Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
811/12.4TACVL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
VÍCIO DE CONTRADIÇÃO
APRECIAÇÃO DA PROVA
PERTURBAÇÃO DA VIDA PRIVADA
CONCURSO DE CRIMES
CRIME CONTINUADO
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 06/01/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (INSTÂNCIA LOCAL DA COVILHÃ)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 205.º DA CRP; ARTS. 97.º, 127.º, 374.º, 379.º, 410.º E 412.º DO CPP, ARTS. 30.º, 40.º, 47.º, 70.º, 72.º E 190.º, DO CP
Sumário: I - Com este dever [dever de fundamentação das decisões judiciais] pretende-se assegurar a total transparência da decisão, através da plena compreensão dos juízos de facto e de direito que contém pelos seus destinatários directos, em primeira linha, e pela própria comunidade. Simultaneamente, por via dele, é assegurado o autocontrolo de quem proferiu a decisão e a fiscalização da actividade decisória pelo tribunal de recurso.

II - A exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão deve conter, de modo completo e conciso, a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, e a análise crítica de tais provas, entendendo-se por esta, a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação dos motivos e critérios lógicos e racionais que conduziram à credibilização de certos meios de prova e à desconsideração de outros.

III - No âmbito da revista alargada [comum designação do regime dos vícios da decisão] o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto [no sentido da reapreciação da prova], limitando a sua actuação à detecção dos vícios que a sentença, por si só e nos seus precisos termos, evidencia e, não podendo saná-los, determina o reenvio do processo para novo julgamento.

IV - O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, numa oposição na matéria de facto provada, numa oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada, numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto, ou ainda quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão.

V - A apreciação da prova é, nos termos da lei, tarefa exclusiva do julgador. Mas a livre convicção que a fundamenta não tem o sentido de o juiz a poder valorar conduzido por um convencimento exclusivamente subjectivo, pois ela não significa arbítrio ou decisão irracional, bem pelo contrário.

VI - A valoração da prova impõe ao julgador uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência e na percepção [no que respeita à prova por declarações] da personalidade dos depoentes, tendo sempre como horizonte a dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo.

VII - O crime de perturbação da vida privada previsto no n.º 2 do art. 190.º do CP, tutela os bens jurídicos vida privada, paz e sossego (Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2º Edição, 2012, Coimbra Editora, pág. 1005 e ss.).

VIII - Realizando o agente a acção típica, telefonando para o telemóvel do ofendido, não pode ter-se como também praticado, através da mesma concreta conduta, um outro crime, agora em relação à ofendida, ainda que pudesse ser essa a intenção da arguida, sob pena de violação do princípio da tipicidade.

IX - A pedra angular do crime continuado é a considerável diminuição da culpa do agente, não obstante a pluralidade de resoluções criminosas que assumiu, e que torna injustificada e excessiva a aplicação do concurso efectivo de infracções.

X - O crime de perturbação da vida privada é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias. Não obstante a relativa sobreposição das circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes, dadas as exigências de prevenção referidas, de média e baixa intensidade, afigura-se-nos que a pena de 80 dias de multa decretada pela 1ª instância para cada crime, situada um pouco acima do primeiro quarto das molduras abstractas aplicáveis, se crítica merece, será a da sua benevolência, pelo que são de manter as penas parcelares decretadas.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

 

I. RELATÓRIO

            No Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco – Covilhã – Instância Local – Secção Criminal – J1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum, com intervenção do tribunal singular, da arguida A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática de quatro crimes de perturbação da vida privada, p. e p. pelos arts. 26º e 190º, nº 2 do C. Penal.

 

O assistente B... , acompanhado pelo Ministério Público, deduziu acusação particular contra a arguida, imputando-lhe a prática de um crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º, nº 1 do C. Penal.

O assistente e a ofendida e demandante C... deduziram pedido de indemnização civil contra a arguida com vista à sua condenação no pagamento, ao primeiro, da quantia de € 4.000 por danos não patrimoniais, à segunda, da quantia de € 2.000 por danos não patrimoniais, e a ambos, conjuntamente, a quantia de € 917 por danos patrimoniais, e juros de mora à taxa legal, desde a notificação e até integral pagamento.

Por sentença de 21 de Outubro de 2015 foi a arguida condenada, pela prática de quatro crimes de perturbação da vida privada e de um crime de difamação, na pena de 80 dias de multa por cada um e, em cúmulo, na pena única de 200 dias de multa à taxa diária de € 7.

Mais foi a arguida condenada no pagamento, ao assistente da quantia de € 1.250 por danos não patrimoniais, à demandante da quantia de € 1.000 por danos não patrimoniais, e a ambos, a quantia de € 200 por danos patrimoniais e juros de mora desde a notificação e até integral pagamento.


*

            Inconformada com a decisão, recorreu a arguida, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:

            1. Por decisão datada de 30 de Julho de 2015 e depositada na secretaria em 21 de Outubro de 2015, foi a Recorrente condenada, em cúmulo, na pena de 200 dias de multa à taxa diária de € 7,00 pela prática, como autora material em concurso real, de quatro crimes de perturbação da vida privada, previstos e punidos nos termos dos art.ºs 26° e 190°, n.02 do Código Penal, e de um crime de difamação previsto e punível pelo art.º 180°, n.º 1 do mesmo diploma legal.

2. Da douta decisão resultou ainda a condenação da Recorrente no pagamento da quantia de € 1250,00 ao Assistente B... e de € 1000,00 à Ofendida C... , ambos os montantes a título de indemnização por danos não patrimoniais e, ainda, no pagamento da quantia € 200,00 a ambos os Demandantes, a título de indemnização por danos patrimoniais.

3. Inconformada com tal decisão, vem a Recorrente interpor recurso da mesma, convicta de que o Tribunal a quo, salvo o devido respeito, terá efectuado uma errada apreciação quer da prova produzida em julgamento, quer da subsunção da conduta que aquela supostamente levou à prática.

4. Nestes termos, pretende a Recorrente que, antes de mais, se proceda à declaração de nulidade do facto dado como provado em c) por manifesta contradição com os dados comprovados em e) e g).

5. Isto porque, os factos provados em e) e g) têm por base a prova documental produzida (concretamente os registo de chamadas enviados pela operadora de telemóvel da arguida), devendo, como tal, do facto dado como provado em c) passar a constar "chegando a efectuar dez telefonemas no mesmo dia".

6. Por ser turno, a sentença que condena a Recorrente em momento algum fundamenta ou esclarece o caminho lógico que seguiu para concluir a prática de quatro crimes de perturbação da vida privada.

7. Além do mais, a ausência dessa explicação é completamente injustificável quando a própria conclusão alcançada pelo tribunal recorrido nem sequer se coaduna com a matéria de facto provada.

8. Ou seja, foi dado como provado que a Recorrente ligou, inúmeras vezes, para os telemóveis do Assistente e da Ofendida tendo o Tribunal a quo fixado os factos provados em dois momentos temporais distintos – entre Outubro e Novembro de 2012 e entre Outubro de 2013 e Janeiro de 2014.

9. Razão pela qual, apenas se mostra evidente que o tribunal recorrido não entendeu que cada contacto corresponderia à prática de um crime de perturbação da vida privada – pois caso contrário, condenaria a ora Recorrente pela prática de dezenas de crimes - mas não mais do que isso.

10. Como tal a sentença proferida peca por omissão/insuficiência de fundamentação, violando o requisito legalmente imposto n.º 2 do art.º 374° do Código do Processo Penal.

11. É portanto evidente a falta de um dos requisitos essenciais à validade e boa compreensão da sentença condenatória, assente na omissão de articulação decorrente dos factos provados e não provados que permitissem fundamentar a alegada prática de quatro crimes de perturbação da vida privada.

12. Termos em que deverá a sentença proferida ser declarada nula por falta de fundamentação, nos termos do disposto na 1ª parte da alínea a) do n.º 1 do art.° 379º do C.P.P., com os efeitos decorrentes do disposto no art.° 322º do mesmo diploma legal.

13. Por outro lado. a ora Recorrente também não pode deixar de se manifestar quanto aos factos que, no seu entender e salvo melhor opinião, foram indevidamente dados como provados.

14. Assim, deverá a parte final do facto vertido na alínea b) de II. Da Questão de Facto da sentença proferida, que dita: " … e o cônjuge desta, o assistente B... ", a expressão "e do assistente B... " constante da 28 linha do facto dado como provado em f) e a expressão "do assistente" constante do facto dado como provado em j) passar a constar dos factos não provados, em razão da inexistência de fundamento ou concretização de intenção por parte da Recorrente em perturbar na sua paz e sossego o constituído Assistente.

15. Isto porque, o próprio assistente, nas declarações que prestou em sede de audiência de discussão e julgamento, afirmou não ter qualquer relação com a recorrente – nem pessoal, nem profissional, nem tão pouco ter conhecimento directo das relações entre a sua mulher, a ofendida, e a Arguida/Recorrente ou mesmo, ter alguma vez cedido o seu número de telemóvel à Recorrente ou vice-versa.

16. De seguida, entende também a Recorrente que deverá ser dado como não provado os factos vertidos nas alíneas c) a j), tendo em conta que o Tribunal a quo sustentou a veracidade de tais factos de forma genérica.

17. Veja-se que, para esse efeito, o tribunal socorreu-se de informações obtidas pelas operadoras de telecomunicações da Recorrente, do assistente e da ofendida e do depoimento da testemunha D... (funcionário do Banco (...) e colega da Recorrente), que disse ter o número de contacto privado da arguida e que indicou como sendo aquele de que provieram as chamadas.

18. Resulta porém do depoimento tomado a D... que, a única certeza alcançada é o facto de aquele número de telemóvel estar gravado nos seus contacto como sendo pertencente à recorrente mas não o facto de esta ter efectuado qualquer chamada para o assistente ou para a arguida, nem tão pouco ou mesmo de este haver presenciado tal situação.

19. E, por outro lado, também das informações prestadas pelas operadoras de telecomunicações e, sem prejuízo do registo das chamadas realizadas e/ou recebidas. apenas se poderá alcançar a titularidade do cartão telefónica, mas nunca a identidade do seu autor.

20. Ademais, tendo resultado provado que, quando estabelecida a comunicação com o Assistente ou a Ofendida, o seu autor nada dizia, limitando-se por vezes a emitir sons de respiração ou sons idênticos aos usados para chamar animais, designadamente cães, daí não se poderá retirar que tenha sido a ora recorrente a efectuar tais chamadas, nem tão pouco se poderá apurar que a pessoa que assim agia, seria do sexo masculino ou feminino.

21. E prossegue a sentença dando como provado que no dia 16 de Janeiro, pelas 15 horas, 17 minutos e 40 segundos, a arguida ligou do seu telemóvel para o número de rede local atribuído à Universidade (...) e instalado no Departamento de gestão e Economia a fim de falar com um colega de trabalho do assistente, de nome E... a que referiu: "tenha cuidado com o seu colega B... , porque ele não é de confiança e vai-lhe fazer a folha"

22. Ora, também nesta questão, não pode aceitar a ora Recorrente que se tenha entendido dar como provado tal facto – ou pelo menos que o mesmo tenha resultado como facto provado tal como consta da decisão recorrida.

23. Isto porque, atento o depoimento prestado relativamente a esta matéria pela Testemunha E... em sede de audiência de discussão em julgamento, constata-se que o mesmo apenas confirmou ter recebido uma chamada. num dia que também já não consegue precisar com exactidão, mas apenas de forma vaga, e que a pessoa com quem falou, mas que não identificou, o avisou que tivesse cuidado como um seu colega de trabalho.

24. Assim, e do mesmo modo, também não pode a Recorrente aceitar que o Tribunal recorrido dê como provado o teor da chamada atendida pelo Sr. Professor E... , nos termos em que o fez.

25. Ou seja, uma coisa seria dar como provado o facto de mencionada testemunha ter recebido um telefonema, coisa bem diferente será dar como provado o próprio teor da chamada recebida, sendo certo que aquela testemunha E... , quando ouvido, não soube sequer precisar os exactos termos utilizados por quem lhe telefonou.

