Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | CONTRATO DE EMPREITADA PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA | ||
Data do Acordão: | 12/06/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE VISEU - VISEU - JL CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.217, 317 B), 1207, 1210 CC | ||
Sumário: | 1 - Provando-se que as partes acordaram trabalhos de remodelação de habitação, mediante um preço, com materiais fornecidos pela executora, a qual se dedica à construção de edifícios, tem de concluir-se que nos encontramos não perante um contrato de prestação de serviços genérico – artº 1154º do CC- mas face a um específico contrato de empreitada – artº 1207º do CC. 2 - Para ser atendida a invocação da prescrição presuntiva, o réu devedor não tem, necessariamente, de invocar, em simultâneo e cumulativamente, o pagamento efetivo, sendo este, se invocado, apenas mais um meio de defesa no caso de improcedência daquela. 3 - A prescrição de curto prazo da al. b) do artº 317º do CC não se aplica aos contratos de empreitada, exceto se os mesmos respeitarem a empreitadas de rápida execução e com valores diminutos e usualmente de pagamento imediato ou a breve trecho. | ||
Decisão Texto Integral: |
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
1. F (…) Construções Unipessoal, Lda apresentou requerimento de injunção contra C (…).
Pediu: Que lhe seja paga a quantia total de €35.694,83, onde se inclui o montante de €153,00 de taxa de justiça. Alegou: No exercício da sua atividade prestou vários serviços à requerida relativos a trabalhos de remodelação da sua habitação. A requerida deduziu oposição. Disse que os trabalhos realizados pela autora consistiram na remodelação da sua casa de habitação, onde habita com a filha, como tal não se destinou ao exercício industrial da devedora, pelo que a alegada dívida encontra-se prescrita nos termos do disposto no artigo 317.º, alínea b), do Código Civil.
2. Prosseguiu o processo tendo, a final, sido proferida a seguinte decisão: «julgo a presente ação, instaurada por F (…) – Construções Unipessoal, Limitada contra C (…), parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno a ré a pagar à autora a quantia de €31.046,86 (trinta e um mil e quarenta e seis euros e oitenta e seis cêntimos) acrescida de juros de mora vencidos até à presente data no montante de €1.535,16 (mil quinhentos e trinta e cinco euros e dezasseis cêntimos) e, bem assim, dos vincendos a partir do dia dezanove de fevereiro de dois mil e dezasseis inclusive, sobre aquele montante de capital, à taxa legal atualmente de 7,05% (sete vírgula zero cinco por cento), ou a que vier a ser fixada como taxa supletiva de juros moratórios relativamente a créditos de que sejam titulares empresas comerciais nos termos do § 3.º do artigo 102.º do Código Comercial e alínea a), do artigo 1.º da Portaria n.º 277/2013, de 26 de agosto.».
3. Inconformada recorreu a requerida. Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões: (…)
4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes:
1ª – Qualificação do contrato em causa. 2ª – Prescrição do crédito nos termos do artº 317º al. b) do CC.
