Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA CATARINA GONÇALVES | ||
Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE INDEFERIMENTO LIMINAR INSOLVÊNCIA CULPOSA PRESUNÇÕES INILIDÍVEIS | ||
Data do Acordão: | 02/28/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 186.º, N.º 2, E 238.º, N.º 1, AL.ª E), DO CIRE | ||
Sumário: | Tendo em conta as presunções (inilidíveis) resultantes do disposto no n.º 2 do art.º 186.º do CIRE, a verificação de qualquer uma das situações que aí se encontram previstas é bastante, só por si, para concluir pela existência de insolvência culposa e, consequentemente, pela existência de fundamento para indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante (nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 238.º), sem que seja necessária a efectiva constatação de que existiu dolo ou culpa grave do devedor e de que existiu um nexo causal entre a sua actuação e a criação ou agravamento da situação de insolvência. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: |
Apelação nº 1475/16.1T8LRA.C1 Tribunal recorrido: Comarca ... - ... - Juízo Comércio - Juiz ... Des. Relatora: Maria Catarina Gonçalves Des. Adjuntos: Maria João Areias Paulo Correia
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. No âmbito do processo de insolvência referente a AA, residente na Rua ..., ... – cuja insolvência foi declarada por sentença proferida em 24/02/2017 – veio o mesmo requerer, oportunamente, a exoneração do passivo restante.
O Sr. Administrador da insolvência não se opôs ao pedido de exoneração do passivo, propondo o seu deferimento liminar.
O Banco 1..., S.A. e o Banco 2..., S.A. deduziram oposição a tal pedido, sustentando que o mesmo deve ser indeferido por se verificar a situação prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE. Alegam, para tal, que o Insolvente simulou a venda de um imóvel e fez uso de documentos de distrate que sabia serem falsos, agravando, com essa conduta, a sua situação de insolvência. Os referidos credores vieram ainda alegar, em momento posterior, que, após a resolução em benefício da massa insolvente de um contrato de compra e venda que havia sido celebrado pelo Insolvente e após a recepção da carta de resolução, a sociedade A..., Ld.ª (detida e gerida pelo Insolvente) vendeu o imóvel em causa nesse contrato, à revelia do processo e dos credores da massa insolvente, com o intuito de prejudicar e dificultar o ressarcimento dos créditos.
Na sequência dos demais trâmites legais, veio a ser proferida decisão – em 02/11/2022 – que indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante com fundamento na alínea e) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE.
Inconformado com essa decisão, o Insolvente AA veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões: 1. Entendeu o Tribunal “a quo” que deveria ser indeferido o pedido de exoneração do passivo restante efectuado pelo devedor, porque, entendeu existir culpa grave do recorrente, no agravamento da sua situação de insolvência, por ter vendido um terreno, prometido vender, anos antes da sua declaração de insolvência. 2. Contudo, tal entendimento não tem suporte em factos concretos. 3. A douta sentença é contraditória: conclui que o insolvente não causou prejuízos aos credores com o atraso na apresentação à insolvência, para contraditoriamente concluir afinal que os prejuízos qu causou justificam a não prolação do despacho final e exoneração 4. Não se mostra apurado, pelo contrário, tal como resulta da douta sentença, que o comportamento do Insolvente tenha sido querido violar as imposições que lhe foram cominadas e consequentemente a Lei e de outro lado, que o tenha feito, voluntária e consciente, com a intenção de prejudicar os credores, sendo que esses elementos, um subjectivo (o dolo do devedor) e outro objectivo (o prejuízo relevante para os credores), 5. Não pode ser dado como provada a culpa grave, ou dolo, que necessariamente teria de existir. 6. A noção de dolo, é dada pelo n.º 1 do art. 14.º do Código Penal, segundo o qual, age com dolo quem, representando um facto que preenche um tipo de crime, actua com intenção de o realizar. 7. Segundo o Prof. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, vol. II, pág. 162, pode definir-se o dolo como a vontade consciente de praticar um facto que preenche um tipo de crime, constando a vontade dolosa de dois momentos: a) a representação ou visão antecipada do facto que preenche um tipo de crime (elemento intelectual ou cognoscitivo); e b) a resolução, seguida de um esforço do querer dirigido à realização do facto representado (elemento volitivo). 8. No mesmo sentido aponta o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, tomo I, págs. 332 e 333, ao referir que a doutrina hoje dominante conceitualiza o dolo, na sua formulação mais geral, como o conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito, sendo o conhecimento o momento intelectual e a vontade o momento volitivo de realização do facto. 9. Ora, esse momento volitivo, in casu, não existe! 10. A decisão recorrida viola o disposto no artigo 238.º do CIRE Conclui pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que profira despacho final de exoneração do passivo restante.
