Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6099/16.0T8VIS-S.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: CASO JULGADO
FUNDAMENTOS DE FACTO
FUNDAMENTOS DE DIREITO
INSOLVÊNCIA
INDEMNIZAÇÃO
MASSA INSOLVENTE
CREDORES
RESPONSABILIZAÇÃO
GERENTES SOCIETÁRIOS
Data do Acordão: 12/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – JUÍZO DE COMÉRCIO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 82º, Nº 3, E 189º, Nº 2, AL. E) DO CIRE; 581º DO NCPC.
Sumário: 1. A exceção de caso julgado verifica-se, em regra, quando quem foi parte em ação anterior pretende obter o mesmo efeito jurídico a partir dos mesmos factos principais, simples ou complexos, deduzidos na primeira.

2. Contudo, a obtenção de uma prestação por parte do autor vencedor implica que a procedência da ação consuma todos os fundamentos, tanto os deduzidos como os deduzíveis, seja quanto aos factos em si mesmos, seja quanto às qualificações jurídicas em si mesmas, sendo irrelevante por que concretos fundamentos se venceu, de facto ou de direito.

3. A indemnização a que se reporta o artigo 189º, nº 2, al. e) do CIRE tem como beneficiário direto a massa insolvente na qual deverá ingressar a fim de, posteriormente, ser distribuída pelos credores insatisfeitos segundo a graduação efetuada na sentença de verificação e graduação de créditos.

4. Caso a qualificação da insolvência como culposa tenha acarretado a condenação dos administradores a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos (art. 189º, nº 2, al. e) do CIRE), haverá ainda espaço para a instauração da ação prevista nos arts. 82º, nº 3, al. b) do CIRE e 78º do CSC, na medida em que o montante dos danos causados exceda o montante dos créditos que já tenham sido satisfeitos pela via do art. 189º, nº 2, al. e) do CIRE.

Decisão Texto Integral:







Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

A Massa Insolvente de N..., Lda., representada pelo Administrador de Insolvência (AI), intenta a presente ação declarativa sob a forma de processo comum e de responsabilidade dos administradores da insolvente pelos prejuízos causados à Insolvente e à generalidade dos seus credores, contra:

1. R...,

2. M... e

3. A...,

alegando, em síntese:

Cerca de 8 meses antes da declaração de insolvência, os aqui réus, os primeiros como gerentes de direito e o terceiro como gerente de facto, desfizeram-se da totalidade do património da insolvente, trespassando todo o acervo do seu estabelecimento e vendendo o prédio onde este se encontrava instalado;

apenas o acervo do estabelecimento foi objeto de trespasse, livre de quaisquer ónus, encargos ou passivo, pelo preço de 10.000,00€ quando, com o alvará incluído, o preço de mercado nunca seria inferior a 750.000€;

a presente ação é deduzida com base nas als. a) e b) do nº 3 do artigo 82º CIRE, visando a condenação dos administradores de facto na responsabilidade dos prejuízos que causaram à devedora e à indemnização dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela total exaustão do património integrante da massa insolvente;

e tem por fundamento o disposto nos artigos 64º, 72º e 78º do CSC;

criaram os réus com os seus actos a situação de a insolvente deixar de ter qualquer ativo ou fonte de rendimento, o que foi determinante para a situação de insolvência, com o total benefício da sociedade detida por pessoa especial e diretamente relacionada com os gerentes de direito, o seu filho, o que conduziu à declaração de insolvência culposa dos três réus da presente ação.

Em consequência pedem:

a) Ser reconhecida e decretada a responsabilidade civil com base em culpa grave de todos as Réus, na dissipação do património da insolvente N..., Lda., pelas escrituras juntas sob docs. 1 e 4, bem como pelo expediente da cessão de exploração, logo a seguir rescindida;

b) Ser reconhecido e decretado que foi causado um prejuízo de €1.086.000,00 à sociedade insolvente, que ficou sem qualquer atividade ou ativo, e aos seus credores, em função da atuação dos gerentes de direito da insolvente N..., e aqui os dois primeiros Réus, bem como do gerente de facto e aqui terceiro Réu, valor este correspondente ao montante não recebido pelo valor real do estabelecimento de €750.000,00, bem como ao valor de venda do imóvel de €336.000,00, logo devolvido pela insolvente, por força de um contrato de cessão de exploração, contrato este rescindido logo a seguir;

c) Serem os Réus condenados solidariamente a pagar à Autora a quantia de €1.086.000,00 correspondente ao prejuízo ocorrido, verba essa destinada a posterior rateio pelos credores com a efetiva satisfação dos seus créditos, acrescida de juros desde a data da citação.

O Réu A... apresentou contestação invocando a exceção de caso julgado material, alegando, em síntese, que estes factos foram já julgados e tiveram já as devidas consequências patrimoniais e jurídicas, tendo sido condenados, em sede de qualificação da insolvência, a ressarcir os credores; estamos perante uma duplicação de pedidos, pedindo a autora que os Réus sejam condenados duas vezes no mesmo montante indemnizatório, sendo que se adicionarmos o valor qui peticionado ao valor que subjaz à condenação no processo de qualificação de insolvência, deparamo-nos com o valor de 1.826.000,00 €, valor que suplanta largamente o valor do passivo da Insolvente.

