Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ESTEVES MARQUES | ||
Descritores: | RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO PRODUÇÃO DE PROVA | ||
Data do Acordão: | 09/22/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE SEIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PARCIALMENTE REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS. 181.º, 182º, 183º Nº 1 A) E 184º, COM REFERÊNCIA AO ARTº 132º Nº 2 L) DO CPENAL E 340º412º,428º DO CPP | ||
Sumário: | 1.No recurso da sentença final já não pode ser discutido o despacho de indeferimento de produção de prova proferido em audiência de julgamento e que em tempo devido não foi impugnado. 2 No recurso sobre a matéria de facto, incumbe ao recorrente o ónus de concretizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sempre que as provas tenham sido gravadas, deve referir o início e o termo da gravação de cada declaração, concretizando-se o excerto ou excertos do depoimento ou depoimentos em que se suporta essa impugnação e finalmente indicar as provas a renovar. 3.Sendo evidente a semelhança entre a assinatura aposta no documento objecto de apreciação e aquela que consta de vários documentos juntos no processo e que foram assinados pelo arguido é desnecessária a realização de perícia à escrita. 4. Para a verificação do tipo subjectivo de ilícito relativamente aos crimes de difamação e de injúria, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira ofender a honra ou a consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio de acção previstos nas normas incriminatórias respectivas. | ||
Decisão Texto Integral: | Proc. nº 305/08.2TASEI.C1 RELATÓRIOEm processo comum singular do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Seia, por sentença de 10.04.28, foi, no que para os presentes autos interessa, decidido: - Condenar o arguido C, pela prática de um crime de injúria agravada com publicidade, previsto e punido pelos artºs. 181.º, 182º, 183º nº 1 a) e 184º, com referência ao artº 132º nº 2 l) do Código Penal, na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, pelo período de um ano; - Absolver o referido arguido da prática do crime de difamação, previsto e punido pelos artºs. 180 nº 1º, 182º e 184º, com referência ao artº 132º nº 2 l) do Código Penal, Inconformado, o arguido veio interpor recurso da sentença, concluindo na sua motivação: “1- O Tribunal a quo deu como provado, entre outros factos, que o aqui arguido escreveu e enviou, ao processo de promoção e protecção que correu termos sob o nº 68/07.9TBSEI, no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Seia, a missiva constante na certidão junta a estes autos; 2- Todavia, com o devido respeito, não podia o Tribunal a quo dar tal factualidade como assente, pois não se demonstrou em audiência a autoria do teor da referida carta e do seu envio aos autos de promoção; 3- Não se verificou confissão do arguido e as testemunhas arroladas explicaram, unicamente, que não tinham dúvidas acerca da autoria do escrito, pois só o arguido o poderia ter feito, atento o carácter reservado do processo, e por a letra se assemelhar em tudo a anteriores cartas e requerimentos apresentados pelo arguido no processo; 4- Considerações ou presunções, das testemunhas, que não passam disso mesmo, pois, na verdade, a apreciação de tal facto exige especiais conhecimentos técnicos ou científicos que aqueles e, também, o aqui julgador, evidentemente não possuem, atentando-se que não viram o arguido escrever a carta objecto de análise e, bem assim, enviá-la aos autos, pelo que tal meio de prova não poderá ter o valor probatório que a decisão recorrida pretende dele retirar; 5- Ora, para comprovação objectiva da autoria do escrito, deveria ter sido realizada perícia de letra e assinatura do arguido, a qual, como se infere dos autos, não foi executada, bastando-se o tribunal a quo com a verificação de indícios, não comprovados objectivamente e sem a segurança necessária para proferir uma decisão condenatória; 6- Com efeito, deveria ter sido ordenada a realização da perícia de letra e de assinatura nos autos, de modo a melhor habilitar-se para decidir