Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | SÍLVIA PIRES | ||
Descritores: | ARRENDAMENTO URBANO AUMENTO RENDA ÓNUS JURÍDICO ARRENDATÁRIO | ||
Data do Acordão: | 06/30/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE COIMBRA – FIGUEIRA DA FOZ – SEC. CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 27º E 30º E SEGS. DO NRAU; 19º-A DO DECRETO-LEI Nº 158/2006, INTRODUZIDO PELO ART.º 3º DO DECRETO-LEI N.º 266-C/2012. | ||
Sumário: | I – A Lei 31/2012, de 14.8, introduziu grandes alterações em matéria de correcção extraordinária das rendas nos contratos mais antigos, celebrados antes da vigência do RAU, por iniciativa do senhorio, mostrando-se esta matéria regulada, quanto aos arrendamentos para habitação, nos artigos 30º e seg. do NRAU. II - Conforme decorre do art.º 27º do NRAU, aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU – DL 321-B, de 15.10 –, aplica-se, o disposto no art.º 30º a 37º e 50º a 54º, podendo, deste modo e ao que interessa na situação dos autos, por iniciativa do senhorio, fazer transitar o mesmo para o NRAU e actualizar a renda, desde que este faça essa comunicação ao arrendatário, instruída com os elementos mencionados no art.º 30º do NRAU. III - Na sequência dessa comunicação a lei confere ao arrendatário o direito de resposta – n.º 3 do art.º 31º do NRAU – a exercer no prazo de 30 dias a contar da data da recepção da comunicação feita pelo senhorio, com as seguintes finalidades: a) aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio; b) opor-se ao valor da renda, proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 33º; c) em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo e duração do contrato proposto pelo senhorio; d) denunciar o contrato… IV - Nessa resposta, o arrendatário, se for caso disso, nos termos do n.º 4 do mencionado art.º 33º do NRAU deve ainda invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias pessoais: a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35º e 36º; b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 36º. V - A verificação destas circunstâncias determinará a aplicação de regimes especiais a estes contratos que se encontram previstos nos referidos artigos 35º e 36º do NRAU. VI - O art.º 19.º-A do Decreto-Lei n.º 158/2006, introduzido pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 266-C/2012, derrogou tacitamente o disposto nos três primeiros números do art.º 32.º do NRAU, relativamente aos processos de actualização da renda iniciados durante o ano de 2012 ou em 2013, no período em que o serviço de finanças competente ainda não esteja em condições de emitir o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC relativo a 2012. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra Os Autores apresentaram no Balcão Nacional do Arrendamento, requerimento de despejo da Ré, pedindo que esta desocupe os bens imóveis locados e proceda ao pagamento da quantia de € 2.589.96, relativa às rendas já vencidas e não pagas e, ainda, ao pagamento das rendas que se vencerem até efectiva entrega do locado. Para fundamentar as suas pretensões alegaram, em síntese: - São donos e legítimos proprietários das fracções autónomas correspondentes ao 3.º andar direito e à garagem 2 sitas na Travessa ..., inscritas na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob os nºs ... - Por contrato celebrado em 4 de Março de 1969, o anterior proprietário das referidas fracções, G... – sogro e avô respectivamente da Requerente e do Requerente – deu de arrendamento as duas referidas fracções autónomas ao falecido marido da Requerida e a esta, que as tomaram de arrendamento, nos termos do mencionado contrato. - O contrato foi celebrado por um ano, com início em 01 de Março de 1969 e término em 28 de Fevereiro de 1970, tendo-se sucessivamente renovado por iguais períodos. - A renda deveria ser paga aos Requerentes até ao primeiro dia útil do mês anterior a que respeitasse. - Em 18 de Fevereiro de 2013 os Requerentes comunicaram à Requerida a intenção de procederem à transição do referido contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano e à actualização da renda nos termos do art. 30º e seguintes da Lei n.