Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
895/12.5TAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: PEDIDO CÍVEL
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO PASSIVO
FUNDO DE GARANTIA AUTOMÓVEL
RESPONSÁVEL CIVIL
Data do Acordão: 01/28/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 129.º DO CP; ART. 71.º DO CPP; ARTS. 47.º, 54.º E 62, DO DL. N.º 291/07, DE 21 DE AGOSTO
Sumário: I - O legislador considera a indemnização civil por danos emergentes de crime, não um mero efeito da condenação penal, mas uma indemnização de natureza estritamente civil e portanto, sujeita às leis civis.

Neste âmbito, as relações entre a acção penal e a acção civil emergentes do mesmo facto foram solucionadas pelo C. Processo Penal, de entre os vários caminhos possíveis – sistema de independência absoluta, sistema de adesão alternativa e sistema de adesão obrigatória – pela adopção do sistema de adesão obrigatória previsto no seu art. 71 do CPP.

II - O princípio comporta, no entanto, excepções, permitindo a lei, em certos casos, que o pedido de indemnização seja deduzido em separado, nos tribunais civil,. (cfr. art. 72º, nº 1 do C. Processo Penal).

III - Na estrutura legal do Seguro Obrigatório, o FGA intervém a título subsidiário isto é, intervém quando não é possível ou é duvidosa a intervenção de uma companhia seguradora, sendo, por isso mesmo, um mero garante da obrigação de indemnizar de terceiro, do responsável civil.

IV - Consequentemente, nos casos em que o FGA satisfaz a indemnização, a lei estabelece a sua sub-rogação nos direitos do lesado.

V - Uma vez que o litisconsórcio necessário passivo visa assegurar de forma efectiva o direito de regresso do FGA quando satisfaça a indemnização, e respondendo solidariamente perante o FGA, no âmbito do exercício desse direito, o proprietário do veículo causador do acidente – primeiro obrigado da obrigação de seguro –, o condutor e ainda o detentor do mesmo veículo, há que reconhecer que responsável civil será, sempre e também, o proprietário, em regra, sujeito passivo da obrigação de segurar, e ainda, o condutor e o detentor, quando não coincidam com aquele.

VI - Podemos dizer que o art. 62º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto impõe o litisconsórcio necessário passivo do FGA e do responsável civil, entendendo-se por este não só o proprietário do veículo, em regra, sujeito da obrigação de seguro, como também o condutor e o detentor do veículo.

VII - Não tendo sido demandado o proprietário do veículo e sujeito da obrigação de segurar juntamente com o condutor e o FGA, não foi observado o litisconsórcio passivo imposto pela norma em referência, o que determina a ilegitimidade passiva do FGA.

VIII - A verificação desta excepção dilatória determina, nos termos dos arts. 576º, nº 2, 577º, e), do C. Processo Civil, aplicáveis, ex vi, art. 4º do C. Processo Penal, a absolvição da instância do FGA, restando à assistente e à demandante civil recorrer, se assim o entenderem, aos meios comuns, intentando no tribunal cível a competente acção declarativa.

Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

            No 2º Juízo do [já extinto] Tribunal Judicial da comarca da Guarda o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, dos arguidos A... e B..., ambos com os demais sinais nos autos, imputando ao primeiro, a prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 15º e 137º, nº 1 do C. Penal e das contra-ordenações p. e p. pelos arts. 3º, 13º, nºs 1 e 2, 24º e 27º do C. da Estrada, e à segunda, a prática de um crime de favorecimento pessoal, na forma tentada, p. e p. pelo art. 367º, nº 1 do C. Penal.

            A assistente D...e a demandante E... deduziram pedido de indemnização civil contra o Fundo de Garantia Automóvel e o arguido A... com vista à sua condenação no pagamento da quantia de € 87.100, acrescida de juros de mora desde a data da notificação do pedido e até integral pagamento, por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos.

            Na audiência de julgamento de 29 de Abril de 2014 [acta a fls. 535 a 549-A] a assistente e a demandante civil requereu a intervenção de H..., na qualidade de proprietário do veículo conduzido pelo arguido.

Por despacho então proferido, a fls. 537 a 538, foi indeferido o requerimento de intervenção principal provocada do proprietário do veículo automóvel conduzido pelo arguido, o referido H....

            Na audiência de julgamento de 12 de Maio de 2014 [acta a fls. 550 a 595] foi comunicada aos arguidos uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação e à arguida B... a alteração da qualificação jurídica que passou a ser a da prática de prática de um crime consumado de favorecimento pessoal, p. e p. pelo art. 367º, nº 1 do C. Penal, nada tendo sido requerido.

Por sentença de 12 de Maio de 2014, foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de dois anos de prisão, suspensa na respectiva execução pelo mesmo período de tempo, condicionada ao pagamento aos Bombeiros Voluntários da Guarda, no prazo de seis meses, da quantia de € 1.000, e pela prática das contra-ordenações p. e p. pelos arts. 13º, nºs 1 e 3 e 24º, nºs 1 e 3 do C. da Estrada, nas coimas de € 100 e € 400, respectivamente e, em cúmulo, na coima única de € 500, e foi a arguida condenada, pela prática de um crime consumado de favorecimento pessoal, na pena de quinze meses de prisão, substituída por quatrocentos e cinquenta horas de trabalho a favor da comunidade.

