Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
41/10.0JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: APRECIAÇÃO DA PROVA
PROVA INDIRECTA
ESCUTAS TELEFÓNICAS
Data do Acordão: 12/13/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA - VARA MISTA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 127º E 187º, DO C. PROC. PENAL
Sumário: O objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova”.

A validade em julgamento da prova obtida através de escutas telefónicas não depende da leitura e exame em audiência das respectivas transcrições.
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO
           
1. No processo comum colectivo n.º 41/10.0JACBR da Vara Mista de Coimbra, foram julgados os seguintes 16 arguidos:
1. A..., actualmente sujeito à medida de coacção de prisão preventiva;
2. B... ., residente no Bairro …, Coimbra,
3. C..., , residente no Bairro …,
4. D..., , residente no Bairro …,
5. E..., residente na Rua …
6. F..., , residente na Rua …, Coimbra,
7. H..., , residente na …, Coimbra,
8. G..., , residente na Rua  …
9.J...,  residente no …, em Coimbra,
10. K...,  residente no  …
11. L..., residente na …, Coimbra,
12. M..., residente …,
13. N..., residente na Rua …
14. O..., residente na Rua …
15. P..., residente na Rua  …

            2. Por acórdão datado de 7 de Julho de 2011 (Volume 9º), obteve-se o seguinte veredicto do Colectivo das Varas Mistas de Coimbra:
«Julgam a acusação parcialmente parcialmente procedente e consequentemente condenam os arguidos:
- A... pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo artigo 21º, nº 1 do DL 15/93, de 22.1., em referência às Tabelas anexas I-A, I-B e I-C, como reincidente, na pena de 7 anos e 6 meses de prisão; e pela prática de um crime p. e p. pelo art. 123º, nº 1 do Código da Estrada e art. 3º, nºs 1 e 2 do DL nº 2/98 de 3 de Janeiro na pena de 9 meses de prisão;
- em cúmulo jurídico condenam o arguido A...  na pena única de 8 anos de prisão.

- E... e K... pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25º do DL 15/93, de 22.1 na pena de 3 anos de prisão cada um;
- o arguido G... pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25º do DL 15/93, de 22.1 na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- o arguido H... pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25º do DL 15/93, de 22.1 na pena de 2 anos e 6 meses cada um e pela prática de um crime de detenção ilegal de arma proibida, p. p. pelo artigo 2.º al. aj), 3.º/5.º, al. a) e d) e 86.º c) da Lei 17/2009, de 6.5.2009 na pena de 1 ano e 4 meses; em cúmulo jurídico condenam o arguido H... na pena única de 3 anos de prisão;
- as arguidas F... e J... pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. p. pelo artigo 25º do DL 15/93, de 22.1 na pena de 1 anos e 6 meses de prisão para cada uma.
*
Suspendem-se as penas aplicadas aos arguidos E..., G..., F... e J... por período idêntico ao da pena que foi aplicada a cada um deles, sujeita a suspensão ao regime de prova, a estabelecer através de plano de reinserção social adequado e ainda subordinada a regras de conduta que contemplem a manutenção de ocupação laboral e o afastamento de locais e pessoas conotadas com o consumo e tráfico de estupefacientes e tratamento dessa dependência quando for o caso. 
*
            Mais absolvem os arguidos B... ., C..., D..., L..., M..., N..., O... e P... da prática dos crimes que lhes foram imputados».

           3. Inconformados, recorreram 2 arguidos:
RECURSO A
A... - PRESO PREVENTIVO;
RECURSO B
K....

4. Vejamos, de seguida, os argumentos dos 2 recursos intentados.

4.1. RECURSO A
O arguido A... finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1ª- A pena, para além de excessiva no que tange ao artigo 21º, é excessiva e desse suposto ilícito deveria o arguido ser absolvido;
2º- Sem embargo de haver abundante matéria para aplicação dos artigos 426º e 426º-A do CPP;
3º- Por fim, o recorrente deveria ter sido absolvido, como se aludiu atrás, em homenagem ao princípio “in dubio pro reo”, sendo que V. Exas farão Justiça».