º 6/2006, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012. - A Requerida invocou a circunstância de a sua idade ser superior a 65 anos e o seu rendimento anual bruto corrigido (RABC) ser inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA). - O documento das Finanças do qual consta o valor do RABC do agregado familiar da Requerida foi emitido em 29 de Julho de 2013, tendo sido enviado pela Requerida aos Requerentes através da carta expedida em 28 de Agosto de 2013, pelo que a Requerida não podia prevalecer-se dessa circunstância. - Tendo a Requerida invocado e comprovado que tem idade superior a 65 anos, o valor da renda foi actualizado, de acordo com os critérios legais, para uma renda anual de € 5.180,00, a que corresponde uma renda mensal de € 431,66, o que foi comunicado através de carta remetida à Requerida em 11 de Dezembro de 2013. - Nessa carta os Requerentes informaram a Requerida que a nova renda de € 431,66 seria devida no primeiro dia do segundo mês seguinte ao da recepção dessa carta. - Em 1 de Fevereiro de 2014 a Requerida não pagou aos Requerentes a nova renda de €. 431,66, nem pagou posteriormente as rendas vencidas. - Em 21 de Maio de 2014 os Requerentes procederam à resolução do contrato de arrendamento com fundamento no número 3 do artigo 1083º do Código Civil, através de comunicação feita mediante contacto pessoal de agente de execução, nos termos da al. b) do n.º 7 do art. 9.º da Lei n.º 6/2006, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012. - Com a referida comunicação, prevista no n.º 2 do art. 1084º do Código Civil, os Requerentes resolveram o contrato de arrendamento em apreço e exigiram da Requerida a desocupação e entrega dos imóveis objecto de arrendamento bem como o pagamento de todas as rendas vencidas e em atraso e todas as rendas que se vencerem até à efectiva desocupação dos imóveis.
A Ré deduziu oposição, defendendo a improcedência do procedimento de despejo, por não ser este o meio processual adequado e por inexistir mora no pagamento de rendas. Para o caso de assim não vier a ser entendido, pediu a improcedência da acção, porquanto a renda não foi actualizada nos termos legalmente previstos e a condenação dos Autores nos termos previstos no artigo 15º-R da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08, em multa em valor não inferior a 10 vezes a taxa de justiça devida, nos danos patrimoniais que suporta a Ré, no montante equivalente à taxa de justiça paga com a oposição a este procedimento, à indisponibilidade do valor da caução prestada, aos honorários e despesas que suporta com Advogados, tudo em montante nunca inferior a € 756,00, e nos danos não patrimoniais que a Ré tem vindo a sofrer, em montante não inferior a € 1.500,00, por ser ostensiva a sua má-fé, por uso abusivo e indevido do procedimento especial de despejo, pois, os Autores ocultaram factos e circunstâncias nestes autos que não podiam ignorar. Para tanto, alega em síntese: - Após a entrada em vigor da Lei n.º 31/2012, de 14/08, que deu nova redacção à Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), o Autor enviou à Ré/arrendatária uma carta, datada de 18 de Fevereiro de 2013, onde propôs um aumento de renda para € 220,00 mensais. - A esta carta a Ré respondeu, comunicando: a) Ter idade superior a 65 anos, juntando a competente prova; b) Informou, desde logo, que previa que o RABC (Rendimento Anual Bruto Corrigido) do seu agregado familiar fosse inferior a cinco RMNA (retribuições Mínimas Nacionais Anuais); c) Esclareceu que a Autoridade Tributária ainda não havia emitido, à data, a certidão com o valor do RABC, pese embora estar tal documento requerido, juntando prova; d) E, em virtude das informações enunciadas, opunha-se a que o contrato de arrendamento viesse a transitar para o NRAU, bem assim se opunha ao valor da renda proposto; e) Concluindo que o valor da renda só poderia ser actualizado de acordo com o estabelecido no artigo 35º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08. - Mais tarde, em 28.8.2014, a Ré participou ao senhorio a certidão emitida pela Autoridade Tributária (emitida em 29.7.2013), onde consta o valor do RABC do seu agregado familiar, no montante de € 8.265,74. - De acordo como o RABC do seu agregado familiar a renda do locado só poderia ter sido actualizada nos termos estatuídos no artigo 35º, n.