonial indemnizável pela incapacidade em que o lesado se encontra e encontrará na sua condição física e psíquica, quanto à sua resistência e capacidade de esforços, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto; na fixação da indemnização deverão preponderar critérios de equidade e as soluções adoptadas pela jurisprudência.

2. Na compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.

3. As “ajudas de custo” em sentido próprio (enquanto compensação ou reembolso de despesas feitas por força de deslocações em serviço) não integram o conceito de retribuição, apenas como tal podendo ser considerada a importância abonada que exceda a efectiva cobertura das despesas realizadas, v. g., advindas das deslocações no estrangeiro ou fora da área de laboração em território nacional (art.ºs 260º, n.ºs 1, alínea a) e 2 do Código do Trabalho e 71º, n.º 2 da LAT).

4. Ao A./sinistrado, “colaborador, sócio e gerente” da entidade empregadora e que pretendeu fazer valer a natureza retributiva dessa prestação, cabia o ónus de provar o que com ela estava efectivamente a ser pago e em que medida (art.º 342º, n.º 1 do CC).

5. A indemnização por perdas salariais (e pelo dano patrimonial futuro) poderá ter como base os rendimentos ilíquidos mensais, aplicando-se, depois, os critérios (correctivos) do direito laboral e/ou da equidade.

6. Ficando provado que o A. terá futuramente que ser submetido a uma eventual intervenção cirúrgica para extracção de material osteossíntese, e, ainda, que, tendo em conta o tipo e a localização da fractura sofrida (intra-articular do tornozelo direito), o agravamento das sequelas constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável dessa situação clínica, e não tendo o INML enquadrado e quantificado o mencionado futuro e inevitável agravamento das sequelas segundo a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23.10) e sua eventual repercussão a nível patrimonial e não patrimonial, será de condenar a Seguradora/entidade responsável no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida (art.º 609º, n.º 2 do CPC).

Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. L (…) instaurou a presente acção declarativa comum contra S (…), S. A., pedindo que seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 90 894,20 a título de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, bem como as importâncias a liquidar posteriormente pelos danos que se vierem a verificar em consequência dos factos referidos nos arts. 39º a 44º e 55º e seguintes da petição inicial (p. i.).

 Alegou, em síntese, que ocorreu, em 29.12.2016, cerca das 14.30 horas, na EN n.º 347, localidade de  Q(...), Montemor-o-Velho, um acidente de viação, no qual intervieram o veículo ligeiro de passageiros matrícula (CL), seguro na Ré, propriedade de J (…), Lda., e conduzido por J (…), e o A., como peão, por culpa exclusiva do condutor do CL, do qual resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais que pretende ver ressarcidos.

O Instituto da Segurança Social, IP - Centro Distrital de  (...), pediu a condenação da Ré a reembolsá-la da quantia de € 827,01, a título de subsídio de doença pago ao A. de 01.01.2017 a 08.02.2017, em resultado das lesões decorrentes do dito acidente de viação, acrescida de juros de mora.

A Ré contestou, aceitando a responsabilidade do condutor do veículo por si seguro pela produção do acidente, mas impugnando os danos patrimoniais e não patrimoniais invocados pelo A. e os valores peticionados, pugnando pela absolvição parcial do pedido.

Junto o relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil pelo INML/Delegação do Centro, foi proferido despacho saneador que julgou procedente aquele pedido do Instituto da Segurança Social, firmou o objecto do litígio e enunciou os temas da prova.

Realizada a audiência de julgamento (então, o A. declarou reduzir o pedido no valor de €181,25), o Tribunal a quo, por sentença de 19.7.2019, julgou a acção parcialmente procedente e provada, condenando a Ré a pagar ao A. as quantia líquidas de € 44 631,58 a título de danos patrimoniais[1], acrescida de juros moratórios, a contar da citação, segundo a taxa de 4 % (Portaria n.º 291/03, de 08.4 e art.ºs 804º, 805º, n.ºs 1 e 3 e 806º, n.ºs 1 e 2 do CC) e de € 30 500 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros moratórios à mesma taxa a contar da data da prolação da sentença, e, ainda, as quantias indemnizatórias que vierem a ser liquidadas, em momento posterior à sentença, pelos danos futuros de natureza não patrimonial e patrimonial previsíveis relacionáveis com o agravamento futuro das sequelas, e por inerência, do défice funcional permanente da sua integridade físico-psíquica já fixável em 5 pontos, e a título de custos suportados pelo A. em deslocações necessárias para tratamento.

Inconformada, a Ré apelou formulando as seguintes conclusões:

(…)

O A. respondeu concluindo pela improcedência do recurso.

Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa reapreciar: a) impugnação da decisão relativa à matéria de facto; b) indemnizações por perdas salariais durante o período de “baixa médica” e pela incapacidade geral de 5 pontos; c) compensação pelos danos não patrimoniais; d) indemnização pelos “danos futuros”.                


*

II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos:

1 - No dia 29.12.2016, cerca das 14.30 horas, na Estrada Nacional 347, na localidade de  Q(...), Montemor-o-Velho, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo ligeiro de passageiro marca Volkswagen, modelo Passat, matrícula CL, conduzido por J (…), propriedade de J(…) unipessoal, Lda., e o A. que circulava na estrada como peão.

2 - À data do acidente, a proprietária do veículo havia transferido a responsabilidade civil pelos danos causados a terceiros pela circulação de tal veículo através de contrato de seguro automóvel titulado pela apólice n.º ….

3 - Naquele dia, hora e local, circulava na EN n.º 347, o condutor do veículo CL, na localidade de  Q(...), o qual provinha da localidade de Galeões.

4 - O A. caminhava na mencionada estrada do lado oposto à circulação do veículo seguro na Ré, fazendo-o na berma, bem encostado à parte situada mais à esquerda do asfalto.

5 - O J (…)  iniciou uma ultrapassagem para a qual não tinha espaço para o fazer, vindo, de seguida, a invadir a berma da estrada para não colidir com o veículo que seguia à sua frente e que pretendia ultrapassar, embatendo nas costas do A. com o espelho lateral.

6 - Devido a esse embate, o A. foi projetado ao solo, onde ficou imobilizado, ao lado do asfalto, dentro da valeta.

7 - No local onde ocorreu o embate, a via forma uma recta de pelo menos 800 metros de extensão, a qual permitia a visibilidade do peão por parte do condutor.

8 - Na ocasião, fazia sol, a faixa estava seca e em bom estado de conservação.

9 - Por força do embate, advieram ao A. as lesões, a saber: fractura - luxação da articulação tíbiotársico direita.

10 - Recebeu os primeiros tratamentos no Hospital Distrital da  F(...), EPE …, onde lhe prestaram os cuidados primários, efectuaram diversos tratamentos, limpeza, desinfeção e medicação das feridas, foi submetido a exames radiográficos do toráx, bacia, perna direita e articulação tibiotársica direita e fizeram-lhe diversas análises clínicas.

11 - Face à gravidade do seu estado, foi aí observado pela especialidade de Ortopedia que constatou deformidade do tornozelo direito com luxação evidente, com pulsos pedioso e tibial posterior mantidos; foi aí submetido a uma primeira intervenção cirúrgica, sob efeito de anestesia geral, ao pé direito com vista a estabilização da perna e do pé para colocaram o material de osteofixação, tendo-lhe sido feita uma redução incruente, com manutenção dos referidos pulsos, após o que o A. é internado na Ortopedia. Durante o internamento, a equipa médica diagnosticou que o pé direito não estaria alinhado, tendo-lhe sido efectuada uma osteotaxia a fim de o endireitar, cuja intervenção provocou-lhe dores. Efectuaram-lhe radiografia de controlo ao pé direito do A. pela Ortopedia, a qual revelou subluxação, tendo a equipa médica efectuado nova manipulação ao pé direito no bloco operatório, seguida de nova radiografia de controlo, que revelou melhoria em relação à primeira manipulação, não sendo possível melhor redução, após o que o A. em 02.01.2017 foi submetido a nova cirurgia com vista a endireitar o pé direito. Em data que se desconhece, a Ortopedia realizou tomografia computorizada (TAC) ao pé direito que revelou a presença de fragmento a nível de articulação tíbioperonial que impede a redução completa da articulação, pelo que o A. foi submetido a uma nova cirurgia, em 09.01.2017 com vista a rever o material osteossíntese, tendo sido removidos dois parafusos sindesmóticos, após o que permaneceu internado naquela unidade hospitalar sujeito a diversas análises, tratamentos e medicação diários, tendo-lhe sido dado alta hospitalar em 13.01.2017.