26. Mas mesmo que assim não se entenda, sempre será de apontar que seria necessário ter-se em consideração três elementos que se entendem cruciais para a imputação à Recorrente da prática do crime de difamação em causa, a saber: a identidade do seu autor, a confirmação do seu destinatário e a identificação da pessoa que pretende difamar.

27. Ora, nenhum destes três elementos se verificou; a testemunha não esclarece quem é que teria efectuado o telefonema; o autor do telefonema não procurou averiguar a identidade da pessoa com quem estaria a falar e, por fim, não foi mencionado qualquer nome do colega de trabalho que se pretendia difamar.

28. Razão pela qual muito se estranha, não se podendo conceber, que o teor da chamada tal como descrito na sentença condenatória haja sido dado como provado.

29. Mas mais, a testemunha E... . quando directamente questionado em sede de audiência e julgamento, não soube sequer precisar com exactidão qual o momento temporal em que teria ocorrido tal chamada, limitando-se a afirmar que teria sido há pelo menos um ano mas menos de dois.

30. Nem resulta claro do seu depoimento quais as horas em que teria atendido tal chamada, pois se por um lado afirma ter sido "logo a ao princípio da tarde" por outro, esclarece que "começava a ficar escuro".

31. Ora, partindo do pressuposto de que a Recorrente terá contactado a Universidade (...) no dia 16 de Janeiro pelas 15 horas e 17 minutos, conforme resulta do registo de chamadas cedido pela sua operadora de telecomunicações, não nos parece ser possível tal telefonema, tratar-se do mesmo que é descrito pela testemunha E... , pois nem mesmo em pleno inverno começaria a escurecer por voltas das 3 horas e um quarto da tarde.

32. Por fim, e ainda na esteira do depoimento prestado pela mesma testemunha, resultou que, no Departamento de Gestão e Economia da (...) , exercem funções mais professores para além da própria testemunha, o Sr. Professor E... ou do Assistente, Sr. Professor B... , sendo que o primeiro trabalha inclusive, ainda que pontualmente, com um outro colega, Sr. Professor F... .

33. E a este propósito mais esclareceu a testemunha, que associando o facto de o assistente se encontrar perturbado com as alegadas chamadas telefónicas que vinha recebendo, deduziu ser àquele que o autor do telefonema se referia, daí ter-lhe comunicado tal facto.

34. Sucede que, conforme já referido, não resultou de tal telefonema qualquer menção ao nome do colega de trabalho da testemunha, nem tão pouco foi dado como provado que a Recorrente saberia quais os horários e disponibilidade do assistente ou dos seus colegas de trabalho,

35. E, por conseguinte, só poderão os factos vertidos da alínea l) a j), inclusive, ser dados como não provados e como tal, ser a ora Recorrente, por tudo quanto resultou exposto, absolvida da prática do crime pelo qual foi acusada, por evidente falta de prova.

36. Mas caso assim não se entenda. sempre se dirá que não se encontram preenchidos os elementos subjectivos e objectivos dos tipos legais de crime pelos se viu condenada na sentença da qual ora se recorre.

37. Assim, vejamos, quanto ao crime de perturbação da vida privada previsto e punível nos termos do art.º 190º do Código Penal, não se demonstrou provada qualquer intenção de perturbar a vida privada do Assistente, uma vez que entre e a Recorrente não existia qualquer relação – pelo contrário, a alegada intenção da recorrente, teria nascido, segundo convicção expressamente manifestada pelo tribunal, do suposto bom desempenho profissional da ofendida C... .

38. Termos em que não se concede que a Recorrente acabe condenada pela prática contra o assistente de dois crimes de perturbação da vida privada, por recurso ao já mencionado art.º 190º do Código Penal, sendo que constitui elemento subjectivo para o adequado preenchimento daquele tipo legal de crime a intenção do agente que o pratica de perturbar a paz e o sossego de outra pessoa, telefonando para a sua habitação e para o seu telemóvel – e não para o telemóvel de terceiro.

39. Já no que respeita ao crime de difamação não poderemos concordar com as conclusões retiradas pelo Mmo. Juiz a quo quando faz notar que bastará o dolo genérico em qualquer das sua modalidades para a verificação dos elemento subjectivo para imputar a prática do crime de difamação à Recorrente, sendo que não se alcançou uma específica intenção de injuriar ou propósito de ofender a honra de alguém, muito menos de alguém que não conhece ou com quem a Recorrente não sequer tem qualquer relação.

40. Nem tão pouco se poderá concordar com a afirmação plasmada na sentença proferida que dita "face à materialidade dada como provada há que concluir que se mostram preenchidos os elementos típicos do crime", sendo que, conforme já acima esmiuçado não poderá tal materialidade dar-se como provada.

 41. Em face de toda a factualidade descrita, não resta senão absolver a ora Recorrente da prática do crime de difamação, pelo qual veio, erradamente, acusada.

42. Ainda assim, no caso dos argumentos acima esgrimidos não valerem perante o tribunal superior. não se conceberá outra realidade que não a da prática continuada de um único crime de perturbação da vida privada, previsto e punível nos termos do n.º 2 do art.º 190º do C.P, conjugado com o disposto no n.º 2 do art.º 30° também do C.P.

43. Ou seja, tendo em conta a noção legal de crime continuado, não se compreende, qual a razão que levou o tribunal recorrido a imputar a prática de 4 crimes de perturbação da vida privada à ora Recorrente, sendo claro que para o Mmo Juiz a quo que a mesma terá adoptado uma conduta reiterada e continuada naquele período temporalmente definido entre Outubro de 2012 e Janeiro de 2014.

44. Ora, a ser assim, apenas se poderá concluir que o tribunal a quo ao imputar por completo à ora Recorrente a prática de quatro crimes de perturbação da vida privada do assistente e ofendida, atropelou, pura e simplesmente, a previsão legal do n.º 2 do art.º 30° do Código Penal, sem sequer ponderar a execução continuada daquele tipo de crime, ignorando o bem jurídico protegido que aquele tipo de crime visa proteger, a homogeneidade temporal e espacial e a sua essencialidade.

45. Por sua vez, no que respeita à medida concreta da pena e recorrendo aos critérios plasmados no art.º 71º do C. P., o qual opera por remissão expressa do artº 47º/1 do mesmo C.P., e à moldura prevista para o crime em causa, a Recorrente nunca poderá acabar condenada na pena de multa igual a 80 dias para cada um dos crimes.

46. Isto porque, a ilicitude do facto é mediana, não resultaram consequências de maior para o assistente ou para a ofendida, o eventual dolo da Recorrente não reveste especial perversidade e além do mais, esta encontra-se plenamente inserida familiar, profissional e socialmente e não regista quaisquer antecedentes criminais sendo que as necessidades de prevenção geral e especial não são excessivas, pelo que julgamos justa e adequada a pena de 100 dias de multa.

47. E já no que respeita ao montante da diária, atendendo ao disposto no art.º 47/2 C.P. e à concreta situação económica e encargos fixos dados como provados suportados pela Recorrente, tal montante nunca deverá ser fixado acima dos € 5.

48. Termos em que, deverá a decisão recorrida ser alterada, condenando a Recorrente em pena de multa de 100 dias à razão diária de € 5,00 – perfazendo o montante de global de € 250.

49. Por último, quanto ao pedido de indemnização civil deduzido pelo Assistente e ofendida, ora demandantes, se se entender ser de alterar a matéria de facto como acima se defendeu, deverá a Recorrente ser absolvida do seu pagamento.

50. Caso assim não se considere, deverá o montante fixado ser alterado, por se assumir como manifestamente excessivo, porque os danos não são convenientemente provados, designadamente as consequências emocionais decorrentes da actuação da Recorrente, bem como a afectação no bem estar da vida do casal e porque mesmo a ofensa e a angústia momentâneos que eventualmente foram sentidos pelos demandantes não se podem fixar em montante tão elevado.

51. Pelo que, a manter-se a condenação da Recorrente na parte criminal, deverá o montante indemnizatório ser reduzido para um valor nunca superior a € 1000.

Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente:

• deverá ser declarada e sanada a nulidade decorrente do vício previsto no art.° 410º/2/b) do C.P.P., nos termos supra expostos;

• deverá ser a sentença proferida declarada nula por falta de fundamentação, nos termos do disposto na 1.a parte final da alínea a) do n.º 1 do art.º 379º do C.P.P., com os efeitos decorrentes do disposto no art.º 322° do mesmo diploma legal.

Caso assim não se entenda,

• deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada nos termos supra expostos – com a necessária absolvição da Recorrente da prática do crime de difamação e dos crimes de perturbação da vida privada contra o Assistente;

Caso assim não se entenda,

• deverá ser a Recorrente absolvida da prática contra o assistente de dois crimes de perturbação da vida privada, por recurso ao art.º 190º do C.P., bem como ser absolvida da prática do crime de difamação previsto nos termos do art.º 180º do C.P., uma vez que não se verifica o adequado preenchimento desses tipos legais de crime;

Mesmo que assim não se entenda,

• deverá a alegada conduta da Recorrente ser reduzida à prática continuada de um único crime de perturbação da vida privada, previsto e punível nos termos do n.º 2 do art.º 190º do C.P, conjugado com o disposto no n.º 2 do art.º 30º também do C.P.

E mesmo que assim não se entenda e se mantenha a condenação da ora Recorrente:

• deverá a decisão recorrida ser alterada, condenando-a em pena de multa de 100 dias à razão diária de € 5,00 perfazendo o montante de global de € 250.

• E deverá ser reduzido o montante indemnizatório a pagar aos demandantes para um valor nunca superior a € 1000.


*

            Respondeu ao recurso a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

                1. Nos presentes autos, foi a arguida A... condenada, como autora material, pela prática de quatro crimes de perturbação da vida privada e um crime de difamação previstos e punidos, respectivamente, pelos artigos 190.º, n.º 2 e 180.º, n.º 1 do Código Penal (CP) na pena única de 200 dias de multa à taxa diária de € 7,00 euros e na indemnização civil total na quantia de € 2.450,00.

2. A arguido recorre da sentença condenatória proferida pelo Tribunal a quo invocando para o efeito que:

                I. O Tribunal a quo não apreciou, nem valorou correctamente a prova produzida em sede de julgamento nestes autos que conduziu à sua condenação pois revela uma contradição insanável ao dar como provado que a arguida ligou para o telemóvel do assistente chegando a efectuar mais de 15 telefonemas no mesmo dia e as chamadas não foram em número superior a 10 (factos provados c), e) e g)) devendo alterar-se o factos c) para "chegando a efectuar dez telefonemas no mesmo dia".

         II. Falta de fundamentação da sentença recorrida nos termos do artigo 374.º, n.º 2 do CPP porquanto aí não se refere o caminho lógico para se concluir pela prática de 4 crimes de perturbação da vida privada sendo certo que a única vez que o Tribunal a quo se refere ao número de crimes é no dispositivo.

         III. A arguida estava acusada de quatro crimes o que não libera o Tribunal a quo de fundamentar e explicar porque entende que foi esse o número de crimes praticados considerando ainda que os factos se dividem em dois momentos temporais: Outubro/Novembro de 2012 (facto e)) e Outubro 2013 -Janeiro 2014 (facto g)).

         IV. O Tribunal recorrido não entendeu que a cada um dos contactos correspondia a prática de um crime de perturbação da vida privada pois aí teria condenado por dezenas de crimes.

         V. Quanto à matéria de facto, não se pode dar como provado que a motivação da arguida esteja relacionada com questões profissionais e seja a mesma condenada pela prática de um crime contra o assistente, marido da sua colega de trabalho o qual afirmou que não tem qualquer relacionamento directo com a arguida desconhecendo o relacionamento da sua esposa, ofendida, e a arguida e se ela alguma vez cedeu o seu número de telemóvel à arguida.