5. Foram dados como provados os seguintes factos: 1. A autora dedica-se à construção de edifícios. 2. No exercício da sua atividade autora e ré acordaram em que a primeira procederia, na habitação da segunda, sita em Fareja, Castro Daire, no decorrer dos anos de 2010 e 2011, a trabalhos de remodelação daquela habitação. 3. Na sequência daquele acordo, conforme orçamento apresentado pela autora à ré, a primeira realizou naquela habitação trabalhos de remodelação no rés-do-chão, 1.º e 2.º pisos, com fornecimento e aplicação de material, correspondendo à conclusão dos trabalhos orçamentados. 4. Para além dos trabalhos constantes do orçamento a autora realizou os trabalhos extra que foram solicitados pela ré, executou um telheiro, procedeu ao transporte de móveis de Viseu para Castro Daire, ao transporte de mobiliário em Castro Daire, executou e assentou gradeamento na escadaria exterior. 5. Com data de 28-11-2011 a autora emitiu a fatura n.º 0130, no valor de €25.478,00, com IVA incluído à taxa de 23%, reportada aos trabalhos referidos no artigo 3.º 6. Com data de 30-11-2011 a autora emitiu a fatura n.º 0131, no valor de €5.568,86, com IVA incluído à taxa de 23%, relativa aos trabalhos referidos no artigo 4.º, sendo €1.389,32 da execução de trabalhos extra, €569,11 da execução do telheiro, €130,08 do transporte e €2.439,02 do gradeamento e €1.041,33 de IVA. 6. Apreciando. 6.1. Primeira questão. O Sr. Juiz qualificou o contrato como de empreitada aduzindo, para o efeito, o seguinte discurso argumentativo: «Atendendo à factualidade provada constante dos artigos 3.º e 4.º, conforme inicialmente aceite pelas partes, autora e ré celebraram um contrato de empreitada, que é o contrato pelo qual uma das partes (autora) se obriga em relação à outra (ré) a realizar certa obra, mediante um preço, fornecendo o empreiteiro, salvo convenção em contrário, os materiais necessários à execução da obra (artigo 1207.º e 1210.º do Código Civil). No caso dos autos, também foi incluído no contrato celebrado entre as partes o transporte de móveis e mobiliário. Daí que discordamos do entendimento defendido pela ré no requerimento que apresentou a folhas 63 a 68 – ref.ª21868520 -, sendo certo que se afigura correto aquele que inicialmente tinha referido na sua oposição, apesar de mencionar agora que está em causa um mero lapso (cfr. art.º 19.º do requerimento de folhas 63 a 68).» Já a recorrente continua a pugnar que inexistem factos que permitam taxar o contrato como de empreitada, mas apenas como de prestação de serviços. Conexiona-se esta questão com a problemática da interpretação da declaração e com a declaração/decisão tácita ou implícita. A declaração negocial, plasmada num contrato, ou num articulado da parte, deve ser devidamente analisada e interpretada de sorte a que dela se retire o seu real e verdadeiro fundamento, sentido e fito. Nesta conformidade, o intérprete deve partir do texto e do seu sentido perfunctório, liminar e heurístico para, através de adequada hermenêutica jurídica, alcançar o real e essencial pensamento, a ratio e teleologia do quid interpretando, pois que só assim se consecute a finalidade suprema a alcançar pela aplicação concreta do direito: a realização efetiva da justiça material – cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 05.11.1998, p. 98B712 in dgsi.pt. Este vislumbre último pode não advir, desde logo e como é preferível, da letra da declaração adrede consignada, sendo pois, por vezes, necessário efetivar um esforço hermenéutico/exegético para o alcançar, máxime se aquele verdadeiro fundamento e finalidade se indiciarem tácitos ou implícitos. Nesta senda, estatui o artigo 217.º n.º 1 do CC: «A declaração negocial tácita deve deduzir-se de factos que com toda a probabilidade a revelem». Ora, como é pacifico na doutrina e jurisprudência, a declaração tácita tem na sua génese e dimana de um comportamento concludente - aquele que , considerando todas as circunstâncias, não deixa fundamento razoável para dúvidas - do qual se deduza com forte probabilidade a expressão ou a comunicação de algo. Tal comportamento declarativo pode estar contido ou ser integrado por comunicações escritas, verbais ou por quaisquer atos significativos de uma manifestação de vontade, incorporem ou não uma outra declaração expressa. E deve ser avaliado pela perspetiva interpretativa de