Não foram apresentadas contra-alegações. ///// II. Questão a apreciar: Atendendo às conclusões das alegações do Apelante – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste em saber se há (ou não) fundamento para indeferir liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 238.º do CIRE, o que equivale a saber se há (ou não) elementos suficientes no processo que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência (ou seja, uma insolvência culposa nos termos previstos e regulados no art.º 186.º do citado diploma). ///// III. A decisão recorrida julgou provados os seguintes factos: 1. Por requerimento apresentado em juízo a 18 de Setembro de 2015, AA apresentou-se a PER, o qual foi encerrado por ter sido ultrapassado o prazo para conclusão das negociações. 2. Na sequência do encerramento do PER, pelo devedor foi apresentado plano de pagamentos que não logrou ser homologado. 3. Em consequência, por sentença proferida a 24.02.2017 foi declarada a insolvência de AA e nomeado como Administrador o Sr. Dr. BB. 4. O insolvente requereu, para além do mais, a exoneração do passivo restante ao abrigo do disposto nos artigos 235.º e segs. do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. 5. O Sr. Administrador da Insolvência pugnou, em sede de relatório, pelo deferimento da exoneração do passivo restante. 6. Da lista definitiva de créditos apresentada pelo Sr. Administrador da Insolvência foram reconhecidos créditos no valor global de € 5.946.041,10. 7. Realizada a assembleia de credores de apreciação do relatório foi deliberado o prosseguimento dos autos para liquidação dos bens integrantes da massa insolvente. 8. Por carta registada com AR, datada de 28 de Abril de 2017, o Sr. Administrador da Insolvência procedeu à resolução em benefício da massa insolvente do contrato de compra e venda celebrado a 16.12.2016 entre o insolvente e “A..., Lda.”, aquisição registada em 10.01.2017, o qual teve por objecto o seguinte imóvel prédio urbano sito em ..., freguesia ..., composto por M-1 – Lote de terreno destinado a construção, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...31/... e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...81 da freguesia ..., com o valor patrimonial urbano de €13.014,82. 9. Em 19.04.2017 a Sociedade “A..., Lda.”, representada por AA, procedeu à venda a CC e DD, pelo preço de €41.973,70, do imóvel identificado. 10. A sociedade “A..., Lda.” é detida pelo insolvente, com uma quota nominal do valor de €2.500,00 e pela sua ex-mulher, EE, que detém igualmente uma quota no valor nominal de €2.500,00. 11. O insolvente é gerente da sociedade “A..., Lda.”. 12. O insolvente quando se apresentou a PER apresentou um recibo de vencimento emitido por “A..., Lda.”, datado de 31.08.2015, do qual consta um vencimento base de €1.500,00, com a categoria de gerente. 13. No âmbito da insolvência, e para efeitos do incidente de exoneração do passivo restante, o insolvente apresentou um recibo de vencimento emitido por “A..., Lda.”, datado de 31.10.2017, do qual consta um vencimento base de €600,00, com a categoria de gerente. 14. Por despacho de acusação proferido no processo n.º 603/10...., da ... Secção do DIAP ... o insolvente e FF foram acusados, entre outros, pela prática de um crime de burla previsto e punido pelo artigo 217.º e 218.