12 - Deste hospital foi enviado para o domicílio com uma tala de gesso no pé com indicação de permanecer com o membro inferior elevado, aplicar gelo local e com repouso absoluto.

13 - Após 16.01.2017, o A. passou a locomover-se com a ajuda de canadianas até 12.4.2017, data em que teve a indicação médica para utilizar apenas uma canadiana.

14 - Quando chegou ao Hospital da  F(...), em 23.02.2017, para a remoção da tala de gesso, foi ainda submetido a mais radiografias para aferir a evolução das lesões e sequelas que teria sofrido no acidente, após o que lhe removeram a tala de gesso posterior e propuseram a extracção de material osteossíntese.

15 - O A. foi internado, em 15.3.2017, no Centro Hospital …, em (...), e foi logo submetido a uma cirurgia para extracção do material (alguns parafusos) sob efeito de anestesia geral, tendo permanecido internado até 16.3.2017, data em que lhe foi dada alta hospitalar, e remetido para o domicílio, com indicação de aí permanecer em repouso absoluto.

16 - Entre 23.3.2017 e 02.6.2017, o A. realizou 45 sessões diárias de fisioterapia, por conta da Ré, no CENTRO HOSPITAL …, em  (...), para recuperação das lesões sofridas no pé direito, após as quais mantinha ainda sintomatologia álgica na tibiotársica direita ao movimento e em carga e continuava com dores fortes, motivo pelo qual recorreu a um outro especialista em ortopedia, que lhe prescreveu mais sessões de fisioterapia, vindo a realizar 16 sessões de fisioterapia na Clínica … em  (...), entre 27.6.2017 e 03.11.2017, a suas expensas, no valor global de € 455.

17 - O A., dado existirem outros parafusos, terá futuramente que ser submetido a uma eventual intervenção cirúrgica para extracção de material osteossíntese.

18 - O A. foi submetido a um Raio X e TAC com reformatação tridimensional ao pé direito que lhe foi efectuado em 08.3.2018, o qual revelou sequelas de natureza traumática tíbio társica direita com afundamento da superfície articular na vertente posterior da tíbia.

19 - A evolução das lesões decorrentes do acidente de viação até à data da consolidação médico-legal das lesões sofridas pelo A., fixável em 05.9.2017, demandaram-lhe um défice funcional temporário de 25 dias, que se terá situado entre 29.12.2016 e 16.01.2017 e 15.3, e 20.3.2017, acrescidos de 8 dias para eventual cirurgia de extracção do material osteossíntese, e um défice funcional. À data da consolidação médico-legal de tais lesões, advieram ao A. como sequelas definitivas e permanentes, a saber: Membro inferior direito: duas cicatrizes nacaradas, quase inaparentes, no terço por 0,5 cm de largura e a menor medindo 0,3 cm de diâmetro; duas cicatrizes nacaradas de características operatórias, longitudinais uma em cada região maleolar, a maior, medial, medindo 4,5 cm de comprimento, e a menor, lateral, medindo 2 cm de comprimento; cicatriz de características operatórias, linear, longitudinal, na região maleolar lateral, posteriormente, à descrita na mesma localização, medindo 7,5 cm de comprimento; três cicatrizes nacaradas, lineares, na fase medial do pé, a maior medindo 1 cm de comprimento e a menor medindo 0,4 cm de comprimento; amiotrofia da coxa de 2 cm relativamente ao membro contralateral (medindo 10 cm proximamente ao pólo superior da patela); amiotrofia da perna de 2 cm relativamente ao membro contralateral (medindo 10 cm distalmente ao pólo superior da patela), sem encurtamento clínico aparente; rigidez do tornozelo (dorsiflexão 0º, com flexão plantar conservada (30º); ligeiro enfrossamento do tornozelo, sem instabilidades aparentes; movimentos de inversão e eversão simétricos e conservados e claudicação da marcha, sendo que as cicatrizes, amiotrofias e claudicação da marcha implicam um dano estético permanente fixável no grau 3 numa escala de sete graus de gravidade crescente e a rigidez do tornozelo direito com perda de dorsiflexão ao ponto de não poder permanecer muito tempo de pé, demanda ao A. um défice funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos, compatível com o exercício da sua actividade profissional habitual de sondador ao serviço da empresa H(…), Lda, da qual é também seu sócio e gerente, mas implicando esforços suplementares, e bem assim, tendo em conta o tipo e a localização de fractura (intra-articular do tornozelo direito) perspectiva-se o agravamento das sequelas, sendo de admitir dano futuro.[2]

20 - À data do acidente de viação, o A. auferia o vencimento mensal base ilíquido de € 900 e o subsídio de natal e de férias do mesmo montante e o vencimento médio mensal base líquido de € 813,25, acrescido de subsídio de alimentação médio mensal de 88,50 durante 11 meses.

21 - À data do acidente de viação, tendo em conta o último ano até à data da ocorrência do acidente, o A. auferia, ainda, a quantia média mensal de, pelo menos, € 2 223, a título de ajudas de custas[3], na medida em que se encontrava a laborar na República do Congo por conta de um projecto estatal denominado “ (...)”.

22 - A Ré liquidou ao A. durante os dias em que esteve total e temporariamente incapacitado para o trabalho durante 251 dias (desde 29.12.2016 a 05.9.2017), a título de perdas salariais, a quantia global de € 5 589,19.

23 - Do acidente de viação dos autos, resultou ainda a destruição/perda das calças, camisola, camisa e calçado que o A. trazia consigo, no valor global de € 200.

24 - Resultaram ainda as seguintes despesas em consequência mediata do acidente: a) € 71,62 com taxas moderadoras, exames médicos, consultas e medicamentos, em hospitais/clínicas, e b) com deslocações para tratamento, cujo montante não se logrou apurar.

25 - O A. nasceu a 27.12.1971.

26 - À data do acidente, o A. era uma pessoa trabalhadora, alegre, jovial, destemido, empreendedor, activo, dinâmico e responsável, por quem toda a gente, nutria profunda admiração e carinho.

27 - Em face das sequelas físicas definitivas e permanentes aludidas em 19), o A. sofre de desgosto e abalo moral.

28 - Devido à sua actividade laboral, o A. conduz camiões e grandes máquinas industrias e instintivamente receia lesionar-se novamente, pelo que não tem tanta agilidade e destreza no terreno.

29 - À data do acidente, e no desempenho da sua actividade profissional habitual, era ele que orientava as equipas de trabalho, e em resultado das sequelas físicas permanentes aludidas supra, que implicam esforços acrescidos no seu desempenho, tem receio de molestar o tornozelo e pé direitos.

30 - Por força do tipo de traumatismo sofrido, das lesões resultantes do acidente de viação, do período de recuperação funcional até à data da consolidação médico-legal fixável em Setembro de 2017 e dos tratamentos efectuados (cinco cirurgias e numerosas sessões de fisioterapia), o A. teve dores físicas e sofrimento psíquico fixável no grau 6 numa escala de 7 graus, a título de quantum doloris.

31 - Em razão do acidente de viação, tipo de traumatismo sofrido, período de recuperação funcional, tratamentos efectuados (cinco cirurgias e fisioterapia) e dores físicas suportadas, pelo menos, durante o período de recuperação funcional até à data da consolidação médico-legal, o A. passou a andar triste e amargurado, procurando evitar os amigos, refugiando-se sozinho em casa, por se ver incapacitado de cumprir com os compromissos assumidos tanto ao nível profissional como pessoal, tendo deixado de privar fora de casa, quer com amigos e com familiares, quer com colegas da sua empresa e até com os seus filhos e sua esposa.[4]

32 - Após a alta hospitalar, em 16.01.2017 e até à retirada da tala gessada posterior, em 23.02.2017, o A. necessitou da ajuda duma terceira pessoa (a sua mulher) para tomar banho.