º 2, da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro, tendo ficado a aguardar que tal fosse promovido, continuando a pagar a renda no montante de € 59,00 que sempre foi recebida, sem reservas, até Janeiro de 2014. - Em meados do mês de Dezembro de 2013 a Ré recebeu nova carta, assinada pela Autora onde constatou que esta pretendia um aumento de renda calculado através da soma do valor das fracções arrendadas, correspondendo a 1/15 desse valor, no montante mensal de € 431,66. - O que pretendem os Autores, e com manifesto abuso de direito, é prevalecer-se de uma situação, que, não tem efeitos cominatórios legalmente previstos, e muito menos os que lhes pretendem atribuir. - Logo após a recepção da carta datada de 11 de Dezembro de 2013, onde é exigido um valor de renda mensal até então nunca proposto, a arrendatária enviou nova carta, que foi recebida, onde explicou as razões pelas quais entendia não ser devido um aumento de renda tal qual o pretendido, concretizando que só poderia esperar um aumento de renda calculado com base na Lei, no artigo 35º, n.º 2, al. c) iii), da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08. - A essa carta da arrendatária veio responder M... alegando estar «extinto o direito de comprovação da alegação do RABC do agregado familiar ser inferior a cinco RMNA». - Até ao mês de Janeiro de 2014 a renda foi sempre recebida, no montante de € 59,00, tendo no início do mês de Fevereiro de 2014 sido recusado à arrendatária o recebimento da renda, que procedeu ao seu depósito na caixa Geral de Depósitos, e assim o tem feito até à presente data, do que deu conhecimento aos Requerentes. - A Ré sentiu-se transtornada com a situação, sendo pessoa de idade avançada. Notificados para se pronunciarem sobre a eventual excepção e condenação em litigância de má-fé, vieram os Autores pugnar pela respectiva improcedência. Veio ser proferido despacho saneador com a seguinte decisão: Termos em que declaro verificada a excepção peremptória de abuso de direito, absolvendo a Ré dos pedidos, nos termos do artigo 576º, n.º 1 e 3, do Código de Processo Civil, não operando, por isso, o aumento da renda nos moldes concretizados pelos requerentes e, consequentemente, mostrando-se efectuado o deposito das rendas (no valor primitivo) pela requerida, a resolução do contrato de arrendamento em causa, com tal fundamento. Os Autores interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões: ... Não foi apresentada resposta. 1. Do objecto do recurso Considerando que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes, cumpre apreciar a seguinte questão: A conduta dos Autores não integra abuso de direito? 2. Dos factos 2.1. Alteração do facto provado sob o n.º 5 ... 2.2. Factos Provados Os factos provados são os seguintes: 1. Os Requerentes são donos e legítimos proprietários das fracções autónomas correspondentes ao 3.º andar direito e à garagem 2 sitas na Travessa da ..., inscritas na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob os n.ºs ... 2. Por contrato celebrado em 4 de Março de 1969, o anterior proprietário das referidas fracções, Senhor G... – sogro e avô respectivamente da Primeira Requerente e do Segundo Requerente - deu de arrendamento as duas referidas fracções autónomas ao falecido marido da Requerida e a esta, que as tomaram de arrendamento, nos termos do mencionado contrato. 3. O contrato foi celebrado por um ano, com início em 01 de Março de 1969 e término em 28 de Fevereiro de 1970, tendo-se sucessivamente renovado por iguais períodos. 4. Foi acordado que a renda deveria ser paga aos Requerentes, até ao primeiro dia útil do mês anterior a que respeitasse. 5. Em 18 de Fevereiro de 2013 E..., na qualidade de senhorio, comunicou à Requerida a intenção de proceder à transição do referido contrato de arrendamento para o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e à actualização da renda nos termos do art. 30.º e seguintes da Lei n.º 6/2006, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012, constando dessa comunicação: Chama-se a atenção para o n.º 6 do supra citado normativo legal que dispõe se o senhorio não aceitar o valor da renda contra proposto pelo arrendatário, o contrato mantém-se em vigor, sem alteração do regime que lhe é aplicável, sendo o valor da renda apurado de acordo com 1/5 do valor do IMI das duas fracções em causa – als. a) e b) do n.º 2 do art.º 35º, do referido diploma legal. 6. À referida carta a arrendatária/Requerida respondeu, comunicando: a)Ter idade superior a 65 anos, juntando a competente prova; b) que previa que o RABC (Rendimento Anual Bruto Corrigido) do seu agregado familiar fosse inferior a cinco RMNA (retribuições Mínimas Nacionais Anuais); c) que a Autoridade Tributária ainda não havia emitido, à data, a certidão com o valor do RABC, pese embora estar tal documento requerido, juntando prova; d) E, opunha-se a que o contrato de arrendamento viesse a transitar para o NRAU, bem assim se opunha ao valor da renda proposto; e) que o valor da renda só poderia ser actualizado de acordo com o estabelecido no artigo 35º n.