Mais foram o Fundo de Garantia Automóvel e o arguido A... condenados, solidariamente, no pagamento às demandantes da quantia de € 85.070, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da notificação do pedido e até integral pagamento sobre a quantia de € 70, e acrescida de juros de mora vincendos, à taxa legal, sobre a quantia de € 85.000.


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            Inconformado com ambas as decisões recorreu o Fundo de Garantia Automóvel, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1º – As Demandantes apresentaram Pedido de Indemnização Civil (P.I.C.) contra o Recorrente FGA e A... em virtude do acidente de viação ocorrido no dia 19.09.2012 em que faleceu o marido e pai daquelas.

2º – O acidente, tal como alegado, teria sido causado por um veículo automóvel, conduzido pelo Demandado A... e que era propriedade de seu pai, veículo esse que à data do acidente não beneficiaria de seguro válido e eficaz.

3º – O Recorrente contestou invocando a sua ilegitimidade por preterição do litisconsórcio necessário passivo, já que conjuntamente com o FGA apenas foi demandado o condutor do veículo e não o seu proprietário – o pai do Arguido – violando assim o disposto no artigo 62º do D.L. 291/2007 de 21.08.

4º – No início da audiência de julgamento as Demandantes apresentaram requerimento para chamar à demanda o proprietário do veículo.

5º – O Tribunal a quo indeferiu tal pretensão, pelos fundamentos supra transcritos e ao fazê-lo acabou não só por indeferir a intervenção principal provocada do proprietário como ainda acabou por se pronunciar sobre a excepção de ilegitimidade invocada pelo Recorrente.

5º – Por considerar o Recorrente que o entendimento do Tribunal a quo, vertido naquele despacho, poderia em abstracto formar caso julgado, por tal motivo se recorre do mesmo pelos motivos infra expostos, conjuntamente com a sentença entretanto proferida.

5º – Nessa sentença foi dado como provado nos pontos 1 e 20 da matéria de facto que o veículo causador do acidente, e sem seguro, era pertença do pai do Arguido.

6º – E mesmo assim o Tribunal a quo, entendeu condenar o Recorrente a pagar às Demandantes as quantias fixadas em sentença, conjuntamente com o Demandado A....

7º – A questão que o Recorrente pretende ver apreciada é o entendimento do Tribunal a quo que determinou esta condenação, plasmados tanto no despacho acima referido como na sentença ora proferida.

8º – Prescreveu o legislador, e bem, que as acções para efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz devem ser obrigatoriamente interpostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade, de acordo com o nº 6 do artigo 29º do aludido diploma.

9º – E dúvidas não restam, pois que a jurisprudência há muito vem afirmando de forma unânime, que o proprietário do veículo é responsável pelo pagamento dos danos do acidente, solidariamente com o FGA e o condutor do veículo, pois é sobre ele que impendia a obrigação de celebrar seguro.

10º – Assim, por tais motivos, entende o Recorrente que deveria o Tribunal a quo ter considerado o Demandado FGA como parte ilegítima nestes autos e ao não o fazer violou o disposto no artigo 62º do D.L. 291/2007 de 21.08.

 11º - Atento tudo quanto exposto, requer-se a Vas.Exas. que se dignem julgar totalmente procedente o recurso apresentado pelo Recorrente, absolvendo-se da instância, só assim se fazendo a mais sã e elementar Justiça.


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            Não houve resposta ao recurso.

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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, apondo o seu visto, limitou-se a dizer que o recurso não carece de intervenção do Ministério Público, por falta de interesse em agir.

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            Por despacho do relator de 19 de Novembro de 2014, foi rejeitado o recurso, na parte em que tinha por objecto o despacho de 29 de Abril de 2014, proferido na audiência de julgamento, que indeferiu o requerimento de intervenção principal provocada do proprietário do veículo automóvel conduzido pelo arguido, com fundamento na ilegitimidade do recorrente.

            O Fundo de Garantia Automóvel apresentou reclamação dirigida ao Exmo. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.

            Por despacho do relator de 10 de Dezembro de 2014, a reclamação não foi admitida enquanto tal, tendo sido convertida em reclamação para a conferência.


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            Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.

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II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Da Reclamação para a conferência

            Na reclamação que apresentou para a Conferência sustentou o Fundo de Garantia Automóvel que, ao indeferir o requerimento das demandantes civis de intervenção do proprietário do veículo conduzido pelo arguido, o despacho de 29 de Abril de 2014 pronunciou-se também quanto ao mérito da excepção dilatória de preterição de litisconsórcio necessário passivo por si suscitada na contestação, considerando-o parte legítima, por estar na acção cível juntamente com o condutor do veículo, e daí que, caso não interpusesse recurso deste despacho, para evitar o caso julgado material, não poderia evitar o risco de o ver ser-lhe oposto no recurso interposto da sentença quando esta afirmou a sua legitimidade nas descritas condições.