33 - Devido ao acidente dos autos, o A. não pôde deslocar-se para a República do Congo, cuja viagem estava agendada para o dia 04.01.2017, onde a empresa H (…), Lda., da qual é sócio tinha sido subcontratada pelas empresas A (…), Ltd. e C (…)Lda..

34 - Durante o período em que esteve totalmente incapacitado de desempenhar a sua actividade profissional habitual, o sofrimento do A. aumentava sempre que se apercebia que a sua empresa e trabalhadores dependiam do seu regresso.

35 - A Segurança Social pagou ao A. a quantia de € 827,01, a título de subsídio de doença, relativamente ao período de 01.01.2017 a 08.02.2017 de incapacidade para o trabalho, por força do acidente de viação dos autos.

2. E deu como não provado:

a) - Em consequência das lesões sofridas no embate, o A. ainda apresenta queixas dolorosas no tornozelo direito após marchas prolongadas e alterações climatéricas, inchando, por vezes, de manhã e no final do dia.

b) - À data do acidente, auferia, ainda, a remuneração da quantia mensal de € 180 pela utilização de uma viatura.

c) - Atendendo à sua parca mobilidade e à sua dificuldade em subir e descer escadas, o A. viu-se obrigado a acondicionar um quarto que servia de escritório no R/C da sua moradia e transformá-lo em quarto onde aí pernoita e onde aí permanece até hoje e comprar mobília no valor de € 1 400.

3. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

a) A Ré/apelante insurge-se contra a decisão relativa à matéria de facto, invocando a prova pessoal, pericial e documental produzida nos autos e em audiência de julgamento, pugnando para que se modifique a matéria de facto referida em II. 1. 19. (parte final) e 21., supra, na forma indicada sob as “conclusões 14ª e 15ª”, ponto I, supra, ciente que da sua eventual alteração poderá resultar diverso enquadramento normativo susceptível de determinar diferente desfecho da acção.

Antolha-se assim fundamental saber se outra poderia/deveria ser a decisão do Tribunal a quo quanto à factualidade em causa.

b) Esta Relação procedeu à audição da prova pessoal produzida em audiência de julgamento, conjugando-a com a prova documental e pericial junta aos autos.

c) Pese embora a maior dificuldade na apreciação da prova (pessoal) em 2ª instância, designadamente, em razão da não efectivação do princípio da imediação[5], afigura-se, no entanto, que, no caso em análise, tal não obstará a que reanalise, designadamente, a credibilidade das testemunhas e verifique se os depoimentos foram apreciados de forma razoável e adequada.

E na reapreciação do material probatório disponível por referência à factualidade em causa, releva igualmente o entendimento de que a afirmação da prova de um certo facto representa sempre o resultado da formulação de um juízo humano e, uma vez que este jamais pode basear-se numa absoluta certeza, o sistema jurídico basta-se com a verificação de uma situação que, de acordo com a natureza dos factos e/ou dos meios de prova, permita ao tribunal a formação da convicção assente em padrões de probabilidade[6], capaz de afastar a situação de dúvida razoável.

d) Na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o Mm.º Juiz a quo afirmou ter levado em atenção, sobretudo, o teor dos documentos juntos aos autos e o relatório da perícia.

Contudo, salvo o devido respeito por opinião em contrário, afigura-se que a factualidade em apreço reclama uma mais pormenorizada concretização da realidade, considerados os meios de prova disponíveis e as soluções plausíveis da questão de direito.

Apreciando.

No tocante à parte final da matéria de facto aludida em II. 1. 19., supra, segmento «(…) e bem assim, tendo em conta o tipo e a localização de fractura (intra-articular do tornozelo direito) perspectiva-se o agravamento das sequelas, sendo de admitir dano futuro», face ao teor da “Discussão” e das “Conclusões” do mencionado relatório da Delegação do Centro do INML (de 28.12.2018), a resposta não poderá reproduzir, apenas, o que se fez constar de tais “Conclusões” - onde se escreveu, tão-somente, “sendo de admitir a existência de Dano Futuro” -, devendo antes convocar e assumir o juízo técnico e científico expresso naquela “Discussão” [«Na situação em apreço, tendo em conta o tipo e a localização de fractura sofrida (factura intra-articular do tornozelo direito), é de perspectivar a existência de Dano Futuro (´considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico`), o que pode obrigar a uma futura revisão do caso.»], em linha, de resto, com o relatório clínico de 02.4.2018 (onde se menciona que “tal situação evoluirá inexoravelmente para uma artrose do tornozelo direito, razão pela qual lhe deve ser atribuído Dano Futuro”) (cf. o documento de fls. 22 verso ).

Relativamente à factualidade do ponto II. 1. 21., se nenhuma dúvida suscita a matéria conexa do ponto anterior [referente à retribuição base mensal ilíquida de € 900 - que se terá mantido nos anos de 2017 e 2018 (cf. documento de fls. 52 e 53) -, subsídios de natal e de férias do mesmo montante, vencimento médio mensal base líquido de € 813,25 e subsídio de alimentação médio mensal de 88,50 durante 11 meses], releva ainda, por um lado, o depoimento da testemunha C (…) [sócia gerente da H (…) Lda., desde a sua criação em Outubro de 2006, conjuntamente com o A. e a testemunha (…); empresa que desenvolve a actividade sondadora desde Outubro de 2010 - fls. 146; afirmou, designadamente: O A. estava na República Democrática do Congo, no desenvolvimento de um “projecto” de subempreitada; “vinha cá de férias”; “tiveram de fazer subcontratações de empresas de lá, (…) só que as coisas não correram bem…”; “ele estava no nosso projecto” desde “Outubro/2013”, data do início, envolvendo a realização de “quatro mil furos”; “a conclusão não tinha tempo…, nós fizemos quase dois mil furos…”; “nós começámos a falhar…” (“nós não éramos contratados directamente, era uma subcontratação”) por “motivos de força maior” e “eles arranjaram outra empresa”; “estivemos lá até ao final de 2017”] e, por outro lado, o que decorre dos documentos de fls. 24 verso a 27, 52 a 54, 58 a 63, 64 a 69 e 134 a 140, nomeadamente:

- Nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Setembro, Outubro e Novembro de 2016, o A. recebeu da sociedade H(…), Lda., de que é sócio e gerente, a título de “Ajudas de Custo - Estrangeiro”, as quantias de € € 1 966,50, € 2 479,50, € 2 650,50, € 2 565, € 2 650,50, € 2 565, € 2 650,50, € 2 223, € 2 223 e € 1 710, respectivamente;

- No mês de Agosto de 2016, o A. recebeu da sociedade H(…), Lda., a título de “Ajudas de Custo - Nacional”, a quantia de € 860,64;

- Enquanto permaneceu na República Democrática do Congo, na “instalação de bombas”, foi-lhe atribuída a importância diária de € 85,5 a título de “ajudas de custo”; no mês de Agosto, sob a descrição “serviços administrativos no Alentejo”, recebeu a quantia diária de € 39,12 também a título de “ajudas de custo”;

- No extracto de remunerações da Segurança Social dos anos de 2016, 2017 e 2018 consta a remuneração base mensal de € 900 e ajudas de custo e transportes no montante mensal de € 225;

- Nas declarações para IRS dos anos de 2016 e 2017, o A. declarou o rendimento bruto anual de € 13 735,44 e € 7 476,96, respectivamente;

- O A., “colaborador, sócio e gerente” da H (…) Lda., exerceu, desde 16.10.2010, as funções de sondador, técnico instalador de bombas e responsável de sistemas de rega, na implementação das quais também exercia tarefas de supervisão e gestão das equipas no terreno (“parte financeira da equipe, nomeadamente, controle das notas de alimentação, hospedagem e transporte”).