Pelo Juiz a quo proferido Despacho Saneador a julgar improcedente a invocada exceção de caso julgado e a absolver os réus da instância em relação ao montante de 740.000,00€, relativo ao valor do estabelecimento, por falta de interesse em agir, absolvendo-se, nesta parte, os réus da instância.

Inconformada com tal decisão, a Massa Insolvente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

...

Q – Violou a decisão recorrida os artºs 1º, 46º, 81º, nº1, 82º, nº3, 173º, 185º, 189º, nº2, al. e) todos do CIRE, os artºs 72º e 78º do CSC e os artºs 10º, nº5, 577º, al. i), 580º, 581º, 621º, 703º, nº1 e 728º e segs todos do CPC. Nestes termos e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e provado e, por via dele, ser proferido acórdão revogatório da decisão recorrida e que julgue ser ilegal a decisão recorrida quando decidiu que, em sede declarativa, a condenação dos afetados da insolvência culposa inviabilizava o interesse em agir e o pedido da Massa Insolvente na presente ação sobre o valor do estabelecimento de €750.000,00, quando a questão se põe, em fase executiva, relativamente ao cumprimento das sentenças: a do incidente e a da presente ação.

Os Réus R... e M... apresentam contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se o tribunal se encontra impedido de prosseguir com a presente ação na parte em que se pede a condenação dos réus em indemnização correspondente ao valor do estabelecimento, no montante de 740.000,00 €, por tal indemnização ter sido já decretada na sentença proferida no incidente de qualificação da insolvência.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Instaurando a Massa Insolvente de N..., Lda., aqui representada pelo administrador de insolvência, a presente ação de responsabilidade civil “pelos prejuízos causados à Insolvente e à generalidade dos credores da insolvência”, ao abrigo do disposto no artigo 82º, nº 3, als. a) e b), do CIRE, com referência aos artigos 72º e 78º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), conclui o Requerimento Inicial da presente ação pedindo a condenação dos Réus, os dois primeiros enquanto administradores de direito e o terceiro enquanto administrador de facto, no valor da diminuição do património da sociedade na sequência da venda a terceiro do único prédio da Sociedade Insolvente (336.000,00€) e do trespasse da totalidade do acervo do estabelecimento da insolvente (740.000,00€).

Contesta o Réu A..., invocando a exceção de caso julgado material face ao decidido em sede de incidente de qualificação da insolvência, onde os Réus foram condenados a ressarcir os credores, encontrando-nos perante uma duplicação de intenções indemnizatórias, pretendendo a autora que os réus sejam condenados duas vezes no mesmo montante indemnizatório, resultando num locupletamento injustificado da Autora.

Na decisão recorrida o juiz a quo veio a negar a verificação da exceção de caso julgado com os seguintes fundamentos:

“(…) A presente ação foi instaurada pela Administradora da Insolvência, em representação da Massa Insolvente, ao abrigo do disposto no artigo 82.º, n.º 3 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Não sendo a qualificação da insolvência vinculativa para as ações a que se reporta o n.º 3 do artigo 82.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, em relação a esta ação, por força do artigo 185.º, não prevalece o caso julgado formado pela decisão de qualificação da insolvência, já que esta disposição consagra o princípio da autonomia da ação em relação ao incidente de qualificação da insolvência, no sentido de não prejudicar a propositura das ações previstas no n.º 3 do artigo 82.º, na medida em que o montante dos danos causados exceda o montante dos créditos não satisfeitos (cfr., neste sentido, Nuno Manuel Pinto Oliveira, Responsabilidade Civil dos Administradores entre o Direito Civil, Direito das Sociedades e Direito da Insolvência, págs. 232 a 233).

O que, sem necessidade de mais delongas, determina a improcedência da exceção.”

Na decisão recorrida considerou-se, ainda, que “a decisão proferida no incidente de qualificação da insolvência não obsta à instauração da presente ação na medida em que o montante dos danos causados exceda o montante dos créditos não satisfeitos.”. E considerando que, no incidente de qualificação de insolvência, foram os aqui réus condenados a indemnizar os titulares de créditos sobre a insolvente, reconhecidos e não satisfeitos pela massa, pelo montante de 740.000,00€valor que corresponde à diferença entre o valor declarado pelo trespasse (10.000,00€) e ao valor mínimo do estabelecimento trespassado (750.000,00€), e que na presente ação a autora pede a condenação dos réus dos no pagamento à massa insolvente a quantia de 1.086.000,00 €, onde se inclui a quantia de 740.000,00€, correspondente à diferença entre o valor do estabelecimento (750.000,00€) e o valor declarado no trespasse (10.000,00€), conclui que:

“Uma vez que os réus já foram condenados a indemnizarem os credores da insolvência no montante de €740.000,00, relativo ao valor do estabelecimento, nesta parte, a autora não tem interesse em agir, já que a indemnização peticionada, destinada aos credores da insolvência (cfr. art. 27.º onde é referido que o valor da indemnização destina-se a posterior rateio pelos credores), já foi atribuída.

Acresce que a autora não alegou factos que, em relação ao estabelecimento, demonstrem o seu interesse processual, nem demonstrou a necessidade de, nessa parte, usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a presente ação.

Está em causa uma exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que dá lugar à absolvição da instância.

Consequentemente, por falta de interesse de agir em relação ao montante de €740.000,00, relativo ao valor do estabelecimento, absolvem-se os réus da instância, com custas a cargo da autora na proporção do decaimento.”