º 2 da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08. 7. A certidão da qual consta o valor do RABC do agregado familiar da Requerida foi emitida pelas Finanças em 29 de Julho de 2013. 8. Em 28/08/2014, a Requerida/arrendatária participou ao senhorio a certidão emitida pela Autoridade Tributária (emitida em 29/07/2013), onde consta o valor do RABC do seu agregado familiar, no montante de € 8.265,74. 9. O valor dos imóveis locados, avaliados nos termos dos arts. 38.º e ss do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), ascende a Euros 77.700,00. 10. Através de carta de 11 de Dezembro de 2013, os Requerentes comunicaram à Requerida que o valor anual da renda passava a ser de Euros 5.180,00, a que corresponde uma renda mensal de Euros 431,66. 11. Nessa referida carta de 11 de Dezembro de 2013, os Requerentes informaram a Requerida que, nos termos do n.º 8 do art. 36.º da Lei n.º 6/2006, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, a nova renda de Euros 431,66 seria devida no primeiro dia do segundo mês seguinte ao da recepção dessa carta. 12. Logo após a recepção da carta datada de 11 de Dezembro de 2013, a arrendatária enviou nova carta, que foi recebida, que consta de fls. 29 e 30 e aqui se considera, por economia, integralmente reproduzida; 13. À carta de fls. 29-30, veio responder M... alegando, alem do mais, estar “extinto o direito de comprovação da alegação do RABC do agregado familiar ser inferior a cinco RMNA”. 14. Até ao mês de Janeiro de 2014 a renda foi sempre recebida, no montante de €59,00 (cinquenta e nove euros). 15. No início do mês de Fevereiro de 2014 foi recusado à arrendatária o recebimento da renda. 16. Logo após essa recusa a arrendatária procedeu ao depósito na Caixa Geral de Depósitos do dito valor de € 59.00 e assim o tem feito até à presente data, 17. Situação que foi de imediato notificada aos Requerentes. 18. Em 21 de Maio de 2014, os Requerentes procederam à resolução do contrato de arrendamento com fundamento no número 3 do artigo 1083º do Código Civil, através de comunicação feita mediante contacto pessoal de agente de execução, nos termos da al. b) do n.º 7 do art. 9º da Lei n.º 6/2006, na redacção dada pela Lei n.º 31/2012. 19. Com a referida comunicação, os Requerentes resolveram o contrato de arrendamento em apreço e exigiram da Requerida a desocupação e entrega dos imóveis objecto de arrendamento bem como o pagamento de todas as rendas vencidas e em atraso e todas as rendas que se vencerem até à efectiva desocupação dos imóveis, por referência ao valor de € 431.66. 20. A Requerida não desocupou os bens imóveis locados no prazo estipulado no art. 1087.º do Código Civil, nem procedeu ao pagamento das rendas em atraso. 3. O direito aplicável Com o presente recurso os Autores pretendem ver revogada a decisão que julgou verificada a excepção peremptória de abuso de direito, absolvendo a Ré dos pedidos pelos mesmos formulados. No cerne da questão encontra-se a actualização da renda do contrato de arrendamento que une os Autores à Ré. A Lei 31/2012, de 14.8, introduziu grandes alterações em matéria de correcção extraordinária das rendas nos contratos mais antigos, celebrados antes da vigência do RAU, por iniciativa do senhorio, mostrando-se esta matéria regulada, quanto aos arrendamentos para habitação, nos artigos 30º e seg. do NRAU. Assim, conforme decorre do art.º 27º do NRAU aos contratos habitacionais celebrados antes da vigência do RAU – DL 321-B, de 15.10 –, aplica-se, o disposto no art.º 30º a 37º e 50º a 54º, podendo, deste modo e ao que interessa na situação dos autos, por iniciativa do senhorio, fazer transitar o mesmo para o NRAU e actualizar a renda, desde que este faça essa comunicação ao arrendatário, instruída com os elementos mencionados no art.º 30º do NRAU, elementos estes que, efectivamente, constam da comunicação que os Autores efectuaram à Ré, por carta registada que esta recebeu em 22 de Janeiro desse ano, sendo no montante de € 413,00 o valor mensal da renda futura proposta. Na sequência dessa comunicação a lei confere ao arrendatário o direito de resposta – n.º 3 do art.