4. Considerados tais meios de prova, importa, pois, modificar a decisão sobre a factualidade objecto de impugnação.

Por conseguinte, deferindo parcialmente a impugnação da Ré:

a) O ponto 19. (II. 1. 19., supra) mantém a redacção inicial até “esforços suplementares” e o dito segmento final autonomiza-se com o seguinte conteúdo:

19-A - Tendo em conta o tipo e a localização da fractura sofrida (intra-articular do tornozelo direito), o agravamento das sequelas constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável de tal quadro clínico.

b) À restante factualidade (II. 1. 21., supra), responde-se assim:

21 - À data do acidente de viação, o A., enquanto “colaborador, sócio e gerente” da H (…), Lda., encontrava-se a laborar na República Democrática do Congo num Projecto Estatal denominado “ (...)”.

21-A - No ano de 2016, o A. recebeu, a título de ajudas de custo, o valor de € 85,50 por cada dia que se encontrasse deslocado no estrangeiro, e a importância de € 39,12 se estivesse deslocado no Alentejo, tendo sido compensado, a esse título, de Janeiro a Novembro, com as quantias mensais de € 1 966,50, € 2 479,50, € 2 650,50, € 2 565, € 2 650,50, € 2 565, € 2 650,50, € 860,64 (Agosto), € 2 223, € 2 223 e € 1 710, respectivamente - naquele período, o A. permaneceu na República Democrática do Congo, excepto o mês de Agosto em que esteve deslocado no Alentejo.

21-B - O A. só recebia tais quantias se, no desempenho da sua actividade profissional, se encontrasse deslocado fora do seu local de trabalho.

21-C - O projecto na República Democrática do Congo estava temporalmente limitado, nomeadamente até à conclusão de 4 000 furos nesse país.

Termos em que procede, parcialmente, a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

            5. Inquestionada a responsabilidade pela reparação dos danos decorrentes do acidente, transferida para a Ré em razão do contrato de seguro dito em II. 1. 2., supra, resta, assim, reapreciar a indemnização por perdas salariais e pela incapacidade permanente (danos patrimoniais futuros), a compensação por danos não patrimoniais e a indemnização (a liquidar) por danos futuros.

6. A obrigação de indemnizar tem como finalidade precípua a remoção do dano causado ao lesado.

Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação (art.º 562º do Código Civil/CC), obrigação que apenas existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão (art.º 563º do CC).

Têm a natureza de dano não só o prejuízo causado (dano emergente) como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão, sendo atendíveis danos futuros, desde que previsíveis (art.º 564º do CC).

O nosso legislador acolheu prioritariamente a via da reconstituição natural (art.º 566º, n.º 1, do CC) e, sempre que a indemnização é fixada em dinheiro, determina que se fixe por referência à medida da diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos (art.º 566º, n.º 2, do CC).

Se não puder ser averiguado o valor exacto do dano, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados (n.º 3, do mesmo art.º).

São compensáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (art.º 496º, n.º 1, do CC).

Os danos não patrimoniais não são por sua própria natureza passíveis de reconstituição natural e, em rigor, não são indemnizáveis mas apenas compensáveis pecuniariamente, compensação que não é o preço da dor ou de qualquer outro bem não patrimonial, mas, sim, uma satisfação concedida ao lesado para minorar o seu sofrimento ou “que contrabalance o mal sofrido”.

A lei remete a fixação do montante indemnizatório por estes danos para juízos de equidade, haja mera culpa ou dolo (art.º 496°, n.º 3, 1ª parte, do CC[7]), tendo em atenção os factores referidos no art.º 494° do CC.

7. Desde há muito se firmou o entendimento de que, em razão da extrema dificuldade e delicadeza da operação de “quantificação” dos danos não patrimoniais e não obstante a infinita diversidade das situações, dever-se-ão ter presentes os padrões usuais de indemnização estabelecidos pela jurisprudência corrigidos por outros factores em que se atenda à época em que os factos se passaram, à desvalorização monetária, etc.[8]

Assim, o julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, sem esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.

A indemnização por danos não patrimoniais não se destina obviamente a repor as coisas no estado anterior, mas tão só a dar ao lesado uma compensação pelo dano sofrido, proporcionando-lhe situação ou momentos de prazer e alegria que neutralizem, quanto possível, a intensidade da dor física ou psíquica sofrida.[9]

Para a determinação da compensação por danos não patrimoniais, o tribunal há-de assim decidir segundo a equidade, tomando em consideração a culpabilidade do agente, a dialéctica comparativa das situações económicas do lesante/responsável e do lesado[10] e as demais circunstâncias do caso, bem como as exigências do princípio da igualdade.[11]

Ademais, na fixação do montante compensatório dos danos não patrimoniais associados à violação de certos tipos de bens pessoais (v. g., vida, integridade física, honra, personalidade moral), os ditames da equidade devem sobrepor-se à necessidade de salvaguarda da segurança jurídica.[12]

8. Relativamente à problemática da reparação dos danos patrimoniais derivados de uma situação de incapacidade permanente tem vindo a ser entendido, maioritariamente, que há lugar ao arbitramento de indemnização, por danos patrimoniais, independentemente de não se ter provado que o autor, por força de uma IPP que sofreu, tenha vindo ou venha a suportar qualquer diminuição dos seus proventos conjecturais futuros, isto é, uma diminuição da sua capacidade geral de ganho, considerando-se, designadamente, que a IPP é um dano patrimonial indemnizável, independentemente da prova de um prejuízo pecuniário concreto dela resultante, dada a inferioridade em que o lesado se encontra na sua condição física, quanto a resistência e capacidade de esforços; a IPP produz um dano patrimonial, traduzido no agravamento da penosidade para a execução, com normalidade e regularidade, das tarefas próprias e habituais da actividade profissional do lesado, que se repercutirá em diminuição da condição e capacidade física e da resistência para a realização de certas actividades e correspondente necessidade de um esforço suplementar, o que em última análise representa uma deficiente e imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das actividades humanas em geral e um maior dispêndio e desgaste físico e psíquico.[13]

9. Como critérios de determinação do valor dos danos correspondentes à perda de ganho tem-se lançado mão de vários métodos e tabelas de cálculo, de pendor matemático e financeiro, que a jurisprudência, depois de uma fase de progressiva aceitação, embora sempre sem perder de vista que elas não representam mais que métodos de cálculo, vem acentuando que, apesar da sua reconhecida utilidade, assumem natureza meramente indicativa em vista da justa e equilibrada, e tanto quanto possível uniforme, aplicação dos princípios legalmente acolhidos, mas não dispensam a intervenção do prudente arbítrio do julgador com recurso à equidade, o que, de resto, deve suceder com qualquer outro critério abstracto que, decerto por isso, o legislador não adoptou.

Assim se afirma progressivamente a preferência pela avaliação equitativa, sendo aqueles métodos de cálculo tabelas meramente referenciais ou indiciárias, só revelando como meros instrumentos de trabalho, com papel adjuvante, que não poderão substituir o prudente arbítrio do tribunal e a preponderante equidade (art.ºs 564º, n.º 2 e 566º, n.º 3 do CC).[14]

10. Uma das principais questões colocadas no recurso respeita à forma de cálculo das indemnizações devidas, importando saber, pois, se as parcelas/factores em causa integram ou não as importâncias pagas a título de ajudas de custo e de subsídio de alimentação.