Insurge-se a Apelante/Massa Insolvente contra o decidido, alegando, em síntese,  que a inexistência de caso julgado, reconhecida na decisão recorrida –  inexistência que vai mais além do que resulta do artigo 185º do CIRE sobre a não vinculação das ações a que se reporta o nº 3 do artigo 82º do CIRE ao incidente de qualificação, só existindo a repetição de uma causa após a primeira ter sido decidida por sentença que não admite recurso ordinário, sendo que a causa só se repete se houver a propositura de uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir, nos termos do art. 581º CPC – importaria o prosseguimento da presente ação.

Embora julgando improcedente a exceção de caso julgado material, o tribunal recorrido, considerando que a circunstância de a presente ação envolver a possibilidade de repetição da condenação dos administradores na indemnização em montante equivalente à diferença entre o valor real do estabelecimento (750.000,00 €) e o valor pelo qual foi efetuado o seu trespasse (10.000,00€), já decretada no incidente de qualificação de insolvência, vem a concluir que tal repetição integra uma falta de interesse em agir por parte da autora, o que impediria, nesta parte, o prosseguimento da ação.

A resposta à concreta questão colocada pelo Réu A... na sua contestação – de que a presente ação envolve o risco de os réus virem a ser condenados duas vezes no mesmo montante indemnizatório – e que enquadra no âmbito da figura do caso julgado material, depende da análise de duas questões mais latas:

i) âmbito da condenação dos administradores a decretar no incidente de qualificação da insolvência, prevista na al. e) do nº 3, e no nº4, do artigo 189º do CIRE, em confronto as ações de responsabilização dos administradores previstas no artigo 82º, nº 3, al. b) do CIRE e 78º CSC.

ii) caso julgado material e autoridade de caso julgado.


*

Comecemos por analisar o alcance da condenação decretada ao abrigo do artigo 189º, nº 2, al. e) do CIRE e o âmbito das ações autónomas a que se refere o artigo 82º, nº 3, al. b), do CIRE.

No incidente de qualificação de insolvência foram os aqui Réus, os dois primeiros na qualidade de administradores de direito e o terceiro na qualidade de administrador de facto, condenados “solidariamente, até às forças do respetivo património, a indemnizarem os titulares dos créditos sobre a insolvente, reconhecidos e não satisfeitos, pelo montante de 740.000,00€, acrescidos dos montantes que os credores deixarem de receber por força do trespasse mencionado no art. 20º e pela cessação do contrato de exploração, a quantificar em liquidação de sentença.”

Por sua vez, com a presente ação pretende a Massa Insolvente, ao abrigo do disposto no artigo 82º, nº 3, al. b), do CIRE, e com fundamento no artigo 78º do CSC, a condenação solidária dos Réus a pagar à autora a quantia de 1.086.000,00€.

Em ambas as ações se encontra em causa a condenação dos Réus no pagamento da quantia de 740.000,00 €, correspondente à diferença entre o valor real do estabelecimento (750.000,00€) e o valor de 10.000€ pelo qual foi efetuado o respetivo trespasse, e, nessa medida, ao empobrecimento do património da sociedade insolvente, valor com o qual os credores sociais deixaram de poder contar.

Vejamos, assim, se tal campo de interceção entre o incidente de qualificação de insolvência e a presente ação de responsabilidade civil impede o prosseguimento desta relativamente à pretensão indemnizatória correspondente à diferença entre o valor real do trespasse e o valor pelo qual o mesmo foi efetuado, tal como foi decidido pelo tribunal a quo.

A presente ação é uma ação de responsabilidade civil pelos danos que os réus, na qualidade de administradores (de facto ou de direito) causaram à massa insolvente e à generalidade dos credores –  i) com a venda do único imóvel da insolvente pelo preço declarado e recebido pela insolvente de 336.000,00€, preço que foi devolvido à adquirente nesse mesmo dia; ii) trespasse efetuado à sociedade de que o 3º Réu era o único sócio pelo preço de 10.000,00€, quando o seu valor de mercado era de 750.000,00€ –, na quantia de 1.086.000,00€, correspondente à diminuição (e total exaustão) do património integrante massa insolvente.

Em ambas as situações – no incidente e na presente ação – se encontra em causa a responsabilização dos administradores da insolvente, aqui réus, pelos atos de alienação por estes levados a cabo, pelo prejuízo correspondente à diminuição do valor do património da insolvente, causado diretamente à sociedade insolvente e, indiretamente, aos credores sociais que viram os seus créditos não satisfeitos, e em que o facto ilícito e o dano são coincidentes.

Como salienta Maria do Rosário Epifânio[1], os credores estão protegidos, em simultâneo, por dois regimes de responsabilidade: um de responsabilidade societária e outro de responsabilidade insolvencial (art.189º, nº 2, al. e) do CIRE) sendo que a primeira, estando regulada fora do CIRE, no direito societário (art. 78º CSC), foi objeto de uma adaptação ao processo de insolvência através do artigo 82º, nº 3, al. b), do CIRE.

Dispõe o nº 2 do artigo 189º do CIRE que, na sentença que qualifica a insolvência como culposa, o juiz deve:

 “e) condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade”.

Em simultâneo, o nº 3 do artigo 82º do CIRE estipula que “Durante a pendência do processo de insolvência, o administrador da insolvência tem exclusiva legitimidade para propor e fazer seguir”, entre outras:

“b) as ações destinadas à indemnização pelos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvência pela diminuição do património integrante da massa insolvente, tanto anteriormente como posteriormente à declaração de insolvência.”