quanto à autoria do escrito, aliás conforme requerido pelo arguido, que, a ter praticado o crime, jamais teria requerido a produção desse meio de prova, o qual era juridicamente relevante, neste concreto, para aferir da autoria do escrito e, consequentemente, para apreciar da prática do crime ou crimes pelos quais vinha acusado; 7- Violando, assim, o princípio da imediação, porquanto não obteve os meios de prova mais directos de que dispunha para o efeito, e o princípio da investigação, pois descurou um meio de prova cujo conhecimento se afigurava útil e necessário à descoberta da verdade material e à boa decisão da causa, quando tinha o poder-dever de criar as bases necessárias à decisão, devendo instruir o facto sujeito a julgamento; 8- Até por recair sobre o julgador, em última instância, o encargo de investigar e esclarecer, oficiosamente ou a requerimento, o facto submetido a julgamento, pois os meios de prova não ficam limitados aos indicados pela acusação ou pela defesa a acusação ou na contestação, respectivamente; 9- Não podendo assim rejeitar o meio de prova solicitado com fundamento em não ter sido requerido naqueles momentos processuais, por, em audiência, não se visar suprir imprecisões ou deficiências em anteriores apresentações de prova ou prover inacções dos sujeitos que não os apresentaram naquelas peças processuais, interpretação do artº 340º do CPP que além de ilegal, é também inconstitucional, nos termos do disposto no nº 1 do artº 32º da Constituição, questão que aqui se suscita. 10- Sendo que o arguido, ao abrigo do amplo direito de defesa que lhe é juridicamente reconhecido, é soberano e independente quanto ao momento da apresentação do requerimento probatório, o qual só deve ser indeferido quando se entender, manifestamente, que não é relevante para a discussão da causa, o que não sucede; 11- Porquanto, no caso dos autos, a única forma que o arguido tinha de demonstrar, cabalmente, que a autoria do escrito não lhe pertencia, era, na realidade, a prova pericial à sua letra e assinatura, pois desconhece quem o poderá ter feito em seu nome, não tendo, se é que tem a obrigação, de explicar por outro meio que não praticou o facto, pois é este o meio mais idóneo para tal; 12- Por outro lado, também era o único meio que a acusação tinha para provar, sem margem para qualquer dúvida, que a autoria do escrito pertencia efectivamente ao arguido e, em conjugação com os demais sinais dos autos, comprovar que o envio do escrito também lhe era imputável; 13- Não tendo sido produzido esse meio de prova, não podia o tribunal a quo dar essa factualidade como assente, considerando provada a autoria e o envio da carta, e, consequentemente, não podia condenar o arguido, violou o princípio da presunção de inocência, já que não se verificou suficiente actividade probatória para a condenação do arguido, em especial por não existir prova, objectiva e sem margem para qualquer dúvida, de que a autoria da carta e, bem assim, o seu envio resultam, peremptoriamente, da conduta do arguido; 14- Limitando e ofendendo a garantia de defesa do arguido, porquanto não se permitiu que o mesmo demonstrasse, capazmente, a sua inculpabilidade, quando nenhum fundamento atendível existia para indeferir o requerido meio de prova; 15- Face à matéria de facto assente e à prova produzida, o tribunal a quo fez uso indevido de prova indirecta, porquanto interpretou a norma constante no art. o 127.0 do CPP no sentido deste normativo permitir que, em processo criminal, possam ser provados determinados factos com recurso a presunções naturais, sem que exista prova directa de factos que com toda a probabilidade revelam outros factos ditos indirectos, como sejam o da autoria e do envio de uma carta, exegese que viola os princípios da legalidade, das garantias de defesa, da presunção de inocência e do princípio do contraditório e que, consequentemente, padece de inconstitucionalidade, por violação dos nºs 1, 2 e 5 do artigo 32º da Constituição, que aqui se argúi com as demais consequências legais; 16- Com efeito, os sinais dos autos não permitem, por si só, por serem meramente indiciários, revelar com plena