            No despacho do relator de 19 de Novembro de 2014, foi rejeitado o recurso, na parte em que tinha por objecto o supra citado despacho, com fundamento na ilegitimidade do recorrente, por não ter sido contra si proferida (art. 401º, nº 1, c) do C. Processo Penal).

            Vejamos.

            A questão que o Fundo de Garantia Automóvel impugna nas duas decisões – despacho e sentença – é precisamente a mesma, a de saber se é parte legítima estando na acção desacompanhado do proprietário do veículo causador do acidente, não obstante estar acompanhado do respectivo condutor. Por isso, não se justificam longos desenvolvimentos sobra a solução a adoptar.

            O caso julgado, tal como se encontra balizado no art. 581º do C. Processo Civil, visa impedir a existência de decisões concretamente incompatíveis, e forma-se sobre a pretensão do autor ou seja, sobre o efeito jurídico que este quer alcançar, à luz do facto invocado como seu fundamento. Assim, em regra, a força do caso julgado cobre apenas a concreta decisão contida na parte dispositiva da sentença, não se estendendo aos respectivos fundamentos, embora seja inquestionável que estes podem ser utilizados na fixação do sentido e alcance da decisão (cfr. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pág. 709 e ss.). Por isso que a jurisprudência do nosso mais Alto Tribunal vem entendendo que a força do caso julgado se estende, para além das questões decididas no dispositivo da decisão, às que constituam seus antecedentes lógicos necessários (cfr. Acs. do STJ de 12 de Julho de 2011, processo nº 129/07.4TBPST.S1 e de 23 de Novembro de 2011, processo nº 644/08.2TBVFR.P1.S1, in, www.dgsi.pt), ainda que existam várias excepções à regra (cfr. Ac. do STJ de 8 de Fevereiro de 2011, processo nº 536/03.1TVLSB.L1.S1, in, www.dgsi.pt).  

            Temos para nós que a concreta questão em apreço é, no mínimo, duvidosa, mas, precisamente por isso, não custa admitir que, de certa forma, a não admissão da intervenção, ainda que requerida por outro interveniente processual que não o recorrente, possa eventualmente afectar a sua posição processual – com referência ao que poderia ser decidido no recurso, se invocado o caso julgado. Daí que seja de admitir o recurso.   

Nestes termos, julga-se procedente a reclamação e admite-se o recurso interposto do despacho de 29 de Abril de 2014.


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            B) Do Recurso

            Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pelo recorrente – comuns a ambas as decisões impugnadas –, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se, tendo sido demandado juntamente com o condutor do veículo causador do acidente, mas não também, com o proprietário desse mesmo veículo, é parte ilegítima no pedido de indemnização civil deduzido, por preterição do litisconsórcio passivo necessário, previsto no art. artigo 62º, nº 1 do D.L. 291/2007 de 21.08.


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            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Dela consta o seguinte Saneamento, relativamente à (i)legitimidade das partes cíveis:

            “ (…).

O FGA suscita a sua ilegitimidade passiva, por ter sido demandado desacompanhado do proprietário do veículo automóvel causador do acidente, que circulava sem seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel.

Embora numa outra perspectiva, tal questão já foi decidida no início da audiência de julgamento. Na verdade, a demandante, perante a excepção de ilegitimidade deduzida, suscitou a intervenção principal provocada do proprietário do veículo automóvel.

Tal incidente, após exercício do contraditório, inclusive do FGA, foi indeferido pelo tribunal no início da audiência de julgamento – pelo facto do tribunal ter entendido que não foi preterido listisconsórcio necessário passivo, estando a legitimidade processual acautelada com a intervenção do FGA e do condutor do veículo causador do acidente, responsável criminalmente (culpado), na perspectiva da acusação e do pedido de indemnização, pela sua produção (e não constituir objecto do julgamento uma eventual situação de risco/perigo na utilização do veículo).

Assim, com os mesmos fundamentos, que aqui damos por integralmente reproduzidos, o tribunal julga improcedente a excepção de ilegitimidade passiva dos demandados.

(…)”.

B) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

“ (…).

1. No dia 29 de Setembro de 2012, na parte da tarde, o arguido A... deslocou-se, na companhia de F..., seu tio, e de G..., irmão da sua namorada, à localidade de Casal Cinza, concelho da Guarda, a fim de carregar a bateria do veículo automóvel, pertença de seu pai, de marca Golf GTD, matrícula (...)GC;

2. Nesta localidade, todos beberam, durante aquela tarde, algumas cervejas, tendo o arguido bebido, pelo menos, 6 cervejas, o que, fizeram nomeadamente no estabelecimento de bebidas ali explorado pela arguida B... e o então marido;

3. No regresso à Guarda, pelas 20h20m, o arguido A..., transportando os mesmos acompanhantes, o seu tio no banco traseiro, do lado esquerdo, e o irmão da sua namorada no banco dianteiro, do lado direito, conduzindo a mesma viatura automóvel, circulava pela direita da faixa de rodagem, na Estrada Municipal nº 530, na zona da Sequeira, concelho da Guarda, no sentido de trânsito Casal de Cinza-Guarda;