Esta norma remete-nos para a ação autónoma dos credores sociais prevista no artigo 78º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC):

“1. Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à proteção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos”.

Também, nesta situação, a inobservância de normas de proteção leva à responsabilização dos administradores para com os credores sociais desde que tal inobservância cause (nexo de causalidade) uma diminuição do património social (dano direto da sociedade) que o torna insuficiente para a satisfação dos respetivos créditos (dano indireto dos credores sociais)[2].

Só é aqui contemplado o dano da sociedade consistente na diminuição do património do património social em montante tal que o torne insuficiente para a satisfação dos direitos dos credores. E porque o dano dos credores sociais resulta do dano da sociedade (dano indireto dos credores), eles não podem exigir dos administradores indemnização de valor superior ao dano provocado por estes no património da sociedade[3].

Da simples leitura de tais normas sobressaem – para além do ponto comum consistente em ambas visarem a responsabilização dos administradores pelos prejuízos diretamente à sociedade e, indiretamente, aos credores sociais através da diminuição do património da sociedade – as seguintes diferenças entre as duas vias de responsabilização dos administradores perante os credores sociais:

1. Enquanto o incidente de qualificação da insolvência visa apenas a responsabilização pelos créditos reconhecidos no processo de insolvência e não satisfeitos, a ação autónoma do artigo 82º, nº 3, al. b), destina-se à reparação dos prejuízos causados à generalidade dos credores da insolvente, tanto anteriores como posteriores à declaração de insolvência.

2. A condenação dos administradores no incidente da insolvência pelo valor dos créditos reconhecidos não satisfeitos tem como limite da responsabilidade as forças dos patrimónios de cada um dos administradores afetados pela insolvência culposa, pelo que estaremos aqui perante uma responsabilidade patrimonial e não pessoal[4].

3. A responsabilidade dos administradores, tal como se acha prevista na al. e), do nº 2 do artigo 189º  do CIRE é uma consequência da qualificação de insolvência como culposa[5], e para que esta responsabilidade tenha lugar é ainda necessário que os actos dolosos ou com culpa grave dos administradores tenham criado a situação de insolvência nos três anos anteriores ao início do respetivo processo.

E como salienta Adelaide de Menezes Leitão[6], a responsabilidade do artigo 189º, nº 2 al. e), prescinde dos requisitos do artigo 78º, nº 1 do CSC, sendo uma responsabilidade de tipo diferente. Não só os seus fundamentos são distintos – o fundamento da responsabilidade do artigo 78º CSC assenta na violação de “disposições legais ou contratuais destinadas à proteção de credores sociais”, como tem um âmbito de aplicação mais abrangente do que a prevista no art. 189º, nº 2, al. e), prescindindo da verificação de uma situação de insolvência e da existência de um processo de insolvência. Exige, tão só, uma insuficiência do património social – traduzida em o passivo da sociedade ser superior ao ativo –, o que não coincide inteiramente com uma situação de insolvência[7].

Por sua vez, Rui Pinto Duarte[8], depois de identificar as semelhanças – i) insuficiência do património da sociedade, ii) que os credores sofram um dano, iii) uma atuação ilícita – assinala as seguintes diferenças, entre a obrigação de indemnizar dos administradores para com os credores sociais consoante se dê fora do quadro da insolvência ou no quadro dela:

- na insolvência, a obrigação de indemnizar só pode resultar de atuação ocorrida nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência (artigo 186º, nº 1, CIRE), enquanto que fora do quadro da insolvência os direitos dos credores prescrevem no prazo de cinco anos a contar do termo da conduta ou da sua revelação, se a mesma houver sido ocultada (art. 174º, nº 2, CSC);

- no quadro da insolvência, a obrigação de indemnizar abrange todos os créditos não satisfeitos, ao passo que fora do quadro da insolvência, a obrigação de indemnizar tem por objeto os prejuízos (que podem ser superiores ou inferiores aos valores dos créditos) sofridos pelos credores que exerçam os seus direitos;

- no quadro da insolvência há regras especiais sobre a ilicitude (art.189º, nº 2, CIRE);

- no quadro da insolvência há duas presunções especiais de culpa ilidíveis (artigo 189º, ns. 2 e 3, CIRE) e duas inilidíveis, algumas das quais assentam em atos que não podem causar qualquer prejuízo (artigo 189º, nº 2, als. h) e i), e nº 3 CIRE);

- no quadro da insolvência basta um nexo de causalidade potencial (art. 189º, nº 2, al. e)), enquanto fora da insolvência, é necessário um nexo de causalidade real (art. 78º, nº 1, CSC).

Esta incursão pelos tipos e regime de responsabilidades em causa serve aqui para aferir se a condenação decretada no âmbito do incidente de insolvência poderá ter o efeito de exceção de caso julgado ou, sequer, de autoridade de caso julgado[9] na presente ação.

