Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | RAMALHO PINTO | ||
Descritores: | SUBSÍDIO DE ELEVADA INCAPACIDADE PAGAMENTO SEGURADORA RETRIBUIÇÃO DECLARADA INFERIOR À REAL | ||
Data do Acordão: | 03/03/2016 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 79º, NºS 4 E 5, DA LEI Nº 98/2009 (LAT); APÓLICE UNIFORME APROVADA PELA PORTARIA Nº 256/2011, DE 5/07, CLÁUSULA 32ª. | ||
Sumário: | I – Dispõe o artº 79º, nºs 4 e 5, da Lei 98/2009 (NLAT) que ‘quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação aquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida. Nesse casos, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção’. II – O artº 37º da LAT (Lei 100/97) dispunha de igual modo no seu nº 3. III – Os preceitos em causa versam sobre a desconformidade, para efeitos de seguro, entre o salário real e o salário declarado, enunciando uma regra de proporcionalidade. IV – O chamado subsídio por elevada incapacidade é calculado a partir da remuneração mínima garantida e não depende da retribuição efectiva do sinistrado, declarada ou não para efeitos do prémio de seguro. V – A redação do nº 5 do artº 79º da NLAT (de 2009) veio optar por uma enumeração taxativa, dado que, para além de incluir prestações que não pressupõem, para o seu cálculo, o recurso à componente retributiva, bastando-se com o valor concreto das despesas respectivas, como é o caso das ‘despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica’, individualiza expressamente prestações que dependem do cálculo com referência à componente retributiva – ‘diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas’. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
A... apresentou petição inicial para impulsionar a fase contenciosa da presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra B... – Companhia de Seguros, S.A. e C... , Ldª”, pedindo a condenação das Rés no seguinte: A- a condenação da 1ª Ré Seguradora, na exacta proporção da sua responsabilidade, no pagamento: a) de € 66,75 a título de despesas de transporte; b) da pensão anual e vitalícia de € 7.415,20 atualizável; c) do subsídio de elevada incapacidade anual de € 3.693,64; d) da prestação suplementar de ajuda de terceira pessoa no valor de € 1.077,35 anual; d) das despesas que até ao final da vida, o A. venha a efectuar em consequência do acidente de trabalho (que indica); f) tudo acrescido de juros de mora à taxa legal. B- A condenação da 2ª Ré entidade patronal no pagamento:-- a) de € 33,75 a título de despesas de transporte; b) da pensão anual e vitalícia de € 3.693,10, com inicio em 12/12/2012 atualizada para o valor de 3.800,20 a partir de 1/1/2013 e para o valor de € 3815,40 a partir de 1/1/2014; c) Diferença de indemnização por incapacidade temporária absoluta no valor de € 3.663,58; d) Da quantia de € 1.840,00 / ano a título de subsidio de elevada incapacidade; e) da quantia de € 536,65/ano a título de prestação suplementar para assistência de terceira pessoa; f) das despesas que até ao final da vida, o A. venha a efectuar em consequência do acidente de trabalho (que indica); g) da indemnização por danos não patrimoniais sofridos no valor de € 75.000,00; h) tudo acrescido de juros de mora à taxa legal. Alegou para o efeito e em síntese: Foi vítima de um acidente quando trabalhava para a Ré- empregadora, tendo ficado afectado a final com incapacidade permanente para o trabalho, pelo que tem direito ao pagamento das quantias peticionadas, estando a responsabilidade do seu pagamento a cargo das Rés. Apenas a Ré- seguradora contestou a acção, argumentando, entre outros aspectos, que a retribuição do sinistrado não está inteiramente transferida, pelo que só é responsável pelas prestações devidas ao Autor na respetiva proporção. Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, cuja parte dispositiva transcrevemos: A) Condeno a Ré Seguradora “ B... Companhia de Seguros, S.A” a pagar ao Autor A... : 1- A quantia de € 7.415,20 (sete mil quatrocentos e quinze euros e vinte cêntimos) a título de pensão anual e vitalícia, com início em 12-12-2012 atualizável nos termos legais; 2- A quantia de € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos) a título de subsídio de elevada incapacidade; 3- A quantia de € 115,29 (cento e quinze euros e vinte e nove cêntimos) em 14 x ano a titulo de prestação suplementar para assistência a terceira pessoa, devida desde 12-12- 2012; 4- A quantia de € 100,00 (cem euros) a título de despesas de transporte em deslocações para atos judiciais. 