        VI. Devendo dar como não provada a referência ao assistente nos factos provados b), f) e j).

          VII. Como o Tribunal a quo fundamentou os factos provados nas alíneas c) a j) de forma genérica socorrendo-se nas informações obtidas pelas operadoras de telecomunicações e declarações do assistente, ofendida e testemunha D... que confirmou ser aquele o número privado da arguida por o ter nos seus contactos como pertencente à arguida, devem ser dados como não provados.

          VIII. Das informações fornecidas pelas operadoras apenas resulta a titularidade do cartão telefónico e não a identidade do autor das chamadas telefónicas.

           IX. Como o autor das chamadas nada dizia, para além de emitir sons de respiração e sons idênticos aos usados para chamar animais, não se pode concluir que tenha sido a arguida a efectuar tais chamadas desconhecendo-se até o sexo dessa pessoa.

           X. Quanto aos factos l) a j), não podem ser dados como provados porquanto a testemunha E... apenas confirmou que recebeu uma chamada, num dia que não conseguiu precisar e a pessoa com quem falou avisou-o para ter cuidado com o seu colega de trabalho não conseguindo precisar os termos utilizados por quem lhe telefonou, não conseguindo identificar quando foi efectuada a chamada, o seu autor, o seu destinatário e a pessoa que pretendia difamar.

           XI. Caso assim não se entenda, não se encontram preenchidos os elementos subjectivos e objectivos dos tipos legais de crime pelos quais a arguida foi condenada na sentença recorrida pois não se demonstrou qualquer intenção de perturbar a vida privada do assistente dada a inexistência de relação deste com a arguida pois a intenção desta, segundo o tribunal recorrido, nasceu do suposto bom desempenho profissional da ofendida.

            XII. Quanto ao crime de difamação, não basta o dolo genérico ao contrário do afirmado pelo Tribunal a quo, mas é necessária uma especifica intenção de injuriar ou propósito de ofender a honra de alguém o que não é possível quando a arguida nem sequer conhece o assistente com o qual não tem qualquer relação, logo os elementos típicos deste crime não se encontram dados como provados.

            XIII. Sem prescindir, apenas se concebe a prática continuada de um único crime de perturbação da vida privada previsto e punido pelo artigo 190.º, n.º 2 e 30.º, n.º 2 ambos do CP ao ser dado como provado que a arguida terá adoptado uma conduta reiterada e continuada naquele período temporalmente definido entre Outubro de 2012 e Janeiro de 2014.

            XIV. A medida concreta da pena de acordo com os critérios plasmados no artigo 71.º do CP, mostra-se excessiva não podendo a arguida ser condenada na pena de multa de 80 dias por cada um dos crimes atendendo a que a ilicitude do facto é mediana, não resultaram consequências de maior para o assistente e ofendida, o dolo não se reveste de especial perversidade e a mesma encontra-se inserida familiar, profissional e socialmente não tendo antecedentes criminais julgando justa e adequada a pena de 100 dias de multa.

            XV. O montante diário da pena de multa nunca deveria ser fixado acima dos € 5,00.

            XVI. Assim a arguida deveria ser condenada em pena de multa de 100 dias à razão diária de € 5,00.

            XVII. Quanto ao pedido de indemnização civil, deve a arguida ser absolvida do mesmo ao ser alterada a matéria de facto como defende.

            XVIII. Caso assim não se considere, por manifestamente excessivo, não estando provados os danos e consequências emocionais em resultado da actuação da arguida, afectação do bem-estar do casal e porque a ofensa e angústia eventualmente sentidas foram momentâneas, deverá o montante fixado ser alterado e reduzido para € 1.000,00.

            XIX. Deve, assim, ser declarada e sanada a nulidade decorrente do vício nos termos do artigo 410.º, n.º 2 al. b) do CPP e declarada a sentença recorrida nula por falta de fundamentação nos termos da 1.ª parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 379.º do CPP com os efeitos decorrentes no artigo 322.º do CPP.

            XX. Caso assim não se entenda, deverá ser alterada a matéria de facto dada como provada nos termos expostos e absolvida a arguida da prática de um crime de difamação e dos crimes de perturbação da vida privada contra o assistente.

            XXI. Caso ainda assim não se entenda, deverá a arguida ser absolvida da prática dos dois crimes de perturbação da vida privada contra o assistente e do crime de difamação por falta de preenchimento dos tipos legais do crime.

            XXII. Mesmo que assim não se entenda, deverá a conduta da arguida ser reduzida à condenação de um crime de perturbação da vida privada continuado nos termos dos artigos 190.º, n.º 2 e 30.º, n.º 2 do CP.

            XXIII. Por último, não se entendendo assim, a arguida deverá ser condenada em pena de multa de 100 dias à razão diária de € 5,00 perfazendo € 250,00 e reduzida a indemnização para € 1.000,00.

3. Salvo o devido respeito, estamos convencidos de que não assiste razão a arguida/ recorrente.

4. Inicia a arguida as suas alegações de recurso com a invocação de uma contradição insanável do Tribunal a quo ao dar como provado que a arguida ligou para o telemóvel do assistente chegando a efectuar mais de 15 telefonemas no mesmo dia e as chamadas não foram em número superior a 10 (factos provados c), e) e g)).

5. Não se vislumbra qualquer contradição nestes factos porquanto o Tribunal a quo fundamentou devidamente com a referência do assistente ao número das chamadas recebidas desse número superior a mil.

6. Da factualidade provada resulta que a arguida ligava para os telemóveis do assistente e da ofendida sem referir que todos eles eram atendidos pelos mesmos, logo não se encontram registadas todas as chamadas porquanto apenas as chamadas atendidas ficam registadas na facturação detalhada.

7. Assim, resulta provado o comportamento insistente da arguida em efectuar muitas chamadas no mesmo dia em número superior a 15.

8. No que diz respeito à falta de fundamentação para dar como provada a prática de quatro crimes de perturbação da vida privada, não se vislumbra essa deficiência porquanto o Tribunal a quo de forma lógica e facilmente apreensível, faz constar da matéria de facto provada os dois momentos temporais a que dizem respeito esses períodos.

9. Aqui importa salientar que dessa matéria de facto se conclui pela existência de dois diferentes momentos temporais dos factos: Outubro e Novembro de 2012 e Outubro de 2013 a Janeiro de 2014 nos quais a arguida fez dezenas de chamadas, que pela sua frequência, são adequadas a perturbar a vida privada do assistente e da ofendida nesses dois momentos temporais distintos.

10. Sendo duas as vítimas por cada momento temporal, a arguida praticou um crime de perturbação da vida privada relativamente a cada uma delas perfazendo um total de dois crimes por cada um dos períodos de onde resultam quatro crimes como naturalmente se apreende da matéria de facto provada.

11. O Tribunal a quo fundamenta estes factos provados com as declarações do assistente e da ofendida conjugada com as informações das operadoras de telecomunicações.

12. Ficou também demonstrado de toda a prova produzida, nomeadamente a testemunhal, e devidamente fundamentado na sentença, que os telefonemas efectuados pela arguida causaram muito mal-estar e desconfiança no casal afectando a vida do casal.

13. Nesta medida, a arguida agiu motivada por questões profissionais na conduta assumida e quis atingir a estabilidade do casal formado pelo assistente e ofendida para assim a afectar mais profundamente em várias esferas da sua vida, profissional e privada, o que logrou alcançar.

14. Logo, não pode agora a arguida dizer que, por não ter relacionamento directo com o assistente, nunca o poderia ter atingido porquanto se não o quisesse atingir não teria a arguida ligado do seu telemóvel para o telemóvel do assistente e o telefone de trabalho deste conforme resulta da facturação detalhada junta aos autos.

15. Invoca a recorrente que o Tribunal a quo fundamentou genericamente ao invocar, em sede de fundamentação, as informações obtidas pelas operadores de telecomunicações e declarações do assistente, ofendida e testemunha D... .

16. Não concordamos com esta crítica à sentença recorrida pois esta testemunha confirmou ser aquele o número privado da arguida por o ter nos seus contactos como pertencente à arguida e desses documentos, conjugadas com as declarações, resulta que a arguida era efectivamente titular desse número e o usava dando esse n.º a colegas de trabalho como era o caso desta testemunha.

17. Obviamente que dos autos, concretamente das informações fornecidas pelas operadoras, resulta a titularidade do cartão telefónico pela arguida e não que foi a mesma que efectuou essas chamadas o que apenas poderia resulta de escutas telefónicas.

18. A arguida não logrou afastar a utilização desse número de telemóvel de que é titular considerando também o depoimento da testemunha D... ao confirmar esse número como sendo privado da arguida conforme consta na fundamentação da sentença recorrida.

19. Conjugando estes factos com os conflitos laborais existentes entre a arguida e ofendida razoavelmente se conclui que a autora das chamadas foi a arguida, não relevando o facto de a mesma não se identificar nem como uma mulher quando o assistente e/ou a ofendida atendiam a chamada, mas apenas emitir sons de respiração ou sons idênticos aos usados para chamar animais.

20. Aliás, este comportamento da arguida ainda se revela especialmente censurável e cruel pois deixou o assistente e a ofendida deveras perturbados a pensar quem poderia andar a fazer aquelas chamadas telefónicas de forma tão insistente de tal forma que sentiram perturbações do sono, descanso do casal e convívio com amigos causando um clima de mau estar e insegurança no casal (factos i a j)).

21. Quanto ao crime de difamação dirigido ao assistente, o próprio confirmou os factos e a facturação de fls. 112 permite esclarecer que a autora desse telefonema foi a arguida a partir do seu n.º de telemóvel.

22. No que respeita ao concreto conteúdo da chamada, atendendo a que foi efectuada há cerca de um ano, a testemunha E... conseguiu explicar que se lembra de uma mulher lhe ter dito que o estava a avisar para que tivesse cuidado com o colega com quem trabalha pois estaria a fazer-lhe a folha, não era a pessoa que parece e identificou este seu colega logo com o assistente porque estava perturbado nessa altura.

23. Relativamente à hora, 15h14m, em Janeiro, poderia já estar escuro pois tratava-se de um dia de Inverno e nessa medida muitos dias são escuros sem sol.

24. Assim, esta testemunha conseguiu esclarecer que o autor da chamada foi uma mulher e se destinava ao professor pelas circunstâncias referidas e conjugado com os elementos documentais, facturação detalhada do telemóvel da arguida, logramos concretizar o dia e a hora.

25. No que diz respeito ao dolo exigido para o preenchimento deste crime, importa referir que o Tribunal a quo explicou ser exigível o conhecimento e consciência de, objectivamente, os factos por si imputados de modo a produzir ofensa na honra ou consideração.

26. Não sendo necessária uma intenção específica de injuriar e ofender a honra em concreto de alguém não se exigindo uma motivação específica conforme orientação pacífica defendida na jurisprudência superior sedimentada há várias décadas.

27. Concluímos, assim, que os elementos deste crime de difamação encontram-se provados na sentença recorrida.

28. Relativamente ao crime continuado de perturbação da vida privada, a arguida limitou-se a referir o n.º 2 do artigo 30.º esquecendo-se do n.º 3 deste artigo do CP.

29. Ou seja, estando em causa um crime praticado contra bens eminentemente pessoais não se aplica o disposto nesse n.º 2 não existindo crime continuado para esses ilícitos penais.

30. Este é o caso em apreço considerando a inserção sistemática do crime de perturbação da vida privada dentro do Título I do CP, isto é, crimes contra as pessoas e, concretamente, Capítulo VII: reserva da vida privada, sendo este o bem jurídico pessoal aí tutelado.

31. De qualquer forma, atendendo ao lapso temporal entre os dois crimes nunca seria um crime continuado.

32. A medida concreta da pena afigura-se adequada considerando toda a conduta adoptada pela arguida, os vários factos por si praticados, a elevada ilicitude considerando que a mesma é bancária com formação superior à média, as várias perturbações para o assistente e ofendida, estes tiveram de recorrer a ajuda médica e revelam-se laivos de crueldade e perversidade no comportamento da arguida agindo por motivações fúteis relacionadas com conflitos laborais com intenções de atingir a estabilidade da ofendida e seu marido, aqui assistente, o que conseguiu alcançar.