Segundo Nuno Manuel Pinto de Oliveira[10] o significado do artigo 185º CIRE – ao prever que a qualificação da insolvência como culposa ou fortuita não é vinculativa para efeitos da decisão das ações a que se reporta o nº 2 do artigo 82º –, só pode ser o de consagrar o princípio da autonomia das ações de responsabilidade previstas nos artigos 72º, 78º e 79º do Código das Sociedades Comerciais, o qual envolve os seguintes corolários: i) o facto de o credor não requerer a abertura do incidente da qualificação de insolvência dentro do prazo do art. 188º, nº 1, CIRE, não prejudica a propositura das ações previstas no art. 78º do CSC; ii) o facto de a insolvência ser qualificada como fortuita não prejudica a propositura das ações previstas nos arts. 72º e 78º CSC; o facto de a insolvência ser qualificada como culposa (e de o administrador ser condenado a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos) não prejudica a propositura das ações previstas no arts. 72º e 78º, CSC, para que o administrador seja condenado a indemnizar os danos causados à sociedade e/aos credores da sociedade, na medida em que o montante dos danos exceda o montante dos créditos não satisfeitos.

A indagação sobre se a sentença proferida no âmbito do incidente de qualificação da insolvência e, nomeadamente, se a condenação dos administradores abrangidos pela declaração de insolvência culposa, prevista na al. e) do nº 3 do artigo 189º CIRE, faz caso julgado numa posterior ação autónoma de responsabilidade a instaurar pelo administrador de insolvência nos termos do artigo, depende ainda da análise dos pressupostos de que a lei processual civil faz depender da “repetição de uma causa”.

E não se pode ter por verificada a “repetição da causa” que envolve o caso julgado, sem que se verifique, em regra, uma tríplice identidade: de sujeitos[11], de pedido[12] e de causa de pedir[13] (artigo 581º, nº 1 do CPC).

No caso em apreço, ainda que se pudesse afirmar que os sujeitos são os mesmos – quer a massa insolvente, quer o administrador de insolvência, quer ainda os administradores de direito ou de facto, aqui réus, foram intervenientes e constituíram partes processuais em ambas as ações – e possamos até considerar que o pedido aqui formulado (na parte em que se pede a condenação dos réus no pagamento da quantia de 740,000,00€ correspondente à diferença entre o preço declarado e o valor de mercado do estabelecimento trespassado), está, por assim dizer, “contido” no objeto da qualificação da insolvência como culposa –, a causa de pedir, ainda que eventualmente assente precisamente nos mesmos concretos “factos” ilícitos (participação na alienação de bens do património da insolvente, acarretando a consequente diminuição do património da insolvente e, através desta, a insatisfação de créditos da insolvência), os fundamentos jurídicos da responsabilidade dos administradores decretada no incidente e na ação autónoma do art. 86º, nº 3, al. b), CIRE, são notoriamente distintos, bem como o ónus da prova e, sobretudo, para o que aqui interessa, o âmbito do dever de indemnizar.

A causa de pedir, os fundamentos de facto e de direito que estiveram na base da condenação dos administradores da sociedade insolvente, aqui réus, são distintos (embora parcialmente coincidentes) dos exigidos para a sua responsabilização na ação autónoma a que se refere o artigo 82º, nº 3, al. b) CIRE (nos termos do artigo 78º CSC).

O que significa que, para a procedência da presente ação, haveria que demonstrar cada um dos pressupostos exigidos para a ação autónoma do artigo 78º, sem que se pudessem valer do a tal respeito decidido no incidente de qualificação de insolvência (afastado ficando o efeito da autoridade de caso julgado do decidido em tal incidente).

No entanto, há aqui uma coincidência, ainda que parcial, de pedidos, de modo a que, a ser julgada inteiramente procedente a presente ação, tal como sustentam os Apelados, os Réus/administradores estariam a ser condenados pela segunda vez a indemnizar exatamente os mesmos prejuízos, na parte respeitante ao valor de 740,000,00€, correspondente à diferença entre o valor de mercado do estabelecimento e o valor pelo qual foi transmitido pelos seus titulares.

Assim, e se, em regra, ocorre a exceção de caso julgado quando, quem foi parte em ação anterior, pretende obter o mesmo efeito jurídico dos mesmos factos jurídicos principais, simples ou complexos, já deduzidos naquela, não se verificando tal exceção em qualquer outra configuração da ação (obter o mesmo efeito jurídico com outros fundamentos ou obter diferente efeito jurídico de alguns desses fundamentos combinados com outros fundamentos), para delimitação dos efeitos de caso julgado (ou da autoridade de caso julgado), haverá ainda que proceder à distinção, conforme salienta Rui Pinto[14], consoante a primeira decisão seja de procedência do pedido (caso julgado positivo) ou caso seja de improcedência do pedido (caso julgado negativo):

Na primeira situação (caso julgado positivo) – se, por ex. foi pedida a entrega de uma quantia pecuniária com fundamento num contrato de mútuo e o tribunal condenou o réu no pedido ou se foi pedido o despejo do locado com fundamento em causa resolutiva do art. 1083º, nº 2, al. c) do CC, e o tribunal decretou o despejo – não só o autor (ou um seu sucessor) não pode repetir a causa com os mesmos factos qualificados da mesma maneira, como lhe estão vedadas as ações cujo pedido seja o mesmo, mas os fundamentos sejam diferentes (quer os factos sejam diferentes, quer os mesmos factos com outra qualificação jurídica).

A obtenção de uma prestação por parte do autor vencedor, significa que a procedência da ação consome todos os fundamentos, tanto os deduzidos, como os deduzíveis, seja quanto aos factos em si mesmos, seja quanto às qualificações jurídicas em si mesmas, sendo irrelevante por que concretos fundamentos se venceu, de facto e de direito.