Ora, considerados os factos dados como provados em II. 1. 20. e II. 1. 21. a 21-C, supra (cf. a modificação da decisão da matéria de facto aludida em II. 4., supra), e o preceituado, nomeadamente, nos art.ºs 258º e 260º do Código do Trabalho (aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12.02)[15] e 71º da Lei n.º 98/2009, de 04.9 (que regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais)/LAT[16], e sabendo-se, ainda, que o A. e a sociedade H (…), Lda., nunca enjeitaram o enquadramento dos valores pagos a título de ajudas de custo, vendo-os como não tributáveis para efeitos de IRS (por não constituírem retribuição do trabalho) (cf., v. g., o requerimento do A. de 25.9.2018), antolha-se evidente que tais valores não deverão integrar as parcelas do cômputo indemnizatório.[17]

Na verdade, sendo correcto o entendimento de que as "ajudas de custo" em sentido próprio (entendidas enquanto compensação/indemnização ou reembolso de despesas feitas por força de deslocações em serviço) não integram o conceito de retribuição, apenas como tal podendo ser considerada a importância abonada que exceda a efectiva cobertura das despesas realizadas, cabia ao A., que alegou/invocou ou pretende fazer valer a natureza retributiva dessa prestação, o ónus de provar o que com ela estava efectivamente a ser pago e em que medida (art.º 342º, n.º 1 do CC) [18], tanto mais que era “colaborador, sócio e gerente” da entidade pagadora (cf. II. 1. 21. e II. 4., supra), sendo evidente que o A. não invocou e demonstrou se e em que medida as importâncias percebidas sob tal designação excediam o montante das despesas advindas das deslocações no estrangeiro ou fora da área de laboração habitual em território nacional.

De igual modo, também não foi alegado e demonstrado que as importâncias pagas como subsídio de alimentação excedessem os gastos/custos com a alimentação do A..

Importa ainda destacar que o cálculo das indemnizações no domínio da sinistralidade civil e laboral é feito, normalmente, a partir dos valores ilíquidos habitualmente percebidos pelos sinistrados (cf. o art.º 71º, n.ºs 1 a 3 da LAT) e, por outro lado, a importância crescente dada à equidade no cálculo das indemnizações pelo dano no direito civil.[19]

            11. Em consequência directa e necessária do acidente, o A., que nasceu a 27.12.1971, ficou portador de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 5 pontos, compatível com o exercício da sua actividade profissional habitual de sondador ao serviço da empresa H(…), Lda., da qual é também seu sócio e gerente, mas implicando esforços suplementares, pois as sequelas físicas permanentes que agora o afectam (rigidez do tornozelo direito com perda de dorsiflexão ao ponto de não poder permanecer muito tempo de pé) implicam esforços acrescidos no desempenho da sua actividade profissional, tendo ainda receio de molestar o tornozelo e pé direitos [cf. II. 1. 19., 25. e 29., supra] e, naturalmente, no desenvolvimento de outras actividades em geral que impliquem idêntico esforço físico, o que o limitará ou impedirá no exercício dalgumas delas [admitindo-se, pois, o surgimento de patologias provavelmente incapacitantes, de forma parcial e futura, sendo que, no domínio da sinistralidade cível, não será possível a “revisão da incapacidade”..., circunstância que, diga-se, considerados os factos provados em II. 1. 19-A/ponto II. 4., supra, aponta no sentido de se dever condenar no que se vier ainda a liquidar, como se reafirmará e determinará a final].

            O A., à data do acidente, tinha 45 anos de idade e auferia um rendimento mensal ilíquido de € 900 [cf. II. 1. 20., supra].

             Sendo inequívoca a descrita limitação funcional, encontra-se, pois, justificada a atribuição de uma quantia para ressarcimento de danos patrimoniais futuros.

            Dadas as dificuldades inerentes à fixação da pretendida e devida indemnização, pensamos que se deverá atender, sobretudo, a critérios de equidade e aos valores que têm sido atribuídos pela jurisprudência em situações similares.

            Por conseguinte, considerando ainda que a vida activa do A. se desenvolverá, pelo menos, até aos 70 anos de idade[20], e atentos os demais elementos disponíveis (mormente, a data da consolidação das lesões - cf. II. 1. 22. e 30. supra), afigura-se que a indemnização deverá ser fixada no montante de € 12 500 (doze mil e quinhentos euros), que reparará adequadamente os prejuízos decorrentes da descrita limitação funcional e com repercussão na esfera patrimonial do A..[21]

12. Relativamente às perdas salariais do período de incapacidade temporária (ITA) de 251 dias (29.12.2016 a 05.9.2017), atendendo ao valor ilíquido do salário mensal de € 900 (aceite pelas partes) e ao critério seguido em matéria de acidentes de trabalho (art.º 48º, n.º 3, alínea d) da Lei n.º 98/2009, de 04.9), e levando ainda em conta a necessidade de considerar os proporcionais de subsídios de férias e de natal[22], encontra-se o valor global de € 6 149,50 (€ 900 : 30 x 251 x 0,7 + € 900 x 0,7 x 251:360 x 2).

Como o A. já recebeu, da Ré e da Segurança Social, as importâncias de € 5 589,19 + € 827,01 (cf. II. 1. 22. e 35., supra), conclui-se que nada mais lhe é devido, com a consequente absolvição nessa parte do pedido.

13. Ficou ainda provado, nomeadamente: o A. sofreu fractura - luxação da articulação tíbiotársico direita; em virtude de tais lesões foi submetido a internamentos hospitalares e efectuou diversos tratamentos, exames (designadamente, Raio X e TAC), análises clínicas; foi submetido a cinco intervenções cirúrgicas, algumas, sob efeito de anestesia geral; esteve sujeito às limitações derivadas do seu estado clínico, em razão, designadamente, da aplicação de uma tala de gesso no pé com indicação de permanecer no domicílio com o membro inferior elevado e em repouso absoluto,  locomoção com a ajuda de canadianas até 12.4.2017 (data em que teve a indicação médica para utilizar apenas uma canadiana) e, após a alta hospitalar, em 16.01.2017 e até à retirada da tala gessada posterior, em 23.02.2017, ter necessitado da ajuda da sua mulher para tomar banho; de 23.3.2017 a 02.6.2017 e 27.6.2017 a 03.11.2017, realizou 61 sessões diárias de fisioterapia para recuperação das lesões sofridas no pé direito, sendo que findo aquele primeiro período mantinha ainda sintomatologia álgica na tibiotársica direita ao movimento e em carga e continuava com dores fortes; esteve (totalmente) incapacitado até 05.9.2017 (data da consolidação médico-legal das lesões sofridas); apresenta, desde já, como sequelas definitivas e permanentes, no membro inferior direito, diversas cicatrizes, amiotrofia da coxa de 2 cm relativamente ao membro contralateral, amiotrofia da perna de 2 cm relativamente ao membro contralateral, rigidez do tornozelo e claudicação da marcha, o que implica um dano estético permanente fixável no grau 3/7 e a rigidez do tornozelo direito com perda de dorsiflexão ao ponto de não poder permanecer muito tempo de pé, demanda ao A. o referido défice funcional permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 5 pontos; era alegre, destemido, empreendedor, activo e dinâmico mas, em face das ditas sequelas, sofre de desgosto e abalo moral, receia lesionar-se novamente (e de molestar o tornozelo e pé direitos) e possui menor agilidade e destreza; teve dores físicas e sofrimento psíquico fixável no grau 6 numa escala de 7 graus (quantum doloris); passou a andar triste e amargurado, procurando evitar os amigos, refugiando-se em casa, por se ver incapacitado de cumprir com os compromissos assumidos tanto ao nível profissional como pessoal, tendo deixado de privar fora de casa, quer com amigos e com familiares, quer com colegas da sua empresa e até com os seus filhos e sua esposa (sequelas com «Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7», limitação consubstanciada, nomeadamente, no facto de «ter deixado de jogar futebol com os amigos por não ser capaz de correr devido às dores que refere e ao défice de mobilidade que apresenta no tornozelo direito»); durante o período em que esteve totalmente incapacitado de desempenhar a sua actividade profissional habitual, o seu sofrimento aumentava sempre que se apercebia que a sua empresa e trabalhadores dependiam do seu regresso [cf., sobretudo, II. 1. 9. a 16., 18., 19., 25. a 32. e 34., supra, e o teor do relatório pericial de fls. 97/103].