um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, segundo uma lógica de interação de acordo com as regras ou usos da vida. Ou seja: «a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução, …seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade …A univocidade dos “facta concludentia” deve ser aferida por um critério prático que não de acordo com um critério estritamente lógico. Há que buscar um grau de probabilidade da vida da pessoa comum, de os factos serem praticados com determinado significado negocial. Já a autorização ou aceitação implícita não tem de se inferir de factos por inequivocamente se conter na declaração integrando-se na vontade que esta exprime» - Ac. do STJ de 01.07.2008, p. 08A1920 in dgsi.pt, citando Mota Pinto in Teoria Geral do Direito Civil”, 3.ª ed., 425; e, ainda, Acs do STJ de 24.10.2000, CJ, 3º-93 e de 16.0.2010, p. 97/2002, in dgsi.pt. No caso vertente. Atenta esta posição dogmática, e perante os factos provados, corrobora-se a exegese efetivada pelo julgador e a sua conclusão sobre a qualificação do contrato como empreitada. Na verdade, provou-se: «A autora dedica-se à construção de edifícios. No exercício da sua atividade autora e ré acordaram em que a primeira procederia, na habitação da segunda… a trabalhos de remodelação daquela habitação. …com fornecimento e aplicação de material, correspondendo à conclusão dos trabalhos orçamentados. …executou um telheiro…executou e assentou gradeamento na escadaria exterior.» O contrato de empreitada é uma espécie do género «contrato de prestação de serviços» Este é definido como aquele «em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.»- artº 1154º do CC. Já a empreitada é substanciada como o contrato «pelo qual uma das partes se obriga em relação à outra a realizar certa obra mediante um preço»- artº 1207º do CC. Sendo que «os materiais e utensílios necessários à execução da obra devem ser fornecidos pelo empreiteiro, salvo convenção ou uso em contrário» - artº 1210º do CC. Nesta conformidade, alcançam-se as seguintes, nucleares, diferenciações ente o género e a espécie. Enquanto o contrato de prestação de serviços pode destinar-se a praticar atos materiais ou jurídicos, o de empreitada apenas pode reportar-se a estes: «certa obra». Enquanto aquele pode ser gratuito ou oneroso, o de empreitada só pode assumir este jaez. Enquanto que naquele o prestador do serviço fica, normalmente, sujeito às instruções e orientações da outra parte e a prestar informações sobre tal prestação – cfr. vg. artº 1161º e 1187º- na empreitada o empreiteiro goza de autonomia e assume toda a responsabilidade pela boa execução da obra. Ora o acervo factual supra referido aponta, com toda a probabilidade, atenta uma perspetiva prática, a experiência comum, e os usos, no sentido de que o contrato celebrado foi o de empreitada. Pois que, essencialmente, estamos perante a realização de uma obra na casa da ré, mediante um preço, com materiais fornecidos pela autora, e sendo certo que ela se dedica à construção de edifícios. E consciente deste contrato estava a ré, pois que como tal inicialmente o assumiu, sendo que apenas posteriormente, e por estratégia de defesa, alterou a sua posição.
6.2. Segunda questão. 6.1. O julgador conclui pela não aplicação da prescrição no caso do autos com base em dois argumentos nucleares: a ré não alegou que pagou e o instituto não se aplica aos contratos de empreitada. O que fez nos, mais desenvolvidos, seguintes termos: «Está em causa uma prescrição presuntiva, fundada na presunção de cumprimento (art.º 312.º, do Código Civil), que se explica “pelo facto de as obrigações a que respeitam costumarem ser pagas em prazo bastante curto e não se exigir, via de regra, quitação, ou, quando menos, não se conservar por muito tempo essa quitação. Decorrido o prazo legal, presume-se que o pagamento foi efetuado” (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.