segurança a autoria e o envio do escrito, factualidade essencial para determinar a responsabilidade criminal do arguido; 17- Sem prescindir, a ter-se como comprovada a autoria e o envio do escrito, o que não se concede, atendendo ao escrito, não se aceita que quem a escreveu tenha querido e entendido que estava a realizar o facto típico, o mesmo será dizer que não tinha conhecimento e vontade de realizar o crime, até porque, na suposição de ter sido o arguido a escrever a carta e a enviá-la aos autos, tendo conhecimento e vontade de realizar o crime, não a teria, decerto, escrito e assinado com a sua própria letra, sob pena de poder ser identificado como seu autor material e, em consequência, ser condenado pela prática do crime por si idealizado, o que leva a concluir o contrário, já que, de outro modo, teria agido de forma encoberta, utilizando máquina de escrever ou computador; 18- Ainda sem preterir quanto ao anteriormente exposto, a ter-se por provada a factualidade assente, a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, não sendo necessária a subordinação da suspensão da execução da pena de prisão ao regime de prova ou ao cumprimento de deveres ou regras de conduta, termos em que, como se disse, a darem-se como provados todos os factos constantes na acusação, 19- Face ao exposto, deverá a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a absolvição do arguido pela prática do crime a que foi condenado, porquanto não se demonstrou, com toda a certeza e objectividade, como se exigia, que tenha sido ele o autor material do facto típico e, também, por não se ter por preenchido o elemento subjectivo do tipo de crime ou, assim não se entendendo, não procedendo o recurso quanto ao restante, sempre deverá ser a pena de prisão suspensa na sua execução, sem regime de prova ou qualquer outra subordinação, pois entende-se, que no caso concreto, a simples censura do facto e a ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.” Também o Ministério Público interpôs recurso, concluindo “1- A factualidade descrita na acusação e que, na douta sentença recorrida, foi estabelecida como provada, foi indevida e juridicamente qualificada como constituindo (apenas) um crime de injúria, dupla e sucessivamente agravado, nos termos do disposto nos artigos 181°, 182°, 1830, nº 1, al. a), e 184°, todos do Código Penal. 2- Essa factualidade - tal como em sede de acusação foi juridicamente qualificada - configura a prática, pelo arguido, em autoria material e em concurso efectivo (ideal) de infracções, dos dois seguintes crimes agravados: - um crime de difamação, p. e p. pelos artigos 180°, nº 1, 182° e 184°, do Código Penal; - um crime de injúria, p. e p. conforme preceituado nos artigos 181º, 182º e 184º, todos também do Código Penal. 3- Crimes esses que, aliás, na linha do entendimento manifestado na douta sentença recorrida, no que concerne aos critérios de escolha e da medida da respectiva pena parcelar, bem como da determinação da pena única resultante de cúmulo jurídico, deverão ser censurados conforme sustentado nesta motivação de recurso. 4- A douta sentença recorrida não fez a correcta interpretação do disposto nos artigos 180°, nº 1, e 183°, nº 1, al. a) do Código Penal.”. Aos recursos interpostos responderam o Ministério Público e o arguido, concluindo ambos pela improcedência do recurso contrário. O Exmº Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs o seu visto. Foi dado cumprimento ao artº 417º nº 2 CPP. Colhidos os vistos, cumpre decidir. FUNDAMENTAÇÃO É a seguinte a matéria de facto dada como provada: * - Indeferimento do requerimento para a realização de perícia da letra e assinatura do arguido; - Impugnação da matéria de facto; - Enquadramento jurídico dos factos; - Suspensão da pena subordinada ao regime de prova. Passemos então à sua apreciação. A) Da falta de realização de perícia Invoca o recorrente quanto a este ponto que não podia o tribunal rejeitar o requerimento feito por si em audiência e no qual solicitava a realização de perícia à letra e assinatura, por ser esse o meio mais idóneo a demonstrar que não foi ele o autor do escrito. Vejamos. Conforme