Perante o descrito quadro fáctico, afigura-se que a compensação por tais danos não patrimoniais se deverá fixar na importância de € 22 500 (vinte e dois mil e quinhentos euros), reportada à data da decisão final em 1ª instância, quantia que será equitativa, razoável e ajustada à situação concreta no confronto com as situações com alguma similitude versadas nas decisões dos tribunais superiores[23] - e na plena afirmação das exigências da equidade, da proporcionalidade e da igualdade -[24], conferindo, pois, o devido relevo ao tipo de bem violado e à natureza, intensidade e extensão dos danos.[25]

Apesar do reclamado a esse título na p. i. (art.ºs 65º, 67º e 77º), nada obsta à fixação daquele montante, já que, tratando-se de uma acção de indemnização decorrente de acidente de viação, é pacificamente aceite que, formulados diversos pedidos (com base em danos patrimoniais e não patrimoniais), os limites da condenação previstos no art.º 609º do CPC devem reportar-se ao pedido global.[26]

14. Também ficou demonstrado que o A., dado existirem outros parafusos, terá futuramente que ser submetido a uma eventual intervenção cirúrgica para extracção de material osteossíntese; e, tendo em conta o tipo e a localização da fractura sofrida (intra-articular do tornozelo direito), o agravamento das sequelas constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável de tal quadro clínico (cf. II. 1. 17. e 19-A, e II. 4., supra).

O Mm.º juiz a quo considerou estarmos perante dano futuro não quantificável pelo INML, e que o arbitramento da indemnização por este dano, a título de lucro cessante, terá de ser relegado para liquidação (cf. art.ºs 565º do CC e 609º, n.º 2, do CPC), uma vez que não é possível averiguar o seu valor exacto, ainda que, com recurso à equidade pelo tribunal dentro dos limites tidos por provados (cf. art.º 566º do CC).

Daí que haja relegado para liquidação ulterior de sentença o arbitramento da indemnização pelo dano patrimonial futuro (danos patrimoniais e não patrimoniais futuros relacionáveis com o agravamento das sequelas), no que tange ao agravamento do défice funcional permanente parcial da integridade físico-psíquica de 05 pontos e a título de custos suportados pelo A. em deslocações necessárias para tratamento.

Se bem virmos, a Ré/recorrente acaba por se conformar com o referido entendimento (cf., sobretudo, os pontos 13., 24., 84., 159. e 160. da fundamentação das alegações de recurso e a “conclusão 24”, ponto I, supra).

Por conseguinte, atendendo a que o INML não enquadrou e quantificou o mencionado futuro e inevitável agravamento das sequelas segundo a Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil (aprovada pelo DL n.º 352/2007, de 23.10) (cf. o aludido relatório de 28.12.2018 )[27], à regra da impossibilidade de revisão da incapacidade em direito civil (revisão apenas prevista no direito laboral - art.º 70º da LAT) e não se tratando, in casu, de condenação em relação a eventos danosos futuros e incertos (sentença condicional - “em que a incerteza recai sobre o sentido da própria decisão e que, em princípio, não são admitidas no nosso sistema”)[28] mas reportada a evento danoso habitual e inexorável/inelutável, conclui-se que o dito segmento da sentença recorrida não merece qualquer censura.

15. Procedem, desta forma, parcialmente, as “conclusões” das alegações de recurso.[29]


*

            III. Pelo exposto, na parcial procedência da apelação (revogando/alterando parcialmente a sentença recorrida):

            a) - Altera-se a decisão de facto como se indica em II. 4, supra;

            b) - Absolve-se a Ré da indemnização por “perdas salariais”;

            c) - Condena-se a Ré a pagar ao A. a indemnização pela perda da capacidade de ganho no montante de € 12 500 (doze mil e quinhentos euros) e a compensação por danos não patrimoniais na quantia de € 22 500 (vinte e dois mil e quinhentos euros);

d) - No mais mantém-se o decidido em 1ª instância, inclusive, quanto à liquidação dita em II. 14., supra, atenta aquela modificação da decisão de facto.

Custas a cargo do A. e da Ré, sendo na 1ª instância na proporção do decaimento e no recurso em partes iguais.                  

                                                                    *


31.3.2020

Fonte Ramos ( Relator )

Alberto Ruço

Vítor Amaral


[1] Com a rectificação determinada pelo despacho de 02.12.2019 (art.ºs 613º, n.º 2 e 614º, n.ºs 1 e 2, do CPC).
[2] A respeito deste último “dano”, consta do mencionado relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito civil: «Na situação em apreço, tendo em conta o tipo e a localização de fractura sofrida (factura intra-articular do tornozelo direito), é de perspectivar a existência de Dano Futuro (´considerando exclusivamente como tal o agravamento das sequelas que constitui uma previsão fisiopatologicamente certa e segura, por corresponder à evolução lógica, habitual e inexorável do quadro clínico`), o que pode obrigar a uma futura revisão do caso.», o que, como se verá infra (II. 3. e II. 4.) releva para a adequada configuração da realidade factual.
[3] Existirá lapso manifesto, porquanto se trata de “ajudas de custo”.
[4] Fez-se constar do mesmo relatório da perícia, designadamente, nas “Conclusões”, que o A. passou a ser portador de sequelas com «Repercussão Permanente nas Actividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 2/7», limitação consubstanciada no «facto de (…) ter deixado de jogar futebol com os amigos por não ser capaz de correr devido às dores que refere e ao défice de mobilidade que apresenta no tornozelo direito, bem como pelas limitações que menciona no desempenho de algumas tarefas agrícolas

[5] Vide, entre outros, Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, págs. 284 e 386 e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. II, 4ª edição, 2004, págs. 266 e seguinte.
[6]Refere-se no acórdão da RP de 20.3.2001-processo 0120037 (publicado no “site” da dgsi): A prova, por força das exigências da vida jurisdicional e da natureza da maior parte dos factos que interessam à administração da justiça, visa apenas a certeza subjectiva, a convicção positiva do julgador. Se a prova em juízo de um facto reclamasse a certeza absoluta da verificação do facto, a actividade jurisdicional saldar-se-ia por uma constante e intolerável denegação da justiça.   
[7] Redacção que se manteve, a da 1ª parte do n.º 4 do mesmo art.º, na redacção conferida pela Lei n.º 23/2010, de 30.8.

[8] Vide, de entre vários, os acórdãos da RL de 20.02.1990 e da RP de 07.4.1997, in CJ, XV, 1, 188 e XXII, 2, 204, respectivamente.

[9] Vide Vaz Serra, BMJ 278º, 182.
[10] Vide Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, pág. 214 e ainda, entre outos, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 474.
   Propendemos, assim, para o entendimento sufragado nas referidas anotações, de sentido contrário àquela que parece ser a posição adoptada pelo STJ, entre outros, nos acórdãos de 24.4.2013-processo 198/06.TBPMS.C1.S1 e 07.5.2014-processo 436/11.1TBRGR.L1.S1, publicados no “site” da dgsi.
[11] Cf., de entre vários, o acórdão do STJ de 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[12] Cf., entre outros, o acórdão do STJ de 09.9.2014-processo 654/07.7TBCBT.G1.S1, publicado no “site” da dgsi.
[13] Vide, de entre vários, os acórdãos do STJ de 13.01.2009-processo 08A3734, 26.11.2009-processo 2659/04.0TJVNF.P1.S1, 17.12.2009-processo 340/03.7TBPNH.C1.S1, 25.02.2010-processo 172/04.5TBOVR.S1, 21.3.2013-processo 565/10.9TBPVL.S1, 22.6.2017-processo 104/10.1TBCBC.G1.S1, 06.12.2017-processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1 e 24.5.2018-processo 7952/09.3TBVNG.P1.S1, bem como os acórdãos da RL de 06.10.2005-processo162/2005-8, da RP de 15.02.2005-processo 0425710 e da RC de 14.10.2008-processo 2353/05.5TBCBR.C1, publicados no “site” da dgsi.