33. O quantitativo diário de € 7,00 de cada dia da pena de multa afigura-se adequado porquanto a arguida é bancária, aufere rendimentos líquidos do trabalho de € 1.600,00, vive em casa própria e paga a prestação mensal de € 200,00 e a quantia diária de € 5,00 é o mínimo diário (artigo 47.°, n.º 2 do CP) que se destina a pessoas sem rendimentos ou baixos rendimentos próximos do SMN no montante actualmente de € 530,00.

34. Atendendo a toda a factualidade provada, a quantia arbitrada a título de indemnização civil afigura-se, salvo melhor opinião, adequada e, quando muito, peca por defeito e não excesso.

35. Portanto, não se vislumbra a existência de qualquer contradição insanável nos factos dados como provados em c), e) e g), não padece a sentença recorrida de qualquer nulidade, cuja fundamentação se revela suficiente, não deve a matéria de facto ser alterada, nem a arguida absolvida da prática de qualquer crime pelos quais foi condenada ou alterada a medida da pena, o quantitativo diário ou montante da indemnização civil.

36. Pelo que, no nosso entender, a sentença proferida pelo Tribunal a quo não padece de qualquer erro na apreciação e valoração da prova, nem falta de fundamentação ou vício de direito, devendo ser mantida na íntegra.

Por todo o exposto, sem mais delongas por desnecessárias, não deve ser dado provimento ao recurso interposto pela arguida A... mantendo-se integralmente a sentença proferida pelo Tribunal a quo.

Certa de que, Vossas Excelências, como sempre, doutamente decidirão, fazendo a habitual JUSTIÇA!


*

            Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, acompanhando genericamente a resposta do Ministério Público, afirmando a correcta valoração da prova, a inexistência de nulidades ou de vícios, a correcta qualificação jurídica dos factos e a adequação das penas, e concluiu pelo não provimento do recurso.

*

            Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

 

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


*

            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela recorrente, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:

- A nulidade da sentença por falta/insuficiência de fundamentação;

- A existência do vício da contradição insanável da fundamentação;

- A incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto;

- O não preenchimento do tipo legal, o concurso de crimes e a existência de crime continuado;

- A excessiva medida das penas;

- A indevida condenação no pedido de indemnização e a excessiva indemnização fixada. 


*

            Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:

            A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:

            “ (…).

a) Em Outubro de 2012, a arguida era colega de trabalho de C... ambas exercendo funções na sucursal do Banco (...) , situada no (...), nesta cidade da Covilhã.

b) Por motivos relacionados com questões profissionais, designadamente relacionadas com o bom desempenho profissional da ofendida C... , a arguida, desde Outubro de 2012 até Janeiro de 2014 decidiu, através do telemóvel, perturbar na sua paz e sossego aquela C... e o cônjuge desta, o assistente B... .

c) Para o efeito, a arguida através do seu telemóvel com o nº 91 (...), que não identificava nas chamadas que efectuava, ligou para o telemóvel do assistente B... com o nº 96 (...) por diversas vezes ao longo do dia e durante vários dias seguidos, chegando a efectuar mais de 15 telefonemas no mesmo dia, entre as 19 horas e 23 horas.

d) Sempre que aquele B... atendia o telemóvel a arguida não falava, limitando-se a emitir sons idênticos ao de respiração e de pessoas a chamar animais, designadamente cães.

e) Assim, nos meses de Outubro e Novembro de 2012, a arguida ligou para o telemóvel de B... , pelo menos, nos seguintes dias e horas:

- no dia 18/10/2012, pelas 19h17m e pelas 19h33m;

- no dia 23/10/2012, pelas 18h59m;

- no dia 27/10/2012 pelas 21h45m e pelas 21h46m;

- no dia 13/11/2012, pelas 21h49 e pelas 21h50m;

- no dia 14/11/2012, pelas 18h17m a arguida efectuou três chamadas seguidas;

- no dia 15/11/2012, pelas 21h25m;

- no dia 18/11/2012, pelas 12h10m;

- no dia 21/11/2012, pelas 16h14m;

f) Na prossecução do mesmo desígnio de perturbar a paz e sossego da ofendida C... e do assistente B... , entre Outubro de 2013 e Janeiro de 2014, a arguida acentuou o número de telefonemas do seu telemóvel com o nº 91 (...), que não identificava nas chamadas que efectuava, para os telemóveis da ofendida C... e do assistente B... .

g) Assim, a arguida ligou do seu telemóvel com o nº 91 (...) para o telemóvel do assistente B... com o nº 96 (...) nos seguinte dias e horas:

- no dia 12/10/2013, pelas 20h04m12ss;

- no dia 14/10/2013, pelas 22h31m06ss e 22h31m29ss;

- no dia 09/12/2013, pelas 19h12m46ss e 19h53m,34ss

- no dia 10/12/2013, pelas 20h34m41ss, 20h5031ss e 21h15m;

- no dia 07/01/2014, pelas 20h26,44ss, 20h27m10ss, 20h27m44ss, 20h28m14ss, 20h28m41ss, 20h28m56ss, 20h29m39ss, 20h37m30ss, 21h17m55ss, 21h43m36ss;

- no dia 12/01/2014, pelas 20h48m56ss, 22h03m27ss;

- no dia 13/01/2014, pelas 19h10m56ss, 19h17m37ss, 20h12m29ss, 20h36m25ss, 21h32m02ss, 21h44m31ss, 21h45m,11ss 21h45m23ss;

- no dia 14/01/2014, pelas 07h54m35ss, 08h48m03ss, 09h52m05ss, 10h57m32ss, 11h44m57ss, 11h45m11ss, 12h32m13ss, 12h34m26ss, 15h56m55ss;

- no dia 15/01/2014, pelas 16h51m53ss, 21h51m,53ss;

- no dia 16/01/2014, pelas 09h23m28ss, 13h13m07ss, 14h46m17ss, 16h43m52ss.

Por sua vez e com o mesmo propósito de perturbar na paz e sossego a ofendida C... , a arguida ligou do seu telemóvel com o nº 91 (...) para o telemóvel daquela C... com o nº 93 (...) nos seguintes dias e horas:

- no dia 16/01/2014, pelas 13h11m31ss; no dia 17/01/2014, pelas 16h07m56ss, 16h09m14ss, 16h09m28ss, 16h09m40m, 16h11m20ss.

g) A arguida actuava da forma descrita acentuando o número de telefonemas diários sempre que ocorria um determinado acontecimento no seu local de trabalho que associava à ofendida, tal como a sua mudança de local de trabalho para outra sucursal da instituição bancária, a sua deslocação para outra cidade ou ainda a revelação dos objectivos de trabalho alcançados pela ofendida.

 h) Com as descritas condutas a arguida quis e conseguiu perturbar a vida privada, a paz e o sossego do assistente B... e da ofendida C... , tendo para o efeito ligado pelo menos nos dias e horas supra descritos, não identificando o seu número de telemóvel, nem falando quando o assistente ou a ofendida atendiam o telefonema, limitando-se a emitir sons de respiração ou sons idênticos aos usados para chamar animais, designadamente cães.

i) Tais comportamentos da arguida causaram receio à ofendida e ao assistente por desconhecerem a origem de tais telefonemas e não saberem o que motivava o seu autor, a aqui arguida, a proceder da forma descrita.

j) A arguida agiu em todas as descritas circunstâncias de modo livre, voluntário e consciente, com o propósito concretizado de perturbar a paz e sossego do assentes e da ofendida e do seu núcleo familiar e causar um clima de mau estar e insegurança no casal.

j.a) A conduta da arguida perturbou o descanso do casal e convívio com os amigos;

b. Sofreram perturbações de sono;

l) No dia 16 de Janeiro de 2014, pelas 15 horas, 17 minutos e 40 segundos, a arguida ligou seu telemóvel com o número 91 (...) para o telefone com o número 3 (...), com o indicativo de rede local 275, então atribuído à Universidade (...) e instalado no departamento de Gestão e Economia a fim de falar com um colega de trabalho do Assistente, de nome E... , a quem referiu em tal telefonema o seguinte: "Tenha cuidado com o seu colega B... , porque ele não é de confiança e vai-lhe fazer a folha".

m) À hora que o telefonema foi efectuado o Assistente encontrava-se a dar uma aula, tendo tido conhecimento do telefonema através do referido colega de trabalho, E... .

n) O Assistente e o colega E... são ambos professores no Departamento de Gestão e Economia da (...) e na data dos factos parceiros de investigação e trabalho científico.

o) Com a afirmação que telefonicamente fez para o Professor E... a arguida pretendeu pôr em causa o bom nome, honra e consideração do Assistente, denegrir a sua imagem como pessoa e profissional e quebrar a relação de confiança pessoal e profissional existente entre ele e o aludido colega de trabalho.

p) Com o telefonema que fez para o professor E... e a afirmação e insinuação que no mesmo fez a respeito do Assistente, a arguida quis ofende-lo como ofendeu no seu bom nome, honra e consideração, sendo certo que tal afirmação é em si mesma objectivamente ofensiva.

q) Ao tomar conhecimento do telefonema o Assistente sentiu-se envergonhado, enxovalhado, incomodado e ofendido na sua honra, consideração e reputação.

r) A arguida agiu de forma livre, voluntária e conscientemente, formulando, perante terceiro, um juízo sobre a pessoa do Assistente, ofensivo da sua honra e consideração, fazendo-o com o propósito concretizado de lhe causar tal ofensa e de quebrar a relação de amizade e confiança, pessoal e profissional, entre o Assistente e o seu colega de departamento.

s) Em consequência da conduta da arguida deslocaram-se os ofendidos à GNR, PJ, ao Tribunal e escritório de advogado tendo despendido tempo e suportado despesas que quantificam em 200 euros;

t) E hão-de suportar despesas com honorários.

u) A arguida não tem antecedentes criminais.

v) É bancária, auferindo rendimentos líquidos do trabalho de 1600 euros;

x) Vive em casa própria pagando a prestação mensal de 200 euros.

(…)”.

B) Nela foram considerados não provados os seguintes factos:

“ (…).

a) A assistente tenha efectuado as chamadas de forma involuntária;

b) A arguida deixasse o telefone na sua secretária e as chamadas tenham sido efectuadas por terceiro.

            (…)”.

            C) Dela consta a seguinte motivação de facto:

            “ (…).

Os factos dados como provados colhem a sua demonstração: situação pessoal e económica da arguida: nas suas declarações e CRC junto aos autos. Ilícitos: declarações do assistente B... que de forma clara relatou que as chamadas para casa provocaram discussões mais severas com a esposa; complicações de saúde; insónias, problemas gástricos; que receberam mais de mil chamadas; que tais ligações ocorriam quando as chefias do banco reconheciam o mérito da esposa; sobre a chamada para a (...) disse que, nesse (quinta feira de tarde) tinha aulas de mestrado; O colega comunicou-se ter recebido a chamada com o teor dado como provado; mais relatou ter-se sentido ofendido, humilhado; depoimento de C... que de forma sofrida relatou ter apresentado queixa contra desconhecidos, que os telefonemas causaram muito mal estar e desconfiança no casal; que temeram pela sua segurança; que as chamadas afectaram a vida do casal, mais disse que a colega/arguida sabia da do seu horário; que o aumento das chamadas estava relacionada com os acontecimentos (promoção da queixosa ou regressão da arguida). A testemunha E... , casado, professor, colega de trabalho do assistente disse trabalhar com ele desde 2010; que passa com ele cerca de 5/6 horas que o assistente sentiu grande irritação e frustração; mais relatou ter recebido a chamada com o teor dado como provado; Mais se valoraram os seguintes documentos: detalhe de dados de tráfego remetidos pela TMN de fls.51 a 54; de fls.119 a 122; Informação da VODAFONE de fls.90; detalhe de dados de tráfego remetidos pela VODAFONE de fls.111 a 117; detalhe de dados de tráfego remetidos pela OPTIMUS de fls.126 a 132; e Informação da PT de fls.146 e depoimento A testemunha D... que foi director do balcão do S (...) disse ter o número de contacto privado da arguida que indicou como sendo aquele de que provieram chamadas. Não foi produzida prova em contrário, sendo que a testemunha G... , professor, departamento de gestão, embora referindo ter recebido uma chamada da A... disse que esta foi efectuada no final de 2014 início de 2015, na mais sabendo; a arguida não contrariou tal prova nem nenhuma prova foi feita sobre os vertidos em sede de não provados.