4. Na localidade da Sequeira, ao descrever uma curva à direita, seguida de contracurva, o arguido, por força da velocidade que imprimia ao veículo, perdeu o controlo do veículo, tendo, de imediato, numa zona em que a estrada já descrevia uma recta, invadido e transposto a hemi-faixa de rodagem destinada ao trânsito que circulava em sentido contrário ao seu, onde saiu parcialmente da via, aí tendo derrapado com a traseira do veículo que conduzia na berma do lado esquerdo da via, atento o seu sentido de trânsito;

5. Após o que guinou o veículo que conduzia novamente para a estrada, para retomar novamente a hemi-faixa direita, atento o seu sentido de trânsito, tendo, nessa altura, embatido, com a parte lateral esquerda traseira do veículo que conduzia, na parte frontal do veículo automóvel da marca Toyota, modelo Hiace, de matrícula (...)VG, que, nessas circunstâncias, aí circulava, no sentido de trânsito Guarda – Casal de Cinza, na hemi-faixa da direita, atento o seu sentido de trânsito;

6. Veículo este que era conduzido por I... e transportava, como passageiros, J..., L..., M..., N... e O...;

7. O embate entre os dois veículos ocorreu na hemi-faixa de rodagem da direita, considerando o sentido de marcha do veículo conduzido por I..., tendo os veículos, após o embate, ficado nas posições aludidas na participação de acidente e croquis de fls. 116-118;

8. Do embate resultaram, na pessoa de F..., as lesões descritas no relatório de autópsia de fls. 96-99 dos autos, nomeadamente lesões traumáticas cervicotoraco abdominais, que foram causa directa, necessária e adequada da sua morte;

9. A velocidade no local, situado dentro de uma localidade, está limitada, por sinal vertical, ao máximo de 50 km/hora;

10. No momento do embate, no local do acidente, apenas ali circulavam os veículos intervenientes no acidente;

11. Os veículos não deixaram, no pavimento, sinais de travagem;

12. O veículo Toyota Hiace sofreu prejuízos avaliados em 5.497,62 €;

13. Logo após o embate, o arguido A..., alegando indisposição momentânea, abandonou o local, dizendo para os presentes que já regressaria e que assumiria as suas responsabilidades no acidente, o que não veio, porém, a acontecer;

14. Nessas circunstâncias, a arguida B..., que chegou ao local imediatamente após o embate, com o fim de evitar que o arguido A... fosse sujeito a exame à sua alcoolemia e que, por essa razão, fosse perseguido e punido criminalmente, disse-lhe para abandonar o local, tendo aquele se ausentado, nas circunstâncias referidas em 13), após o que a arguida passou a assumir para si, a responsabilidade pela ocorrência do acidente, referindo para os presentes e, posteriormente para a o agente da Polícia de Segurança Pública que tomou conta da ocorrência do sinistro, que era ela a condutora do veículo automóvel de marca Golf, embora nunca até ali o tivesse conduzido antes, nem sequer tivesse estado no seu interior como passageira;

15. Tais declarações, prestadas no local à Polícia de Segurança Pública, vieram a determinar que tivesse sido esta, posteriormente, a ser constituída arguida nos autos e interrogada nessa qualidade, sem que o arguido tivesse sido sujeito ao exame para fiscalização do teor de álcool na corrente sanguínea;

16. O acidente apenas ocorreu porquanto o arguido A..., devido à velocidade que imprimia ao veículo e teor de álcool que trazia na corrente sanguínea, não conseguiu descrever a curva que se lhe apresentava pela frente no percurso na hemi-faixa da direita da estrada, atento o seu sentido de marcha, levando-o a invadir a hemi-faixa contrária, a entrar na berma da via sentido de trânsito contrário ao seu, de onde guinou novamente para o meio da estrada, vindo, então, a embater no veículo que, nessas circunstâncias, circulava na hemi-faixa de rodagem contrária àquela de onde provinha o arguido, cujo condutor, não obstante ter reduzido a velocidade imprimida, não conseguiu evitar o embate;

17. O arguido A..., naquelas circunstâncias, devido ao teor alcoólico que trazia na corrente sanguínea e à velocidade que imprimia ao veículo, previamente ao despiste, não chegou sequer a representar que iria perder o controlo do veículo, colidir com outro veículo e/ou tirar a vida a outra pessoa;

18. A arguida B... agiu de forma deliberada, livre e conscientemente, querendo e sabendo que, ao actuar da forma sobredita, impedia, frustrava e iludia actividade probatória do agente da autoridade presente no local, com intenção de que o arguido A... não fosse submetido ao exame de pesquisa de álcool na corrente sanguínea e, eventualmente, sujeito a procedimento criminal por tais factos, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida criminalmente;

[Mais se provou que:]

19. F... faleceu no estado civil de casado, sob o regime de comunhão de adquiridos, com D..., não tendo deixado testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, tendo deixado a suceder-lhe, com únicas e universais herdeiras, o seu cônjuge e a sua filha E..., menor de idade;