5- Outras prestações (nomeadamente cadeira de rodas e sua adaptação à viatura) sendo que o respetivo custo deverá ser repartido na respetiva proporção de responsabilidades. 6- Juros de mora sobre as quantias em dívida, à taxa legal, a contar da data dos respetivos vencimentos e até integral e efectivo pagamento. * B-Condeno a Ré “C..., Lda” a pagar ao Autor A... : 1- A quantia de € 3.413,06 (três mil quatrocentos e treze euros e seis cêntimos) a título de pensão anual e vitalícia, com início em 12-12-2012 atualizável nos termos legais; 2- A quantia de € 3.385,01 (três mil trezentos e oitenta e cinco euros e um cêntimo) a título de diferença de indemnização por incapacidade temporária; 3- Outras prestações (nomeadamente cadeira de rodas e sua adaptação à viatura) sendo o respetivo custo deverá ser repartido pelas RR na respetiva proporção de responsabilidade. 4- Juros de mora sobre as quantias em dívida, à taxa legal, a contar da data dos respetivos vencimentos e até integral e efectivo pagamento. * C- Absolvo a Ré entidade patronal do demais peticionado. * Nos pagamentos a efetuar por conta dos créditos emergentes do acidente de trabalho em causa deverão ser levados em consideração os pagamentos efetuados pela seguradora a titulo de pensão provisória, atento o disposto no artigo 52º nº5 da NLAT. * As custas a cargo do Autor e RR na proporção do respetivo decaimento e das responsabilidades das RR. * Fixo à ação o valor de € 142.323,60 (cento e quarenta e dois mil, trezentos e vinte e três euros e sessenta cêntimos) – nos termos do art 120.º do C.P.Trabalho e Portaria nº 11/2000 de 13-01. O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção do julgado. Foram colhidos os vistos legais. A Exmª PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. x Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões, temos, como única questão em discussão, a de saber se os pagamentos do subsídio de elevada incapacidade, da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa e das despesas de deslocação devem recair totalmente sobre a seguradora ou se devem ser pagos pela seguradora e pela tomadora entidade empregadora na proporção da responsabilidade transferida. x O direito: Entende a recorrente que não pode ser responsabilizada pelo pagamento total do subsídio de elevada incapacidade, da prestação suplementar para assistência de terceira pessoa e das despesas de deslocação Como se refere na sentença, no caso, tendo ficado provada uma remuneração global anual de € 15.468,94 (€ 1.000,00 x 14 + € 6,07 x 22 dias x 11 meses) e existindo contrato de seguro válido e eficaz, à data do acidente, com a responsabilidade infortunística transferida para a Ré - seguradora pelo valor de € 10.593,14 (€ 650,00 x 14 + € 135,74 x 11), alcançamos que a responsabilidade havia sido transferida na proporção de 68,48% para a Ré - seguradora e de 31,52% para a Ré – empregadora. Dispõe o artº 79º, nº s 4 e 5, da Lei 98/2009, de 4/9 (LAT), aplicável ao acidente dos autos, que “Quando a retribuição declarada para efeito do prémio de seguro for inferior à real, a seguradora só é responsável em relação aquela retribuição, que não pode ser inferior à retribuição mínima mensal garantida” (nº 4) e que “No caso previsto no numero anterior, o empregador responde pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respectiva proporção” (nº 5) O artº 37º da anterior LAT (Lei 100/97), no seu nº 3, dispunha que “Quando a retribuição declarada para efeito de prémio de seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição. A entidade empregadora responderá, neste caso, pela diferença e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transporte, na respectiva proporção.” Os preceitos em causa- 79º, nº s 4 e 5, da LAT/2009 e 37º da LAT/1997 versam sobre a desconformidade, para efeitos de seguro, entre o salário real e o salário declarado, começando por enunciar a regra da proporcionalidade para, logo após, individualizar prestações por ela abrangidas. Esta Relação teve já oportunidade de se pronunciar sobre a questão, no que toca ao subsídio de elevada incapacidade, no acórdão de 14/06/07, processo 430/03.6 in CJ nº 199, 3º, 2007, relatado pelo aqui 1º adjunto, no sentido de que seria suportado integralmente pela seguradora. Ali se alinhou a seguinte argumentação: “O subsídio por elevada incapacidade vem previsto no artigo 23º da Lei 100/97. É calculado a partir da remuneração mínima garantida. Não depende da retribuição efectiva do sinistrado. A sentença