º, n. º1 e 2, do C. Penal, pelos factos dela constante e cujo respetivo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 15. Por acórdão proferido no âmbito do processo comum coletivo n.º 1679/16...., foi o aqui insolvente condenado pela prática de um crime de falsificação de documento, p.e.p. pelo artigo 256.º, n. º1, alíneas a) e e) e n. º3, do C. Penal e pela prática de um crime de burla qualificada, p.e p. pelos artigos 217.º e 218.º, n. º2, do C. Penal – cfr. Acórdão junto com o requerimento datado de 27.03.2019, ref.ª 5733176, e cujo o teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 16. Os factos pelos quais o insolvente foi condenado no âmbito do processo referido em 16. remontam aos anos de 2006 a 2009. ///// IV. A decisão recorrida indeferiu liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante com fundamento no disposto no art.º 238.º, n.º 1.º, alínea e), do CIRE, onde se dispõe que o pedido deve ser liminarmente indeferido quando “Constarem já no processo, ou forem fornecidos até ao momento da decisão, pelos credores ou pelo administrador da insolvência, elementos que indiciem com toda a probabilidade a existência de culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência, nos termos do artigo 186.º”. Para concluir pela verificação da situação referida, a decisão recorrida argumentou: · Que, quando celebrou o contrato referido no ponto 8 – vendendo o imóvel em questão à sociedade A..., Lda – o Insolvente não podia desconhecer a sua situação de insolvência; · Que a saída do imóvel da esfera jurídica do Insolvente implicou prejuízo para os credores; · Que essa actuação agravou a situação de insolvência, sendo certo que, por via dela, o devedor tentou subtrair parte significativa e valiosa do seu património à acção dos credores; · Que a circunstância do Sr. Administrador ter resolvido tal acto a favor da massa insolvente, nos termos dos artigos 120º e 121º, do CIRE, não retira o carácter culposo da conduta do insolvente; · Que, além do mais, já depois da declaração de insolvência, e antes da recepção da carta de resolução remetida pelo Sr. A.I., a Sociedade “A..., Lda.”, representada pelo insolvente AA, procedeu à venda do imóvel em causa pelo preço de 41.973,70€; · Que toda essa actuação do Insolvente preenche a situação prevista na alínea d) do art.º 186.º do CIRE, o que conduz ao indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante nos termos da alínea e) do art.º 238.º.
Apesar de não pôr em causa os factos em que a decisão recorrida se fundamentou, sustenta o Apelante que não havia fundamento para o indeferimento liminar. Para sustentar essa conclusão, alega que, além de a sentença ser contraditória – na medida em que, apesar de ter concluído que o Insolvente não causou prejuízos aos credores com o atraso na apresentação à insolvência, conclui depois pela existência de prejuízos –, nada permite concluir pela existência de dolo ou culpa grave, uma vez que não resultou provado que, com o seu comportamento, tivesse querido violar as imposições que lhe foram cominadas e consequentemente a Lei e que o tenha feito, voluntária e consciente, com a intenção de prejudicar os credores. Ora, sendo esses os fundamentos do recurso, cabe dizer, desde já, que eles não têm aptidão para alterar a decisão recorrida. Vejamos porquê, seguindo aqui de perto – e reproduzindo em parte – o Acórdão de 19/10/2020[1] (proferido no processo n.º 6505/19.2T8CBR-E.C1) também relatado pela ora relatora.