20. O veículo conduzido pelo arguido era propriedade do seu pai e, na data do acidente, não possuía seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, facto que o falecido desconhecia;

21. A demandante D..., em consequência do acidente que vitimou o seu marido, teve despesas com deslocações à polícia para prestar declarações, às finanças para participar o óbito e apresentar a relação de bens, à segurança social, ao escritório da sua advogada, às conservatórias do registo civil e predial para regularizar a situação ao nível dos automóveis e pedir certidões, tendo gasto uma quantia não inferior a 70,00 €;

22. O falecido F... tinha, na data do acidente, 42 anos de idade;

23. Encontrava-se casado com a demandante D... desde o dia 23/10/1993;

24. Gozava de boa saúde;

25. Encontrava-se desempregado e à procura de emprego;

26. Mantinha um bom relacionamento familiar com a sua esposa e a sua filha;

27. Estas sofreram um enorme desgosto e uma enorme tristeza com a morte, respectivamente, do seu marido e do seu pai;

28. Nunca tendo imaginado que a saída do falecido de casa para junto do arguido teria este desfecho;

29. A demandante D..., com a partida do seu marido, perdeu o gosto de viver e a sua felicidade, recordando constantemente aquele fatídico dia;

30. Sente-se só, triste, perturbada, de luto e tem saudades do seu falecido marido;

31. Saudades que se acentuam nos acontecimentos que deveriam ser festivos para a vida familiar e que, pela ausência do ente querido, se convertem em momentos de tristeza, de vazio, difíceis de ultrapassar;

32. A sua filha P..., menor de idade, perdeu todo o apoio emocional e financeiro do seu pai para prosseguir os seus estudos;

33. O arguido A... era sobrinho do falecido F... e, sendo seu amigo, nutria por este estima, carinho e afecto;

34. Ficou afectado psicológica e emocionalmente com a ocorrência do acidente e as suas consequências;

35. O arguido A... encontra-se a viver com a companheira ( Q..., de 23 anos, desempregada) e filha de ambos ( C..., com 1 ano);

36. Habitam casa arrendada, possuindo esta razoáveis condições de habitabilidade;

37. O arguido possui como habilitações escolares o 9º ano, tendo desistido dos estudos com 18 anos de idade e iniciado, de imediato, a actividade laboral;

38. Trabalhou no supermercado “Feira Nova” e, mais tarde, na distribuição de jornais e revistas;

39. Desde Setembro de 2013, trabalha na empresa de produtos congelados “Friguarda”, auferindo o salário de 600,00€ mensais;

40. Na data dos factos, o arguido vivia com a actual companheira Q... e trabalhava no supermercado “Feira Nova”, na Guarda;

41. O arguido, na comunidade, não é conotado com quaisquer práticas criminais, sendo considerado pessoa íntegra, correcta, honesta, educada e trabalhadora;

42. Não tem antecedentes criminais, nem contra-ordenacionais estradais;

43. A arguida B... confessou de forma livre, espontânea, integral e sem reservas os factos que lhe eram imputados, tendo revelado arrependimento;

44. Encontra-se divorciada e vive com os seus dois filhos, R...(17 anos) e S...(18 anos), que estudam;

45. Encontra-se desempregada, beneficiando de uma prestação mensal de 320,00€ de rendimento social de inserção;

46. Vive em casa arrendada, pela qual paga a renda mensal de 200,00€;

47. Não tem antecedentes criminais.

(…)”.

C) E nela foram considerados não provados os seguintes factos:

“ (…).

1. O arguido circulasse a velocidade superior a 50 km/h e, por conclusivo, que o fizesse influenciado pelo álcool, de forma descuidada e sem a atenção inerente a uma condução prudente para com as normas estradais;

2. A arguida B..., conhecedora do acidente, logo de imediato se deslocou para o local;

3. O arguido A... tinha a consciência de que as suas condutas eram proibidas e punidas criminalmente;

4. A arguida B... tivesse actuado com intenção de que o arguido A... não viesse a ser submetido a pena criminal, o que só não veio a acontecer, por circunstâncias alheias à sua vontade;

5. A demandante tivesse gastado no funeral a quantia de 1 300,00 €;

6. E na campa a quantia de 1 300,00 €;

7. A demandante D..., em consequência do acidente que vitimou o seu marido, tivesse suportado despesas em valor não inferior a 500,00 €;

8. Tivesse sido o falecido quem insistiu para se deslocarem a Casal de Cinza.

(…)”.


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            Por sua vez, o despacho proferido a fls. 537 a 538, no decurso da audiência de julgamento de 29 de Abril de 2014 [acta a fls. 535 a 549-A], para cujos fundamentos remete, aliás, o decidido em A) da sentença, tem o seguinte teor:

            “ (…).

            Dispõe o art.º 73.º, n.º 1, do C. P. Penal que o pedido de indemnização cível pode ser deduzido contra pessoas com responsabilidade meramente civil, resultando do disposto no art.º 71.º do mesmo Código que tal pedido só pode ser deduzido se fundado na prática de um crime.   

Daqui resulta que em processo penal o pedido de indemnização civil pressupõe a prática de um crime e deve ser deduzido contra as pessoas com responsabilidade civil decorrente da prática desse crime.

