Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
91756/15.2YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INJUNÇÃO
ÂMBITO
TRANSACÇÃO COMERCIAL
Data do Acordão: 12/06/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – TONDELA – INST. LOCAL – SEC. COMP. GENÉRICA – J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: DEC. LEI Nº 62/2013, DE 10/05
Sumário: I – O DL n.º 62/2013, de 10/05, aplica-se (artº 2º,nº 1) “a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais”, excluindo-se os casos elencados no nº 2 desse artº 2.

II - Por outro lado, no nº 1 do artº 10º desse DL n.º 62/2013 preceitua-se que “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida”.

III - No artº 3º do referido DL n.º 62/2013 define-se «transação comercial» como sendo qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.

IV - O artº 1º do DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, aprovou o “…regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000”, consignando-se, no artº 7º do regime anexo a este diploma, que se considera “…injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro”.

V - Em procedimento de injunção instaurado ao abrigo do DL nº 62/2013, a dedução de oposição e a frustração da notificação só para valores superiores a metade da alçada da Relação (€ 15.000) é que determinam a aplicação da forma de processo comum, após remessa ao tribunal competente (artº 10º, nº 2).

VI - Para valores inferiores a metade da alçada da Relação (€15.000) o procedimento transmuta-se, depois da referida remessa, em ação especial, que segue, com as necessárias adaptações - tal como segue, ao abrigo dos artºs 1º do DL n.º 269/98 e 7º (1ª parte) do respectivo anexo, “ex vi” do artº 17º, nº 1, desse diploma legal, o procedimento de injunção instaurado para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior €15000 -, o disposto no n.º 4 do artigo 1.º e nos artigos 3.º e 4.º desse regime anexo ao DL n.º 269/98.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) - A “Associação Cultural e Recreativa de ...” com sede em ..., instaurou em 07/07/2015, contra “A..., Lda.”, A... e S..., procedimento de injunção, que assinalou respeitar a “Obrigação emergente de transação comercial”, pedindo a condenação dos Requeridos a pagarem-lhe a importância de €14.091,28, respeitando, dessa quantia, €11.815,56 ao montante do capital em dívida, €1.373,72 a juros de mora vencidos até então, e €800,00 por custos de cobrança de dívida, onde se incluem as despesas com pagamento da taxa de justiça para o prosseguimento do presente procedimento de injunção (€ 102,00) e provisão de honorários do mandatário subscritor, “…em conformidade com o disposto no artigo 7° do Decreto-Lei 32/2013, de 17 de fevereiro.”.

Quanto à proveniência do montante de capital peticionado referiu no seu requerimento (o que ora se faz em síntese), respeitar o mesmo ao que lhe era devido pelos Requeridos em resultado do incumprimento do pagamento das prestações que a Requerida ficou obrigada a pagar-lhe, conforme contrato de assunção de dívida, firmado em 31 de Dezembro de 2013, entre ambas e em que os restantes Requeridos, sócios gerentes daquela sociedade, ao abrigo do disposto no artigo 595, n° 1, alínea a)do Código Civil (CC), constituíram-se como fiadores e assumiram solidariamente com aquela o pagamento da quantia em dívida.

Explicitando os antecedentes da referida assunção de dívida, a Requerente consignou no requerimento de injunção, em síntese, que:

- Celebrou, em 01.12.1999, com a Requerida sociedade um contrato de cessão de exploração comercial, sendo que o preço da cessão deveria ser pago de forma prestacional e mensal;

- A Requerente e a Requerida acordaram que o contrato teria uma duração inicial de 3 anos, com início em 01.12.1999 com possibilidade de renovação por períodos sucessivos, o que sucedeu até Dezembro de 2013;