Ou, como afirma Miguel Teixeira de Sousa[15], a procedência da primeira ação, determinando a produção do efeito jurídico pretendido pelo autor, implica que, em regra, a parte não possua qualquer interesse processual para a propositura de uma ação concorrente, pois que, após a procedência da primeira causa, ela não carece de qualquer tutela jurisdicional.

Assim sendo, haverá que averiguar se a condenação dos Réus peticionada nos presentes autos lhe oferece algum “mais” relativamente à condenação dos administradores já decretada em sede de incidente de qualificação de insolvência, que possa justificar a renovação de tal pedido através da ação autónoma de responsabilidade civil prevista nos arts. 82º, nº 3, al. b) do CIRE e 78º do CSC.

Vejamos, assim, qual o interesse que a autora/Apelante retira da presente ação, relativamente à decretada condenação dos administradores, aqui réus – solidariamente, até às forças do respetivo património, a indemnizarem os titulares dos créditos sobre a insolvente, reconhecidos e não satisfeitos, pelo montante de 740,000,00€ – na sequência da qualificação da insolvência como culposa.

A tal respeito alega a Apelante/Massa Falida nas suas alegações de recurso:

- na presente ação pretende-se o ressarcimento à sociedade e os credores pelo total descaminho de todo o património da insolvente, enquanto direito específico da massa para, em termos de pagamento, satisfazer os credores no âmbito da liquidação e eventual rateio, enquanto no incidente de insolvência culposa são os credores os titulares do direito de indemnização direta em função dos seus créditos e sem sujeição a qualquer liquidação ou rateio;

- não basta que, por força da insolvência, os gerentes sejam condenados a indemnizar os credores dos montantes dos créditos não satisfeitos, porquanto é necessário que tais créditos tenham sido diretamente regularizados aos credores, sendo que, se não houver cumprimento da sentença de qualificação e caso seja retirado o pedido desta ação, quem ficará satisfeito com a decisão serão os gerentes que, não cumprem por um lado e não poderiam, como sustenta a 1ª instância, ser condenados por outro; caso a massa insolvente, por incumprimento dos condenados, executasse a sentença da presente ação, a questão de já terem sido feitos pagamentos a credores decorrentes da condenação do incidente, poderia constituir, quando muito, fundamento para a oposição mediante embargos.

Os argumentos que a apelante invoca a seu favor para sustentar o seu interesse em fazer prosseguir a presente ação na parte em que pede a condenação dos réus na indemnização no montante de 740.000,00€, acaba por contender, assim, com um único interesse, o de poder de, ele próprio, promover a cobrança do respetivo montante para a massa insolvente – por considerar não ter o A.I./Massa insolvente legitimidade para promover a liquidação e a execução da condenação decretada no incidente de qualificação.

Vejamos, assim, quem é o destinatário da condenação prevista no artigo 189º, nº 2, al. e) CIRE.

Como afirma Nuno Manuel Pinto de Oliveira[16], a ação interposta ao abrigo do artigo 82º, nº 3, al. b) (responsabilidade do artigo 78º do CSC) e o efeito do incidente de qualificação de insolvência destinam-se ambos a indemnizar o dano indireto dos credores.

Na ação do artigo 82º, nº 3, al. b), o administrador de insolvência vai atuar os interesses individuais homogéneos da generalidade dos credores da insolvência, de modo a que o objeto da própria ação já não se destina a ressarcir o credor singular, mas sim a incrementar o património ativo da massa insolvente: a indemnização que, por esta via for obtida, ingressará na massa insolvente e só depois será distribuída pelos credores[17].

E relativamente à indemnização decorrente da qualificação da insolvência como culposa, no silêncio da lei, a doutrina[18] vem maioritariamente entendendo que, quanto ao destino dos montantes indemnizatórios, também aqui o beneficiário direto da responsabilidade é a massa insolvente[19].

Apesar de art. 189º, nº 2, al. e), falar em condenação a indemnizar os “credores do devedor”, o pagamento direto a cada credor no processo de insolvência iria permitir que surgissem violações ao princípio da igualdade ou à graduação dos créditos realizada. indemnizações devem integrar primeiro a massa insolvente e, só depois, servirem para pagar aos credores[20].

Os valores entrados na massa serão depois distribuídos pelos créditos que tenham ficado por satisfazer, na medida dessa insatisfação e segundo a graduação fixada na sentença de graduação e verificação de créditos[21].

Assim sendo, cai por terra a argumentação da autora, uma vez que o administrador de insolvência (por si ou em representação da massa insolvente) poderá ele próprio promover a liquidação e cobrança da indemnização a que os administradores, aqui réus, foram condenados no incidente de qualificação da insolvência.

Quer num caso, quer noutro, a liquidação do montante exato a suportar pelos credores irá depender da liquidação do respetivo montante, a partir do estabelecimento de dois limites – determinação do valor do montante do passivo não satisfeito e determinação do valor da diminuição no património da insolvente.

Como a doutrina vem entendendo, no confronto entre os dois tipos de responsabilidade dos administradores perante os credores sociais, continuará a fazer sentido a propositura de ações de responsabilidade societária, nomeadamente nos casos em que os danos sofridos pelos credores são superiores ao passivo a descoberto, ou nos casos em que os atos praticados extravasam o limite temporal dos três anos ou ainda na hipótese de os danos resultarem de uma atuação com culpa leve[22].

