Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1550/16.2T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: CONTRAORDENAÇÃO ESTRADAL
AUTOR MATERIAL NÃO IDENTIFICADO
ILISÃO
PRESUNÇÃO
AUTOR
INFRACÇÃO
PROCESSO CONTRAORDENACIONAL
FASE ADMINISTRATIVA
FASE JUDICIAL
Data do Acordão: 01/18/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DE ALCOBAÇA - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CONTRAORDENACIONAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 135.º, N.º 3, AL. B), 170.º E 171.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DA ESTRADA
Sumário: I - Mesmo em sede de impugnação judicial - e não apenas na fase administrativa do processo contraordenacional -, o titular do documento de identificação do veículo pode ilidir a presunção - juris tantum - decorrente dos n.ºs 2 e 3 do artigo 171.º do Código da Estrada.

II - Ainda que decorra da matéria de facto provada não ser o arguido quem, nas circunstâncias de tempo e lugar indicadas no auto de notícia, conduzia o veículo automóvel, se aquele, como titular do documento de identificação da viatura, não ilide a presunção estabelecida no artigo 171.º do CE, contra o mesmo deve correr o processo contraordenacional.

Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO

A.... veio interpor recurso da sentença que, julgando improcedente a impugnação judicial, manteve o decidido pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) que o condenou pela prática, a título negligente, da contra-ordenação prevista e punida pelas disposições conjugadas dos artigos 27º, n.ºs 1 e 2, al. a) 2º, 138º e 145º, n.º 1, al. b), todos do Código da Estrada, numa coima no valor de € 180,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir, pelo período de 30 dias.


*

E, da motivação extraiu as seguintes conclusões:

1- Julgou o douto tribunal a quo improcedente a impugnação judicial, com o fundamento de que "... somos de parecer estar-se perante uma presunção juris tantum mas que só pode ser ilidida se for provada a utilização abusiva do veículo ou identificado um terceiro, dentro do prazo legal concedido para a defesa", sendo certo que considerando omissa a notificação para efeito de identificação do condutor, entendeu que seria admissível a identificação de condutor, em sede de impugnação judicial.

2- Como consta da fundamentação de direito da decisão, "mas essa indicação continuou a não ser feita nesta sede, quando se imporia a alegação e prova de que o autor da contra-ordenação foi um determinado cidadão, devidamente identificado, diverso do titular do documento de identificação ...

Como assim, embora esteja demonstrado que não era o arguido o condutor do veículo, e uma vez que se trata do titular do respectivo documento de identificação, é inelutável concluir pela integral procedência da impugnação em análise."

3- Entende o arguido, e atenta a factualidade dada como provada em 1., 3. e 4. Dos Factos Provados, que fez prova de não ser o condutor da viatura, no dia, hora e local da prática da contra-ordenação que lhe vem imputada.

4- Do que resulta encontrarmo-nos numa situação em que, provando-se não ser o arguido o condutor da viatura no momento da prática da contra-ordenação, vem o mesmo por ela sancionado.

5- A verdade é que, e tal como resulta em 3. dos factos provados, a viatura em causa, é utilizada por várias pessoas, que se deslocam para as explorações pecuárias afectas à actividade comercial do arguido.

6- Circunstância que impediu a identificação do concreto condutor da viatura e a impossibilidade de imputação da contra-ordenação ao efectivo condutor.

7- Ainda que o artigo 171º do Código da Estrada estabeleça a já aludida presunção, não é menos verdade que podem ocorrer situações como a dos autos em que ao arguido não é possível proceder à identificação do condutor, ademais quando está em causa uma viatura afecta à actividade comercial do arguido e não um veículo de mero uso pessoal.

8- A presunção estabelecida no art. 171º do C.E. foi ilidida de forma irrefutável, sendo nosso entendimento, modesto, de que a ilisão não pode ser realizada unicamente por via da identificação do condutor ou prova da utilização abusiva.

9- A prova de que NÃO era o arguido o condutor da viatura no momento da prática da contra-ordenação, afasta a presunção estabelecida no mencionado normativo legal.

10- Perante a factualidade dada como provada e não provada, entendemos que a decisão proferida não poderia ter sido outra que a procedência da impugnação judicial apresentada e a absolvição do arguido da prática da contra-ordenação que lhe vem imputada.

11- Conclui-se portanto existir uma contradição insanável entre os factos dados como provados e a decisão de mérito proferida, da qual discordamos inteiramente.