º edição, pág. 1126). Por força da prescrição presuntiva o devedor está apenas dispensado de provar que procedeu ao pagamento, transferindo para o credor a prova de que tal pagamento não ocorreu, sem que determine a extinção da obrigação. A ré não invocou o pagamento e limitou-se a alegar a prescrição presuntiva. Discute-se na jurisprudência e doutrina se o devedor para beneficiar da prescrição presuntiva terá de alegar que pagou ou se lhe basta invocar o decurso do prazo (cfr., entre outros, no sentido de que é necessário alegar o pagamento: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-05-2013, Processo 199632/11.5YIPRT.L1.S1 – “Atenta a especial natureza deste tipo de prescrição, não basta invocá-la, sendo ainda necessário que, quem dela pretenda prevalecer-se, alegue o pagamento, ainda que não tenha de o provar”; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-06-2012, Processo 575/10.6T2AND.C1 – “Porque a prescrição presuntiva se funda na presunção de cumprimento, o devedor que conteste uma ação de dívida, para dela poder beneficiar, tem de invocar expressa e claramente que pagou o montante peticionado”; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-12-2013, Processo 229191/11.0YIPRT.C1 – “Atenta a especial natureza deste tipo de prescrição não basta invocá-la, sendo ainda necessário que quem dela pretenda prevalecer-se alegue expressamente o pagamento, ainda que não tenha de o provar, ou pelo menos não pode alegar factualidade incompatível com a presunção de pagamento, sob pena de ilidir a presunção”. No sentido de que bastará a alegação da prescrição presuntiva, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 24-03-2015, Processo 102608/13.9YIPRT.P1 e Calvão da Silva, “A Prescrição presuntiva e a armadilha do ónus da prova”, RLJ, Ano 138.º – “a alegação da prescrição presuntiva, porque assente na presunção de cumprimento pelo decurso do prazo, contém em si mesma a alegação do cumprimento e a sua prova por presunção legal”). As partes assumem posições divergentes sobre a questão, porém, independentemente da posição que se assuma, a verdade é que de acordo com a jurisprudência dominante, a ratio da prescrição presuntiva não parece compatível com empreitadas de construção civil (cfr., neste sentido, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-11-2006, Processo 06A3693 – “Representando o crédito parte do preço de um contrato de empreitada de construção de imóvel, não é aplicável o regime do art. 317º-b) C. Civil.”, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-05-2013, Processo 199632/11.5YIPRT.L1.S1, “A prescrição presuntiva não tem aplicação no âmbito de créditos emergentes de contrato de empreitada de construção civil ou relacionados com a construção”; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08-11-2012, Processo 199632/11.5YIPRT.L1-6 – “À dívida emergente de contrato de empreitada não é de aplicar o regime da prescrição presuntiva de cumprimento, uma vez que não se enquadra na expressão “execução de trabalhos” referida na alínea b) do art.º 317.º do Código Civil”, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-04-2008, Processo 1278/05.9TBLRA.C1 - “À dívida emergente do contrato de empreitada não é de aplicar o regime da prescrição presuntiva de cumprimento, uma vez que não se enquadra na expressão “execução de trabalhos” referida na alínea b) do art. 317º do Código Civil, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20-06-2012, Processo 575/10.6T2AND.C1 – “Porque as obrigações respeitantes a essa forma de prescrição estão ligadas às necessidades do quotidiano, onde não é usual a exigência de recibo, a sua razão de ser não é compatível com o contrato de empreitada de obras de construção civil ou sua reparação, cujos pagamentos envolvem, por norma, faturas e recibos”; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-01-2013, Processo 235585/11.4YIPRT.G1 – “As obras de execução de contratos de empreitada que respeitem a reparações efetuadas em imóveis destinados a longa duração não se enquadram na expressão ''execução de trabalhos'' prevista no art.º 317º, alínea b) do Código Civil e, consequentemente, a obrigação do pagamento respetivo não está sujeita à prescrição presuntiva que tal norma igualmente prevê). Concordamos com o entendimento de que na expressão “execução de trabalhos” constante da alínea b) , do artigo 317.º, do Código Civil não estão compreendidos os créditos emergentes de contrato de empreitada de construção civil de imóveis. No caso dos autos está em causa a execução de trabalhos no âmbito de um contrato de empreitada relativo à remodelação da habitação da autora. Conforme foi considerado no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-01- 2013 (Processo n.