Assim sendo, no caso de a insolvência ser qualificada como culposa, haverá ainda espaço para a instauração da ação prevista nos arts. 82º, 3º, al. b), CIRE e 78º CSC, para que o administrador seja condenado a indemnizar os danos causados à sociedade/e aos credores, na medida em que o montante do dano concretamente causado exceda o montante dos créditos que já tenham sido satisfeitos pela aplicação do art. 189º, nº 2, al. e) e nº 4 do CIRE[23].
Concluindo, e concordando com a posição sustentada na decisão recorrida, não se descortina qualquer interesse processual em agir por parte da autora, na parte em que pede a condenação dos RR/administradores a pagar à massa insolvente uma indemnização pelo valor de 740.000,00 €, respeitante à desvalorização provocada no património da insolvente com o negócio de trespasse do estabelecimento (correspondente à diferença entre o valor do negócio e o valor real do estabelecimento), pelo facto de os administradores terem já sido condenados no pagamento de tal montante aos credores na sequência da qualificação de insolvência como culposa.

A apelação é de improceder.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pela massa insolvente, sem prejuízo do disposto no artigo 248º CIRE.              

                                            Coimbra, 10 de dezembro de 2020

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº 7 do CPC.

1.  A exceção de caso julgado verifica-se em regra quando, quem foi parte em ação anterior, pretende obter o mesmo efeito jurídico a partir dos mesmos factos principais, simples ou complexos, deduzidos na primeira.

2. Contudo, a obtenção de uma prestação por parte do autor vencedor implica que a procedência da ação consuma todos os fundamentos, tanto os deduzidos como os deduzíveis, seja quanto aos factos em si mesmos, seja quanto às qualificações jurídicas em si mesmas, sendo irrelevante por que concretos fundamentos se venceu, de facto ou de direito.

3. A indemnização a que se reporta o artigo 189º, nº 2, al. e) do CIRE tem como beneficiário direto a massa insolvente na qual deverá ingressar a fim de, posteriormente, ser distribuída pelos credores insatisfeitos segundo a graduação efetuada na sentença de verificação e graduação de créditos.

4.  Caso a qualificação da insolvência como culposa tenha acarretado a condenação dos administradores a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos (art. 189º, nº 2, al. e) CIRE), haverá ainda espaço para a instauração da ação prevista nos arts. 82º, nº 3, al. b), CIRE e 78º CSC, na medida em que o montante dos danos causados exceda o montante dos créditos que já tenham sido satisfeitos pela via do art. 189º, nº 2, al. e) CIRE.


