Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1674/24.2T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
INVERSÃO DO CONTENCIOSO
MOMENTO DA DECISÃO DE INVERSÃO
Data do Acordão: 10/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 369.º, N.ºS 1 E 2, 370.º, N.º 1, E 372.º, N.º 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: O deferimento da inversão do contencioso deve constar da própria decisão que decreta a providência cautelar, tendo de ocorrer em simultâneo com esta.
Decisão Texto Integral: Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos: Maria João Areias
Helena Melo

 

  Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

AA, intentou o presente procedimento cautelar de restituição provisória da posse, contra BB, já ambos identificados nos autos, peticionando que, sem audiência do requerido, fosse restituída na (com)posse do prédio identificado no artigo 4.º do requerimento inicial, com o fundamento em serem casados entre si, mas se encontrarem separados de facto desde 4 de Julho de 2023 e serem, entre outros, proprietários do imóvel em causa.

Relativamente ao qual, a requerente se encontra impedida de aceder, porque o requerido mudou as fechaduras de acesso ao mesmo, onde se encontram vários seus pertences e três cães, de que é proprietária e de que o requerido não cuida, bem como não zela pelo imóvel em si mesmo, pelo que se verificam todos os requisitos para a requerente ser restituída provisoriamente à composse sobre tal imóvel e poder prestar aos três cães, os cuidados de que necessitam.

Dispensado o contraditório, foi produzida a prova oferecida pela requerente, após o que foi, em 23 de Maio de 2024, proferida a decisão de fl.s 43 a 49, na qual se determinou a imediata restituição pelo requerido à requerente da posse do sobredito imóvel (ali identificado), devendo, para tanto, disponibilizar-lhe o comando de acesso a tal prédio e impedindo-o da prática de qualquer conduta que dificulte o acesso ao mesmo pela requerente, ficando a custas a cargo desta, a tender a final.

Mais se ordenou a notificação do requerido pessoalmente, com a advertência de que incorreria na pena do crime de desobediência qualificada caso de infringir a decretada providência nos termos do art.º 375.º do CPC, mais se referindo “e oportunamente, cumpra-se o disposto nos arts 366.º, n.º 6 e 372ª, nº 1 do CPC”.

Consta, ainda, na parte decisória o seguinte:

“Após, e tendo a requerente manifestado o propósito de lançar mão do mecanismo previsto no nº 1 do art.369º do CPC, pedindo que seja antecipado o juízo sobre a causa principal, ouça-se o requerido, nos termos e para os efeitos previstos na 2ª parte do nº 2 do citado normativo”.

Desta decisão não foi interposto qualquer recurso ou reclamação, nem o requerido lhe deduziu oposição.

Em 12/06/2024, o recorrente recebeu a notificação por carta registada com AR, referência nº 107512758, cujo teor, que infra se transcreve integralmente, é o seguinte:

“Fica V. Exª notificado, nos termos do nº 6 do art.º 366.º e n.º 1 do art.º 372.º do Código de Processo Civil, da decisão, cuja cópia se junta, e para, querendo e em alternativa:

. Recorrer, no prazo de 15 dias, nos termos gerais, do despacho que decretou a providência, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não deveria ter sido decretada. Caso a decisão inclua a inversão do contencioso, pode impugná-la no mesmo prazo;

. Deduzir oposição, no prazo de 10 dias, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução. Caso a decisão inclua a inversão do contencioso, pode impugná-la no mesmo prazo.

Com a oposição deve oferecer o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.

A notificação considera-se efectuada no dia da assinatura do AR, não se suspendendo o prazo durante as férias judiciais.

Ao prazo, acresce uma dilação de: 5 dias.

No caso de pessoa singular, quando a assinatura do Aviso de Receção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias (art.ºs 228.º e 245.º do CPC).

A dilação aplicável, individualmente considerada ou o somatório delas, nunca pode ser superior a 10 dias (nº 3 do Art.º 388.º do CPC).

Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.

Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial.

Juntam-se, para o efeito, um duplicado da petição inicial, cópias dos documentos que se

encontram nos autos e cópia do despacho que ordenou a providência.”.