4.2. RECURSO B
O arguido K... finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
«1º- O ora recorrente, foi condenado pela prática de um crime p. e p. pelo art°. 25 do DL 15/93 de 22 de Janeiro na pena de três anos de prisão.
2º- É manifesto não haver factualidade dada como provada elementos suficientes para se concluir pela prática de tal crime.
3º- Inexistindo qualquer prova que o relacione com o crime de tráfico.
4º- Da análise da prova produzida resulta não foi minimamente demonstrado que este se dedicasse ao tráfico de estupefacientes.
5º- Nem que obtivesse quaisquer proventos com aquela actividade.
6º- Aliás não foram provados quaisquer sinais exteriores de riqueza.
7º- Ora, não existindo factos provados no sentido de o arguido ser traficante, foi violado o “princípio in dubio pro reo” consagrado no art°. 32 da C.R.P.
8°- Andou mal o tribunal “a quo” na interpretação da letra e de um espírito encarnado no art°. 127 do C.P.P. que não admite decisões arbitrárias e sem fundamento, como é aludido em toda a doutrina.
9°- Salvo melhor opinião, não existindo presunções de culpa em processo penal, vigorando o princípio do acusatório, não pode ser exigida, a toda a força, a prova da inocência ao ora recorrente.
10º- Revelando-se o inquérito insuficiente para justificar uma condenação.
11º- Pelo que o Tribunal errou ao considerar mal a prova, presumindo factos que não encontram sustento factual.
12°- O que, no mínimo, implicava que usasse o princípio “in dubio pro reo”.
13º- Sendo que, como já se referiu “in casu” estão falidos os pressupostos do Art°. 25 do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro, devendo desde logo, e no que diz respeito ao ora recorrente ser absolvido.
14°- Sem prescindir, entende a defesa que foi erradamente fixada a mediada concreta da pena, sendo violados os art°s. 40, 50, 70, 71 e 72 do Código Penal.
15°- Logo a pena aplicada ao ora recorrente é excessiva, desproporcionada, e de severidade injustificada tendo sido ultrapassada em muito a medida da culpa.
16º- É manifesto não haver na factualidade dada como provada elementos suficientes para se concluir por parte do ora recorrente pela prática de um crime p. p. pelo art°. 25 do DL 15/93 de 22 de Janeiro.
17º- O Tribunal “a quo” foi longe de mais nas conclusões obtidas e a convicção final ficou muito longe da realidade.
18º- A pena deverá ser reformada, ou caso Vas. Exas, assim não o entendam deve ser aplicada ao arguido uma pena suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova.
19º- Não se aludem a condenações do género ou de qualquer outro imputados ao arguido e o tribunal “a quo” deveria ter retirado disso a necessária consequência, como aliás manda o 71, n°. 2 alíneas a), b) e d) do Código Penal.
Com efeito, como ensina o Prof. Figueiredo Dias nos factos relativos à conduta do agente se perfilham a vida anterior, o passado criminal, do dano “tout court” causa que “in casu” não foi nenhuma.
20º- No âmbito do seu recurso o recorrente pretende ver sindicada a reapreciação da prova gravada, insuficiência para a decisão da matéria de facto dada como provada, erro na apreciação da prova e medida da pena.
21º- Como já foi referido, importa anexar aos autos a transcrição integral da prova.
22º- Como já se referiu tem apoio familiar.
Assim, e em suma, o recorrente deveria ter sido absolvido: é o que se requer.
Qualquer albitre que Vas. Exas. considerem não deixarão de fazer
JUSTIÇA».

 

            5. O Ministério Público em 1ª instância RESPONDEU aos recursos dos arguidos A...e K..., opinando que o acórdão recorrido deve ser mantido na íntegra, assente que o mesmo fez uma criteriosa fundamentação e aplicação da lei a cada um dos casos concretos.

            6. Admitidos os recursos e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto deu o seu parecer a fls 2460-2465, reiterando as posições do magistrado do MP de 1ª instância.

7. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por deverem ser os recursos aí julgados, de harmonia com o preceituado no artigo 419.º, n.º 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. QUESTÕES A RESOLVER

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (cfr. artigos 119º, n.º 1, 123º, n.º 2, 410º, n.º 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242 e de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271).
             Assim, balizados pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso[1], as questões a decidir consistem em saber:

RECURSO A – A...

o A sentença é nula por não ter feito o exame crítico de toda a prova?
o Há vícios do artigo 410º/2 do CPP?
o Foi violado o princípio do in dubio pro reo?
o A pena foi excessiva?

RECURSO B – K...

o É possível haver uma reapreciação da prova gravada?
o Há vícios do artigo 410º/2 do CPP?
o Foi violado o princípio do in dubio pro reo?
o A pena foi excessiva?
o Deveria a pena ter sido suspensa na sua execução, com regime de prova?