- A partir de Maio de 2011, inclusive, a sociedade Requerida deixou de proceder ao pagamento das prestações mensais devidas, que então ascendiam a 950,00€, tendo em 23.04.2012 entregue à Requerente um escrito de onde constava que, estando em falta com as rendas, se propunha a pagar todos os meses 1.500,00€, a partir de Junho de 2012, plano de pagamento este que, contudo, nunca foi posto em prática;

- Em 07.11.2012 (o que, depois, foi rectificado nos autos, pela Requerente, para 07 de novembro de 2013), a Requerida enviou comunicação escrita à Requerente onde manifestou a vontade de denunciar o contrato de cessão de exploração com efeitos a partir de 01.12.2013 (o que, depois, foi rectificado nos autos, pela Requerente para, para 31.12.2013), pelo que, na sequência dessa comunicação, foi feito o apuramento de contas entre ambas, resultantes da obrigação de pagamento da contrapartida devida pela cessão de exploração do estabelecimento comercial e da prestação de serviços e fornecimento de refeições, tendo-se apurado um saldo credor a favor da Requerente sobre a Requerida no montante de €12.215,56, daí resultando, que no contrato de assunção de dívida, celebrado em 31.12.2013, a Requerida se viesse a confessar devedora daquela quantia, tendo nele sido acordado que o respectivo pagamento seria efectuado em 30 prestações mensais e sucessivas;

- De tais prestações, as primeiras 29 eram no montante de €400,00 cada uma, sendo a trigésima no montante de €615,56, tendo-se acordado que a primeira se venceria na data de 31 de Dezembro de 2013 e as seguintes no último dia dos meses e anos imediatamente seguintes;

- Porém, tendo efectuado, em 10.02.2014, o pagamento da primeira prestação, a Requerida não procedeu ao pagamento de qualquer outra prestação, sendo que, em 31 de Janeiro de 2014, se venceu-se a segunda prestação devida à Requerente pela sociedade Requerida e em 01 de Fevereiro de 2014, na falta da sua realização, venceram-se “…as demais prestações acordadas (artigo 781° do Código Civil)”.

2) - Na oposição que deduziram, os Requeridos A... e S... sustentaram, em síntese, que:

- O requerimento injuntivo era ininteligível na medida em que aí se faz alusão a um contrato de cessão de exploração comercial quando, depois, se acaba por dizer que o mesmo foi denunciado, sendo que, no local de preenchimento afecto ao tipo de contrato existente, a Requerente colocou “Contrato de: Outra”;

- Desconhecem, por completo, a existência do referido contrato de assunção de dívida e jamais se constituíram fiadores do que quer que fosse;

- A pedido do “secretário da Requerida, o Sr. ...”, rubricaram, de facto, duas ou três folhas em branco e ainda uma outra folha que apenas tinha os seus nomes, mas isso visava um acordo que nada tinha a ver com a alegada assunção de dívida ou com uma prestação de fiança;

Terminaram pugnando pela procedência da oposição

3) - Remetidos os autos, face à dedução de Oposição, à Instância Local - Secção de Competência Genérica (J1) da Comarca de Viseu (Tondela), aí veio a Requerente, oferecer articulado onde, rectificando alguns lapsos que refere existirem no requerimento injuntivo, afirmou, em síntese, que:

 - Os Opoentes conhecem e estão plenamente conscientes do contrato de assunção de dívida que assinaram e da posição de fiadores que aí assumiram;

- Não poderiam restar dúvidas de que o requerimento inicial se destinava a exigir o cumprimento das obrigações assumidas pelos Requeridos no contrato de assunção de dívida celebrado em 31 de Dezembro de 2013;

- O que tinha cobertura legal nos artºs 1º e 7º do Dec-Lei nº 269/98, sendo o procedimento de injunção “… o meio próprio para que a requerente possa exigir o cumprimento da respetiva obrigação pecuniária.”.

Terminou como no Requerimento de injunção, acrescentando o pedido de condenação dos Opoentes como litigantes de má fé.