***


[1] “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, p.167.
[2] J. M. Coutinho de Abreu e Maria Elisabete Ramos, “Código das Sociedades Comerciais em Comentário”, Vol. I, (Artigos 1º a 84º), Coord. Jorge M. Coutinho de Abreu, Almedina, p. 896.
[3] J. M. Coutinho de Abreu, “Responsabilidade Civil dos Administradores da Sociedade”, 2ª ed., IDET, Almedina, pp.74-75, e J. M. Coutinho de Abreu e Maria Elisabete Ramos, obra e local citados.
[4] Segundo Luís Menezes Leitão, o legislador terá pretendido evitar que possam ser instaurados processos de insolvência aos administradores em resultado das dívidas das pessoas coletivas – a “Direito da Insolvência”, 4ª ed., Almedina, 2012, 282.
[5] Qualificação esta a que se chega através de um conjunto de presunções, umas iuris et iuris e outras ilidíveis, de insolvência culposa, previstas nos ns. 2 e 3 do artigo 186º do CIRE, bem como do preenchimento dos demais pressupostos referidos no nº1 de tal artigo.
[6] Adelaide Menezes Leitão, Insolvência Culposa e Responsabilidade dos Administradores na Lei nº 16/2012, de 20 de abril, in “I Congresso de Direito da Insolvência”, Coord. Catarina Serra, 2013, p.280.
[7] Cfr. J. M. Coutinho de Abreu e Maria Elisabete Ramos, obra e local citados, e Adelaide Menezes Leitão, Insolvência Culposa e Responsabilidade dos Administradores na Lei nº 16/2012, de 20 de abril, in “I Congresso de Direito da Insolvência”, Coord. Catarina Serra, 2013, p.280.
[8] “Responsabilidade dos Administradores: Coordenação dos Regimes do CSC e do CIRE”, in III Congresso de Direito da Insolvência”, Coord. Catarina Serra, 2015, Almedina, pp.169 e 172.
[9] O instituto ou eficácia do caso julgado tem sido apreciado pela doutrina sobre duas vertentes: a) enquanto impedimento, proibição de que a mesma causa volte a ser apreciada pelo tribunal – aquilo a que se vem chamando de efeito negativo do caso julgado e que corresponde à exceção de caso julgado; b) força ou autoridade de tal decisão, enquanto vinculação do tribunal à decisão proferida – efeito positivo do caso julgado –, correspondendo à denominada autoridade de caso julgado – Neste sentido, entre outros, João de Castro Mendes, “Limites Objectivos do Caso Julgado (…), pp. 38 e 39, José Alberto do Reis, Código de Processo Civil Anotado, Vol. III, 4ª ed., Coimbra Editora 1985, e Miguel Teixeira de Sousa, “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, Lisboa 1997, p. 572.
[10] “Responsabilidade Civil dos Administradores, entre Direito Civil, Direito das Sociedades e Direito da Insolvência”, Coimbra Editora, pp. 232-233.
[11] Quanto aos sujeitos, a identidade jurídica não tem necessariamente de coincidir com a identidade física dos sujeitos, interessando tão-somente que atuem como titulares da mesma relação substancial (abrangendo o primitivo titular e o respetivo sucessor); também não afeta a identidade dos sujeitos a diversidade da sua posição processual.
[12] Quanto à identidade do pedido – quando numa ou noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico (nº 3 do art. 581º) –, segundo José Lebre de Freitas, há que atender ao objeto da sentença e às relações de implicação que a partir dele se estabelecem: a liberdade de, em nova ação, pedir aquilo que não se pediu na primeira não se verifica quando o tipo de ação proposta tem carácter limitativo (ex. ação de prestação de contas), nem quando o pedido se reporta a uma parte não individualizada do objeto do direito e a sentença é absolutória ou condena em quantidade menor do que o pedido; já quando, não tendo a ação uma função limitativa, o autor haja pedido uma parte individualizada daquilo a quem teria direito ou, tendo pedido uma parte não individualizada do objeto do direito, haja obtido inteiro vencimento, ser-lhe-á posteriormente possível pedir o mais a que pretende ter direito – “Código Civil Anotado”, Vol. 2º, 3ª ed., Almedina, pp.593-594. Ou, como a tal respeito refere João de Castro Mendes, a identidade do efeito jurídico exigida pelo nº3 do art. 498º, bastar-se-á com uma identidade relativa, abrangendo o preceito “não só o efeito obtido no primeiro processo, como qualquer que nesse processo houvesse estado implicitamente, mas necessariamente em causa” – “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, Edições Ática, 1968, p. 350.
[13] Quanto à causa de pedir, consistirá na alegação da relação material de onde o autor faz derivar o correspondente direito, ou, nos factos constitutivos da situação jurídica afirmada pelo autor como conteúdo material do pedido que formula ao tribunal - Cfr., José Lebre de Freitas – “Caso Julgado e causa de pedir. O enriquecimento sem causa perante o artigo 1229 do Código Civil”, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 2006, Ano 66, Vol. III, Dez. 2006.
[14] “Caso Julgado e Autoridade de Caso Julgado. Breves notas sobre a sua distinção em razão do sentido decisório”, in Novos Estudos de Processo Civil”, Petrony, pp.126-127.
[15] “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, LEX, pp. 576 e 577.
[16] Responsabilidade civil dos Administradores pela insolvência culposa”, in “I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso”, 2014, Almedina, p.254.
[17] Maria Elisabete Gomes Ramos, “A Insolvência da sociedade e a responsabilização dos administradores no ordenamento jurídico português”, in Prima-Facie, nº7, Julho/dezembro 2005, p.19., disponível na net.
[18] Cfr., entre outros, Maria de Fátima Ribeiro, segundo a qual a centralização deste processo na figura do administrador da insolvência permite evitar o perigo de que alguns credores sejam integralmente ou preferentemente pagos, em detrimento de outros, pelo que se deve entender que as pessoas afetadas pela qualificação devem ser chamadas a pagar a indemnização à massa insolvente, a fim de que os credores sociais sejam, depois, proporcional ou integralmente satisfeitos” – “Responsabilidade dos administradores pela insolvência: evolução dos direitos português e espanhol”, Direito das Sociedades em Revista, Outubro 2015, Ao 7, Vol. 14, p.107.
[19] Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, 7ª ed., Almedina, p.166. Em igual sentido, Liliana Marina Pinto Carvalho, “Responsabilidade dos administradores perante os credores resultantes da qualificação como culposa”, in RDS V (2013), 4, 875-890, p.887, disponível na net  in http://www.revistadedireitodassociedades.pt/files/RDS%202013-04%20(875-890)%20-%20Doutrina%20-%20Liliana%20Pinto%20Carvalho%20-%20Responsabilidade%20dos%20administradores%20. Catarina Serra vai mais longe, sustentando que a norma processual do artigo 82º, nº3, al. b), CIRE se aplica não só às ações do artigo 78º do CSC, mas também às do artigo 189º, nº2, al. e), enquanto ações destinadas à indemnização de danos ou prejuízos causados à generalidade dos credores da sociedade pela diminuição do património desta e necessariamente propostas pelo administrador de insolvência – “Lições de Direito da Insolvência”, Almedina, p. 182.
[20] Alexandre Soveral Martins, “Um Curso de Direito da Insolvência”, 2016, 2ª ed., p.432.
[21] Maria do Rosário Epifânio, “Manual de Direito da Insolvência”, p.166. Em igual sentido, Liliana Marina Pinto Carvalho, artigo e local citados.
[22] Maria do Rosário Epifânio, “Manual (…)”, pp.167-168. Em sentido semelhante, Henrique Sousa Antunes, “Natureza e funções da responsabilidade civil por insolvência culposa”, in V Congresso de Direito da Insolvência, Coord. Catarina Serra, Almedina, p.159, em que afirma que a imputação emergente da sentença de qualificação da insolvência como culposa é compatível com a autonomia da responsabilidade prevista no art. 78º CSC, recebida no art. 82º, nº3., al.b) CIRE, nas seguintes hipóteses: i) se o incidente de qualificação de insolvência não for aberto; se os danos excederem o montante dos créditos não satisfeitos; iii) se os pressupostos da responsabilidade em insolvência culposa não estiverem preenchidos.
[23] Nuno Manuel Pinto de Oliveira, “Responsabilidade Civil dos Administradores (…)”, local citado, pp.253-254.