se alcança da análise dos autos, na sessão realizada no dia 19 de.. de 2010 (fls. 519), o arguido fez o seguinte requerimento: “ Por se afigurar relevante para a descoberta da verdade material e para a boa decisão da causa, requer-se a determinação da realização de perícia à letra e assinatura da carta junta aos autos a fls. 356 e 357”. Por despacho proferido na sessão realizada em 9 de Abril de 2010, indeferiu o Sr. juiz esse requerimento, fundamentalmente por não considerar necessário à descoberta da verdade e boa decisão da causa a realização do requerido. É um facto, como resulta aliás do próprio preceito, que as diligências que sejam ordenadas ao abrigo do artº 340º CPP, podem ser requeridas, cabendo o juízo sobre a sua realização ao tribunal. Porém essa decisão de indeferimento pode ser objecto de recurso com fundamento na sua ilegalidade ou se se quiser com base na não verificação das causas constantes das nºs 3 e 4 do artº 340º CPP. Assim o despacho em causa poderia ter sido impugnado, e não o foi, pelo que o arguido ao não o fazer aceitou-o como correcto, transitando entretanto em julgado. Não pode pois agora, porque a decisão final não foi aquela que pretendia, vir colocar em causa uma decisão que a seu tempo aceitou como boa. Assim ao fazê-lo no recurso que interpôs da sentença, em 18 de Maio de 2010, já é tarde, pelo que só da sua inércia se poderá queixar. Em suma a decisão proferida pelo Sr. juiz negando a realizando da perícia tem de ser acatada e como tal não pode agora ser apreciada por este Tribunal. Improcede assim o recurso quanto a este ponto. B) Da impugnação da matéria de facto Quanto a esta matéria importa tomar posição relativamente à questão prévia que foi suscitada pelo Ministério Público na resposta apresentada ao recurso interposto pelo arguido. Com efeito vem aquele dizer que o arguido não deu cumprimento às exigências previstas no artº 412º nºs 3 e 4 CPP. É evidente que, havendo gravação da prova, o arguido pode impugnar a matéria de facto. Sucede que também essa impugnação obedece a regras. Assim o recorrente para concretizar esse desiderato tem de dar integral cumprimento ao disposto no artº 412º nºs 3 e 4 CPP. Na verdade aí se estabelece que: “ 3. Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas. 4. Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no nº 2 do artº 364º, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação”. Incumbe pois ao recorrente, sempre que impugne a matéria de facto, o ónus de concretizar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e, sempre que as provas tenham sido gravadas, deve referir-se o início e o termo da gravação de cada declaração, concretizando-se o excerto ou excertos do depoimento ou depoimentos em que se suporta essa impugnação. Por último deve indicar as provas a renovar. Ora no caso, pese embora o arguido não identifique os pontos impugnados, diz-nos concretamente ao longo da motivação, os factos que impugna – a autoria da carta e a sua remessa aos autos. Refere igualmente que as testemunhas arroladas não presenciaram esse facto. Omite todas as restantes exigência legais. Ora com este quadro e atenta a simplicidade da questão parece-nos que seria de extrema violência privar o arguido da possibilidade de um tribunal superior poder conhecer da matéria de facto. Assim sendo entendemos que o recorrente forneceu os elementos suficientes para este Tribunal tomar conhecimento da matéria de facto. Improcede assim, a invocada questão prévia. Analisemos então a prova produzida. É entendimento do recorrente que a prova que foi produzida não permite, por si só revelar com plena segurança a autoria e o envio do escrito, factualidade essencial para determinar a sua responsabilidade criminal. Mas não lhe assiste razão de todo em todo. É que o problema colocado pelo recorrente é apenas e tão só o de valoração da prova. Como é sabido o artº 127º CPP estabelece que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. Na motivação do seu recurso o recorrente reconhece que as conclusões sobre a facticidade provada têm o seu suporte nos depoimentos das testemunhas, mas entende que isso não é suficiente, porque