            2. DO ACÓRDÃO RECORRIDO

            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):

· O arguido A... dedicou-se à venda de heroína e cocaína na zona de Coimbra, desde Fevereiro de 2010 e até ao momento em que foi detido (10 de Maio de 2010), actividade que desenvolveu em colaboração dos arguidos E...., F..., H..., G…, J... e K....
· O arguido E... vivia em união de facto com F... e o  K... com J..., sendo essencialmente com os arguidos G… e K...que o arguido A...efectuava os contactos.
· O arguido A.... procedia à entrega de produtos estupefacientes aos referidos arguidos, que os guardavam, e, por sua vez, os vendiam aos consumidores, fazendo depois contas dessas vendas com o arguido A....  
· Nesse contexto e neste período o arguido A...era contactado e contactava telefonicamente estes arguidos, conversações alusivas à aquisição de produtos estupefacientes, preços, locais de encontro, informação acerca das vendas por estes efectuadas, conversas mantidas em código, dissimuladas, por forma a serem de difícil percepção na eventualidade de estarem a ser escutadas pela polícia.
· O arguido A..., no referido período de tempo também recebia chamadas de indivíduos consumidores, acertando preços, quantidades, locais de encontro, tipo de produto estupefaciente com a menção “dia”/”noite”; “copo de leite”, “um saco de café”, “quero só de noite”, “estou aqui a fazer uns CD´s porreiros”.
· No dia 24 de Fevereiro de 2010, entre as 10h00 e as 12h00, no ..., em Coimbra, nas imediações do Gabinete de Apoio a Toxicodependentes, os arguidos E.... e a sua companheira, F..., venderam porções de produto estupefaciente a vários consumidores que ali se lhes dirigiam.
· À arguida J...foi apreendido 2,302 gr de cocaína (12 pacotes), sendo 1,971 gr o seu peso liquido e 1,333 a tara; 3,336 gr de heroína (14 pacotes), sendo 1,971 gr o seu peso liquido e 1,333 gr a sua tara; 0,880 gr de haxixe, sendo 0,865 gr o seu peso líquido e 85 euros.
· Tais porções de produto estupefaciente encontravam-se no casaco que a arguida vestia, à excepção do Haxixe que se encontrava num bolso das calças, onde a arguida J...guardava também a quantia de 85 euros, proveniente de vendas que anteriormente realizara.
· Ao arguido G... foi apreendido um panfleto com o peso líquido de 0,132 gr e tara de 0,090gr de tara de cocaína, um telemóvel Nokia com um cartão da Vodafone com o número 911797930, um cartão de suporte de telemóvel da Vodafone com a inscrição número 800914905373 e um cartão SIM da Vodafone com o número 700907647350. Cfr. exame LPC de fls1335.
· Na residência da arguida G…, sita na Rua …, foram apreendidos: na sala, dois pacotes de plástico com as pontas galvanizadas, como os habitualmente utilizados para acondicionar estupefaciente, no quarto da arguida um mealheiro contendo 149,40 Euros e, no armário do corredor, o BI e o cartão fiscal titulados por ….
· Na sequência de diligências de investigação efectuadas pela PJ e das conversas mantidas pelos arguidos apurou-se que no dia 10 de Maio de 2010 o arguido A...se iria deslocar, na companhia do D... - a Vialonga, para participar num negócio relacionado com uma transacção de produto estupefaciente.
· No regresso a PJ de Coimbra, que seguia de perto a viagem, abordou a viatura onde seguiam os arguidos A...e D... e, na posse do A...foi encontrada e apreendida a quantia de 745,00 Euros em notas do BCE e um telemóvel contendo o cartão SIM correspondente a um dos números interceptados, o número 932 829 682 a que corresponde o Alvo 43130M.
· Foram igualmente apreendidos ao arguido os documentos de fls.800 com os números de telemóvel dos arguidos bem como outros números de telefone.
· No dia 11 de Maio de 2010, pelas 2h30, na Rua  …Coimbra, foi apreendido ao arguido H... um pó de cor esbranquiçada, acondicionado num saco de plástico, que se encontrava na casa de banho, o qual revelou ser piracetam, na quantidade de 7,460gr, produto que é utilizado como substancia de corte.
· Foi-lhe também apreendida na sua residência, duas balanças de precisão, com 0,1 a 500 gr., um recorde de plástico transparente e uma caixa de comprimidos “Noostan-Piracetan”, produto fármaco habitualmente associado como substância de “corte” de produtos estupefacientes.
· O arguido tinha também na sua posse uma espingarda caçadeira, de tiro a tiro, de canos justapostos basculantes, calibre 16 (para cartucho de caça), de marca modelo e origem não referenciáveis, sem número de série visível, apresentando nos canos as inscrições “99 S. B. C.M.P”, indocumentada e um telemóvel através do qual o arguido contactava ou era contactado pelos consumidores. 