º 31º do NRAU – a exercer no prazo de 30 dias a contar da data da recepção da comunicação feita pelo senhorio, com as seguintes finalidades: a) aceitar o valor da renda proposto pelo senhorio; b) opor-se ao valor da renda, proposto pelo senhorio, propondo um novo valor, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 33º; c) em qualquer dos casos previstos nas alíneas anteriores, pronunciar-se quanto ao tipo e duração do contrato proposto pelo senhorio; d) denunciar o contrato… Nessa resposta, o arrendatário, se for caso disso, nos termos do n.º 4 do mencionado art.º 33º do NRAU deve ainda invocar, isolada ou cumulativamente, as seguintes circunstâncias pessoais: a) Rendimento anual bruto corrigido (RABC) do seu agregado familiar inferior a cinco retribuições mínimas nacionais anuais (RMNA), nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 35º e 36º; b) Idade igual ou superior a 65 anos ou deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60 %, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 36º. A verificação destas circunstâncias determinará a aplicação de regimes especiais a estes contratos que se encontram previstos nos referidos artigos 35º e 36º do NRAU. A Lei n.º 31/2012, dando nova redacção ao art.º 32º do NRAU, determinou que o arrendatário que invoque a circunstância acima referida na alínea a) deve fazer acompanhar a sua resposta de documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar (n.º 1); e se não dispuser, à data da sua resposta, do documento referido no número anterior deve fazer acompanhar a resposta do comprovativo de ter o mesmo sido já requerido, devendo juntá-lo no prazo de 15 dias após a sua obtenção (n.º 2), Contudo, o art.º 3º do Decreto-Lei n.º 266-C/2012, de 31.12, aditou ao Decreto-Lei n.º 158/2006 de 8.8, que estabelece o regime de determinação do RABC, o artigo 19.º-A, o qual contém disposições transitórias aplicáveis na hipótese de o senhorio ter iniciado o processo de actualização de rendas ainda durante o ano de 2012 ou em 2013, enquanto o serviço de finanças competente não puder emitir o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC relativo a 2012 (n.º 1 e 9, do referido art.º 19.º - A). Este novo dispositivo veio regular o procedimento a seguir no caso do arrendatário ter invocado rendimentos inferiores a 5 RMNA, relativos ao ano de 2012, quer o senhorio tenha desencadeado o processo de aumento de rendas nesse mesmo ano (n.º 1), o que já tinha sido permitido pelo art.º 11.º, n.º 4, da Lei n.º 31/2012, ou em 2013 (n.º 9). Tendo presente que as repartições de finanças só estão em condições de emitir esse documento em meados do ano de 2013, apenas se exigiu que esses arrendatários enviassem ao senhorio o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar, no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do IRS relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Assim, o art.º 19.º-A do Decreto-Lei n.º 158/2006, introduzido pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 266-C/2012, derrogou tacitamente o disposto nos três primeiros números do art.º 32.º do NRAU, relativamente aos processos de actualização da renda iniciados durante o ano de 2012 ou em 2013, no período em que o serviço de finanças competente ainda não esteja em condições de emitir o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC relativo a 2012 [1]. No caso dos autos e conforme resulta dos factos apurados, o processo de actualização da renda foi desencadeado pelos senhorios em Fevereiro de 2013, tendo a Ré respondido à comunicação dos Autores, dizendo: a)Ter idade superior a 65 anos, juntando a competente prova; b) que previa que o RABC (Rendimento Anual Bruto Corrigido) do seu agregado familiar fosse inferior a cinco RMNA (retribuições Mínimas Nacionais Anuais); c) que a Autoridade Tributária ainda não havia emitido, à data, a certidão com o valor do RABC, pese embora estar tal documento requerido, juntando prova; d) E opunha-se a que o contrato de arrendamento viesse a transitar para o NRAU, bem assim se opunha ao valor da renda proposto; e) que o valor da renda só poderia ser actualizado de acordo com o estabelecido no artigo 35º, n.º 2 da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14/08. A certidão da qual consta o valor do RABC do agregado familiar da Requerida foi emitida pelas Finanças em 29 de Julho de 2013, tendo a mesma sido enviada para o senhorio em 28.8.2014, constando da mesma o valor do RABC do seu agregado familiar, no montante de € 8.265,74. Os Autores, através de carta de 11 de Dezembro de 2013, comunicaram à Ré que o valor anual da renda passava a ser de Euros 5.180,00, a que corresponde uma renda mensal de € 431,66, calculada nos termos do n.