º 235585/11.4YIPRT.G1), “parece indiscutível que na expressão «execução de trabalhos» a que se refere o artº 317º, alínea b) do CC acima citado não estão incluídas as empreitadas traduzidas na execução de obras de construção de imóveis, uma vez que estas habitualmente se estendem por meses e mesmo anos, sendo certo que a garantia de reparação dos respetivos defeitos é, nesses casos, de 5 anos. (artigos 916º, nº 3 e 1225º, nº 1 do CC e artº 5º, nº 1 do DL 67/2003, de 08.04). No entanto, nenhuma razão existe (bem pelo contrário...) para não estender aquela não inclusão às obras de (mera) reparação de imóveis. Desde logo, a isso conduz necessariamente o teor literal do citado artigo 1225º, nº 1 do CC, onde se afirma que, sem prejuízo do disposto nos artigos 1219º e seguintes, se a empreitada tiver por objeto a construção, modificação ou reparação de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração e, no decurso de cinco anos a contar da entrega, ou no decurso do prazo de garantia convencionado, a obra, por vício do solo ou da construção, modificação ou reparação, ou por erros na execução dos trabalhos, ruir total ou parcialmente, ou apresentar defeitos, o empreiteiro é responsável pelo prejuízo causado ao dono da obra ou a terceiro adquirente”. À semelhança do decidido naquele processo, apesar no caso dos autos não estarmos perante uma empreitada de construção de imóvel mas sim de reparação ou remodelação de imóvel “em nada lhe retira o seu carácter matricial, ou seja, a sua inclusão no grupo das obras realizadas em edifícios e estas, até pela sua duração habitual (…) não se concretizam na realização de «trabalhos ocasionais que normalmente são executados e pagos de imediato, sejam eles resultantes de prestação de serviços de execução rápida ou não, em que a maior parte das vezes nem sequer são emitidas faturas ou recibos de quitação» ”. Pelo que, não se enquadrando as obras em causa nos autos na expressão “execução de trabalhos” prevista no artigo 317º, alínea b) do Código Civil, a obrigação de pagamento não está sujeita à prescrição presuntiva prevista naquela norma. A ré não alegou que procedeu ao pagamento e limitou-se a invocar aquela prescrição. A ré não beneficia da presunção de pagamento. Não tendo a ré alegado e provado como lhe competia o pagamento da totalidade do preço (art.º 342.º, n.º 2, do Código Civil), provada que está a existência da obrigação e não se tendo provado a existência de qualquer exceção, deve a ré ser condenada a pagar o valor peticionado a título de capital (€31.046,86).» 6.2. Este discurso argumentativo apresenta-se, na sua essencialidade relevante, curial e adequado aos contornos do caso vertente. Mas sempre se aduzirão as seguintes observações. 6.2.1. Quanto à invocação pelo devedor do pagamento conjuntamente com a alegação da prescrição presuntiva. A prescrição presuntiva vale por si própria e, se não ilidida, tem os efeitos da prova do pagamento. Assim sendo, tal invocação do pagamento não corresponde a um dever, nem sequer a um requisito necessário e sine qua non para que a alegação da prescrição possa ser atendida e, com esta, o réu obtenha ganho de causa. Na verdade, a não invocação do pagamento não significa a confissão do não pagamento, ou, ao menos, que o réu assuma a responsabilidade perante o autor/credor. Até porque, apesar de, concetualmente, a prescrição presuntiva não ser uma prescrição extintiva, invoca um facto extintivo, o cumprimento. Muitos factos, para além do pagamento, podem ser causa extintiva da obrigação, como, vg. a que ora nos ocupa. Destarte, invocada a prescrição, e se o credor a não ilidir, provando o não pagamento, a presunção do pagamento ínsita naquela, produz, independentemente da alegação do efetivo pagamento, os seus efeitos e o réu tem de ser absolvido. E a desnecessidade de, por via de regra, ser invocado o pagamento, dimana ainda, impressiva e acrescidamente, de, perante ela, a prova do não pagamento ser altamente restritiva. Pois que esta apenas pode ser efetivada pela confissão do devedor que admite que não pagou, ainda que esta possa ser tácita, consistente na pratica de atos que se revelem incompatíveis com o pagamento, nomeadamente quando ele discute a existência, o montante ou o vencimento da dívida. A invocação do pagamento, não é pois, dever do réu, nem se assume como requisito para que ele possa beneficiar da prescrição presuntiva. Antes se vislumbra como uma faculdade ou ónus do réu. O qual, alegando o pagamento cumulativamente com a prescrição, beneficia, à partida, de