não o viram escrever a carta nem enviá-la aos autos. Temos assim, como já referimos, que o recorrente impugnou a convicção do julgador em contraposição com a convicção que ele próprio adquiriu, esquecendo o princípio da livre apreciação da prova, sendo certo que o tribunal recorrido beneficiou da vantagem da oralidade e imediação, o que significa estar mais apetrechado para avaliar da credibilidade dos meios de prova, relativamente a este tribunal de recurso. Ora o que o recorrente deve desde logo ter presente é que as provas produzidas são apreciadas não apenas por aquilo que isoladamente valem, mas também valorizadas globalmente, isto é no sentido que assumem no conjunto de todas elas. A prova, como resultado, é nas palavras do Prof. Germano Marques da Silva Curso de Processo Penal II, pág. 96. “ a convicção formada pela entidade decidente de que os factos existiram ou não existiram, isto é que ocorreram ou não. “ E acrescenta ainda o referido autor “ é clássica a distinção entre prova directa e prova indirecta. Aquela refere-se imediatamente aos factos probandos, ao tema da prova, enquanto a prova indirecta ou indiciária se refere a factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio de regras da experiência, uma ilação quanto ao tema da prova. Assim, se o facto probatório (meio de prova) se refere imediatamente ao facto probando, fala-se de prova directa, se, porém, se refere a outro do qual se infere o facto probando, fala-se em prova indirecta ou indiciária. A palavra indício usa-se também para designar não só o facto indiciante, mas também o facto indiciado e acontece ainda que o facto indiciante pode por sua vez ser indiciado por outro. O indício não tem apenas uma relação necessária com o facto probando, pois pode ter várias causas ou efeitos, por isso que o seu valor probatório seja extremamente variável. Um indício revela o facto probando e revela-o com tanto mais segurança quanto menos consinta a ilação de factos diferentes. Quando um facto não possa ser atribuído senão a uma causa, o indício diz-se necessário e o seu valor probatório aproxima-se do da prova directa. Quando o facto pode ser atribuído a várias causas, a prova de um facto que constitui uma dessas causas é também somente um indício provável ou possível. Para dar consistência à prova será então necessário afastar toda a espécie de condicionamento possível do facto probando menos um. A prova só se obterá, assim, excluindo, por meio de provas complementares, hipóteses eventuais e divergentes conciliáveis com a existência do facto indiciante. Por meio destas investigações se poderá transformar a mera possibilidade, que o indício revela, em necessidade. Na valoração da prova indiciária devem distinguir-se claramente a prova dos indícios, por uma parte, e a dedução lógica, o juízo de relação necessária que há-de estabelecer-se entre o indício e os factos que constituem elementos ou circunstâncias do crime e que relevam para efeitos de determinação da responsabilidade penal do arguido e responsabilidade civil dos civilmente responsáveis, por outra. “ Por outro lado e salvo quando a lei dispuser em contrário, não estando o valor dos meios de prova pré-estabelecido, devem elas ser apreciadas segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador. Como diz o Prof. Figueiredo Dias Direito Processual Penal, 1988-89, pág. 139. essa “ livre” ou “íntima” convicção do juiz é uma convicção objectivável e motivável, portanto, capaz de impor-se aos outros. “ Uma tal convicção existirá quando e só quando – parece-nos este um critério adequado, de que se tem servido com êxito a jurisprudência anglo-americana – o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável. Não se tratará pois, na “ convicção” de uma mera opção “ voluntarista” pela certeza de um facto e contra a dúvida, ou operada em virtude da alta verosimilhança ou probabilidade do facto, mas sim de um processo que só se completará quando o tribunal, por uma via racionalizável ao menos a posteriori, tenha logrado afastar qualquer dúvida para a qual pudessem ser dadas razões, por pouco verosímil ou provável que ela se apresentasse”. E