º 8 do art. 36.º da Lei n.º 6/2006, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, a qual seria devida no primeiro dia do segundo mês seguinte ao da recepção dessa carta, invocando que não tendo o documento comprovativo do seu RBAC sido remetido atempadamente não podia a Ré invocar essa circunstância. A Ré respondeu a esta carta, defendendo que o documento comprovativo do seu RBAC foi enviado em tempo, não podendo a sua renda ser aumentada. Ainda os senhorios responderam por carta de 20.12.2013, mantendo que o documento em causa foi-lhes remetido para além do prazo de 15 dias previsto no art.º 32º da Lei 6/2006, na redacção que lhe foi dada pela Lei 31/2012, pelo que não podia a Ré beneficiar do regime especial de transição para o NRAU. A decisão recorrida sufragou o entendimento de que o documento em causa foi remetido pela Ré aos Autores extemporaneamente. Na verdade, o artigo 32º, n.º 4 do NRAU, dispõe que o arrendatário que na sua resposta invoque uma idade superior a 65 anos deve fazer acompanhar a resposta de documento comprovativo desse facto, sob pena de não poder dele prevalecer-se. Contudo, como já vimos, a Ré, além disso, também invocou que se encontrava na situação prevista na alínea a) do n.º 4 do art.º 31º do NRAU: ter um RABC inferior ao RMNA. Ora, tendo essa resposta sido dada no inicio de 2013, isto é numa altura do ano em que o serviço de finanças competente ainda não está em condições de emitir o documento comprovativo do qual conste o valor do RABC relativo a 2012, não lhe é aplicável o disposto nos n.º 1 e 2 do artigo 32.º do NRAU, mas sim o disposto no art.º 19.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 158/2006, introduzido pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 266-C/2012, o qual dispõe: o arrendatário remete obrigatoriamente ao senhorio o documento comprovativo emitido pelo serviço de finanças competente, do qual conste o valor do RABC do seu agregado familiar, no prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira, sob pena de não poder prevalecer-se do regime previsto para o arrendatário que invoque e comprove que o RABC do seu agregado familiar é inferior a cinco RMNA. Não é possível, pois, no caso dos autos, retirar da circunstância da Ré não ter enviado aos Autores, no prazo de 15 dias após a sua emissão, o documento comprovativo do seu RBAC, exigido pelo n.º 2 do artigo 32º do NRAU, que esta tenha perdido o direito a ser-lhe aplicado o regime especial previsto no art.º 35º do NRAU, porquanto a lei, como atrás se deixou dito, concedia-lhe, no regime transitório aplicável, o prazo de 60 dias a contar da notificação da liquidação do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares relativo ao ano de 2012, emitida pela Autoridade Tributária e Aduaneira. Não tendo sido alegado e não estando, por isso, apurado que este prazo tenha sido ultrapassado, não é possível reconhecer qualquer eficácia às subsequentes comunicações dos Autores, quer de aumento da renda quer da resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, uma vez que estas assentavam no pressuposto de se ter verificado uma comunicação extemporânea do RBAC, a qual não se encontra comprovada. Não se revelando eficaz a comunicação dos Autores datada de 11 de Dezembro de 2013, não está demonstrado que tenha ocorrido uma alteração válida da renda em causa, pelo que os depósitos efectuados pela Ré eram suficientes para o pagamento da renda em vigor, face à recusa pelos Autores do seu recebimento. Não estando sequer demonstrado o direito dos Autores a procederem ao aumento da renda, fica prejudicada a apreciação da existência de um abuso no seu exercício, pelo que o recurso interposto deve ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão recorrida, por diferentes fundamentos. Decisão Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e, em consequência, confirmando-se a decisão recorrida. Custas do recurso pelos Autores. Coimbra, 30 de Junho de 2015 Sílvia Pires (Relatora) Henrique Antunes Isabel Silva
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[1] No mesmo sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13-12015, proferido por este mesmo colectivo, acessível em www.dgsi.pt. |