4) -Depois de alertados pelo Tribunal de que se afigurava não ser, “...o procedimento de injunção que passou a seguir termos como acção com processo especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos...” o meio adequado ao caso dos autos, existindo assim erro na forma do processo...”, vieram as partes tomar as posições que tinham quanto a isso, defendendo a Requerente que inexistia o anunciado erro e que, ainda que se entendesse que o mesmo  ocorria, seria de aproveitar todos os actos já praticados e, bem assim, os articulados já apresentados, nos termos do nº1 do artigo 193ºdo Código de Processo Civil, pelo que terminou pedindo o prosseguimento do processo, com designação de dia para a audiência.

Os Requeridos vieram dizer que o emprego do meio processual utilizado nos autos revelava-se errado, integrando, a utilização indevida da providência de injunção, uma excepção dilatória inominada, que impunha a absolvição do Réu da instância.

B) - Por decisão de 04/03/2016, julgando-se procedente a exceção dilatória de erro na forma de processo, declarou-se a nulidade de todo o processado sem aproveitamento de qualquer um dos atos praticados até ao momento, e, em consequência, absolveram-se os Requeridos da instância.

C) - Inconformada com tal decisão, a Requerente veio dela recorrer, oferecendo, a finalizar a sua alegação recursiva, as seguintes conclusões:

...

Terminou pedido que, na procedência do recurso, fosse revogada a decisão recorrida, ordenando-se a prossecução dos Autos para julgamento.

II - As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, 639º, nº 1, ambos do novo Código de Processo Civil (NCPC)[1], o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[2] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.

Assim, as questões a solucionar no presente recurso consistem em saber se foi acertado entender que se verificava a excepção dilatória de erro na forma de processo e se foi correcto declarar nulo todo o processado e absolver os RR da instância.

III - A) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I “supra”;

B) - Está certa a Mma. Juíza do Tribunal “a quo”, quando, na sentença, considera que o exigido na injunção não provém de falta de pagamento de transacção comercial, tal como esta é definida[3] no artº 3º, nº 2, al. a), do Decreto-Lei n.° 32/2003, de 17 de Fevereiro, pelo que, caso fosse aplicável esse diploma legal, o caso “sub judice”, em virtude de este, segundo o que dispõe, no nº 1 do artº 2º, ser aplicável “…a todos os pagamentos efectuados como remunerações de transacções comerciais.”, estaria excluído dessa previsão, mas não - e aí começa a nossa divergência com o mais que veio a ser entendido na sentença - porque se entenda que a causa de pedir seja, como considerou a sentença, “a obrigação decorrente da celebração de um contrato de cessão de exploração comercial”.

Na verdade é, salvo o devido respeito, de uma transparência cristalina que o contrato de cessão de exploração comercial celebrado em 01 de dezembro de 1999, entre a Requerente e a sociedade Requerida, apenas surge como explicação mediata do contrato que a Requerente veio a celebrar com a Requerida - na sequência de comunicação de denúncia do aludido contrato de cessão de exploração comercial – de assunção de dívida, no qual os restantes Requeridos figuram como fiadores.

E é, de facto, a falta do pagamento à Requerente, das prestações em que, nesse contrato de assunção de dívida, foi acordado a Requerida satisfazer-lhe o montante global em dívida - e não propriamente as “rendas” ou contraprestações em dívida do referido contrato de cessão de exploração comercial -, que alicerça o pedido que a Requerente veio formular mediante o procedimento de injunção.

Mas, sendo assim - como se pensa que se deve entender -, como o contrato em causa foi firmado em 31.12.2013, é inaplicável o Decreto-Lei n.° 32/2003, de 17 de Fevereiro, pois que foi revogado pelo DL n.º 62/2013, de 10/05 (artº 13º, nº 1)[4], sendo a este último diploma legal que se deve atender, pois que, tendo entrado em vigor em 01 de Julho de 2013 (artº 15º), é aplicável aos contratos celebrados a partir dessa data” (cfr. corpo do artº 14º).