Em 26/06/2024, o recorrente recebeu a notificação, com a ref.ª 107645646, com o seguinte teor:

“Assunto: Advertência em virtude da notificação não ter sido feita na própria pessoa

Nos termos do disposto no art.º 233.º do Código de Processo Civil, fica V. Ex.ª notificado de que se considera notificado na pessoa e na data da assinatura do Aviso de Receção de que se junta cópia, conforme recebeu a notificação e duplicados legais e cópia do despacho que ordenou a providência para, em alternativa:

. Recorrer, no prazo de 15 dias, nos termos gerais, do despacho que decretou a providência, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não deveria ter sido decretada. Caso a decisão inclua a inversão do contencioso, pode impugná-la no mesmo prazo;

. Deduzir oposição, no prazo de 10 dias, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução. Caso a decisão inclua a inversão do contencioso, pode impugná-la no mesmo prazo.

Com a oposição deve oferecer o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova.

Àquele prazo acresce uma dilação de:

. 5 dias por a citação ter sido efetuada em comarca diferente daquela onde correm os autos;

. 5 dias por a citação ter sido efetuada na pessoa de V. Exa..

A dilação aplicável, individualmente considerada ou o somatório delas, nunca pode ser superior a 10 dias ( nº 3 do Art.º 388.º do CPC).

A contagem do prazo não se suspende durante as férias judiciais. Terminando o prazo em dia que os tribunais estiverem encerrados, transfere-se o seu termo para o primeiro dia útil seguinte.

Fica advertido de que é obrigatória a constituição de mandatário judicial.”.

Como acima já referido, na sequência destas notificações, o requerido nada requereu.

Datado de 15 de Julho de 2014, foi proferido o seguinte despacho (aqui recorrido):

“Dispõe o art. 369º, nº 1, do CPC, que, mediante requerimento, o juiz pode dispensar o requerente do ónus de propositura da ação principal se a matéria adquirida no procedimento lhe permitir formar convicção segura acerca da existência do direito acautelado e se a natureza da providência decretada for adequada a realizar a composição definitiva do litígio.

Tratando-se de procedimento sem contraditório prévio, pode o requerido opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada – nº 2 do art. 369º CPC.

No caso, o requerido não se opôs à inversão do contencioso; pelo que, verificando-se o circunstancialismo previsto no nº 1 d citado art. 369º do CPC, dispensa-se a requerente da propositura da ação principal.

*

» Notifique, sendo o requerido para, querendo, intentar a ação destinada a impugnar a existência do direito acautelado, no prazo de 30 dias, sob pena de a providência decretada se consolidar como composição definitiva do litígio (artigo 371º, nº 1, do CPC).”.

Inconformado com o mesmo, interpôs recurso, o requerido, BB, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 23), concluindo a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:

a) Em 12/06/2024, o recorrente recebeu a notificação, por carta registada com AR, com a ref.ª nº 107512758, cuja cópia agora faz fls. … dos presentes autos, e cujo teor é o seguinte:

Fica V. Exª notificado, nos termos do nº 6 do art.º 366.º e n.º 1 do art.º 372.º do Código de Processo Civil, da decisão, cuja cópia se junta, e para, querendo e em alternativa:

- Recorrer, no prazo de 15 dias, nos termos gerais, do despacho que decretou a

providência, quando entenda que, face aos elementos apurados, ela não deveria ter sido decretada. Caso a decisão inclua a inversão do contencioso, pode impugná-la no mesmo prazo;

- Deduzir oposição, no prazo de 10 dias, quando pretenda alegar factos ou produzir meios de prova não tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da providência ou determinar a sua redução. Caso a decisão inclua a inversão do contencioso, pode impugná-la no mesmo prazo. (…)

Juntam-se, para o efeito, um duplicado da petição inicial, cópias dos documentos que se encontram nos autos e cópia do despacho que ordenou a providência.”» (itálico, sublinhado e negrito nossos);

b) A decisão de mérito inscrita a fls. 67 a 79 dos autos ordenou a providência de restituição provisória de posse requerida, mencionada no primeiro parágrafo da notificação supracitada, foi proferida pela Mm.ª Juíza a quo no dia 23/05/2024, cfr. expressamente se constata na parte final da mesma, i.e., a fls. 79 dos autos.