A assistente e demandante, como resulta do teor de fls. 319 e seguintes, deduziu o pedido de indemnização civil contra o Fundo de Garantia Automóvel e contra o arguido A..., por ter sido este o autor da prática do crime, tal como consta da acusação deduzida.

Vale isto para dizer que estando em causa a indemnização devida em virtude da morte acidental de uma pessoa, o responsável civil será a pessoa que matou essa pessoa e que pode não ser o proprietário do automóvel.

O art.º 316.º do C. P. Civil, aplicável subsidiariamente ao processo penal por força do art.º 4.º do C. P. Penal, admite a intervenção principal provocada nos casos em que tenha ocorrido a preterição de litisconsórcio necessário (n.º 1) ou nos casos em que, estando em causa o litisconsórcio voluntário, o demandante pretende deduzir um pedido subsidiário contra um terceiro interveniente (n.º 2).

O art.º 62.º, n.º 1, do D.L. 291/2007 de 21/08 dispõe que as ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.

O responsável civil, tal como supra referimos, será a pessoa que deu causa ao acidente e matou a pessoa que determinou a formulação do pedido civil, ou seja, face aos factos que constam da acusação, será o condutor do veículo e não o seu proprietário.

                Não ocorre, assim, a preterição de litisconsórcio necessário e também não nos parece que haja necessidade de deduzir subsidiariamente um pedido contra terceiros, preterição esta que sempre esbarraria com a natureza do processo em causa e o estado processual em que o mesmo se encontra, que em nada justificaria o adiamento da audiência de discussão e julgamento para permitir a intervenção a título subsidiário de um terceiro. 

Tenha-se em consideração sempre que o incidente de intervenção de terceiros, na modalidade de intervenção principal provocada, só se admite se houver pluralidade de devedores ou houver necessidade de fazer intervir um garante do pagamento da indemnização.

Nenhuma destas situações ocorre no caso em apreço, pois entendemos que a legitimidade processual imposta pelo art.º 62.º, n.º 1, do D.L. 291/2007 de 21/08, se encontra garantida com a intervenção do Fundo de Garantia Automóvel e do responsável civil pela morte relatada na acusação, que será sempre o condutor do veículo e nunca o seu proprietário (por estarem em causa pessoas diversas).

Pelo exposto, o Tribunal indefere o requerimento de intervenção principal provocada.

Custas do incidente pela requerente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.

(…)”.


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            Da preterição do litisconsórcio necessário e consequente ilegitimidade do recorrente

1. Como é sabido, a prática de um crime, para além de responsabilidade penal, pode ainda dar origem a outros tipos de responsabilidade, seja civil, seja disciplinar. Para os casos em que a responsabilidade penal surge cumulada com a responsabilidade civil, dispõe o art. 129º do C. Penal que a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.

Assim, o legislador considera a indemnização civil por danos emergentes de crime, não um mero efeito da condenação penal, mas uma indemnização de natureza estritamente civil e portanto, sujeita às leis civis. 

            Neste âmbito, as relações entre a acção penal e a acção civil emergentes do mesmo facto foram solucionadas pelo C. Processo Penal, de entre os vários caminhos possíveis – sistema de independência absoluta, sistema de adesão alternativa e sistema de adesão obrigatória – pela adopção do sistema de adesão obrigatória previsto no seu art. 71º que, sob a epígrafe «Princípio de adesão», dispõe: O pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, só o podendo ser em separado, perante o tribunal civil, nos casos previstos na lei.

            O princípio comporta, no entanto, excepções, permitindo a lei, em certos casos, que o pedido de indemnização seja deduzido em separado, nos tribunais civil. Assim acontece, entre outras situações, quando ocorra demora excessiva no andamento do processo penal, quando este tiver sido arquivado ou extinto antes do julgamento, quando o procedimento respeite a crimes semi-públicos e particulares, quando, ao tempo da acusação, não houver danos ou notícia da sua existência, quando a sentença penal não se tenha pronunciado sobre o pedido, quando a forma de processo o não comporte (cfr. art. 72º, nº 1 do C. Processo Penal).

            E são apontadas como vantagens, razões de economia processual e razões de prestígio institucional, na medida em que a existência de um único processo previne a possibilidade de julgados contraditórios. Figueiredo Dias refere ainda o contributo do sistema adoptado para o fim retributivo e preventivo da pena e, por esta via, para alcançar o fim do processo penal, dando particular realce à realização mais rápida, mais barata e mais eficazdo direito do lesado à indemnização (Direito Processual Penal, 1ª Edição 1974, Reimpressão, pág. 562).    

            Por outro lado, no seguimento da lição do Mestre citado (cfr. ob. cit., pág. 567 e ss), a lei não deixou de prevenir as situações em que a escassez de elementos suficientes no processo penal e a complexidade ou demora na apreciação da questão civil, são susceptíveis de prejudicar o normal desenvolvimento do processo penal, de que é exemplo o art. 82º do C. Processo Penal.