Este DL n.º 62/2013, aplica-se (artº 2º ,nº 1) “a todos os pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais.”, excluindo-se os casos elencados no nº 2 desse artº 2 e que aqui não ocorrem.

Por outro lado, no nº 1 do artº 10º desse DL n.º 62/2013, preceitua-se que “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida.”.

No artº 3º do referido DL n.º 62/2013 define-se «transação comercial» como “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração” (artº 3º, alínea b)), definindo-se, «empresa» como “uma entidade que, não sendo uma entidade pública, desenvolva uma atividade económica ou profissional autónoma, incluindo pessoas singulares” (artº 3º, alínea d)), sendo o «Atraso de pagamento» definido como “qualquer falta de pagamento do montante devido no prazo contratual ou legal, tendo o credor cumprido as respetivas obrigações, salvo se o atraso não for imputável ao devedor” (artº 3º, alínea a)).

Ora, tendo em conta o referido conceito de transação, logo se vê que, importando ter este, como por escopo, o fornecimento de bens ou a prestação de serviços, contra remuneração, esse escopo não ocorre no aludido contrato de assunção de dívida, pelo que não pode entender-se que o não pagamento tempestivo das prestações que nesse contrato se acordou ficar a sociedade, ora Requerida, obrigada a satisfazer para saldar o montante global aí, confessadamente, considerado em dívida à Requerente, respeite a transação comercial, daí resultando que, afinal, o não pagamento de tais prestações não legitima, à luz do disposto nos artºs 2º, nº 1, 3º, als.b) e d) e 10º, nº 1, do DL n.º 62/2013, que tal credora, ao seu abrigo, recorresse ao procedimento de injunção.[5]

Por outro lado - e este é apenas um argumento “obiter dictum” - sempre esse procedimento, na previsão do DL n.º 62/2013, não poderia ser utilizado relativamente aos Opoentes, já que, demandados estes como fiadores da sociedade Requerida, não integrariam, salvo o devido respeito por outro entendimento, o conceito de “empresa”, tal como ele é definido nesse diploma em relação às pessoas singulares, pois que, os sócios gerentes de uma empresa, não desenvolvem, relativamente a esta última, uma “uma atividade económica ou profissional autónoma”.

Acontece ser insofismável, que, as prestações que a Requerente pretende cobrar dos Requeridos integram obrigações pecuniárias decorrentes de contrato de valor inferior a € 15.000, mesmo encarando-se o conceito de obrigação pecuniária, no seu sentido estrito[6].

Ora, o artº 1º do DL n.º 269/98, de 01 de Setembro, aprovou o “…regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000”, consignando-se, no artº 7º do regime anexo a este diploma, que se considera “…injunção a providência que tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações a que se refere o artigo 1.º do diploma preambular, ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de Fevereiro.”[7].

Assim, a Requerida sempre estava legitimada a instaurar o presente procedimento de injunção contra todos os Requeridos, ao abrigo do disposto no artºs 1º do DL n.º 269/98 e 7º do respectivo anexo, afigurando-se que a invocação feita, para o efeito, do Decreto-Lei n.º 32/2003, mais não passa do que de um erro na qualificação jurídica, que não se confunde com a utilização de um meio processual - o procedimento de injunção - que a Requerente não estivesse legitimada a utilizar contra os Requeridos.

Note-se que em procedimento de injunção instaurado ao abrigo do DL nº 62/2013, a dedução de oposição e a frustração da notificação só para valores superiores a metade da alçada da Relação (€ 15.000) é que determinam a aplicação da forma de processo comum, após remessa ao tribunal competente (artº 10º, nº 2).