· Ao arguido H... foi igualmente apreendida a quantia de cem euros em notas do BCE dinheiro obtido com a venda de estupefaciente por conta do A....
· Em 10 de Maio de 2010, foram encontrados e apreendidos na residência do arguido G… a quantia de €615,00 em notas do BCE e quatro telemóveis.
· Em 11 de Maio de 2010 foi apreendido na residência dos arguidos K... e J...., no quarto do casal, 6 pacotes de cocaína com o peso líquido de 0,072gr e a tara de 0,192 e 4 pacotes de heroína com o peso liquido de 0,510 gr e a tara de 0,567.
· Igualmente no quarto, sobre a cómoda, foi apreendida uma lata contendo 115 Euros em notas do BCE, dois telemóveis, sendo um Sony Ericson e outro Nokia e ainda um computador portátil da marca HP, Compaq, NX 6125. 
· Em 11 de Maio de 2010 foi apreendido na residência da arguida L... na sala um telemóvel Nokia, modelo 2720, com o número 914843266.
· Em 26 de Maio de 2010 foi apreendido ao arguido B..., no quarto um telemóvel Nokia com o IMEI 359340034426384.
· Durante este período, de Fevereiro a Maio de 2010, os arguidos A..., E..., F..., H..., G…, J... e K... não exerciam qualquer actividade profissional.  O arguido A...também não exercia qualquer actividade profissional.
· As quantias em dinheiro apreendidas aos arguidos F..., A... e H... provêm da actividade de venda de estupefacientes. 
· Os arguidos A..., E..., F..., H..., G..., J... e K... sabiam que não lhes era permitido consumir, deter, transportar, pôr à venda, ceder ou por qualquer forma proporcionar a outrem heroína, cocaína e haxixe, cujas características bem conheciam.
· Estes arguidos com o lucro que obtinham na mencionada actividade faziam face às suas despesas quotidianas, já que não tinham qualquer outra actividade.
· Todos agiram livre e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram e são proibidas e punidas por lei.
· O arguido A..., em 20.01.2010, conduziu por diversas artérias da cidade de Coimbra o veículo Seat azul, de matrícula 95-08-IM, sem que estivesse devidamente habilitado por carta de condução válida.
· No dia 1/02/2010 o arguido A...conduziu por diversas ruas da cidade de Coimbra o veículo Ford Focus, de matrícula …, sem que estivesse devidamente habilitado por carta de condução válida.
· Agiu, o arguido A..., de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que não podia tripular veículos, na via pública, sem se encontrar autorizado por carta de condução válida para esse efeito e que, ciente que o estava a fazer, cometia ilícitos previstos e punidos por lei.
· (…)
· O arguido A..., pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (artº 21º, nº 1 da Lei 15/93), ocorrido em 28.7.1998, foi condenado em 9.6.1999 na pena de quatro anos e 6 meses de prisão, transitada em julgado (processo nº 18/99 do 3º Juízo do Tribunal de Círculo de Coimbra); em 17 de Julho de 2001 foi-lhe concedida liberdade condicional até 28 de Janeiro de 2003;
· E, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (artº 21º, nº 1 e 4 da Lei 15/93), um crime de condução ilegal (artº 3º, nº 2 do DL 15/93) e um crime de detenção ilegal de arma (artº 6, nº 1 da Lei 22/97), praticado em 28.10.2003, foi condenado em 27.10.2004 na pena única de sete anos e sete meses de prisão, transitada em julgado em 28.2.2005; foi concedida liberdade condicional em 18.11.08 (processo Comum Colectivo n.º613/03.9 TACBR, da Vara de Competência Mista – 2.ª secção).
· O arguido, revelando uma completa indiferença pelas condenações anteriores e pelo tempo de prisão que cumpriu, voltou a praticar factos ilícitos, como os descritos.
· (…)
· O arguido A... sofreu ainda as seguintes condenações:
o pela prática do crime de ofensa à integridade física, praticado em 15.9.2004, foi condenado em 6.3.2006 na pena de 90 dias de multa; extinta pelo pagamento;
o pela prática do crime de condução sem habilitação legal, praticado em 18.2.2010, foi condenado em 20.10.2010 na pena de 150 dias de multa, substituídos por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, transitada em 18.2.2010; extinta pelo pagamento.
· (…)
· O arguido K... sofreu as seguintes condenações:
o pela prática do crime de contrafacção, praticado em 10.11.2003, foi condenado em 7.4.2006 na pena de 60 dias de multa, transitada em julgado no dia 2.5.2006; tal pena foi declarada extinta;