12- Pelo exposto, deverá a decisão proferida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a impugnação apresentada e assim absolva o arguido.

Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por outra que absolva o arguido.


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O Magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo ofereceu resposta, defendendo a improcedência do recurso, por entender que “no caso concreto, foi dado como provado que «No dia, hora e local indicados em 1, não era o arguido o condutor do aludido veículo» [facto n.º 4] e não se demonstrou quem foi o condutor que praticou a infracção rodoviária, pelo que, por imposição legal prevista na citada alínea b) do n.º 3 do artigo 135.º do Código da Estrada, a responsabilidade contra-ordenacional deve recair no «titular do documento de identificação do veículo» o qual, como resulta do n.º 1 dos factos provados na sentença condenatória, é o arguido recorrente.

Assim, a questão de saber se a presunção estabelecida no artigo 171.º do Código da Estrada pode ser ilidida com apenas «a prova de que não era o arguido o condutor da viatura no momento da prática da contra-ordenação» mas sem identificação do condutor em causa, deverá ser respondida negativamente, atenta a expressa exigência de identificação do condutor prevista na citada alínea b) do n.º 3 do artigo 135.º do Código da Estrada.

Consequentemente, face à factualidade provada na sentença recorrida, a pretendida absolvição do arguido constituiria uma decisão manifestamente contra legem.”.

Nesta instância, o Exmº Procurador-Geral Adjunto apôs o “Visto”.

Os autos tiveram os vistos legais.


***

II- FUNDAMENTAÇÃO

Consta da decisão recorrida  (por transcrição):

III.1Produzida a prova e discutida a causa, resultam PROVADOS os seguintes factos com relevância para a decisão daquela:

1. No dia 26-09-2014, pelas 15H57, ao km 117,9 da A8, sentido norte/sul, em Martingança, indivíduo não identificado conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros com a matrícula JR (...) , propriedade do arguido A... , circulando a uma velocidade de, pelo menos, 163 km/hora, correspondente à velocidade registada de 172 km/hora, uma vez deduzido o valor do erro máximo admissível.

            2. A velocidade máxima permitida no indicado local era de 120 km/hora.

3. A viatura em causa, no âmbito da actividade comercial a que se dedica o arguido/impugnante, enquanto empresário individual, é utilizada por várias pessoas, que se deslocam para as explorações pecuárias afectas a tal actividade.

4. No dia, hora e local indicados em 1, não era o arguido o condutor do aludido veículo.

            5. Uma vez que o condutor não foi interceptado nem identificado na ocasião referida em 1, no dia 06-11-2014 foi o arguido/impugnante notificado por via postal registada, com aviso de recepção assinado por terceira pessoa, nos termos constantes de fls. 12 dos autos, que aqui se consideram integralmente reproduzidos.

            6. Em tal notificação, não foi o arguido expressamente esclarecido do prazo para, querendo, identificar o condutor, nos exactos termos decorrentes dos artigos 171.º, n.ºs 3 a 5, e 175.º, n.º 1, alínea g), do Código da Estrada.

            7. O arguido/impugnante não identificou até à presente data qualquer outra pessoa como condutora do veículo.

            8. O arguido/impugnante não tem quaisquer antecedentes averbados no respectivo registo individual de condutor.


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III.2 Relativamente a factos NÃO PROVADOS, resulta o seguinte:

- Na ocasião descrita em 1, o veículo aí identificado era conduzido pelo arguido/impugnante.


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            III.3 – Motivação da matéria de facto:

            Para formação da sua convicção relativamente aos factos provados em 1 e 2, o tribunal teve desde logo em conta o teor do auto de notícia de fls. 1, o qual, para além de fazer fé em juízo nos termos do disposto no artigo 170.º, n.ºs 1 a 3, do Código da Estrada, foi atestado em julgamento pelo aí indicado agente autuante (a testemunha D... ), sendo que pelo próprio arguido foi confirmada a propriedade do veículo nele identificado.

            Por outro lado, o mencionado auto e as declarações da testemunha têm a suportá-los a denominada «prova fotográfica» de fls. 3 e a cópia do certificado de verificação do respectivo cinemómetro-radar que se mostra junta a fls. 4, sendo certo que, em face do disposto no artigo 170.º, n.ºs 3 e 4, do Código da Estrada, os elementos de prova obtidos através de aparelhos ou instrumentos aprovados nos termos legais e regulamentares fazem fé em juízo, até prova em contrário, que não foi lograda pelo arguido.