Conforme referido, o pedido de exoneração do passivo restante foi liminarmente indeferido com fundamento no disposto no art.º 238.º, n.º 1.º, alínea e), do CIRE. O indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante com esse fundamento pressupõe, como resulta do disposto na norma citada, a efectiva existência de elementos no processo que permitam afirmar que, com toda a probabilidade, a insolvência será de qualificar como culposa, nos termos do art.º 186.º, por existir culpa do devedor na criação ou agravamento da situação de insolvência. Não basta que existam indícios que apontem para esse facto; esses indícios têm que ser fortes ao ponto de permitirem concluir, com toda a probabilidade ou com um elevado grau de certeza, pela efectiva verificação dessa situação. Nessas circunstâncias, a questão de saber se existe fundamento para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante remete-nos para o disposto no citado art.º 186.º e para a questão de saber se existem (ou não) elementos no processo com base nos quais se possa concluir, à luz do disposto nesse preceito legal, que, com toda a probabilidade, a insolvência será de qualificar como culposa. Segundo o disposto no n.º 1 da norma citada, “a insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor, ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência”. Exige-se, portanto: que a situação de insolvência tenha sido criada ou agravada por determinada conduta ou actuação do devedor ou dos seus administradores; que tal actuação seja dolosa ou gravemente culposa e que esta actuação tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência. Contudo, além de enunciar – no n.º 3 da norma citada – um conjunto de situações em que se presume a existência de culpa grave, o legislador enunciou – no n.º 2 – um conjunto de situações, cuja verificação determina, por si só, a qualificação da insolvência como culposa, presumindo o legislador – sem admitir prova em contrário, como decorre da expressão “considera-se sempre” – que em tais situações a insolvência é sempre culposa, sem que seja necessária a efectiva constatação de que existiu dolo ou culpa grave do devedor ou dos seus administradores e de que existiu um nexo causal entre a actuação (dolosa ou gravemente culposa) do devedor ou dos seus administradores e a criação ou agravamento da situação de insolvência[2]. Como refere Luís Manuel Menezes Leitão[3], “verificados alguns destes factos, o juiz terá assim que decidir necessariamente no sentido da qualificação da insolvência como culposa. A lei institui consequentemente no art. 186º, nº 2, uma presunção iuris et de iure, quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade desse comportamento para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo a produção de prova em sentido contrário”. Significa isso, portanto, que, caso esteja demonstrada nos autos a existência de uma conduta do devedor que se integre nalguma das situações elencadas no n.º 2 do art.º 186.º, o pedido de exoneração do passivo deve ser liminarmente indeferido independentemente da verificação de qualquer outro requisito, uma vez que tal conduta é suficiente, só por si, para determinar a qualificação da insolvência culposa e, consequentemente, para integrar a situação prevista na alínea e) do n.º 1 do art.º 238.º. No caso, a decisão recorrida considerou estar verificada a situação prevista na alínea d) do art.º 168.º onde se determina que se considera sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: “Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros”. Refira-se que, apesar de a norma em questão se reportar a devedores que não sejam pessoas singulares e a condutas dos respectivos administradores, ela é aplicável, com as necessárias adaptações e por força do disposto no n.º 4, à actuação de pessoa singular insolvente, onde a isso não se opuser a diversidade das situações. Ora, concluindo a decisão recorrida pela verificação da situação prevista na alínea d) do n.º 2 do citado art.º 186.º, será fácil perceber que de nada adianta argumentar – como faz o Apelante – que a matéria de facto provada não permite concluir pela existência de prejuízo para os credores e pela existência de dolo ou culpa grave do Apelante, uma vez que, como acima se referiu, a verificação de uma das situações previstas no n.