o pela prática do crime de usurpação de direitos de autor, praticado em 9.3.2004, foi condenado em 28.2.2007 na pena de 7 meses de prisão suspensa por 1 ano, transitada em julgado em 24.4.2007; tal pena foi declarada extinta;
o pela prática do crime de condução sem habilitação legal, praticado em 19.2.2008, foi condenado em 29.2.2008 na pena de 120 dias de multa, transitada em julgado em 31.3.2008; 
o pela prática do crime de usurpação de direitos de autor, praticado em 9.8.2005, foi condenado em 28.4.2008 na pena de 225 dias de multa, transitada em julgado em 13.6.2008;  tal pena já foi declarada extinta;
o pela prática do crime de condução sem habilitação legal, praticado em 16.4.2008, foi condenado em 5.5.2008 na pena de 175 dias de multa, transitada em julgado em 28.5.2008;  a pena foi declarada extinta pelo pagamento;
o pela prática do crime de furto simples, praticado em 8.9.2007, foi condenado em 2.3.2009 na pena de 80 dias de multa, transitada em julgado em 22.6.2009;   
o pela prática do crime de falsificação de boletins, praticado em 9.7.2007, foi condenado em 9.6.2010 na pena de 450 dias de multa, transitada em julgado em 2.9.2010.
· (…)
· O arguido A... é natural do Brasil e oriundo de uma família de etnia cigana, cujo processo de desenvolvimento decorreu no seio e de acordo com os valores e tradições próprias daquela etnia. Residiu no Brasil até aos 17 anos de idade, altura em que vem para Portugal com o agregado familiar, fixando a família residência na zona de Coimbra.
· Não frequentou a escolaridade obrigatória nem sabe ler, nem escrever. Não adquiriu competências laborais, pelo que a única actividade profissional a que se dedicou, ao longo da sua trajectória de vida, foi a de vendedor ambulante.
· Vive em união de facto desde 2003. Desta relação nasceram dois filhos com 6 e 3 anos de idade. O mais velho encontra-se institucionalizado na “Casa das Criancas”, junto ao Estabelecimento Prisional de Tires, onde a mãe se encontra presa a cumprir pena de prisão. O filho mais novo encontra-se junto da mãe, em ala destinada às mães com crianças menores de 3 anos, no referido EP.
· O arguido reside com um sobrinho de oito de anos, o qual “adoptou” como filho desde os três meses de idade.
· A sua subsistência assenta no Rendimento Social de Inserção (RSI), actualmente no montante de 200€ mensais, beneficiando ainda do apoio do irmão mais velho e da família alargada a residir em Tomar.
· (…)
· O arguido K... é de etnia cigana, e o mais novo de dois filhos de um casal que se dedicava à venda ambulante. Viveu em casa dos pais, em ..., até aos 24 anos, idade com que começou o relacionamento com J... (co-arguida nos autos). Esta não foi aceite pelos pais do arguido, pelo facto de não ser daquela etnia, pelo que decide ir viver em união de facto com a família de origem de J.... (). Em 2009 a sua mãe faleceu (aos 47 anos) e verificou-se uma reaproximação entre o arguido e o progenitor, acompanhando-o ocasionalmente na venda ambulante, por forma a adquirir alguma fonte de rendimento.
· Vive em união de facto, há dois anos, com J... (25 anos, desempregada), integrando o agregado da família de origem desta (os pais, um tio, um irmão e, ocasionalmente, uma das avós, para além do arguido e companheira).
· A família reside num apartamento arrendado (renda social) de tipologia T3 e comporta seis pessoas, que partilham, a dois, os quartos existentes na habitação.
· O espaço apresenta-se organizado e não foram vistos sinais exteriores de riqueza ou ostentação.
· Única receita mensal fixa indicada é o salário da mãe da companheira do arguido (57 anos), no valor de €700, que trabalha das 6h às 20h de segunda a sexta-feira, como empregada de limpeza em casas particulares e por conta de uma empresa desse ramo, denominada “ServeLimpe”.
· K... frequentou curso de formação profissional na área de Práticas Comerciais, com a duração de seis meses (com o “terminus” em 17-12-2010), fomentado pela Câmara Municipal de Coimbra e ministrado pela Associação Cigana, no Bairro .... A sua participação foi referida como empenhada, participativa e organizada, tendo condições pessoais para continuar a ser convocado para futuras formações. Contudo, no meio e rede social envolventes constata-se uma imagem negativa sobre o arguido, imediatamente conotada com os comportamentos ilícitos pelos quais está a ser julgado nos presentes autos. O arguido consome estupefacientes. 
· (…)»