            Desde logo porque, contrariamente ao que alegou, é por demais evidente – e a testemunha D.... pôs a nu tal evidência - que o aludido cinemómetro-radar mede velocidades instantâneas, e não velocidades médias, o que facilmente se poderia intuir, salvaguardando o devido respeito, da circunstância de se tratar de um único aparelho fixo, e não, por exemplo, de dois aparelhos distantes entre si que medissem a velocidade média entre um e outro.

Ademais, há que fazer notar que a comprovação da realização da verificação periódica decorrente do certificado de verificação de fls. 4 - levada a cabo em 18-09-2014 e válida até 31-12-2015 -, demonstrando inequivocamente a conformidade do aparelho nele identificado à data da prática dos factos objecto dos autos, é mais do que suficiente para a cabal demonstração da velocidade que foi registada.

Tudo o que para além disso foi alegado pelo arguido constitui, salvo o devido respeito, mera especulação sem qualquer suporte minimamente consistente, a propósito do que consideramos pertinente trazer à liça a anotação de Tolda Pinto ao supra citado artigo 170.º do Código da Estrada (Código da Estrada Anotado, 2.ª edição, Coimbra Editora, 2005, p. 473), quando sublinha que o auto de notícia (in casu, mais concretamente, o aparelho cinemómetro-radar identificado nos sobreditos elementos de prova já indicados) constitui prova legal plena, só podendo ser contrariado «por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto que dela for objecto – cfr. artigo 347.º do Código Civil.

            (…)

            Não basta (…) criar no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto (a que se refere a prova plena), tornando o facto subjectivamente incerto. É essencial convencer o julgador (ou a autoridade administrativa) da existência do facto oposto, tornar (psicologicamente) certo o facto contrário (…)».

            A tudo acresce ainda que, do nosso ponto de vista, o arguido também não tem razão quando invoca a falta de comunicação do meio de vigilância em apreço à Comissão Nacional de Protecção de Dados para daí retirar, como consequência, a nulidade do respectivo meio de prova.

            Acompanhando o entendimento que cremos ser unânime ou, pelo menos, claramente maioritário, permitimo-nos fazer aqui nossas as seguintes clarividentes considerações que, com recurso a uma plêiade enorme de decisões concordantes, foram tecidas no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-10-2015 (disponível em www.dgsi.pt sob Processo n.º 150/14.6T8TNV.E1):

            «Relativamente aos requisitos de aprovação (e verificação) dos aparelhos de medição da velocidade instantânea, designados de cinemómetros, no caso utilizado, é o Dec. Lei n.º 291/90, de 20.09, que, harmonizando-os com o direito comunitário, veio fixá-los, sendo que, pela Portaria n.º 1542/2007, de 06.12, se regulamentou o controlo metrológico dos mesmos.

Por seu lado, através do suscitado Dec. Lei n.º 207/2005, de 29.11, aplicável aos sistemas de vigilância electrónica, veio regular-se, no que aqui interessa, as formas e as condições de utilização pelas forças de segurança dos sistemas de vigilância rodoviária instalados ou a instalar pela Estradas de Portugal, E. P. E., e pelas empresas concessionárias rodoviárias nas respectivas vias concessionadas (alínea b), do seu art. 1.º).

Mais se prevê, no seu art. 10.º, que os registos, a gravação e o tratamento de dados pessoais têm lugar, apenas, para as seguintes finalidades, específicas e determinadas:

- Detecção de infracções rodoviárias e aplicação das correspondentes normas estradais;

- Controlo de tráfego, prevenção e socorro em caso de acidente;

- Localização de viaturas furtadas ou procuradas pelas autoridades judiciais ou policiais para efeitos de cumprimento de normas legais, designadamente de carácter penal, bem como a detecção de matrículas falsas em circulação;

- Prova em processo penal ou contra-ordenacional nas diferentes fases processuais.

Por seu lado, o seu art. 5.º impõe o dever de notificação à CNPD das câmaras fixas instaladas, com identificação do respectivo modelo, características técnicas e número de série e dos locais públicos que estas permitem observar, bem como do nome da entidade responsável pelo equipamento e pelos tratamentos de dados.