º 2 do citado artigo – designadamente a prevista na alínea d) que a decisão recorrida entendeu estar verificada – é suficiente, só por si, para concluir pela existência de insolvência culposa, sem que seja necessária a efectiva constatação de que existiu dolo ou culpa grave do devedor ou dos seus administradores e de que existiu um nexo causal entre a actuação (dolosa ou gravemente culposa) do devedor ou dos seus administradores e a criação ou agravamento da situação de insolvência (por força do disposto na norma citada, essa culpa e nexo causal são presumidas sem possibilidade de prova em sentido contrário). Significa isso, portanto, que o Apelante só poderia obter êxito na sua pretensão – no sentido de afastar o indeferimento liminar decretado pela decisão recorrida – se fundamentasse o recurso e a pretensão nele formulada na circunstância de não haver fundamento para considerar verificada a situação prevista na alínea d) do citado art.º 186.º. Não foi esse, no entanto, o caminho seguido pelo Apelante, sendo certo que nada disse de relevante sobre essa matéria – aceitando implicitamente a conclusão da decisão recorrida quando entendeu estar verificada tal situação – e apenas fundamentou o recurso na inexistência de elementos para concluir pelo dolo ou culpa grave e pelo prejuízo para os credores (fundamentos que já vimos serem irrelevantes porque, perante a verificação daquela situação, a demonstração dessa culpa ou prejuízos não era necessária). A decisão recorrida considerou que o acto de disposição de bem imóvel a que se reporta o ponto 8 da matéria de facto – um contrato de compra e venda por via do qual o Insolvente vendeu um imóvel a uma sociedade da qual é sócio gerente – correspondia a um acto de disposição enquadrável na alínea d) do n.º 2 do art.º 186.º, ou seja, um acto de disposição de bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros. Ora, apesar de alegar não ser verdade que tenha subtraído qualquer bem do seu património pessoal, mas sim de sociedade colectiva, que insolveu autonomamente (alegação que não tem o mínimo apoio na matéria de facto, já que o que dela resulta é que foi o Apelante/Insolvente quem vendeu à referida sociedade um bem imóvel que estava integrado no seu património), o Apelante não tentou refutar, de qualquer outra forma, a conclusão da decisão no sentido de esse acto se enquadrar na referida alínea d), aceitando, portanto, essa conclusão. Nessas circunstâncias, não sendo questionado no recurso que o acto de disposição em causa se enquadra no âmbito de previsão da norma citada – o Apelante não põe isso em causa, como resulta da leitura das conclusões das suas alegações (conclusões que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso) –, tanto basta, conforme se referiu, para concluir pela existência de insolvência culposa (por força da presunção inilidível estabelecida na norma em causa) e, consequentemente, pela existência de fundamento legal para o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante (por força do disposto na alínea e) do n.º 1 do art.º 238.º) sem que seja necessária a efectiva constatação de que existiu dolo ou culpa grave do devedor e de que existiu um nexo causal entre a sua actuação e a criação ou agravamento da situação de insolvência. Assumem-se, portanto, como irrelevantes os argumentos/fundamentos do presente recurso que, conforme se referiu, apenas se reportam à inexistência de elementos que permitam concluir pela existência de dolo ou culpa grave e pela existência de prejuízo para os credores e consequente nexo causal entre o acto praticado e a criação/agravamento da situação de insolvência. Pouco importa que não existam elementos para concluir pelo dolo ou culpa grave do Apelante ou pela existência de prejuízo para os credores e nexo causal entre o acto praticado e a criação/agravamento da situação de insolvência; uma vez verificada uma das situações previstas no n.º 2 do citado art.º 186.º – como se considerou na decisão recorrida sem que o Apelante refute ou questione essa conclusão – impõe-se concluir pela existência de insolvência culposa (o dolo/culpa e o nexo causal presumem-se de forma inilidível por força do disposto na norma em questão) e tanto basta para que o pedido de exoneração do passivo restante deva ser liminarmente indeferido nos termos da alínea e) do n.º 1 do art.º 238.º.
Confirma-se, portanto, em face do exposto, a decisão recorrida. ****** SUMÁRIO (elaborado em obediência ao disposto no art. 663º, nº 7 do Código de Processo Civil, na sua actual redacção): (…). ///// V.
Coimbra, 28 de fevereiro de 2023
(Maria Catarina Gonçalves) (Maria João Areias) (Paulo Correia) [1] Disponível em http://www.dgsi.pt. [2] Cfr. Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 2013, 5.ª edição, págs. 133 e 134; Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, pág. 301 e Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2008, pág. 610. Também no mesmo sentido, os Acórdãos do STJ de 06/10/2011 e de 15/02/2018, proferidos nos processos n.ºs 46/07.8TBSVC-0.L1.S1 e 7353/15.4T8VNG-A.P1.S1, respectivamente, disponíveis em http://www.dgsi.pt. [3] Direito da Insolvência, 2013, 5ª ed., pág.248. |