    Porém, também se defende (pensamos que ainda minoritariamente) que o ressarcimento do denominado “dano biológico” deve ser feito em sede de dano não patrimonial, casuisticamente, verificando se a lesão origina, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, uma afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade, entendendo-se ainda que a mera necessidade de um maior dispêndio de esforço e de energia, mais traduz um sofrimento psico-somático do que, propriamente, um dano patrimonial. Explicitando esta segunda perspectiva, afirma-se que nem sempre é concretamente previsível que determinada IPP, sobretudo de reduzido grau (inferior a 10 % ou a 5 %), seja adequada a determinar consequências negativas ao nível da actividade geral do lesado ou a reflectir-se, ainda que de modo indirecto, no desempenho da sua actividade profissional ou a implicar, para o mesmo, uma maior dificuldade ou esforço no exercício de actividades profissionais ou da vida quotidiana, pelo que nem sempre será possível sustentar a consideração do dano biológico como de cariz patrimonial para fundamentar a procedência do pedido de indemnização a título de danos patrimoniais futuros, esgotando-se a sua valoração e ressarcimento em sede de dano não patrimonial - cf., neste sentido, os acórdãos do STJ de 20.01.2010-processo 203/99.9TBVRL.P1.S1 e 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1, publicados no “site” da dgsi.

  Desenvolvendo largamente esta problemática e propendendo para esta segunda perspectiva, cf., ainda, o acórdão do STJ de 20.01.2011-processo 520/04.8GAVNF.P2.S1, publicado no “site” da dgsi.

[14] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 19.10.1999-processo 99A356, 06.4.2005-processo 05A2167, 13.01.2009-processo 08A3747, 01.10.2009-processo 1311/05.4TAFUN.S1, 25.11.2009-processo 397/03.0GEBNV.S1, 02.5.2012-processo 1011/2002.L1.S1 e de 02.10.2007, os primeiros publicados no “site” da dgsi e, o último, na CJ-STJ, XV, 3, 68.

[15] Que rezam o seguinte:

   Considera-se retribuição a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho (art.º 258º, n.º 1). A retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie (n.º 2). Presume-se constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador (n.º 3).

   Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações, novas instalações ou despesas feitas em serviço do empregador, salvo quando, sendo tais deslocações ou despesas frequentes, essas importâncias, na parte que exceda os respectivos montantes normais, tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador (art.º 260º, n.º 1, alínea a)). O disposto na alínea a) do número anterior aplica-se, com as necessárias adaptações, ao abono para falhas e ao subsídio de refeição (n.º 2).
[16] Que preceitua: “A indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte e por incapacidade permanente, absoluta ou parcial, são calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente devida ao sinistrado, à data do acidente (art.º 71º, n.º 1). Entende-se por retribuição mensal todas as prestações recebidas com carácter de regularidade que não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios (n.º 2). Entende-se por retribuição anual o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras prestações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade (n.º 3).

[17] Cf., neste sentido, de entre vários, os acórdãos do STJ de 19.02.2004-processo 03S3478 [tendo-se sumariado: “No domínio da Lei n.º 2 127, de 03.8.1965, e da LCT, as ajudas de custo apenas poderão considerar-se como retribuição, para efeito do cálculo indemnizatório por acidente de trabalho, quando cumulativamente preencham os seguintes parâmetros: a) respeitem a deslocações em serviço frequentes; b) envolvam importâncias que excedam o custo normal dessa deslocações, e c) esse excedente esteja previsto no contrato ou deva considerar-se pelos usos como elemento integrante da remuneração (art.º 87º da LCT e Base XXIII, n.º 2, da Lei n.º 2 127.”] e 21.3.2019-processo 721/17.9T8PNF.P1.S1 [constando do sumário: “Provando o empregador que as quantias que pagou ao trabalhador a título de ajudas de custo, de subsídio de deslocação e de subsídio refeição se destinaram a que este suportasse os encargos com o alojamento, as deslocações e a alimentação, e não tendo este provado que o seu valor excedia os seus montantes normais, apesar de pagas regular e periodicamente, não integram a sua retribuição.”], da RP de 25.02.2008-processo 0716724 [constando do sumário: “I - Nos termos do art.º 260º, n.º 1, 1ª parte do C. Trabalho, as importâncias recebidas a título de ajudas de custo não têm, por regra, a natureza de retribuição em sentido jurídico (art.º 249º, n.º 4, do C. Trabalho). II - No entanto, a 2ª parte do referido artigo admite que tais importâncias tenham carácter retributivo se e na medida em que o seu valor exceder um montante considerado normal, ou quando, pelo contrato ou pelos usos, seja tido como elemento integrante da retribuição.”] e 11. 4.2018-processo 721/17.9T8PNE.P1, da RL de 15.12.2016-processo 220/14.0TTTVD.L1-4, 08.9.2010-processo 530/06.0TTVFX.L1-4 [tendo-se concluído: “I - Ao mandar atender no cálculo das indemnizações e pensões por acidente de trabalho a “todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios”, o n.º 3 do art.º 26º da LAT/97, acaba por remeter para o critério constante do art.º 249º do Cód. Trab., que associa três aspectos: a obrigatoriedade do pagamento, fundamentada normativa ou contratualmente; a co-respectividade com a efectiva prestação do trabalho e a regularidade e periodicidade do pagamento. II - Cabe à entidade empregadora, nos termos dos art.ºs 344º, n.º 1 e 350º, n.º 1 do Cód. Civil, provar que a atribuição patrimonial por ela feita ao trabalhador reveste a natureza de ajudas de custo, sob pena de não lhe aproveitar a previsão do art.º 260º do Cód. Trab. e de valer a presunção do n.º 3 do art.º 249º do Cód. Trab. de que se está perante prestação com natureza retributiva.”], da RC de 24.4.2003-processo 3677/2002 [sumariando-se: “II - As "ajudas de custo" em sentido próprio (entendidas enquanto compensação/indemnização ou reembolso de despesas feitas por força de deslocações em serviço) não integram o conceito de retribuição. III - Apenas como tal poderá ser considerada a importância abonada que exceda a efectiva cobertura das despesas realizadas, incumbindo à R., que alegou/invocou a natureza retributiva dessa prestação, o ónus de provar o que com ela estava efectivamente a pagar e, em que medida.”] e 27.10.2016-processo 3336/15.2T8CBR.C1 [concluindo-se: “II - Por força do n.º 2 do art.º 260º CT, o subsídio de refeição não integra, em regra, o conceito de retribuição, a menos que, na parte que exceda o seu montante normal, tenha sido previsto no contrato de trabalho ou se deva considerar pelos usos como elemento integrante da retribuição do trabalhador. III - Assim, tudo aquilo que for pago acima dos montantes previstos no IRCT aplicável, ao longo dos anos e de forma regular e periódica tem que se considerar, em princípio, como fazendo parte da retribuição, até tendo em conta o princípio da boa fé.”] e da RE de 18.5.2004-processo 853/04-2, 29-11-2005-processo 1435/05-2 [concluindo-se: “2. As ajudas de custo não constituem retribuição pois destinam-se a compensar ou reembolsar as despesas efectuadas pelo trabalhador com o seu transporte até ao local de trabalho e com a sua alimentação e alojamento enquanto está deslocado ao serviço da empresa. 3. Se o trabalhador se pretende fazer valer da excepção constante da parte final do art.º 87º da LCT, terá de alegar e provar os factos susceptíveis de integrar aquela previsão, nomeadamente qual o montante que lhe sobrava depois de suportar aquelas despesas.”], 20.12.2012-processo 474/10.1T2SNS.E1, 16.4.2015-processo 279/12.5TTTMR.E1 [com o sumário: “i. Cabia ao sinistrado e A./apelado demonstrar que o montante por ele mensalmente recebido da R./apelante a título de ajudas de custo não respeitava a despesas de alimentação e outros custos aleatórios decorrentes de se encontrar em viagens pelo estrangeiro ou, pelo menos, que o montante por ele mensalmente recebido a esse título excedia o valor dessas despesas (cf. art.º 342º n.º 1 do CC); ii. Tendo-se demonstrado que o montante auferido pelo sinistrado e A./apelado a título de ajudas de custo era pago pela R./apelante relativamente a despesas de alimentação e custos aleatórios por cada dia em que aquele se encontrasse no estrangeiro e que ambos estipularam que o pagamento dessas despesas com alimentação e custos aleatórios seria feito mensalmente atendendo ao valor das mesmas, tem de concluir-se que o pagamento de tais ajudas de custo não representou para o A./apelado um qualquer correspetivo pela prestação da sua atividade profissional ao serviço da R./apelante, não devendo, portanto, considerar-se o pagamento dessas ajudas de custo como integrante da retribuição daquele, face ao disposto na al. a) do n.º 1 do art.º 260º do Código do Trabalho bem como ao disposto no art.º 71º n.º 2 (segunda parte) da Lei n.º 98/2009 de 04.9.”] e 12.7.2018-processo 184/11.2TTSTR.E1 [sumariando-se: “O montante pago de forma regular pelo empregador ao trabalhador sinistrado a título de ajudas de custo no estrangeiro não integra o conceito de retribuição, para o efeito de calcular o valor das indemnizações e pensões a atribuir, se aquelas ajudas de custo se destinam a pagar as despesas suportadas pelo trabalhador com as refeições.”], publicados no “site” da dgsi.
[18] Cf., por exemplo, os citados acórdãos da RC de 24.4.2003-processo 3677/2002 e da RE de 16.4.2015-processo 279/12.5TTTMR.E1.