condenou ambos os réus (seguradora e empregador) em fracções do subsídio apurado, fracções calculadas a partir das proporções retiradas do confronto entre a remuneração devida e a declarada para efeito do prémio do seguro. Ora a responsabilidade pelo referido subsídio é, na nossa opinião, independente do montante da remuneração declarada para aquele efeito. O artigo 37º nº 3 da Lei 100/97 estabelece que "quando a retribuição declarada para efeito do prémio do seguro for inferior à real, a entidade seguradora só é responsável em relação àquela retribuição. A entidade empregadora responderá, neste caso, pela diferença e pelas despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transporte, na respectiva proporção". Ou seja, não sendo o subsídio em questão calculado com base na retribuição real, nem se tratando de despesas efectuadas com a hospitalização, assistência clínica e transporte, não há motivos para condenar ambas as partes na tal proporção. A seguradora, de resto, sempre teria, em qualquer caso (a única variável em causa é a da dimensão da incapacidade, já não o da retribuição real), de pagar esse montante por inteiro”. No mesmo sentido, pode ver-se o Ac. da Relação de Lisboa de 15/02/12 (e jurisprudência aí referida), procº 270/03.2TTVFX.1L1, consultável em CJ “on line” refª 4374/2012 e foi proferido o acórdão desta Relação de 15/5/2014, proc. 1159/10.4TTMTS, relatado pelo aqui 2º adjunto. Se, no domínio da LAT/1997 se levantavam dúvidas no que toca à natureza taxativa ou meramente exemplificativa – veja-se, por todos, o Ac. do STJ de 17/12/2014, in www.dgsi.pt. - das individualizações aí previstas no artº 37º, nº 3, a redacção ora adoptada pelo nº 5 do artº 79º da LAT/2009 veio, em nossa opinião, resolver essa dúvida, no sentido de optar por uma enumeração taxativa, dado que, para além de incluir prestações que não pressupõem, para o seu cálculo, o recurso à componente retributiva, bastando-se com o valor concreto das despesas respectivas, como é caso das “despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica”, individualiza expressamente prestações que dependem do cálculo com referência à componente retributiva- “diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas”, sendo que esta última invidualização não era feita no artº 37, nº 3, º da LAT/1997. Esta interpretação é reforçada pela análise do referido, a propósito, na Apólice Uniforme, aprovada pele Portaria nº 256/2011, de 05 de Julho, na sua cláusula 32ª: “Insuficiência da retribuição segura 1 - No caso de a retribuição declarada ser inferior à real, o tomador do seguro responde: a) Pela parte das indemnizações por incapacidade temporária e pensões correspondente à diferença; b) Proporcionalmente pelas despesas efectuadas com a hospitalização e assistência clínica”. Como se vê, as prestações aqui previstas são exactamente as mesmas contidas no nº 5 do artº 79º da LAT/2009, o que, salvo melhor opinião, afasta a argumentação adoptada no referido Ac. do STJ de 17/12/2014 a propósito das prestações incluídas no artº 12º da Apólice Uniforme aprovada pela Norma 12/99-”, de 30 de Novembro (publicada no D. R., II Série, de 30/11/99), onde se escrevia: “No caso de a retribuição declarada ser inferior à efectivamente paga (...), o tomador de seguro responderá: i) pela parte excedente das indemnizações e pensões; ii) proporcionalmente, pelas despesas de hospitalização, assistência clínica, transportes e estadas, despesas judiciais e de funeral, subsídios para situações de elevada incapacidade permanente e de readaptação, prestação suplementar por assistência de terceira pessoa e todas as demais despesas realizadas no interesse do sinistrado.” Como se vê, uma diferença significativa em relação à redacção do artº 37º, nº 3, da LAT/1997, o que, em nossa opinião, afasta o entendimento seguido no citado Ac. do STJ no sentido de considerar a proporcionalidade da responsabilidade pelo pagamento das prestações expressa e taxativamente, (entendemos nós) previstas na Nova LAT, já que, contrariamente ao que acontecia anteriormente, a Apólice Uniforme em vigor não inclui na sua previsão outras prestações não individualizadas no artº 79º, nº 5, da LAT/2009. Improcede, como tal, o recurso. x Nos termos expostos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se integralmente a sentença recorrida. Custas pela apelante.
Coimbra, 03/03/2016
(Ramalho Pinto - Relator) (Azevedo Mendes) (Joaquim José Felizardo Paiva)
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