(…)”.


*

Da nulidade da sentença por falta/insuficiência de fundamentação

1. Alega a recorrente – conclusões 6 a 12 – que a sentença recorrida não contém a exposição do caminho lógico que seguiu para qualificar a matéria de facto que considerou provada como prática de quatro crimes perturbação da vida privada, tanto mais que a qualificação feita não se coaduna com aquela matéria, relativamente aos referidos crimes, uma vez que foi compartimentada em dois distintos períodos, carecendo de suficiente fundamentação, o que determina a sua nulidade, nos termos da alínea a) do nº 1 do art. 379º do C. Processo Penal, com os efeitos decorrentes do disposto no art. 122º do mesmo código.

Vejamos se lhe assiste ou não razão.

O dever de fundamentação das decisões judiciais tem assento no art. 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa e a nível infraconstitucional, no que ao processo penal respeita, mostra-se consagrado, como princípio geral, no art. 97º, nº 5 do C. Processo Penal, como regime privativo das medidas de coacção, no art. 194º, nº 6 do mesmo código, e como regime específico da sentença, no art. 374º, nº 2 também do mesmo diploma.

Com este dever pretende-se assegurar a total transparência da decisão, através da plena compreensão dos juízos de facto e de direito que contém pelos seus destinatários directos, em primeira linha, e pela própria comunidade. Simultaneamente, por via dele, é assegurado o autocontrolo de quem proferiu a decisão e a fiscalização da actividade decisória pelo tribunal de recurso.

O art. 374º, nº 2 do C. Processo Penal impõe que da fundamentação da sentença conste a enumeração dos factos provados e não provados e a exposição completa mas concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que formaram a convicção do tribunal.

A enumeração dos factos consiste na narração metódica dos factos que resultaram provados e dos factos que não resultaram provados, tendo por base os que constavam da acusação ou da pronúncia, da contestação, e do pedido de indemnização, e ainda os que, com relevo para a decisão, resultaram da discussão da causa. A exposição dos motivos de facto que fundamentam a decisão deve conter, de modo completo e conciso, a enunciação das provas que serviram para fundar a convicção do tribunal, e a análise crítica de tais provas, entendendo-se por esta, a explicitação do processo de formação da convicção do julgador, concretizada na indicação dos motivos e critérios lógicos e racionais que conduziram à credibilização de certos meios de prova e à desconsideração de outros. A exposição dos motivos de direito mais não é do que a determinação do direito aplicável aos factos e sua aplicação ao caso concreto.

A inobservância deste preceito determina, nos termos do art. 379º, nº 1, a) do C. Processo Penal a nulidade da sentença.

Pois bem.

Não se suscitam dúvidas quanto a conter a sentença recorrida a enumeração dos factos provados e dos factos não provados, bem como a indicação das provas de que o tribunal a quo se serviu para fundar a sua convicção e a respectiva análise crítica. Na verdade, a questão suscitada pela recorrente prende-se com a exposição dos motivos de direito, concretamente, com a qualificação jurídica dos factos provados, na perspectiva do concurso de crimes.  

A sentença, no que respeita à discussão do preenchimento do tipo do crime de perturbação da vida privada, está efectivamente longe de ser modelar. Com efeito, ela limita-se à transcrição do nº 2 do art. 190º do C. Penal e à transcrição de parte do relatório – segmento da decisão recorrida – de um acórdão da Relação do Porto [de 7 de Novembro de 2012, processo nº 765/08.1PRPRT.P2, in www.dgsi.pt], e conclui, «Ora, conduta da arguida supra descrita e atento a jurisprudência citada temos por provados os elementos típicos do crime.». Nada se diz, portanto, quanto ao concurso de crimes.

No Relatório da sentença fez-se constar que o Ministério Público imputava à arguida, além do mais, dois crimes de perturbação da vida privada, tendo por ofendido o assistente, e dois crimes de perturbação da vida privada, tendo por ofendida, C... . Na determinação da medida concreta da pena diz-se apenas, quanto a este aspecto, que «o Tribunal tem adequado fixar a pena em 80 dias de multa para cada um dos crimes.», sem concretizar o seu número. Apenas no Dispositivo da sentença consta a condenação da arguida «como autora material em concurso real de 4 crimes de perturbação da vida privada, previstos e punidos, pelos art. 26º, 190º, nº 2 ambos do Código Penal e de um crime de difamação previsto e punido pelo art.º 180/1 do C. Penal na pena de 80 dias de multa cada um deles; Em cúmulo, condena-se a arguida na pena de 200 dias de multa à taxa diária de 7 Euros.».     

A referência feita no Dispositivo ao concurso real de 4 crimes de perturbação da vida privada revela que na sentença foi recebida a qualificação que vinha da acusação pública. E que essa qualificação, não obstante as deficiências apontadas, foi percebida pela recorrente, resulta da motivação do recurso onde, além do mais, se alega não estar preenchido o tipo subjectivo dos dois crimes de perturbação da vida privada que têm por ofendido o assistente e por cuja prática foi condenada, e se pugna, entre outras soluções de direito, pela existência de um único crime, continuado, e não, de quatro crimes. Saber se é ou não correcta a qualificação feita quanto ao número de crimes, é já questão diversa.

Vale isto dizer que, ainda assim, a fundamentação da sentença recorrida contém o mínimo imprescindível para o seu entendimento pelos destinatários directos, em particular, da arguida que, como aliás resulta do recurso interposto, exerceu plenamente o direito de defesa.

Assim, reconhecendo-se embora as imperfeições da sentença recorrida, entendemos que elas não assumem uma dimensão tal que nos levam a concluir pela falta de fundamentação, pelo que não consideramos verificada, in casu, a apontada nulidade.


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            Da existência do vício da contradição insanável da fundamentação

            2. Alega a recorrente – conclusões 4 e 5 – que existe uma contradição insanável entre a alínea c) dos factos provados no segmento «(…) a arguida ligou através do seu telemóvel (…) para o telemóvel do assistente (…), chegando a efectuar mais de 15 telefonemas no mesmo dia, entre as 19 horas e as 23 horas.» e as alíneas e) e g) dos factos provados, quando destas resulta que o número mais elevado de telefonemas por dia não excedeu os dez.

            Vejamos.

            Os vícios da decisão – a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova – previstos, por esta ordem, nas três alíneas do nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal, constituem fundamento para recurso da matéria de facto [e isto, independentemente de a lei o restringir à matéria de direito], sendo de conhecimento oficioso, conforme jurisprudência fixada pelo Acórdão nº 7/95, de 19 de Outubro (DR, I-A, de 28 de Dezembro de 1995).

Aqui, estamos perante defeitos estruturais da própria decisão penal, e por isso a lei exige que a sua demonstração resulte do respectivo texto por si só, ou em conjugação com as regras da experiência comum. No âmbito da revista alargada [comum designação do regime dos vícios da decisão] o tribunal de recurso não conhece da matéria de facto [no sentido da reapreciação da prova], limitando a sua actuação à detecção dos vícios que a sentença, por si só e nos seus precisos termos, evidencia e, não podendo saná-los, determina o reenvio do processo para novo julgamento. 

O vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão consiste, basicamente, numa oposição na matéria de facto provada [v.g., dão-se como provados dois ou mais que dois factos que estão entre si, em oposição sendo, por isso, logicamente incompatíveis], numa oposição entre a matéria de facto provada e a matéria de facto não provada [v.g., dá-se como provado e como não provado o mesmo facto], numa incoerência da fundamentação probatória da matéria de facto [v.g., quando se dá como provado um determinado facto e da motivação da convicção resulta, face à valoração probatória e ao raciocínio dedutivo exposto, que seria outra a decisão de facto correcta], ou ainda quando existe oposição entre a fundamentação e a decisão [v.g., quando a fundamentação de facto e de direito apontam para uma determinada decisão final, e no dispositivo da sentença consta decisão de sentido inverso]. 

A questão coloca-se, como se viu, na primeira ‘modalidade’ do vício, na recíproca exclusão de dois ou mais factos provados, de tal forma que só um deles pode subsistir.

            Na alínea e) dos factos provados, a maior frequência de telefonemas efectuados verificou-se no dia 14 de Novembro de 2012, com três chamadas feitas, enquanto na alínea g) dos factos provados, a maior frequência ocorreu em 7 de Janeiro de 2014, com dez chamadas feitas.

Sucede que na alínea e) consta a expressão «pelo menos», o que significa que outros telefonemas existiram e que não estão incluídos na respectiva ‘listagem’. Quanto basta, portanto, para comportar a possibilidade de, em certos dias, os telefonemas excederem o número de quinze, como consta da alínea c) dos factos provados [aliás, consta da motivação de facto ter o assistente afirmado que receberam mais de mil chamadas, enquanto o somatório das ‘listagens’ das alíneas e) e g) atinge apenas o número de sessenta e quatro].

Em suma, afastada a alegada contradição, não se verifica o vício invocado pela recorrente.

Diremos ainda que na sentença recorrida não se evidencia a existência de qualquer outro dos vícios da decisão, previstos no nº 2 do art. 410º do C. Processo Penal.


*

            Da incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto

            3. Entende a recorrente – conclusões 13 a 35 – que as alíneas b), f) e j) dos factos provados foram incorrectamente julgadas, na parte em que referem o assistente, isto porque este declarou na audiência de julgamento não ter qualquer relação com a arguida, nem conhecimento directo das relações existentes entre esta e a ofendida, sua mulher, ou mesmo, ter cedido o seu número de telefone àquela, que teor das alíneas c) a j) dos factos provados não deveria como tal, ter sido considerado, porque o tribunal a quo fundamentou genericamente a sua veracidade, socorrendo-se das informações obtidas das operadoras telefónicas quando os registos destas não identificam o autor das chamadas, e do depoimento da testemunha D... que apenas pode assegurar que um determinado número está gravado nos seus contactos como sendo o da arguida mas não que esta tenha efectuado chamadas para o assistente e para a ofendida, que também o teor da alínea l) dos factos provados não deveria como tal, ter sido considerada, pois a testemunha E... apenas disse em audiência ter recebido um telefonema de uma pessoa que não identificou e que o avisou para ter cuidado com um colega de trabalho, que não nomeou.

            No corpo da motivação a recorrente fez a transcrição dos segmentos do depoimento da testemunha E... que considerou relevantes para sustentar a impugnação deduzida.

            Tendo-se por cumprido o ónus de especificação previsto no art. 412º, nºs 3 e 4 do C. Processo Penal não existem obstáculos ao conhecimento da impugnação ampla da matéria de facto deduzida pela recorrente, com o objecto e limites que por esta lhe foram assinalados e que acabam de deixar enunciados.

            3.1. Relativamente às alíneas b), f) e j) dos factos provados, a dissensão da recorrente prende-se apenas com a referência que em cada uma é feita ao assistente, pretendendo que da alínea b) seja eliminado o segmento «(…) e o cônjuge desta, o assistente B... .», que da alínea f) seja eliminado o segmento «(…)e do assistente B... , (…)» e que da alínea j) seja eliminada a palavra «(…) assistente (…)» [e não, «assentes» como, certamente por lapso, nela se lê].

            A modificabilidade da decisão proferida sobre a matéria de facto depende, neste caso, e como se dispõe no art. 431º, b) do C. Processo Penal, de a prova ter sido impugnada nos termos do nº 3 do art. 412º do mesmo código. Desde logo era, portanto, necessário que a recorrente tivesse especificado as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida (alínea b) do nº 2 do art. 412º).