[19] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 22.6.2017-processo 104/10.1TBCBC.G1.S1, 06.12.2017-processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1 e 24.5.2018-processo 7952/09.3TBVNG.P1.S1 e da RC de 28.11.2018-processo 5790/16.6T8VIS.C1 [tendo-se concluído: “A indemnização por perdas salariais (e pelo dano patrimonial futuro) poderá ter como base os rendimentos ilíquidos mensais, aplicando-se, depois, os critérios (correctivos) do direito laboral e/ou da equidade.”], publicados no “site” da dgsi.
[20] Cf., por exemplo, os acórdãos do STJ de 17.11.2005-processo 05B3167, 12.10.2006-processo 06B2581, 06.3.2007-processo 07A189 e 17.12.2009-processo 340/03.7TBPNH.C1.S1, publicados no “site” da dgsi, e de 02.10.2007 e 11.3.2010, publicados na CJ-STJ, XV, 3, 68 e XVIII, 1, 123, respectivamente. 

[21] Cf., entre outros, os acórdãos do STJ de 13.3.2001-processo 01A3307, 14.02.2008-processo 07B4508, 26.01.2012-processo 220/2001.L1.S1, 26.01.2016-processo 2185/04.8TBOER.L1.S1, 02.6.2016-processo 3987/10.1TBVFR.P1.S1, 16.6.2016-processo 1364/06.8TBBCL.G1.S2, 10.11.2016-processo 175/05.2TBPSR.E2.S1, 22.6.2017-processo 104/10.1TBCBC.G1.S1 (aresto que efectua uma análise profundamente lúcida acerca dos raciocínios totalmente deslocados, desumanos e miserabilistas expressos em muitas alegações de recurso…, mormente quando está em causa a fixação equitativa da perda da capacidade de ganho/dano patrimonial futuro de jovens que ainda não ingressaram no “mercado de trabalho”; aí se extraiu, entre outras, a seguinte “conclusão”: “A atribuição de indemnização pelo dano biológico não substitui nem impede a atribuição de uma indemnização pelo dano patrimonial futuro que pondere a incapacidade funcional do sinistrado.”), 06.12.2017-processo 1509/13.1TVLSB.L1.S1, 06.12.2017-processo 559/10.4TBVCT.G1.S1 e 24.5.2018-processo 7952/09.3TBVNG.P1.S1, da RC de 12.4.2011-apelação 756/08.2TBVIS.C1, 27.9.2016-processo 2206/11.8TBPBL.C1 e 28.11.2018-processo 5790/16.6T8VIS.C1 (subscrito pelos aqui relator e 1º adjunto) e da RP de 16.3.2015-processo 224/12.8TVPRT.P1, publicados no “site” da dgsi.
[22] Este o critério acolhido, por exemplo, no acórdão da RC de 12.4.2011-apelação 756/08.2TBVIS.C1, publicado no "site" da dgsi.

[23] Cf., de entre vários, os acórdãos do STJ de 13.4.2010-processo 4028/06.9TBVIS.C1.S1, 27.5.2010-processo 8629/05.4TBBRG.G1.S1, 14.9.2010-processo 267/06.0TBVCD.P1.S1, 30.9.2010-processo 935/06.7TBPTL.G1.S1, 07.10.2010-processo 2171/07.6TBCBR.C1.S1, 21.10.2010-processo 1331/2002.P1.S1, 11.11.2010-processo 270/04.5TBOFR.C1.S1, 07.6.2011-processo 3042/06.9TBPNF.P1.S1, 07.6.2011-processo 524/07.9TCGMR.G1.S1, 07.5.2014-processo 436/11.1TBRGR.L1.S1, 09.9.2014-processo 654/07.7TBCBT.G1.S1 e 16.6.2016-processo 1364/06.8TBBCL.G1.S2 e, ainda, os acórdãos da RP de 27.9.2016-processo 791/09.3TBVCD.P1 e da RC de 12.4.2011-processo 756/08.2TBVIS.C1, 27.9.2016-processo 2206/11.8TBPBL.C1 [relativo a uma situação com alguma similitude com o caso vertente, no qual ficaram expressas, nomeadamente, as seguintes “conclusões”: «4. Em termos de busca e fixação do valor dos danos advenientes da responsabilidade civil extracontratual (morais/patrimoniais) os princípios da igualdade e da unidade do direito e o valor da previsibilidade da decisão judicial vinculam à padronização e à normalização do valor da indemnização. 5. A determinação do quantum da indemnização do dano não patrimonial deve orientar-se por uma valoração casuística, orientada por critérios de equidade. 6. A indemnização destinada a ressarcir os danos não patrimoniais sofridos por um qualquer lesado não deve revestir carácter miserabilista, nem esquecer o aumento regular dos seguros obrigatórios estradais, e dos respectivos prémios, justificantes do aumento das indemnizações.»], 28.11.2018-processo 5790/16.6T8VIS.C1, 19.12.2018-processo 762/15.0T8LRA.C1, 22.01.2019-processo 342/17.6T8CBR.C1 e 21.01.2020-processo 5370/17.9T8VIS.C1, o penúltimo e o último, subscritos pelos elementos deste colectivo, referentes a casos com alguma similitude com o ora analisado, publicados no “site” da dgsi.
[24] Exigências e princípios que, cremos, poderão/deverão ser adequadamente conjugados, ainda que, simultaneamente, se procure alcançar uma maior uniformização judicial.
   Afigura-se-nos, assim, porventura excessivo o juízo crítico expresso por Filipe Albuquerque Matos, sobre esta matéria, na parte final da anotação ao acórdão do STJ de 24.4.2013 (RLJ 143º, pág. 218).
[25] Vide Filipe Albuquerque Matos, in RLJ 143º, págs. 214 e seguinte.
[26] Cf., nomeadamente, Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, I Vol., 2ª edição, Almedina, 2006, pág. 54 e os acórdãos do STJ de 15.6.1993 e de 04.11.2003, in BMJ, 428º, 530 e CJ-STJ, XI, 3, 138, respectivamente.
[27] Veja-se, a propósito, a situação analisada no citado acórdão da RC de 12.4.2011-processo 756/08.2TBVIS.C1 e, aí, cremos, a diferente actuação por parte do INML.

[28] Cf., por exemplo, o citado acórdão da RC de 21.01.2020-processo 5370/17.9T8VIS.C1 [tendo-se concluído: “Uma decisão com o teor «a Ré é condenada a pagar os prejuízos que a autora porventura venha ainda a sofrer em virtude do acidente que sofreu…» constituiria uma sentença condicional, não admitida pelo sistema processual.”].

[29] Dir-se-á, ainda, que o A se conformou com a desconsideração da despesa aludida em II. 1. 16., supra (parte injuntiva da sentença recorrida).