Essa notificação visa permitir à CNPD o controlo dos dados obtidos por esse meio, para o desiderato da protecção de dados pessoais, aqui acompanhando-se a fundamentação da sentença, por transcrição do acórdão da Relação do Porto de 06.02.2008, no proc. n.º 0715317, rel. Manuel Braz, a notificação dos sistemas de vigilância electrónica à referida comissão nada tem a ver com a validade da prova, tendo antes em vista permitir a esse organismo o controlo dos dados obtidos por esse meio, em ordem à protecção de dados pessoais, como se conclui do artº 2º, nº 2, da referida Lei nº 1/2005, que, em relação ao tratamento dos dados recolhidos, remete para a Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, que, por sua vez, comete à CNPD a função de vigilância e protecção de dados pessoais. Isso ficou ainda mais claro com a posterior redacção que veio, pela Lei nº 39-A/2005, de 29 de Julho, a ser dada ao artº 13º daquele primeiro diploma legal: «Os sistemas de registo, gravação e tratamento de dados referidos no número anterior são autorizados tendo em vista o reforço da eficácia da intervenção legal das forças de segurança e das autoridades judiciárias e a racionalização de meios, sendo apenas utilizáveis em conformidade com os princípios gerais de tratamento de dados pessoais previstos na Lei nº 67/98, de 26 de Outubro, em especial os princípios da adequação e da proporcionalidade». E no mesmo sentido vão os artºs 12º, nº 2, e 17º do DL nº 207/2005: «As forças de segurança adoptam as providências necessárias à eliminação dos registos ou os dados pessoais destes constantes, desde que identificados ou identificáveis, recolhidos no âmbito das finalidades autorizadas que se revelem excessivos ou desnecessários para a prossecução dos procedimentos penais ou contra-ordenacionais» e «Sem prejuízo do disposto na legislação aplicável, são objecto de controlo, tendo em vista a segurança da informação: (...) b) A manipulação de dados, a fim de impedir a inserção, bem como qualquer tomada de conhecimento, alteração ou eliminação, não autorizada, de dados pessoais».

Tal dever harmoniza-se com as atribuições legais confiadas à CNPD, mas não constitui pressuposto de aprovação dos aparelhos em apreço.

A preterição dessa notificação não inquina, pois, a validade desse meio de obtenção de prova, desde que este esteja devidamente aprovado para utilização, como no caso sucede, e com a finalidade específica e determinada para o qual foi usado.

Não se descortina que essa falta tenha aí implicação, uma vez que não consubstancia método que se integre nas proibições previstas no art. 126.º do CPP, na medida em que, ainda assim, se afigura proporcional e adequado à salvaguarda de pessoas e bens na actividade de circulação rodoviária, unicamente com a finalidade da respectiva protecção e da segurança inerente, sem afronta a direitos de imagem e de reserva da vida privada que não devam ceder na ponderação dos interesses subjacentes, tanto mais, quando, in casu, apenas versando na velocidade do veículo e através de registo fotográfico do mesmo.

Estabelecida a devida ponderação de interesses (art. 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa), que o recorrente nem sequer suscita, entende-se, claramente, que a prevalência deve ser dada às finalidades prosseguidas com esse meio de obtenção de prova.

A jurisprudência, como se sublinhou na sentença, tem decidido neste sentido, referindo-se aos acórdãos: da Relação de Lisboa de 11.10.2007, no proc. n.º 6528/07.9, rel. João Carrola; da Relação de Coimbra de 26.04.2007, no proc. n.º 457/06.6TBFND.C1, rel. Brízida Martins, e de 12.12.2007, no proc. n.º 1124/07.9TALRA.C1, rel. Orlando Gonçalves; a que se acrescentam, designadamente, os acórdãos: da Relação de Coimbra de 11.06.2008, no proc. n.º 401/07.3TBSRE.C2, rel. Belmiro Andrade; da Relação de Guimarães de 18.06.2007, no proc. n.º 1036/07-2, rel. Filipe Melo; e desta Relação de Évora de 08-09-2015, no proc. n.º 2144/14.2T8SLV.E1, rel. António Latas; todos acessíveis in www.dgsi.pt.

Além do recorrente não trazer qualquer argumento que, em contrário, seja atendível, não se encontra fundamento para diferente perspectiva».

Na defluência do assim exposto, com inequívoca pertinência para a situação que analisamos nos presentes autos, temos que, aqui como ali, «[a] prova foi, pois, legitimamente valorada, uma vez que assentou em método permitido, devidamente aprovado e utilizado para finalidade bem específica».