2.2. São estes os FACTOS NÃO PROVADOS (transcrição):

· Que o arguido A...tivesse iniciado a sua actividade de venda de produtos estupefacientes em Janeiro de 2010 e que se tivesse prolongado até Outubro de 2010.
· Que na deslocação efectuada pelo A...em 10 de Maio de 2010 este tencionasse adquirir para si produto estupefaciente.
· Que tivesse sido apreendido ao arguido H... cocaína e heroína na quantidade de 0,072 gr e 0,510 gr.
· Que os arguidos B... ., C..., D..., L..., M..., N..., O... e P... tivessem colaborado com o arguido A... na venda de estupefacientes aos consumidores e guardando objectos relacionados com essa actividade, no período que decorreu desde Janeiro de 2010 até à detenção deste».

2.3. Para formar a sua convicção, argumentou assim o tribunal «a quo» (transcrição):

«Do conjunto das intercepções telefónicas aos arguidos K...e J... percebe-se que se dedicam à actividade de venda de estupefacientes, o que veio a ser corroborado pela apreensão que foi efectuada. Mais do que a actividade de venda de estupefacientes, das conversas telefónicas percebe-se que prestam contas dessa venda ao arguido A.... Acresce que a presença do arguido A...no ... no dia 17.2.2010 (RDE de fls. 242 e ss) é consentânea com a conversa mantida no mesmo dia, em que o arguido K...diz ao A...para mandar “lo corrillo”, que já tem o “dinheiro de cinco dia” (fls. 49 e 50 do Apenso II).
                No contexto das intercepções telefónicas salientam-se as seguintes conversas:
                - 12.2.2010 – a arguida J...diz ao A...para ir +“cá em baixo buscar”, “na rua”, tendo o A...dito que ia mandar o G…;  depois pergunta-lhe quanto é que deu ao “lo corrillo”, tendo esta dito que lhe deu trezentos; mais tarde o arguido A...diz ao K...que “aquilo não tá dinheiro de 10, falta ainda” (fls. 19 e ss do Apenso II);
                - 13.2.2010 – o arguido K...diz ao A...que está na baixa e que “tem estado parado”, “eram mais vendedores que compradores” (fls. 28 e 29 do Apenso II);
                - 14.2.2010 – o arguido K..., que está na baixa,  fala com o A...e pergunta-lhe se consegue arranjar cocaína (“dia”), tendo o A...dito que já passa lá, depois de o repreender por estar a falar para aquele telefone, que está “doido” (fls. 30 e 31 do Apenso II)
                - 16.2.2010 – o A...diz ao arguido K...que lhe consegue arranjar cocaína (“dia”), mas que precisa do dinheiro, porque “isto tá mal” (fls. 40 do Apenso II);
                - 17.2.2010 – o arguido K...diz ao A...para mandar “lo corrillo”, que já tem o “dinheiro de cinco dia” (fls. 49 e 50 do Apenso II). Neste dia  (RDE de fls. 242 e ss) o arguido A...e G...foram visualizados no ... após a mencionada chamada telefónica. 
                - 19.2.2010 – o arguido A...diz à J...que quer ir apanhar os “pernons” que há quando o K...chegar a casa; mais tarde o K...liga ao arguido A...para lhe dizer que “lo corrillo vem agora aqui ter comigo, vou-te dar 160… depois mais logo pode ser que te dê mais” (fls. 51 a 54 do Apenso II);
                - 23.2.2010 – o arguido A...diz ao K...que “tinha pouco daquilo… para fazer o teu dinheiro”  (fls. 72 do Apenso II);
                - 24.2.2010 – o arguido K...diz ao A...que “é melhor esperares por amanhã”, porque “tenho pouco”…”eu tava a pensar, pronto, aquilo que fizesse das duas…arranjar 70, 80 ou 90…”  (fls. 79 e 80 do Apenso II);
                 - 25.2.2010 – o arguido K...diz ao A...que “tenho quatro noventa” e que “precisava  que já não tenho quase nada daquilo” , tendo o arguido A...combinado ir beber um café com o K...(fls. 80 e 81 do Apenso II);
                - 26.2.2010 – o arguido K...diz ao A...que “vou-te dar entre 80 e 90”, tendo-lhe perguntado se lhe conseguia arranjar “dia”, tendo o A...dito que conseguia, que era a única coisa que tinha ali, “cinco contos” (fls. 87 e 88 do Apenso II);
                - 28.2.2010 – o arguido A...diz ao K...que “precisava de pernons pra ir buscar aí de “dia”, “20, 30 contos. Faz falta. O que for”, tendo o K...dito que só tinha 10 contos, mas que já lhe ligava (fls. 93 e 94 do Apenso II);
                - 1.3.2010 – o arguido A...recebe uma chamada de um indivíduo que diz querer estar consigo e que lhe pergunta se não tens ninguém lá em baixo, tendo-lhe o arguido A...respondido para ir ao K..., que era a mesma coisa (fls. 99 e 100 do Apenso II);