            2. Nos autos, o arguido A... foi acusado e condenado pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. e p. pelos arts. 15º e 137º, nº 1 do C. Penal, crime cometido no exercício da condução de veículo automóvel com violação das regras de trânsito rodoviário.

A assistente D...e a demandante E... deduziram pedido de indemnização civil contra o arguido e o Fundo de Garantia Automóvel.

Este, na contestação, deduziu a sua ilegitimidade, por preterição de litisconsórcio necessário, ao não ter sido demandado o proprietário do veículo conduzido pelo arguido, e as demandantes requereram a intervenção de H..., na qualidade de proprietário daquele veículo, incidente que foi indeferido.

Na sentença recorrida, julgada improcedente a excepção da ilegitimidade, foram o arguido e o Fundo de Garantia Automóvel condenados, solidariamente, no pagamento às demandantes da quantia de € 85.070, acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos.

A questão colocada pelo Fundo de Garantia Automóvel é então a de saber se deveria ter sido também demandado aquele H..., na referida qualidade, posto que se mostra provada tal qualidade bem como a ausência de seguro obrigatório de responsabilidade civil relativamente ao veículo [cfr. pontos 1 e 20 dos factos provados da sentença].

2.1. Ao Fundo de Garantia Automóvel [doravante, FGA], hoje integrado no Instituto de Seguros de Portugal, mantendo embora autonomia administrativa e financeira (art. 47º, nº 2 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, compete, nos termos do nº 1 do mesmo artigo, garantir a reparação dos danos causados por responsável desconhecido ou isento da obrigação de seguro em razão do veículo em si mesmo, ou por responsável incumpridor da obrigação de seguro de responsabilidade civil automóvel. 

Assim, na estrutura legal do Seguro Obrigatório, o FGA intervém a título subsidiário isto é, intervém quando não é possível ou é duvidosa a intervenção de uma companhia seguradora, sendo, por isso mesmo, um mero garante da obrigação de indemnizar de terceiro, do responsável civil. 

Consequentemente, nos casos em que o FGA satisfaz a indemnização, a lei estabelece a sua sub-rogação nos direitos do lesado. 

E, cremos, é precisamente o efectivo e eficaz exercício deste direito de sub-rogação que assiste ao FGA que determinou o legislador a fixar normas relativas à sua legitimidade para ser demandado. Explicando.

2.1.1. A legitimidade passiva do FGA encontra-se assim regulada no art. 62º do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto:

1 – As acções destinadas à efectivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, quando o responsável seja conhecido e não beneficie de seguro válido e eficaz, são propostas contra o Fundo de Garantia Automóvel e o responsável civil, sob pena de ilegitimidade.

2 – Quando o responsável civil por acidentes de viação for desconhecido, o lesado demanda directamente o Fundo de Garantia Automóvel.

3 – Se nos casos previstos nos números anteriores o acidente de viação for, nos termos do n.º 2 do artigo 51.º, subsumível em contrato de seguro automóvel de danos próprios, a acção deve ser proposta também contra a respectiva empresa de seguros.   

Começamos por dizer não se suscitarem dúvidas quanto a ser o nº 1 transcrito aplicável a qualquer acção aí referida, independentemente da sua natureza, cível ou penal.

Depois, o litisconsórcio necessário passivo entre o FGA e o responsável civil nele previsto visa alcançar três objectivos:

- Facultar ao FGA, pela via de quem foi interveniente no acidente [o condutor], a versão deste e os meios de prova de que dispõe;

- Facilitar ao lesado a satisfação do seu direito de crédito, facultando-lhe a indemnização substitutiva do FGA, quando, não raras vezes, o património do responsável civil é insuficiente ou dificilmente acessível;

- Definir, sem mais dispêndio de meios processuais, os termos em que o FGA, depois de satisfazer a indemnização, pode exercer o seu direito de sub-rogação [previsto no art. 54º do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto].

2.1.2. Da consagração do litisconsórcio necessário passivo decorre que a condenação dos demandados – FGA e responsável ou responsáveis civis – quando deva ter lugar, é uma condenação solidária, dada a existência de uma concorrência de responsabilidades. Mas a relação de solidariedade é imperfeita ou imprópria, ou seja, se nas relações externas o lesado pode exigir a qualquer um dos demandados a satisfação integral do seu crédito (art. 519º, nº 1 do C. Civil), já nas relações internas, se o FGA satisfizer o pagamento da indemnização, fica sub-rogado nos direitos do lesado (art. 54º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto), mas se for o responsável civil a satisfazer tal pagamento, nada pode exigir ao FGA (cfr. Ac. do STJ de 12 de Julho de 2011, processo 5762/06.9TBMTS.P1.S1, in www.dgsi.pt).

2.2. E quem é então o responsável civil a que se refere o art. 62º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto?

A lei não o especifica, designadamente, identificando-o com o proprietário do veículo ou com o sujeito passivo da obrigação de segurar.

Por outro lado, a circunstância de o referir no singular não significa que não possa existir uma pluralidade de responsáveis civis. Vejamos então.