Estando deste modo justificado o juízo probatório inerente aos sobreditos factos provados em 1 e 2, temos que os provados em 3 e 4 assentam nas credíveis declarações que, a propósito dos mesmos, foram prestadas pelo próprio arguido em termos que não nos ofereceram dúvidas, sendo por isso desnecessário invocar os depoimentos corroborantes das testemunhas B... e C... .

Do mesmo passo, fica esclarecido o destino probatório do único facto considerado não provado.

No que toca aos factos provados em 5 e 6, são emanação clara dos teores de fls. 2 e 5 dos autos, ao passo que o facto provado em 8 decorre do teor de fls. 7.

Por último, uma palavra para dizer que o facto provado em 7 decorre, não só de todos os elementos anteriormente juntos aos autos, como também da própria produção de prova em audiência, onde nem o arguido, nem qualquer das testemunhas que arrolou indicaram quem, afinal, seria o condutor do veículo, o que, com verosimilhança, justificaram com a circunstância plasmada no facto provado em 3.


***

APRECIANDO

Atendendo ao disposto no n.º 1 do artigo 75º do DL n.º 433/82, de 27.10 (RGCO) este tribunal conhece apenas da matéria de direito, isto sem prejuízo do dever de conhecimento oficioso de certos vícios ou nulidades, designadamente os vícios indicados no artigo 410º, n.º 2 do CPP, conforme acórdão do STJ para fixação de jurisprudência n.º 7/95, de 19-10-1995, publicado no DR, Série I-A, de 28-12-95.

Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, vem suscitada a seguinte questão:

a ilisão da presunção estabelecida no artigo 171º do Código da Estrada não pode ser realizada unicamente por via da identificação do condutor ou da prova da utilização abusiva do veículo. A prova de que não era o arguido o condutor da viatura no momento da prática da infracção, afasta a presunção prevista no mencionado normativo legal.


*

Alega o recorrente que, tendo resultado provado que não era ele o condutor da viatura no momento da prática da contra-ordenação e que tal viatura é utilizada por várias pessoas, que se deslocam para as explorações pecuárias afectas à actividade comercial do arguido (e por esta razão não lhe sendo possível proceder à identificação do condutor), não pode ser responsabilizado pela prática da infracção.

Nos presentes autos, estando em causa uma infracção de circulação de veículo automóvel, em excesso de velocidade, não tendo os agentes de autoridade identificado o autor da infracção, o auto de contra-ordenação foi levantado contra o arguido, em nome de quem se encontrava registada a viatura (nos termos do art. 135º, n.º 3, al. b) do CE).

Foi o arguido notificado (cerca de mês e meio, após os factos – fls. 15) nos termos constantes a fls. 12. Em tal notificação, não foi o arguido expressamente esclarecido do prazo para, querendo, identificar o condutor, nos exactos termos decorrentes dos artigos 171.º, n.ºs 3 a 5, e 175.º, n.º 1, alínea g), do Código da Estrada (facto 6 dado como provado).

Acontece que, só após ter sido proferida a decisão administrativa, na impugnação judicial o arguido veio dizer que não era o condutor do veículo no momento da prática dos factos. Referiu nomeadamente:

Efectivamente, o arguido quando recebeu a notificação para o exercício da defesa, e uma vez que não havia sido o próprio a conduzir a viatura, encarregou o seu filho de verificar de entre os habituais utilizadores da mesma, qual teria feito uso dela no dia e hora indicados no auto de contra-ordenação. Tendo ficado crente de que a situação estava resolvida e que ter-se-ia procedido à identificação do condutor que terá praticado a infracção. O arguido faz uso diário da viatura com a matrícula 60-DN-92 e nunca da indicada nos autos.

 

Considerou a sentença recorrida que, aquando da notificação para defesa, não tendo o arguido sido expressamente esclarecido do prazo para, querendo, identificar o condutor, tal possibilidade ainda seria válida em sede de impugnação judicial.

Não desconhecemos a divergência da jurisprudência quanto ao momento em que pode ser ilidida a presunção prevista no artigo 171º (n.ºs 2 e 3) do CE, se apenas na fase administrativa, ou ainda em sede de impugnação judicial, de forma a assegurar-se os direitos de audiência e defesa nos processos de contra-ordenação consagrados no n.º 10 do artigo 32º da CRP.