c) Em 26/06/2024, o recorrente recebeu a notificação, com a ref.ª 107645646, nos termos do disposto no art.º 233.º do CPC, de restante teor igual à acima citada, em virtude da primeira notificação ter sido recepcionada por uma terceira pessoa;

d) A decisão de mérito inscrita a fls. 67 a 79 que, em 23/05/2024, decretou a providência requerida é omissa, quer na sua fundamentação, quer na parte final (decisão final), no que concerne à tomada de uma decisão pelo Tribunal a quo sobre a inversão do contencioso;

e) Como ali se observa in fine, no respectivo ponto V, sob a epigrafe “Decisão final”, o Tribunal a quo, depois de ali ter decidido julgar procedente a providência requerida, determinar a restituição da posse do imóvel, decidir sobre as custas, determinar a notificação pessoal do requerido com a advertência que incorreria no crime de desobediência e ordenar o cumprimento do disposto nos Art.ºs 366.º, n.º 6 e 372º, n.º 1 do CPC, pelo douto punho da Mm.ª Juíza a quo determinou no último parágrafo da “Decisão final” o seguinte: «Após, e tendo a requerente manifestado o propósito de lançar mão do mecanismo previsto no n.º 1 do art. 369º do CPC, pedindo que seja antecipado o juízo sobre a causa principal, ouça-se o requerido, nos termos e para os efeitos previstos na 2ª parte do n.º 2 do citado normativo. (…)», cfr. fls. decisão de mérito inscrita a fls.78 e 79 dos presentes autos;

f) Nos dois últimos parágrafos da decisão de mérito são pela Mnmª Juíza a quo dadas à Secretaria de processos um conjunto de três ordens sequenciais, a saber:

1ª - A notificação do pessoal do requerido através da autoridade policial;

2ª - A notificação do requerido nos termos e para os efeitos dos arts 366, nº 6 e 372º, nº 1 do CPC,

e “Após”, ou seja, depois do cumprimento daquelas duas notificações,

3ª - A notificação do requerido – “ouça-se o requerido” – nos termos e para os efeitos previstos na 2ª parte do nº 2 do art 369º do CPC;

g) O recorrente nunca recebeu a notificação ordenada no último parágrafo da “Decisão final”, o que significa dizer que o recorrente nunca foi notificado nos termos e para os efeitos previstos na 2ª parte do n.º 2 do Art.º 369 do CPC;

h) Não obstante a omissão supra descrita, a verdade é que, ainda que o recorrente tivesse sido notificado nos termos e para os efeitos previstos na referida norma e não foi, o Tribunal a quo deveria ter primeiro ordenado a notificação do ora recorrente nos termos e para os efeitos do disposto na 2ª parte do nº 2 do Art.º 369º do CPC e só depois, de ouvir o recorrente, decidiria nos termos previsto no Art.º 375º do mesmo livro, porquanto a decisão que decreta a inversão do contencioso é incindível da correspondente decisão que, defere ou indefere, in casu deferiu, a providência cautelar;

i) No dia 15/07/2024, sob a refª 107865804, a Mm.ª Juíza a quo não podendo ignorar que, ao invés do que ela própria ordenara, o recorrente não havia sido notificado nos termos e para os efeitos inscritos no último parágrafo da decisão de mérito, proferiu a decisão subsequente e aqui recorrida que passamos a citar integralmente:

(…)

j) A decisão de mérito que decretou a providência requerida foi proferida no dia 23/05/2024 e, não tendo sido arguidas nulidades, interposto recurso da mesma ou deduzida oposição, transitou em julgado, o que significa dizer que, em 15/07/2024, quando a Mmª Juíza a quo proferiu a supracitada decisão subsequente que, dispensando a recorrida da propositura da acção principal, determinou a inversão do contencioso, não só já se tinha esgotado o poder jurisdicional do juiz, mas também a decisão de mérito já havia transitado em julgado;

k) É manifesta, s.m.o., a violação da lei aplicável, porquanto, na realidade, de acordo com o disposto no art. 369º, nº 1 do CPC, mediante requerimento, o juiz, na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus da propositura da acção principal e, como está bom de ver, a lei é clara, isto é, a inversão do contencioso tem obrigatoriamente que ser decidida na decisão de mérito que decrete a providência, é incindível desta;

l) A presente providência foi decretada sem contraditório prévio, pelo que o ora recorrente só poderia opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada (art. 369º, nº 2 do CPCP) se a inversão do contencioso tivesse sido decretada na decisão de mérito que decretou a providência, o que, como resulta do exposto, não ocorreu. (art. 369º, nº 1 do CPC);