                - 5.3.2010 – o arguido A...que fala com o G... que lhe disse que recebeu 150 do “outro”, tendo a PJ concluído que era do K...(fls. 167 do Apenso II);
                - 6.3.2010 – o arguido A...que fala com o K...que lhe diz que tem 4 ou 5 contos, tendo o A...dito que lhe trazia alguma coisa  (fls. 142 do Apenso II);
                - 16.3.2010 – o arguido A...que fala com um indivíduo de nome …, que le diz que só tem setenta euros, porque “não se vendeu mais nada…isto tem estado tudo deserto”; o arguido A...disse-lhe que lhe tinha dado o prazo máximo de 3 ou 4 dias … que “precisa dos dinheiros atrasados”. O seu interlocutor diz-lhe que este todo do dia “aqui em baixo”, na rua, mas “não vem ninguém”. O A...diz-lhe que o K...“fez o dinheiro de cinco” O A...diz-lhe que o que está em causa é “o antigo. São duzentos contos”  (fls. 283 e 284 do Apenso II);
                - 18.3.2010 – o arguido K...fala com o A..., dizendo-lhe que tem 30 contos e que estava a ver se fazia mais 10… para ver se amanhã te dava o dinheiro todo, tendo o A...dito que preferia que lhe desse tudo amanhã (fls. 267 a 269 do Apenso II).
                Como já referimos o significado destas conversas foi corroborado com a apreensão efectuada na residência dos arguidos K...e J...no dia 11 de Maio de 2010, em face das doses de cocaína e heroína que o casal tinha no seu quarto – auto de busca de fls. 827, testes rápidos de fls. 831 e exame do LPC de fls. 1193. 
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                De modo semelhante, das intercepções telefónicas aos arguidos E... e F... percebe-se que se dedicam à actividade de venda de estupefacientes , o que também foi corroborado pela apreensão que foi efectuada. A actividade de venda de estupefacientes foi confessada pelo arguido E..., admitindo a participação da J...(guardando a droga), mas negando a colaboração com o arguido A....
                Contudo, das conversas telefónicas percebe-se que também estes arguidos prestam contas dessa venda ao arguido A.... O teor das conversas foi corroborado não só pela apreensão que veio a ser efectuada, mas também pela atenção e cuidado que prestam à possível presença da polícia. Assim, no dia 8 de Abril de 2010, pelas 1h54m o arguido A...telefonou ao arguido E... e avisou-o que a PJ estava a vigiar, tendo referido o nome do inspector X... e da possibilidade da sua residência ser alvo de uma busca. Nesse telefonema diz-lhe o arguido F… que “parece-me que os vi aqui à bocado…sim, o X...”, tendo-lhe dito o arguido A...dito que  “…anda o Peugeot  preto e o Megane…” O arguido F… disse-lhe “toma atenção, quando devem comer-te a casinha… toma atenção senão te comem a casa.” e o A...“Não comem não qu´eu não vou deixar.” (fls. 375 e ss do Apenso II). Esta conversa surge na sequência da vigilância da PJ relatada na RDE de fls. 496 e ss, que foi constatada pelos arguidos.
                Nesse mesmo dia à tarde (12h43m) o arguido A...telefonou ao arguido E... e perguntou-lhe como “é que tá?”, tendo o arguido G... respondido “cento e poucos”, ao que o arguido A...lhe perguntou se podia passar lá para “apanhar” o dinheiro (tendo o arguido G... perguntado à arguida J...onde é que estava o dinheiro) (fls. 375 e ss do Apenso II).
                A detenção dos arguidos foi efectuada quando ambos se encontravam a vender estupefacientes no ... no dia 24 de Fevereiro de 2010 (RDE de fls. 537 e ss). Nessa diligência foi observado que a arguida J...entregava o produto estupefaciente ao arguido G... e que este vendia aos consumidores que o abordavam. As fotografias são explícitas a esse respeito (cfr. auto de noticia por flagrante delito – fls. 530 ss).
                A detenção ocorreu pelas 12h desse dia (auto de revista pessoal de fls. 556 e 548, teste rápido de fls. 549 e exame do LPC de fls. 1335). Depois, pelas 13h foi realizada a busca efectuada à casa dos arguidos, tendo-lhe sido apreendidos dois recortes de plástico vazios para acondicionamento de produto estupefaciente (das fotografias de fls. 571 constata-se o pormenor dos sacos de plástico com as pontas galvanizadas, idênticos aos que acondicionavam o produto estupefaciente na posse da arguida quando esta foi sujeita a revista)  – auto de busca de fls. 569 e ss e 621 e ss.