estes factores têm de ser tidos em conta mesmo no caso dos presentes autos, em que as provas se encontram gravadas. Assim da audição dos vários depoimentos prestados pelas testemunhas e análise da demais prova produzida nos autos e pese embora ninguém tenha efectivamente declarado ter visto o arguido a escrever a carta e a enviá-la ao tribunal, é evidente que da conjugação de toda a prova documental e testemunhal produzida, outra não pode ser a conclusão que não seja a de que foi efectivamente ele o autor de tal escrito. Desde logo, porque o seu conteúdo se reporta a factos ocorridos no âmbito de um processo de promoção e protecção, que é reservado apenas aos seus intervenientes processuais, e como tal só eles têm conhecimento do que aí se passa, como foi relatado pelas testemunhas CM, juiz que presidiu à diligência e AF magistrado do MP. Por outro lado relevam ainda os depoimentos prestados pelas testemunhas MA, funcionária judicial que elaborou a acta do acordo e que relatou as vicissitudes relacionadas com a assinatura do arguido, sendo que inicialmente este aceitou assinar o acordo, depois na secretaria disse-lhe que não assinava e posteriormente, perante a Srª juiz, já aceitou assiná-la, e bem ainda os das testemunhas AN e AB, juízes sociais e N, patrono dos menores, que estiveram presentes na diligência em que o acordo foi assinado pelo arguido e que relataram os termos em que o mesmo ocorreu. Acresce que não são necessários especiais conhecimentos para chegar à conclusão que a assinatura aposta na referida carta é a mesma que consta de vários documentos que estão juntos no processo e que foram assinados pelo arguido (cfr. fls. 30, 66, 142 vº, 143, 213, 284, 292 e 293). A semelhança é de tal forma tão evidente que impressiona mesmo como é que o arguido que, na contestação se limitou tão só a oferecer o merecimento dos autos (fls. 482), ainda venha agora perante este tribunal de recurso negar ser o autor do escrito dos autos. Este é mesmo um caso onde é clara e manifesta a desnecessidade da realização de qualquer perícia à escrita, sendo que a sua realização consubstanciaria mesmo um acto inútil, e como tal proibido por lei. Deste modo da conjugação de todos esses factos, segundo as regras da experiência da vida, não podem existir quaisquer dúvidas de que foi o arguido quem escreveu e enviou a carta em causa. É que, repete-se, a prova da prática de um crime, não tem que resultar de um facto directamente apreendido pelas testemunhas, podendo sê-lo da conjugação de todos os factos. Refira-se por último que não tendo havido qualquer dúvida no espírito do julgador de que foi o arguido o autor dos referidos factos, os quais se mostram criteriosamente julgados e por isso confirmados, não pode falar-se em violação do princípio in dubio pro reo, nem de qualquer outro princípio. Daí que não mereça qualquer censura a factualidade que foi dada como provada, e como tal improcede o recurso neste ponto. C) Do enquadramento jurídico dos factos Diz o arguido que não agiu com dolo, pois não tinha conhecimento nem vontade de realizar o crime, pois de outra maneira teria agido de forma encoberta. Pois bem quanto a este ponto é manifesto que face à matéria que foi dada como provada não lhe assiste qualquer razão. De todo o modo sempre se dirá que para que ocorra o dolo neste tipo de crimes não é necessário que o agente queira ofender a honra ou consideração do visado, como se escreveu no Ac desta Relação de 98.02.25 CJ 1/98, pág. 61. basta a genérica consciência da perigosidade dessa conduta ou do meio de acção previstos nas normas incriminatórias respectivas. Assim para que ocorra dolo basta que o agente actue por forma a violar o dever de abstenção implicitamente imposto nessas normas. Com efeito aí se refere ainda que “Sendo, pois, crimes de perigo, certo é que o dolo não está directamente correlacionado com o dano/violação, mas sim com o próprio perigo, consubstanciando-se assim o dolo na consciência ou na previsão do perigo ou na violação consciente do dever de abstenção relativamente à acção desencadeadora daquele, consoante o tipo de perigo previsto na norma incriminadora. Sendo aqui o