            Porém, a recorrente não fez tal indicação probatória, relativamente às sindicadas alíneas, o que vota ao insucesso a impugnação.

Com efeito, o que a recorrente fez foi desenvolver um exercício de argumentação, segundo o qual, estando provado que foram motivos relacionados com questões profissionais, como o bem desempenho profissional da ofendida, que levaram a recorrente a telefonar-lhe, para perturbar a sua paz e sossego, e tendo o assistente afirmado na audiência de julgamento que não tinha qualquer relação com a arguida, não tinha conhecimento directo das relações entre esta e a ofendida, sua mulher, e que nunca cedeu à arguida o seu número de telemóvel, não se compreende nem se concebe, nenhuma intenção de a arguida perturbar a vida do marido da ofendida, então sua colega de trabalho.

Tendo em conta, sem prejuízo do que adiante se dirá sobre as também impugnadas alíneas c) a j) dos factos provados, as inúmeras chamadas telefónicas feitas do telemóvel da recorrente para o telemóvel do assistente, e sendo este cônjuge da ofendida, qualidade que, decerto, a aquela não ignorava, afigura-se-nos óbvia a intenção da arguida em efectuar tais telefonemas: afectar a vida privada, paz e sossego do assistente e, por essa via, afectar a ofendida.

Em conclusão, mantêm-se as alíneas b), f) e j) dos factos provados nos exactos termos em que foram fixadas pela 1ª instância.

3.2. Relativamente às alíneas c) a j) dos factos provados, a discordância da recorrente prende-se, em primeiro lugar, com o que é possível extrair, em termos de prova, dos dados de tráfego e informações remetidos ao processo pelas operadoras TMN – fls. 51 a 54 e 119 a 122 – Vodafone – fls. 90 e 111 a 117 – Optimus – fls. 126 a 132 – e PT – fls. 146 – referidos na motivação de facto da sentença como concorrendo para a formação da convicção do tribunal recorrido.

Assiste razão à recorrente quando afirma que, destas informações e dados de tráfego apenas se pode retirar a titularidade de um número de telemóvel ou, acrescentamos nós, do respectivo cartão, e o registo de chamadas feitas e recebidas, e já não, a identidade de quem, em cada chamada feita ou recebida, manuseia o telemóvel.

Mas o que é inquestionável, face à informação prestada a fls. 89 a 90 pela Vodafone é que o nº de telefone [351] 91 (...) é titulado por A... ou seja, pela arguida. Como é também inquestionável, atento o teor dos dados de tráfego de fls. 50 a 54 verso, 118 a 122 e 126 a 132, que o telemóvel nº 91 (...) foi usado em repetidas chamadas para o telemóvel nº 96 (...) , pertencente ao assistente B... e para o telemóvel nº 93 (...) , pertencente à ofendida C... . Por outro lado, a testemunha D... disse em audiência de julgamento, como consta da motivação de facto da sentença e afirma a recorrente no corpo da motivação, que o nº 91 (...) se encontrava gravado nos seus ‘contactos’ como sendo o número daquela, depoimento que apenas corrobora o que já resultava da informação de fls. 89 a 90.

Pois bem.

Em sede da valoração da prova, vale o princípio da livre apreciação da prova, dispondo o art. 127º do C. Processo Penal, onde tem assento que, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.

A apreciação da prova é pois, nos termos da lei, tarefa exclusiva do julgador. Mas a livre convicção que a fundamenta não tem o sentido de o juiz a poder valorar conduzido por um convencimento exclusivamente subjectivo, pois ela não significa arbítrio ou decisão irracional, bem pelo contrário. A valoração da prova impõe ao julgador uma apreciação crítica e racional, fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência e na percepção [no que respeita à prova por declarações] da personalidade dos depoentes, tendo sempre como horizonte a dúvida inultrapassável que conduz ao princípio in dubio pro reo.

In casu, o que temos como inquestionável é que de um telemóvel pertencente à arguida, durante períodos consideráveis de tempo, foram feitas repetidas chamadas para o telemóvel do assistente e para o telemóvel da ofendida, sendo que, quando a ligação se estabelecia, ninguém falava com estes.

Já vimos que as regras da experiência – entendidas como definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judice, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade (Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, II, pág. 30) – são uma das componentes do princípio da livre apreciação da prova. E é uma regra de normalidade que os telemóveis são usados pelos respectivos donos ou possuidores, sem prejuízo da sua cedência a terceiros ou eventual utilização não autorizada. Mas nestes dois casos, o uso por terceiro será temporalmente muito limitado.

Perante isto, privando a recorrente – que exerceu, legitimamente, aliás, o direito ao silêncio, na audiência de julgamento – o tribunal de qualquer versão, susceptível de afastar aquela regra, é razoável a conclusão tirada pelo mesmo de que as chamadas feitas para os telemóveis do assistente e da ofendida, para além de terem sido efectuadas através do seu telemóvel, foram também por si feitas.

Em conclusão, mantêm-se as alíneas c) a j) dos factos provados nos exactos termos em que foram fixadas pela 1ª instância.

3.3. Relativamente à alínea l) dos factos provados, a divergência da recorrente é suportada pelo depoimento da testemunha E... que, afirma, em bom rigor, apenas confirmou ter recebido uma chamada em dia que não conseguiu precisar, tendo a pessoa com quem falou dito para ter cuidado com um colega, não sendo verdade, contrariamente ao que consta da motivação de facto, que tenha confirmado o teor da chamada, tal como consta dos factos provados. 

A Relação ouviu o registo gravado do depoimento da testemunha e dele resulta ter a testemunha dito, em síntese e na parte relevante:

- Há quatro, cinco anos que trabalha com o assistente, cinco a seis horas diárias; têm vários trabalhos publicados em conjunto, e são amigos; o assistente começou a ficar fora do normal, com cansaço, falta de sono e irritado, mas sendo uma pessoa reservada, o depoente apenas sabia que algo se passava com a mulher; o depoente recebeu um telefonema curto, no gabinete, não recorda se a chamada foi ou não passada; [circa 00:07:49 do depoimento] atendeu e ouviu uma vez que identificou quase seguramente como feminina, não foi hostil, e avisou-o para ter cuidado com o colega com quem trabalha, que estaria para lhe fazer a folha ou não é a pessoa que parece; não recorda se ela disse o nome do colega, mas dado o que vinha sucedendo, associou-o ao assistente porque sabia que ele andava perturbado; o dia do telefonema foi há cerca de ano e meio, o colega estava a dar aulas e aguardou foi falar com ele e, quando falou, ele ficou muito perturbado; [circa 00:09:55 do depoimento] deve ter sido logo a seguir ao princípio da tarde, o seu gabinete escurece rapidamente, em minutos, e isto aconteceu na transição; interpreta a reacção do assistente como tendo ele associado o telefonema ao que vinha acontecendo na altura, mas não falaram expressamente e com profundidade sobre o sucedido;   

- O assistente acreditou que o depoente pudesse pensar que aquilo que lhe tinha sido dito no telefonema sobre ele era verdade e ficou perturbado por isso; a pessoa com quem mais trabalha, até porque são académicos complementares, é com o assistente, situação que é conhecida no meio; não recorda se no telefonema foi tratado [o depoente] pelo nome;

- Em termos de investigação, só pontualmente trabalha com outros académicos, para além do assistente. 

Começando pelas reservas que a recorrente coloca à memória, mais ou menos, presente da testemunha sobre os acontecimentos de que tinha ciência, diremos que a crítica que é apontada às suas declarações no sentido ter situado a realização do telefonema há cerca de um ano e meio e de o telefonema por si recebido sido feito ao princípio da tarde, quando o dia já estava a escurecer, quando consta da matéria de facto provada que o telefonema feito do telemóvel da arguida para a Universidade (...)ocorreu no dia 16 de Janeiro de 2014, pelas 15h17, carece de fundamento.

Em primeiro lugar, porque a testemunha depôs na audiência de julgamento no dia 24 de Junho de 2015 portanto, portanto, cerca de um ano e quatro meses após a data do telefonema, o que é perfeitamente compatível com as suas declarações. De estranhar seria que a testemunha, nas descritas circunstâncias, se recordasse, espontaneamente, do exacto dia do acontecimento.   

Em segundo lugar porque, tendo o telefonema tido lugar, como consta dos factos provados, em 16 de Janeiro de 2014 portanto, em pleno Inverno, só quem não conhece a localização geográfica da cidade da Covilhã – o que não é, certamente, o caso da recorrente, pois que nela reside –, encostada e subindo pelas faldas do complexo montanhoso denominado S (...) , [que, pela sua altura, lhe retiram claridade, mesmo em dias de Sol] pode estranhar que na estação do ano, em determinadas circunstâncias, a cidade comece a escurecer pelas 15h.

Quanto ao mais.

A testemunha E... assegurou, com grau de certeza muito elevado, que o telefonema foi feito por uma mulher. Não precisando o teor exacto do telefonema, afirmou, no entanto, que a interlocutora o avisou para ter cuidado com o colega com quem trabalha pois este estaria para lhe fazer a folha e não é a pessoa que parecia.

A testemunha disse não se lembrar se a sua interlocutora disse ou não o nome do assistente, no telefonema.

A testemunha disse ainda que trabalha há anos e intensamente, em pareceria académica com o assistente, raramente trabalhando com outros colegas, o que é conhecido no meio académico, quer da Covilhã, quer de outras academias, por serem públicos os trabalhos conjuntos.

Por outro lado, resulta dos dados de tráfego de fls. 110 a 115 e das informações de fls. 90 e 146, que no dia 16 de Janeiro de 2014, pelas 15h17, foi feito um telefonema do telemóvel com o nº 91 (...), titulado pela arguida, para o nº 2753 (...), atribuído à Universidade (...) .

A regra da experiência comum a que fizemos referência em 3.2., que antecede, mantém aqui a sua actualidade, devendo em consequência, considerar-se o telefonema do nº 91 (...) para o nº 2753 (...), ocorrido no dia 16 de Janeiro de 2014, pelas 15h17 e atendido pela testemunha E... , como feito pela arguida.

Quanto ao teor do telefonema, sendo único meio de prova o depoimento da testemunha, a frase que na alínea l) dos factos provados é atribuída à arguida não pode manter-se nos exactos termos em que foi fixada, pelas razões que se passam a expor.

A testemunha não assegurou que, na conversa telefónica, a arguida tenha mencionado o nome do assistente como sendo o colega a quem se referia. Mas afirmou ter a arguida dito para ter cuidado com o colega com quem trabalha. A testemunha afirmou ainda ter uma relação profissional académica duradoura e muito próxima com o assistente, o que é do conhecimento geral no meio. Logo, o colega com quem trabalha, referido no telefonema, como é razoável inferir-se, é o assistente.

Já a parte restante da frase deve ser mantida, por ser coincidente com o depoimento em questão.

Assim, a alínea l) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção:

- No dia 16 de Janeiro de 2014, pelas 15 horas, 17 minutos e 40 segundos, a arguida ligou seu telemóvel com o número 91 (...) para o telefone com o número 3 (...), com o indicativo de rede local 275, então atribuído à Universidade (...) e instalado no departamento de Gestão e Economia a fim de falar com um colega de trabalho do Assistente, de nome E... , a quem referiu em tal telefonema o seguinte: "Tenha cuidado com o colega com quem trabalha, porque ele não é de confiança e vai-lhe fazer a folha".

E é aditado aos factos não provados, o facto c) com a seguinte redacção:

- No circunstancialismo descrito na alínea l) dos factos provados a arguida referiu: «Tenha cuidado com o seu colega B... , (…)».