Para valores inferiores a metade da alçada da Relação (€ 15.000) - como aqui é o caso - o procedimento transmuta-se, depois da referida remessa, em acção especial, que segue, com as necessárias adaptações - tal como segue, ao abrigo dos artºs 1º do DL n.º 269/98 e 7º (1ª parte) do respectivo anexo, “ex vi” do artº 17º, nº 1, desse diploma legal, o procedimento de injunção instaurado para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior € 15000 -, o disposto no n.º 4 do artigo 1.º e nos artigos 3.º e 4.º desse regime anexo ao DL n.º 269/98.

Portanto, em bom rigor, a nosso ver, a Requerente estaria sempre legitimada a recorrer ao procedimento de injunção, pelo que a invocação - desacertada - do regime previsto no Decreto-Lei n.º 32/2003 para as transações comerciais traduz-se num erro de qualificação jurídica que, no caso - estando em causa o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15.000 - não tem repercussões processuais, quer na defesa dos Requeridos (o prazo de oposição não difere), quer posteriormente à dedução da Oposição, nos termos que segue, no tribunal competente, a acção especial em que de transmutou o procedimento de injunção.

Com o afastamento do contrato de cessão de exploração como causa de pedir e com a afirmação da natureza de obrigação pecuniária que assumem as prestações acordadas fazer pela sociedade Requerida no referido contrato de assunção de dívida, falham os pressupostos que levaram, na sentença, a entender-se que a Requerente só poderia obter satisfação do seu pedido, mediante a acção declarativa de processo comum, ficando sem sustentação a afirmação de que, com a utilização do procedimento de injunção, os Requeridos teriam visto diminuídas as suas garantias de defesa (v.g., diminuição do prazo para contestar, possibilidade de oferecer reconvenção).

Do exposto decorre que não se verifica o apontado erro na forma do processo e que, mesmo que se desse este como verificado, o mesmo não seria relevante, pois que nada haveria que anular do processado em resultado do mesmo, o que nos leva a discordar da decretada absolvição dos Requeridos da instância e, consequentemente, a decidir a revogação da decisão recorrida.

Como há factualidade controvertida, o processo terá, pois, que prosseguir, nos termos dos artigos 3.º e 4.º do regime anexo ao DL n.º 269/98, “ex vi” do artº 17º, nº 1, desse mesmo regime, com designação de audiência de julgamento, caso não se entenda haver outro motivo que a isso obste.

IV - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, julgando a Apelação procedente, revogar a decisão recorrida e determinar o prosseguimento do processo nos termos sobreditos.

Custas pelos Apelados.

Coimbra,06/12/2016

  (Luís José Falcão de Magalhães)


(Sílvia Maria Pereira Pires)

(Maria Domingas Simões)



***


[1] Aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6, a que se passará a referir como NCPC, para o distinguir do anterior Código de Processo Civil (doravante CPC).
[2] Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase, tal como aqueles que, desse Tribunal e sem referência de publicação, vierem a ser citados.
[3] «Transacção comercial» qualquer transacção entre empresas ou entre empresas e entidades públicas, qualquer que seja a respectiva natureza, forma ou designação, que dê origem ao fornecimento de mercadorias ou à prestação de serviços contra uma remuneração.
[4] Com excepção dos artºs 6º e 8º, que para o caso não são relevantes.
[5] Sobre este o conceito de “transação comercial”, cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 21/04/2016 (Apelação nº 184887/14.1YIPRT.L1-8), consultável, tal como as restantes  decisões que, dessa Relação, se vierem a citar sem referência de publicação, em “http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf?OpenDatabase”.
[6] Cfr. sobre este entendimento relativo à exigência de o procedimento de injunção respeitar a obrigação pecuniária em sentido estrito, cfr. o Acórdão da Relação de Lisboa, de 15/10/2015 (Apelação nº 96198/13.1YIPRT-A.L1-2).
[7] O artº 13º, nº 2, do citado DL nº 62/2013, dispõe que “As remissões legais ou contratuais para preceitos do Decreto-Lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, consideram-se efetuadas para as correspondentes disposições do presente diploma, relativamente aos contratos a que o mesmo é aplicável nos termos do artigo seguinte.”.