perigo abstracto-concreto, e não concreto ou abstracto, certo é que o dolo, como elemento referencial da culpa, traduz-se na consciência por parte do agente da genérica perigosidade do meio de acção ou do seu peculiar modo de execução. Assim sendo, dever-se-á concluir que para a verificação do elemento de índole subjectiva, relativamente aos crimes de difamação e de injúria, não é necessário que o agente com o seu comportamento queira ofender a honra ou a consideração alheias, nem mesmo que se haja conformado com esse resultado, ou sequer que haja previsto o perigo (previsão da efectiva possibilidade ou probabilidade de lesão do bem jurídico da honra), bastando a consciência da genérica perigosidade da conduta ou do meio de acção previstos nas normas incriminatórias respectivas. Isto é, para que ocorra dolo basta que o agente actue por forma a violar o dever de abstenção implicitamente imposto nas normas incriminatórias respectivas, levando a cabo a conduta ou acção nas mesmas previstas (imputação de facto, formulação de juízo ou exteriorização de expressão ou palavra ofensivas da honra ou da consideração social), sabedor da genérica perigosidade imanente, sem que necessária seja a previsão do perigo (concreto). Ao julgador incumbirá, pois, provada que fique a conduta ou a acção por parte do agente, referenciada às normas incriminadoras, averiguar, tão só, se as mesmas são ou não genericamente perigosas, socorrendo-se, para tanto, de critérios de experiência, bem como se o agente agiu com consciência dessa perigos idade”. Ora no caso vertente face à matéria de facto provada, designadamente nos pontos 16 e 17, dúvidas não há de que o elemento subjectivo se encontra preenchido e sob a forma de dolo directo. Os factos praticados pelo arguido são pois subsumíveis ao crime por que foi condenado. Improcede por isso o recurso também nesta vertente. Por sua vez o Ministério Público entende que tais factos integram ainda a prática de um crime de difamação agravada p. e p. pelos artºs 180º nº 1, 182º e 184º CP. Mas não tem claramente razão. Com efeito como resulta da matéria de facto provada, à qual nos temos que cingir, o arguido ao redigir a carta em causa teve um único alvo – a Mmª juiz CM a quem aliás foi directamente dirigida conforme se alcança do seu cabeçalho – “ Sr. juiz do Tribunal de Seia” (Cf. ponto 15) e identificada pelo respectivo nome. Não pretendeu pois o arguido através daquela missiva atingir terceiros. O seu objectivo estava claramente definido – A Srª juiz. Termos em que se entende que a sua conduta não integra a prática do invocado crime de difamação e, como tal improcede manifestamente o recurso interposto pelo Ministério Público. D) Da suspensão da pena subordinada ao regime de prova. Discorda o arguido que a suspensão da pena tenha ficado subordinada ao regime de prova. E parece-nos que tem razão. Com efeito a aplicação do regime de prova nos casos de suspensão de execução da pena, visa facilitar a reintegração do condenado na sociedade, sendo que da mesma se deve lançar mão nos casos em que o tribunal a considere conveniente e adequada a tal fim (artº 53º nº 1 CP). Tem pois essa medida como objectivo a readaptação social do condenado. Ora no caso vertente parece-nos que a sua aplicação não tem justificação. É que reconhecendo-se na fundamentação jurídica da decisão recorrida que o arguido está integrado profissional e familiarmente e que não tem antecedentes criminais quanto a crimes desta natureza, é a nosso ver descabido sujeitá-lo complementarmente a um regime de prova, pois o mesmo está integrado socialmente. Assim é nosso entendimento que a simples suspensão da execução da pena realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Procede por isso o recurso neste segmento e como tal revoga-se a decisão recorrida na parte em que sujeitou o arguido ao regime de prova. DECISÃO Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes desta Relação, em conceder parcialmente provimento ao recurso, e, consequentemente revogam a decisão recorrida apenas no segmento em que submeteu o arguido ao regime de prova, mas mantendo-a em todo o restante. Esteves Marques |