3.4. No que respeita às alíneas o), p) e r) dos factos provados, umbilicalmente ligadas á alínea l) dos mesmos factos, tendo em conta o depoimento da testemunha E... , na parte respeitante ao aviso para ter cuidado com o colega com quem trabalhava, e na parte referente à estreita e duradoura relação profissional entre ambos, no seio da academia, e que é do conhecimento geral, nos meios académicos, é razoável a inferência de que o ‘colega’ visado pela arguida no telefonema, era o assistente.

São portanto, de manter as alíneas o), p) e r) dos factos provados nos exactos termos em que foram fixadas pela 1ª instância.

As alíneas m), n) dos factos provados resultam suportadas, em termos probatórios, pelo depoimento da testemunha E... , pelo que se mantêm nos exactos termos em que foram fixadas pela 1ª instância.

No que respeita à alínea q) dos factos provados, a recorrente não especificou qualquer prova, devendo-se a sua impugnação, cremos, à dependência do facto que contém em relação a outros factos impugnados.

O facto, em si, foi afirmado pelo assistente, como consta da motivação de facto, e corroborado pelo depoimento da testemunha E... .

Por isso, mantém-se a alínea, nos exactos termos em que foi fixada pelo tribunal recorrido.


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            Do não preenchimento do tipo legal, do concurso de crimes e da existência de crime continuado

            4. Retomando a mesma linha de argumentação que assumiu quando impugnou as alíneas b), f) e j) dos factos provados, alega a recorrente – conclusões 37 e 38 – que não se tendo provado qualquer intenção de perturbar a vida privada do assistente, uma vez que não existe entre ambos qualquer relação, tendo, pelo contrário, a sua alegada intenção nascido, como afirma o tribunal, do suposto bem desempenho profissional da ofendida, não poderia ser condenada pela prática de dois crimes de perturbação da vida privada na pessoa do assistente, quando o dolo exigido pelo tipo é que se telefone para o telemóvel da vítima com intenção de perturbar a sua paz e sossego, e não para o telemóvel de terceiro.   

            Vejamos.

            A recorrente foi acusada pelo Ministério Público da prática, em autoria material e concurso real, de dois crimes de perturbação da vida privada, p. e p. pelos arts. 26º e 190º, nº 2 do C. Penal, na pessoa do assistente, e da prática de perturbação da vida privada, p. e p. pelas mesmas disposições legais, na pessoa da ofendida C... .

            Na sentença recorrida foi precisamente condenada nos moldes em que vinha acusada.

            O crime de perturbação da vida privada previsto no nº 2 do art. 190º do C. Penal, tutela os bens jurídicos vida privada, paz e sossego (Costa Andrade, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2º Edição, 2012, Coimbra Editora, pág. 1005 e ss.) e tem como elementos constitutivos do respectivo tipo:

            [Tipo objectivo]

            - Que o agente telefone para a habitação de outra pessoa ou para o seu telemóvel;

            [Tipo subjectivo]

            - O dolo, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com intenção de perturbar a vida privada, a paz e o sossego do ofendido, e com consciência da censurabilidade da conduta.

            Trata-se, como se vê, de um crime comum e de mera actividade.

            Pois bem.

            Contrariamente ao que defende a recorrente – a circunstância de a arguida, visando afectar a ofendida, devido ao mau relacionamento profissional entre ambas, ter dolosamente perturbado, pela via telefónica, a paz e sossego da ofendida e do assistente, significa apenas a distinção entre o móbil do crime e o dolo do agente – estando provado que, por motivos relacionados com questões profissionais, designadamente, com o bom desempenho profissional da ofendida, de quem era colega de trabalho numa instituição bancária e, de alguma forma, por causa de alguns revezes sofridos na sua vida profissional que associava àquela, a arguida decidiu, através do telemóvel, perturbar na sua paz e sossego, quer a ofendida, quer o marido desta e ora assistente (alíneas a), b) e g) dos factos provados), e estando igualmente provado que a arguida, ao efectuar os telefonemas que fez para os telemóveis do assistente e da ofendida, agiu voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de perturbar a paz e sossego do assistente e da ofendida e causar um clima de mau estar e insegurança no casal (alínea j) dos factos provados), dúvidas não subsistem de que, com a sua conduta, preencheu o tipo, objectivo e subjectivo do crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo art. 190º, nº 2 do C. Penal.

                        Saber se a apurada conduta da recorrente deve ser qualificada como um único crime ou como uma pluralidade de crimes e, nesta última hipótese, a determinação do número de crimes cometidos, são as questões a tratar de seguida.

5. O art. 30º, nº 1 do C. Penal estabelece um critério teleológico para determinar o concurso de crimes segundo o qual, o respectivo número é fixado pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo é preenchido pela conduta do agente.

A este respeito, distingue-se entre concurso efectivo de crimes, em qualquer uma das modalidades ali previstas, e concurso aparente ou concurso de normas, situação em que a conduta do agente só formalmente preenche uma pluralidade de tipos legais, resultando, por via interpretativa, que essa conduta é total e exclusivamente absorvida por um dos tipos com o consequente afastamento dos demais, por via das relações que entre as normas se estabelecem – de especialidade, subsidiariedade e consumpção

No concurso efectivo há a considerar o concurso ideal, quando uma única acção viola diferentes tipos legais – concurso ideal heterogéneo – ou viola várias vezes o mesmo tipo – concurso ideal homogéneo – e o concurso real, quando à multiplicidade de tipos violados corresponde uma pluralidade de acções.

A acção típica do crime em questão consiste em o agente telefonar para o telemóvel da vítima. Para o telemóvel do ofendido, portanto, e não para o telemóvel de outra pessoa [ainda que esta esteja a ser vítima do mesmo crime, através do seu próprio telemóvel]. 

            Brevitatis causa, temos provado que:

            - A arguida, nos meses de Outubro e Novembro de 2012, ligou do seu telemóvel para o telemóvel do assistente, pelo menos, nos dias 18, 23 e 27 do primeiro mês, e nos dias 13, 14, 15, 18 e 21 do segundo mês, tendo efectuado um total de treze chamadas;

            - A arguida, no período compreendido entre os meses de Outubro de 2013 e Janeiro de 2014, ligou do seu telemóvel para o telemóvel do assistente, nos dias 12 e 14 de Outubro, 9 e 10 de Dezembro, 7, 12, 13, 14, 15 e 16 de Janeiro, tendo efectuado um total de quarenta e três chamadas;

            - A arguida, nos dias 16 e 17 de Janeiro de 2014, ligou do seu telemóvel para o telemóvel da ofendida, tendo efectuado um total de seis chamadas;

            - Nas descritas circunstâncias, a arguida agiu sempre livre, voluntária e conscientemente, com o propósito concretizado de perturbar a paz e sossego do assistente e da ofendida e causar mau estar e insegurança entre o casal.

            Assim, o que resulta desta factualidade é que, em duas distintas ocasiões ou períodos temporais, quanto ao assistente, e numa única ocasião ou período temporal, quanto à ofendida, a arguida preencheu, com a sua conduta, o tipo do crime de perturbação da vida privada.

            Com efeito, realizando o agente a acção típica, telefonando para o telemóvel do ofendido, não pode ter-se como também praticado, através da mesma concreta conduta, um outro crime, agora em relação à ofendida, ainda que pudesse ser essa a intenção da arguida, sob pena de violação do princípio da tipicidade.

            Em conclusão, a apurada conduta da arguida preencheu por três vezes o tipo do crime do art. 190º, nº 2 do C. Penal.

            6. E estaremos perante uma continuação criminosa, como pretende a recorrente? Não cremos.

            Já sabemos que, em regra, o número de crimes é determinado pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que a conduta do agente preencheu o mesmo tipo de crime (art. 30º, nº 1 do C. Penal). Mas situações existem que, embora pudessem ser tratadas no âmbito do concurso de crimes, razões de justiça e de economia processual levaram o legislador a considerá-las de forma unitária, como constituindo um único crime.

            Constitui excepção à regra referida, o crime continuado, assim definido no nº 2 do art. 30º, do C. Penal:

            “Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.”   

            Decompondo a definição legal, são pressupostos do crime continuado:

            - A realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de diferentes tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico;

            - A execução de forma essencialmente homogénea;

            - E a execução no quadro da solicitação da mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente. 

            A pedra angular do crime continuado é a considerável diminuição da culpa do agente, não obstante a pluralidade de resoluções criminosas que assumiu, e que torna injustificada e excessiva a aplicação do concurso efectivo de infracções.

            Porém, a considerável diminuição da culpa tem que resultar da existência de uma situação exterior, alheia, portanto, à conduta, e que a vai facilitar. Pressuposto da continuação criminosa é pois, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito (Eduardo Correia, Direito Criminal, Volume II, Reimpressão, 1971, Almedina, pág. 209). A considerável diminuição da culpa decorre portanto, de uma situação de menor exigibilidade de comportamento conforme o direito.          

As situações exteriores, fundamento da diminuição considerável da culpa do agente, podem agrupar-se da seguinte forma [sem que tal constitua, note-se, uma enunciação taxativa]:

            - A circunstância de ter sido criada, através da primeira conduta típica, um acordo entre os sujeitos;

            - A circunstância de voltar a verificar-se a mesma oportunidade que já foi aproveitada pelo agente na primeira conduta típica;

            - A circunstância de perdurar o meio apto para a realização da conduta típica, meio que o agente criou ou adquiriu para executar a primeira conduta;

            - A circunstância de o agente, depois de executar a primitiva resolução criminosa, constatar que se lhe oferece a possibilidade de ampliar o âmbito da actividade projectada, e decide efectivamente, formando nova resolução criminosa, proceder a tal ampliação (cfr. Eduardo Correia, ob. cit., pág. 210, e Unidade e Pluralidade de Infracções, Reimpressão, 1983, Almedina, págs. 246 e seguintes).

            No que à execução por forma essencialmente homogénea das diversas condutas respeita, não é tarefa fácil a fixação dos seus limites. Eduardo Correia pronunciou-se pela sua irrelevância quando as diversas condutas do agente preenchessem o mesmo tipo de crime, e defendeu a sua fixação precisa quando fossem preenchidos diversos tipos de crime tutelando o mesmo bem jurídico (cfr. Unidade e Pluralidade de Infracções, Reimpressão, 1983, Almedina, pág. 269). Figueiredo Dias, realçando a incerteza que este elemento objectivo pode causar, entende que só pode relevar quando indicie um certo tipo de motivação subjectiva (cfr. Direito Penal, Sumários, 1975/76, pág. 126). Em todo o caso, a unidade do injusto objectivo da acção implica que cada facto, cada conduta, deve apresentar, basicamente, os mesmos requisitos externos e internos e uma certa relação espacial e temporal (cfr. Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Quinta Edición, Comares, pág. 771).

            No que respeita ao elemento subjectivo, ao dolo, o crime continuado admite um dolo conjunto – as diversas realizações típicas, no essencial, devem provir de planeamento prévio do agente – um dolo continuado – o agente repetiria a realização típica se a ocasião se proporcionasse – e mesmo uma pluralidade de resoluções, ponto é que o crime seja determinado por uma situação exterior por uma situação exterior que diminua sensivelmente a culpa do agente (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 1030 e ss.).

            Revertendo para a situação sub judice, temos por certo que não se verifica a exigível situação exterior, alheia à conduta do agente, consideravelmente diminuidora da culpa do agente. Na verdade, foi a recorrente quem criou sempre a situação, não se aproveitou dela.

            Por outro lado, no que respeita aos crimes em que é ofendido o assistente, também o afastamento temporal dos dois núcleos de condutas de quase um ano, afasta a continuação criminosa.

            Por fim, sendo coincidentes, o núcleo de condutas do crime relativo à ofendida, e o segundo núcleo de condutas relativo ao assistente [em parte], também a circunstância de estarem em causa bens eminentemente pessoais afasta a figura.

            Em conclusão, sendo de afastar a figura do crime continuado, praticou a arguida, em concurso efectivo, três crimes de perturbação da vida privada, p. e p. pelo art. 190º, nº 2 do C. Penal, dois na pessoa do assistente e um, na pessoa da ofendida.