dois meios de defesa: desde logo e primordialmente, a prescrição, se tiver consagração legal e estiverem presentes os seus requisitos; e, depois, e se soçobrar este meio de defesa, ainda podendo provar o alegado efetivo pagamento. E neste sentido parecer depreender-se do seguinte trecho do Ac. da RG de 08.01.2013 citado na sentença, alcandorado em José Lebre de Freitas in A Confissão no Direito Probatório, 1991, pgs. 488 a 490: «Uma vez que, destruída a presunção, deixa de poder contar com a prescrição, estará ainda livre de provar que o cumprimento (ou outro facto extintivo) ocorreu, pois, não tendo ficado assente o incumprimento, apenas ficou destruída a presunção de cumprimento estabelecida a partir do decurso do prazo prescricional (CC, art. 312)». O que – por preterição dos princípios da substanciação e do dispositivo - não poderia acontecer se tal alegação não se tivesse verificado. Assim se acompanhando, ainda que por motivos parcialmente diferentes, o Ac. da RP de 24-03-2015 e o estudo de Calvão da Silva na sentença citados. 6.2.2. No atinente à inaplicabilidade da al. b) do artº 317º do CC ao contrato de empreitada. Tal como mencionado na decisão, a grande maioria da doutrina e da jurisprudência pronuncia-se no sentido de tal inaplicabilidade – cfr. para além dos arestos citados na decisão, o Ac. RG de 29.10.2015, p. 252/09.0TBPRG.G1 in dgsi.pt. Isto porque, tal como dimana do mencionado pelo Sr. Juiz, este contrato assume, pelo menos por via de regra, um jaez e caraterísticas tais que não se coadunam com a ratio e teleologia desta figura jurídica. A qual, como é consabido se destina a proteger o devedor por dívidas de não muito elevado montante, cujo pagamento é suposto ser efetivado imediatamente ou a breve trecho e para as quais nem sequer é usual emitir fatura/recibo. Acompanhamos, tendencialmente, esta corrente. E dizemos «por via de regra» e «tendencialmente», porque casos haverá de empreitadas que assumem foros e natureza tal que sejam compatíveis com a invocação desta figura presuntiva. São aquelas que se concretizam e traduzem em «trabalhos ocasionais que normalmente são executados e pagos de imediato, sejam eles resultantes de prestação de serviços de execução rápida ou não, em que a maior parte das vezes nem sequer são emitidas facturas ou recibos de quitação', como acontece, com frequência na generalidade dos contratos de empreitada relativos a reparações de automóveis, electrodomésticos, computadores e outros tantos bens imóveis não consumíveis.» - Ac. da RG de 08.01.2013 sup. cit. Não é o caso dos autos. Nestes estamos perante uma empreitada atinente a obras em vários várias partes da habitação da requerida, e respetivos anexos – telheiro -. As quais, naturalmente, demoraram vários dias ou até semanas a realizar. Implicaram um preço vultuoso de várias dezenas de milhares de euros. E para as quais foram emitidas faturas. Por conseguinte, a natureza e finalidade da prescrição de curto prazo do artº 317º al. b) do CC não tem aqui aplicação sob pena de daí advir um acentuado e intolerável desequilíbrio, na perspetivação e composição dos interesses e direitos em presença, em desfavor do empreiteiro/autor. E como pela ré não foi alegado o pagamento efetivo, vedada lhe está a prova do mesmo.
Improcede, brevitatis causa, o recurso.
7. Sumariando – artº 663º nº7 doCPC: I - Provando-se que as partes acordaram trabalhos de remodelação de habitação, mediante um preço, com materiais fornecidos pela executora, a qual se dedica à construção de edifícios, tem de concluir-se que nos encontramos não perante um contrato de prestação de serviços genérico – artº 1154º do CC- mas face a um específico contrato de empreitada – artº 1207º do CC. II - Para ser atendida a invocação da prescrição presuntiva, o réu devedor não tem, necessariamente, de invocar, em simultâneo e cumulativamente, o pagamento efetivo, sendo este, se invocado, apenas mais um meio de defesa no caso de improcedência daquela. III - A prescrição de curto prazo da al. b) do artº 317º do CC não se aplica aos contratos de empreitada, exceto se os mesmos respeitarem a empreitadas de rápida execução e com valores diminutos e usualmente de pagamento imediato ou a breve trecho .
8. Deliberação. Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.
Custas pela recorrente.
Coimbra, 2016.12.06
Carlos Moreira ( Relator ) Moreira do Carmo Fonte Ramos |