m) Como vimos a decisão subsequente e aqui recorrida foi proferida em 15/07/2024, sob a ref.ª: 107865804, que agora faz fls. … dos presentes autos, através da qual, após a prolação da decisão de mérito, anteriormente proferida em 23/05/2024, sob a ref.ª: 107289860, inscrita a fls. 67 a 79, que decretou a requerida restituição provisória de posse, o Tribunal a quo dispensou a recorrida da propositura da acção principal;

n) O Tribunal a quo desconsiderou assim que a decisão que decreta a inversão do contencioso é incindível da correspondente decisão de mérito que in casu deferiu a providência cautelar e que, portanto, a pronúncia sobre a inversão do contencioso não pode, não pode nunca, ocorrer em decisão subsequente à decisão de mérito;

o) Como é muito bem sublinhado no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07-03-2024, proferido no âmbito do proc. nº 13518/23.8T8PRT.P1, nº convencional JTRP000, relatado pelo Desembargador Carlos Portela, em www.dgsi.pt, tal decisão – prevista no artº 369º, nº 1, do CPC - “tem de ocorrer em simultâneo com a decisão que julgue o procedimento cautelar, mesmo nos casos em que não haja contraditório prévio”, e, acrescentamos, é inquestionável clareza da referida norma ao dispor especificamente: «(…) na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal (…). Neste sentido cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta, Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2018, pág.433);

p) O comando normativo, plasmado no n.º 1 do artº 369º do CPC: “(…) na decisão que decrete a providência, pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal (…).”, consubstancia uma exigência legal de natureza imperativa e preclusiva, na decisão, significa dizer simultaneamente na mesma decisão que, por conseguinte, determina que a decisão que decreta a inversão do contencioso é incindível da correspondente decisão que deferiu a providência cautelar ( e, por conseguinte, da qual depende a possibilidade de impugnação da decisão que tenha invertido o contencioso);

q) A lei manda expressamente estender à decisão que tenha invertido o  contencioso os meios de impugnação previstos para o decretamento da providência, pelo que, tratando-se de procedimento sem contraditório prévio, a oposição prevista no artigo 369º, nº2 do CPC não se destina ao contraditório do requerido sobre o pedido de inversão do contencioso, antes pressupondo que já tenha sido proferida uma decisão que aprecie o pedido de inversão do contencioso;

r) Ou seja, se in casu, na decisão de mérito tivesse sido decretada a inversão do

contencioso, o recorrido poderia ter impugnado tal decisão que poderia ser revogada ou mantida (art.º 372º, nº 3 do CPC);

s) Após a prolação da decisão de mérito proferida em 23/05/2023, ficou esgotado o poder jurisdicional na Mmª Juíza a quo (art.º 613º, n.º 1 do CPC);

t) Tendo o Tribunal a quo conhecido o pedido de inversão do contencioso depois de ter decretado a providência requerida, quando o seu poder jurisdicional se tinha esgotado nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 613.º do CPC, de forma oficiosa fora dos casos previstos no n.º 2 do mesmo artigo, e em violação dos efeitos do trânsito em julgado nos termos previstos no disposto nos art.ºs 628.º e 619.º e ss. do CPC, praticou um acto que a lei não admite e que, atenta a sua natureza, enferma do vício de nulidade.

u) A decisão recorrida violou, por errada interpretação e aplicação, o disposto nos artºs 195º, 196º 2ª parte, 197º, n.º 1, 199.º, n.º 1, 200.º, n.º 3, 366º, nº 6, 369º, nº 1, 370º, n.º 1, 372º, n.º 1, 607º, n.ºs 2 e 4, 613º, n.ºs 1 e 2, 614º, 616º, nºs 1 al. d) e 4, e 628.º, todos do CPC, devendo, por esta razão, ser revogada e em consequência decretada a caducidade da providência decretada por decurso do prazo fixado no artº 373º, nº 1, al. a) do CPC.

Termos em que, atento o exposto e sempre com o douto suprimento de V. Exas. no mais de Direito, dever ser concedido total provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida e decretada a caducidade da providência decretada por decurso do prazo fixado no art.º 373º, n.º 1, al. a) do CPC.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se a decisão que aprecia o pedido de inversão do contencioso, tem de ocorrer em simultâneo com a decisão que julga o procedimento cautelar, ainda que o seja sem contraditório prévio.

A matéria de facto a ter em consideração é a que consta do relatório que antecede.