            7. Pretende ainda a recorrente – conclusões 39 e 40 – que não se mostra preenchido o tipo do crime de difamação, quer porque os factos que devem ser considerados provados a tanto não conduzem, quer porque é necessária a verificação de uma específica intenção de injuriar ou propósito de ofender a honra de alguém.

            Vejamos.

O crime de difamação, assim desenhado no art. 180º, nº 1 do C. Penal: 

Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.”.

Trata-se de um crime comum e de perigo abstracto-concreto que tutela o bem jurídico honra, e tem como elementos constitutivos do tipo:

[tipo objectivo]

- A imputação de facto (entendido como acontecimento passado ou presente susceptível de prova), ainda que meramente suspeito (não necessita de ser falso, ilícito e muito menos, criminoso) a outra pessoa ou a formulação sobre ela de um juízo de valor (apreciação não fáctica sobre o carácter do visado), ofensivos da sua honra ou consideração ou;

            - A reprodução de uma tal imputação ou juízo;

            - Dirigindo-se o agente a terceiros;

[tipo subjectivo]

- O dolo genérico, o conhecimento e vontade de praticar o facto, com consciência da sua censurabilidade.

Assim, o tipo subjectivo não requer um dolo específico, o animus difamandi vel injuriandi, bastando-se até com o dolo eventual (cfr. Faria Costa, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, 2º Edição, 2012, Coimbra Editora, pág. 916 e Oliveira Mendes, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, 1996, Almedina, pág. 59).   

Face ao que fica dito, não se tornam necessárias mais considerações para concluir que, com a conduta que executou pelas 15h17 do dia 16 de Janeiro de 2014, que consta das alíneas l), o) e p), a arguida preencheu o tipo, objectivo e subjectivo, do crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º, nº 1 do C. Penal.


*

            Da excessiva medida das penas

            8. Alega a recorrente – conclusões 45 a 48 – que atento o critério legal previsto no art. 71º do C. Penal, a mediana ilicitude do facto, a inexistência de consequências de relevo, um dolo não especial perverso, a inexistência de antecedentes criminais e a inserção familiar, profissional e social, não poderia a pena ser fixada em 80 dias de multa por cada crime, devendo antes, em obediência ao referido critério, em conjugação com o previsto no nº 2 do art. 47º do C. Penal, ser fixada a pena única de 100 dias de multa à taxa diária de € 5.

            Vejamos se lhe assiste ou não razão.

            8.1. Conforme dispõe o art. 40º, nºs 1 e 2 do C. Penal, prevenção e culpa são os factores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida, reflectindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 214 e ss.). A pena concreta resultará então da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos requerida pelo caso concreto – tutela das expectativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada [prevenção geral positiva ou de integração] –, temperada, quando possível, pela necessidade de reintegração social do agente [prevenção especial positiva de socialização] e, em qualquer caso, com respeito pelo limite inultrapassável da medida da culpa. Por isso que, toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, pág. 84). 

Muito frequentemente a determinação da pena, em sentido amplo, passa pela operação de escolha da pena, o que sucede, designadamente, quando o crime é punido, em alternativa, com pena privativa e com pena não privativa da liberdade. Nestes casos, o critério de escolha da pena encontra-se fixado no art. 70º do C. Penal segundo o qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. 

Escolhida a pena, há que determinar a sua medida concreta, em função, como vimos, da culpa e das exigências de prevenção (art. 71º, nº 1 do C. Penal), havendo que considerar que a moldura penal abstracta de cada crime é fixada pelo legislador, tendo em conta todas as formas e graus de cometimento do facto típico, fazendo corresponder aos de menor gravidade o limite mínimo da pena e aos de maior gravidade o limite máximo da pena. Por isso, tendo em conta tais limites, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuserem a favor e contra o agente do crime, havendo, entre outras, que ponderar o grau de ilicitude do facto, o seu modo de execução, a gravidade das suas consequências, a grau de violação dos deveres impostos ao agente, a intensidade do dolo ou da negligência, os sentimentos manifestados no cometimento do crime, a motivação do agente, as condições pessoais e económicas do agente, a conduta anterior e posterior ao facto, e a falta de preparação do agente para manter uma conduta lícita (art. 71º, nº 2 do C. Penal).

O crime de perturbação da vida privada é punível com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 240 dias, e o crime de difamação é punível com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.

O tribunal a quo optou, e bem, em relação a todos os crimes, pela aplicação de pena não privativa da liberdade, opção que, aliás, não vem sindicada no recurso.

Quanto ao mais.

É mediano o grau de ilicitude dos factos e não são de desprezar as suas consequências.

A recorrente agiu sempre com dolo intenso e persistente, revelador de considerável energia criminosa.

São medianas as exigências de prevenção geral.

Não se fazem sentir as exigências de prevenção especial, não obstante a ausência de comportamento por parte da arguida revelador de ter interiorizado o desvalor das suas condutas e a necessidade da sua censura penal, dada a inexistência de antecedentes criminais e a sua inserção profissional, familiar e social.

Não obstante a relativa sobreposição das circunstâncias agravantes às circunstâncias atenuantes, dadas as exigências de prevenção referidas, de média e baixa intensidade, afigura-se-nos que a pena de 80 dias de multa decretada pela 1ª instância para cada crime, situada um pouco acima do primeiro quarto das molduras abstractas aplicáveis, se crítica merece, será a da sua benevolência, pelo que são de manter as penas parcelares decretadas.

Sem prejuízo, como é evidente, do diferente número de crimes a considerar, resultante do decidido pela via do presente recurso.

8.2. Atentemos agora na pena única.

A punição do concurso de crimes, como resulta do disposto no art. 77º. nºs 1 e 2 do C. Penal, é feita pela aplicação de uma pena única, a extrair de uma nova moldura penal que tem como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas e como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes – não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa (nº 2), ponderando-se na determinação respectiva medida concreta, conjuntamente, os factos e a personalidade do agente (nº 1).

O elemento aglutinador dos vários crimes em concurso que vai determinar a pena única, é a personalidade do agente. Para este efeito, impõe-se a relacionação de todos os factos entre si, de forma a obter-se a gravidade do ilícito global, e depois, relacionar cada um deles, e todos, com a personalidade do agente, a fim de determinar se estamos perante uma tendência criminosa, caso em que a acumulação de crimes deve constitui uma agravante dentro da moldura proposta ou se, pelo contrário, tal cumulação é uma mera ocasionalidade que não radica na personalidade do agente. E aqui, nota Figueiredo Dias, cuja lição vimos seguindo (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, pág. 291 e seguintes), de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). 

A moldura penal aplicável, in casu, tem como limite mínimo, 80 dias de multa e como limite máximo, 320 dias de multa.

Pois bem.

É evidente a relação próxima entre os crimes cometidos, atentas as circunstâncias objectivas e subjectivas do respectivo cometimento.

Por outro lado, sem esquecer a personalidade da arguida, reveladora de alguns traços de indiferença por determinados valores sociais, temos por certo estarmos muito longe ainda de uma tendência criminosa e por isso, a acumulação de infracções não deve funcionar como agravante na determinação da pena única, tanto mais que a gravidade do ilícito global é apenas mediana.

Assim, considera-se adequada a pena única de 180 dias de multa.

8.3. A determinação do quantitativo diário da pena de multa obedece ao critério fixado no art. 47º, nº 2 do C. Penal, sem esquecer que, se por um lado, ela, enquanto pena criminal, tem que constituir sempre um sacrifício para o condenado, por outro, a própria lei consagra determinados mecanismos que atenuam aquele sacrifício, v.g., o pagamento em prestações.

Estando provado que a arguida é bancária, auferindo o vencimento mensal líquido de € 1.600, vive em casa própria com o encargo mensal de € 200, e sendo facto notório que tem que satisfazer as necessidades básicas – alimentação, vestuário, saúde, educação, entre outras – de qualquer agregado familiar, é evidente que a sua situação económica é desafogada pelo que, a taxa diária de € 7 fixada pela 1ª instância, não obstante a sua benevolência, não deixa de respeitar o critério legal pelo que, é de manter.


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            Da indevida condenação no pedido de indemnização e da excessiva indemnização fixada

9. Alega a recorrente – conclusões 49 a 51 – que com a pretendida modificação da matéria de facto provada, deve ser absolvida do pedido de indemnização civil, e assim não se entendendo, deve ser reduzido para valor não superior a € 1.000, o montante da indemnização a fixar.

Vejamos.

O assistente e a ofendida e demandante C... deduziram pedido de indemnização civil contra a arguida com vista à sua condenação no pagamento, ao primeiro, da quantia de € 4.000 por danos não patrimoniais, à segunda, da quantia de € 2.000 por danos não patrimoniais, e a ambos, conjuntamente, a quantia de € 917 por danos patrimoniais, e juros de mora à taxa legal, desde a notificação e até integral pagamento.

Na sentença recorrida decidiu-se condenar a arguida no pagamento ao assistente da quantia de € 1.250 por danos não patrimoniais, no pagamento à demandante da quantia de € 1.000 por danos não patrimoniais, e no pagamento a ambos da quantia de € 200 por danos patrimoniais e juros de mora desde a notificação e até integral pagamento.

Dispõe o nº 2 do art. 400º do C. Processo Penal que, sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada. Por seu turno, dispõe o art. 44º, nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto [Lei da Organização do Sistema Judiciário] que, em matéria cível, a alçada dos tribunais da Relação é de € 30.000 e a dos tribunais de primeira instância é de € 5.000.

Assim, a recorribilidade do pedido de indemnização deduzido no processo penal, objecto de sentença de 1ª instância, depende da verificação, cumulativa, de duas condições:

- Que o pedido formulado seja superior a € 5.000; e,

- Que o decaimento para o recorrente seja superior a € 2.500.

O pedido deduzido pelo assistente e pela demandante ascende a € 6.917 pelo que, verificada está a primeira condição. 

A condenação decretada na sentença recorrida, correspondente ao decaimento do recorrente, ascende a € 2.450 pelo que, não está verificada a segunda condição.

            Assim, nos termos do disposto no art. 400º, nº 2 do C. Processo Penal, não é admissível recurso relativamente ao pedido de indemnização deduzido pelo que dele se não conhece.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, decidem:

A) Modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto:

1. Passando a alínea l) dos factos provados a ter a seguinte redacção:

            - No dia 16 de Janeiro de 2014, pelas 15 horas, 17 minutos e 40 segundos, a arguida ligou seu telemóvel com o número 91 (...) para o telefone com o número 3 (...), com o indicativo de rede local 275, então atribuído à Universidade (...) e instalado no departamento de Gestão e Economia a fim de falar com um colega de trabalho do Assistente, de nome E... , a quem referiu em tal telefonema o seguinte: "Tenha cuidado com o colega com quem trabalha, porque ele não é de confiança e vai-lhe fazer a folha".

2. Aditando aos factos não provados, o facto c) com a seguinte redacção:

- No circunstancialismo descrito na alínea l) dos factos provados a arguida referiu: «Tenha cuidado com o seu colega B... , (…)».


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B) 1. Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a arguida A... , pela prática de um crime de perturbação da vida privada, p. e p. pelo art. 190º, nº 2 do C. Penal – tendo por ofendida, C... – na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 7 (sete euros).

2. Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a arguida A... na pena única de 200 (duzentos) dias de multa à taxa diária de € 7 (sete euros).


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C) Condenar a arguida A... – em cúmulo das penas parcelares aplicadas pela prática dos restantes três crimes de perturbação da vida privada, p. e p. pelo art. 190º, nº 2 do C. Penal e do crime de difamação, p. e p. pelo art. 180º, nº 1 do mesmo código – na pena única de 180 (cento e oitenta) dias de multa à taxa diária de € 7 (sete euros) perfazendo a multa global de € 1.260 (mil duzentos e sessenta euros).

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D) Confirmar, quanto ao mais, a sentença recorrida.

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E) Recurso sem tributação, atenta a parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal).

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Coimbra, 1 de Junho de 2016


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Fernando Chaves – adjunto)