Não sendo essa uma questão suscitada no recurso, no caso vertente, concordamos com a sentença recorrida quando ainda permitia ao arguido ilidir tal presunção na fase da impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, ou seja, dando a oportunidade ao arguido de identificar o condutor do veículo no momento da infracção, ou provar a utilização abusiva do veículo (se bem que, na impugnação judicial o arguido não alude a qualquer utilização abusiva da viatura).

Porém, também como reconhece a sentença recorrida “essa indicação continuou a não ser feita nesta sede, quando se imporia a alegação e a prova de que o autor da contra-ordenação foi um determinado cidadão, devidamente identificado, diverso do titular do documento de identificação do veículo”.



Com efeito,

Estabelece o artigo 135º do Código da Estrada (sob a epígrafe “Responsabilidade pelas infrações”):

«1- São responsáveis pelas contraordenações rodoviárias os agentes que pratiquem os factos constitutivos das mesmas, designados em cada diploma legal, sem prejuízo das exceções e presunções expressamente previstas naqueles diplomas.

(…).

3- A responsabilidade pelas infrações previstas no Código da Estrada e legislação complementar recai no:

a) Condutor do veículo, relativamente às infrações que respeitem ao exercício da condução;

b) Titular do documento de identificação do veículo relativamente às infrações que respeitem às condições de admissão do veículo ao trânsito nas vias públicas, bem como pelas infrações referidas na alínea anterior quando não for possível identificar o condutor;

(…).».

E, quanto à identificação do arguido, dispõe o artigo 171º do Código da Estrada:

«1- A identificação do arguido deve ser efectuada através da indicação de:

a) Nome completo ou, quando se trate de pessoa colectiva, denominação social;

b) Domicílio fiscal;

c) Número do documento legal de identificação pessoal, data e respectivo serviço emissor ou, quando se trate de pessoa colectiva, do número de pessoa colectiva;

d) Número do título de condução e respectivo serviço emissor;

e) (Revogada.)

f) Número e identificação do documento que titula o exercício da actividade, no âmbito da qual a infracção foi praticada.

2- Quando se trate de contra-ordenação praticada no exercício da condução e o agente de autoridade não puder identificar o autor da infracção, deve ser levantado o auto de contra-ordenação ao titular do documento de identificação do veículo, correndo contra ele o correspondente processo.

3- Se, no prazo concedido para a defesa, o titular do documento de identificação do veículo identificar, com todos os elementos constantes do n.º 1, pessoa distinta como autora da contra-ordenação, o processo é suspenso, sendo instaurado novo processo contra a pessoa identificada como infractora.

4- O processo referido no n.º 2 é arquivado quando se comprove que outra pessoa praticou a contra-ordenação ou houve utilização abusiva do veículo.

(…).».

De acordo com os citados preceitos, a responsabilidade do titular do documento de identificação do veículo (na versão do DL n.º 2/98, de 3Jan., art. 152º, n.º 1, o proprietário ou possuidor) resulta de uma presunção que apenas pode ser ilidida quando se provar que foi outra pessoa (identificada nos termos do n.º 1 do art. 171º do CE) que praticou a contra-ordenação ou que houve utilização abusiva do veículo.

Trata-se, assim, de uma presunção juris tantum, ilidível mediante prova em contrário.

Alega o recorrente que, sendo a viatura em causa utilizada por várias pessoas (que se deslocam para as explorações pecuárias afectas à sua actividade comercial), o impediu de identificar o concreto condutor da viatura no momento da infracção. Ainda assim, como refere na impugnação judicial encarregou o seu filho de verificar de entre os habituais utilizadores da mesma, qual teria feito uso dela no dia e hora indicados no auto de contra-ordenação. Tendo ficado crente de que a situação estava resolvida e que ter-se-ia procedido à identificação do condutor que terá praticado a infracção.

Ora, se acreditou que o seu filho teria resolvido a questão sobre a identificação do condutor no momento indicado no auto, significa que tal identificação não seria impossível, tanto mais que, sendo o proprietário do veículo, e embora o não conduzisse, tinha de estar a par de quem o fazia, até pelos riscos inerentes à circulação da viatura na via pública.

De qualquer forma, o arguido não identificou o condutor.

Deste modo, ainda que tenha resultado provado que o arguido não era o condutor do aludido veículo no dia, hora e local indicados, não foi ilidida a presunção estabelecida no artigo 171º do CE, nenhum reparo nos merecendo a sentença recorrida.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- negar provimento ao recurso.

Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.


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Coimbra, 18 de Janeiro de 2017

(Elisa Sales - relatora)

(Paulo Valério - adjunto)