Se a decisão que aprecia o pedido de inversão do contencioso, tem de ocorrer em simultâneo com a decisão que julga o procedimento cautelar, ainda que o seja sem contraditório prévio.

Como resulta do relatório que antecede, insurge-se o recorrente contra o facto de em decisão autónoma, a M.ma Juiz a quo, ter declarado que por virtude da não oposição do requerido, se decretou a inversão do contencioso.

Assenta a sua discordância em dois pressupostos:

- não ter sido notificado, em momento algum da decisão que apreciou/decretou a inversão do contencioso e;

- porque tal pedido tem de ser conhecido/decidido na decisão que decrete a providência.

Efectivamente, o recorrente nunca foi notificado da decisão que decretou a inversão do contencioso, pela singela razão que as notificações que lhe foram feitas, ocorreram antes da decisão que o decretou (em 15 de Julho de 2024), sendo que a decisão que decretou a restituição provisória de posse (datada de 23 de Maio de 2024) é omissa quanto à questão da inversão do contencioso; isto é, não a conheceu/decidiu, apenas tendo ordenado a notificação do requerido, nos termos e para os efeitos do artigo 369.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, de acordo com o qual, tratando-se, como no caso, de procedimento sem contraditório prévio, pode o requerido opor-se à inversão do contencioso conjuntamente com a impugnação da providência decretada.

Ora, compulsando as notificações remetidas ao recorrente, verifica-se que das mesmas, efectivamente, não consta que tivesse sido (como não foi) decidida a questão da inversão do contencioso.

Pelo que ao decretar, em 15 de Julho de 2024, a inversão do contencioso, com base na inacção do requerido, se cometeu uma nulidade que influencia a decisão de tal questão, o que acarreta a nulidade de tal decisão, cf. artigo 195.º, n.os 1 e 2, do CPC, pelo que, desde logo, não poderia subsistir a decisão recorrida.

A qual, não poderia, igualmente, subsistir por uma outra ordem de razões.

Efectivamente, cf. artigo 369.º, n.º 1, do CPC, mediante requerimento da parte interessada, o juiz, na decisão que decrete a providência (sublinhado nosso) pode dispensar o requerente do ónus de propositura da acção principal.

Daqui resulta, assim, cf. Código GPS, Vol. I, 2.ª Edição, Almedina, a pág.s 451/2, que o deferimento da inversão do contencioso deve constar da própria decisão que decreta a providência. Ali se referindo:

“A pronúncia sobre a inversão do contencioso tem de ocorrer em simultâneo com a decisão que julgue o procedimento cautelar, mesmo nos casos em que não haja contraditório prévio, conforme resulta expressamente da lei …”.

O que mais se acentua atento o disposto no artigo 370.º, n.º 1, do CPC, ao determinar que a decisão que decrete a inversão do contencioso só é recorrível em conjunto com o recurso da decisão sobre a providência requerida, bem como a possibilidade que é conferida no n.º 2, do artigo 372.º, do CPC, ao requerido, quanto à impugnação da decisão de inversão do contencioso.

Transitada a decisão que decretou a providência, sem que nela se tenha apreciado e decretado a inversão do contencioso, estava esgotado o poder jurisdicional do juiz que a proferiu, cf. artigo 613.º, CPC, nomeadamente, estava-lhe vedada a possibilidade de apreciar, posteriormente, o pedido de inversão do contencioso, pelo que não pode subsistir a decisão recorrida.

A nível jurisprudencial, neste sentido, podem ver-se os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 14 de Abril de 2016, Processo n.º 436/15.2T8EPS-A.G1 e de 25 de Outubro de 2018, Processo n.º 3554/18.1T8BRG.G1 e da Relação do Porto, de 07 de Março de 2024, Processo n.º 13518/23.8T8PRT.P1, disponíveis no respectivo sítio do Itij.

Por ser questão que extravasa o âmbito da decisão recorrida e, por isso, questão nova, de que não nos incumbe apreciar, pois que os recursos se destinam apenas a reapreciar concretas questões de direito e/ou de facto já apreciadas na decisão recorrida, não se conhece do pedido de caducidade da providência decretada.

Pelo que, não pode subsistir a decisão recorrida e, consequentemente, procede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente a apelação deduzida, revogando-se a decisão recorrida.

Custas, a fixar a final.

Coimbra, 08 de Outubro de 2024.