Nos termos do art. 6º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto, a obrigação de segurar impende sobre o proprietário do veículo, exceptuando-se os casos de usufruto, venda com reserva de propriedade e regime de locação financeira, em que a obrigação recai, respectivamente, sobre o usufrutuário, adquirente e locatário. Nenhuma dúvida subsiste portanto, quanto a ser o proprietário do veículo, o primeiro obrigado desta obrigação, nem quanto a ser o incumprimento desta obrigação que faz nascer a responsabilidade subsidiária do FGA.

Já vimos que o FGA, quando satisfaz a indemnização, fica sub-rogado nos direitos do credor (art. 54º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto) e a este propósito, dispõe o art. 54º, nº 3 do mesmo diploma que, são solidariamente responsáveis pelo pagamento ao Fundo de Garantia Automóvel, nos termos do n.º 1, o detentor, o proprietário e o condutor do veículo cuja utilização causou o acidente, independentemente de sobre qual deles recaia a obrigação de seguro.

Uma vez que o litisconsórcio necessário passivo de que vimos cuidando visa assegurar de forma efectiva o direito de regresso do FGA quando satisfaça a indemnização, e respondendo solidariamente perante o FGA, no âmbito do exercício desse direito, o proprietário do veículo causador do acidente – primeiro obrigado da obrigação de seguro –, o condutor e ainda o detentor do mesmo veículo, há que reconhecer que responsável civil será, sempre e também, o proprietário, em regra, sujeito passivo da obrigação de segurar, e ainda, o condutor e o detentor, quando não coincidam com aquele.

Aliás, já na vigência do Dec. Lei nº 522/85, de 31 de Dezembro [cujo art. 25º não continha norma idêntica à do nº 3 do art. 54º do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto], o nosso mais Alto Tribunal vinha entendendo que o responsável civil referido no seu art. 29º, nº 6 [norma equivalente à do art. 62º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto] seria não só o sujeito da obrigação de segurar, em regra, o proprietário do veículo, como qualquer outro sujeito susceptível de ser civilmente responsabilizado (cfr. Acs. do STJ de 12 de Julho de 2011, supra identificado, de 18 de Outubro de 2012, processo 2383/05.7TBVFR.P1.S1, in www.dgsi.pt, e de 12 de Setembro de 2013, processo nº 157/07.0TBVFC.L1.S1, citado no Ac. de 3 de Abril de 2014, processo nº 856/07.6TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt).    

Em síntese conclusiva, podemos dizer que o art. 62º, nº 1 do Dec. Lei nº 291/2007, de 21 de Agosto impõe o litisconsórcio necessário passivo do FGA e do responsável civil, entendendo-se por este não só o proprietário do veículo, em regra, sujeito da obrigação de seguro, como também o condutor e o detentor do veículo.

2.3. Revertendo para o caso concreto, temos que as demandantes formularam o pedido de indemnização civil pelos danos causados pelo acidente de viação que integra o objecto dos autos, contra o arguido, na qualidade de condutor do veículo automóvel onde seguia, como passageiro, a vítima mortal, e contra o FGA, este porque o proprietário veículo, pai do arguido/condutor, não havia cumprido a obrigação de seguro, não sendo, por isso, titular de seguro válido e eficaz.

Argumentou-se na sentença recorrida, remetendo para a fundamentação do despacho que indeferiu o requerimento de intervenção do proprietário do veículo, suscitado pelas demandantes, que o responsável civil, tal como supra referimos, será a pessoa que deu causa ao acidente e matou a pessoa que determinou a formulação do pedido civil, ou seja, face aos factos que constam da acusação, será o condutor do veículo e não o seu proprietário, para concluir pela legitimidade do FGA ao ser demandado conjuntamente com o condutor. 

Reconduziu-se, portanto, a figura do responsável civil, ao agente do crime de homicídio por negligência o que, e ressalvado sempre o devido respeito que é muito, contraria o regime que no âmbito do Seguro Obrigatório, o legislador assinalou ao FGA, e desconsidera o disposto no art. 73º do C. Processo Penal.

Assim, face ao que fica dito, não tendo sido demandado o proprietário do veículo e sujeito da obrigação de segurar juntamente com o condutor e o FGA, não foi observado o litisconsórcio passivo imposto pela norma em referência, o que determina a ilegitimidade passiva do FGA.

A verificação desta excepção dilatória determina, nos termos dos arts. 576º, nº 2, 577º, e), do C. Processo Civil, aplicáveis, ex vi, art. 4º do C. Processo Penal, a absolvição da instância do FGA, restando à assistente e à demandante civil recorrer, se assim o entenderem, aos meios comuns, intentando no tribunal cível a competente acção declarativa.  

Deve pois proceder o recurso.


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            III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder provimento ao recurso e, em consequência, decidem:

A) Julgar o demandado Fundo de Garantia Automóvel parte ilegítima, absolvendo-o da instância do pedido de indemnização civil e, consequentemente, do pagamento às demandantes da quantia de quantia de € 85.070 (oitenta e cinco mil e setenta euros), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa legal.


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B) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.

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Recurso sem tributação.

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Coimbra, 28 de Janeiro de 2015


(Vasques Osório - relator)


(Fernando Chaves - adjunto)