                O horário em que estas diligências tiveram lugar assume relevo à luz das intercepções telefónicas, uma vez que, pelas 13h11m, enquanto decorria a busca à residência dos arguidos G... e H…, o arguido A...faz um telefonema e menciona a “rusga” que está a decorrer, sendo aconselhado a “pôr-se ao fresco”; pelas 13h24m faz um outro telefonema, no qual diz “estou com problemas, aqui, ainda piores! Tão los corrillos no cherdon, tão a fazer rusga à casa dos los corrillos” (fls. 75 a 77 do Apenso II).
                No contexto das intercepções telefónicas salientam-se as seguintes conversas:
                - no dia 7 de Março de 2010 o arguido A...diz a E... que “Isto agora que veio é dois contos mais caro” e “não é da mesma pessoa. É do Espanhol.” (fls. 183 e 184 do Apenso II);
                - no dia 11 de Março de 2010 o arguido A...perguntou ao E... “Lembras-te daquilo que ficou três?... Vais ter que tirar para ti, não tens? Vais ter que tirar para ti, não é? Vai buscar essas três, que o meu compadre …vai aí ter contigo … e entregas-lhe duas“ (fls. 214 e 215 e ss do Apenso II – 17h36m).
                - no dia 14 de Abril de 2010 o arguido A...avisou o E... que ia passar para buscar o dinheiro (“pernon”) (fls. 405 e ss do Apenso II);
                - no dia 27 de Abril de 2010 o arguido G... perguntou ao A...“quantos documentos deixaste cá”, tendo o A...respondido que deixou seis  (fls. 443 e ss do Apenso II).
*
                Quanto ao arguido B…, para além das escutas, que são muito significativas relativamente a actividade de venda e às contas que este arguido prestava ao arguido A..., temos a correspondência entre algumas escutas e as movimentações do arguido A...e B… (fls. 370 do Apenso II e a RDE fls. 486 em 6 de Abril  e de fls. 496 em 7 de Abril). Nesta última foi montado um dispositivo de vigilância nas imediações da residência do arguido H... () Pelas 18h55m chegou o arguido H..., apeado, com um saco azul na mão, cuja dimensão corresponde ao volume de uma balança de precisão (como explicou o inspector X...). Pouco depois, no dia 7 de Abril de 2010, pelas 18 57m o arguido H... disse ao A...que “está tudo tratado” e este arguido perguntou-lhe se comprou os auscultadores, tendo o arguido H... dito que “Só lá havia um tira-teimas” (fls. 372 e 373 do Apenso II). A este respeito vejam-se as declarações prestadas por este arguido, que muito naturalmente explica que tinha as (duas) balanças para se orientar quando ia consumir, para ver se o tinham enganado, que era para “tirar-teimas”. A expressão utilizada por este arguido corresponde àquela que utilizou quando falou ao telefone com o arguido A...(apesar de no decurso das declarações ter dito que o “tira teimas” não era uma balança de precisão.
                Pelas 23h o Ford Mondeo, propriedade do G...aproximou-se da residência do B…, saiu um ocupante e o veículo arrancou. Depois efectuou várias passagens no local a grande velocidade, numa atitude de contra-vigilância, tendo parado junto das viaturas da PJ – abandonou o local e regressou pelas 24h
                Em voz off o arguido A...comentou (pelas  1h53m) “podem fazer o lo corrillo a qualquer hora e eu tou com medo de mandar o lo corrillo tirar aquilo de casa” (fls. 374 apenso II)
                Ora, para além das escutas, corroboradas com algumas deslocações e comportamentos constatados pela PJ nas RDE, a actividade de venda de estupefacientes foi também confirmada na busca efectuada à casa deste arguido no dia 10 de Maio de 2010, pelas 2h20m, onde lhe foi apreendido 7,460 gr de piracetam  (exame de fls. 1193), produto que é utilizado como substancia de corte,  duas balanças de precisão com escla de 0,1 a 500 gr, e um recorte de plástico transparente, examinado a fls. 983.
                No contexto das intercepções telefónicas salientam-se as seguintes conversas:
                - no dia 1 de Março de 2010 o arguido A...contactou o arguido H...  (), fazendo três chamadas entre as 22h26m e as 23h28m. O arguido A...diz-lhe que “vou mandar o meu amigo , aquele ciganito”… ele vai atrás de mim e depois vens à porta levar isso …vens dar-me os sacos, dez … trás 10 estão 15, … ficam só 5 aí contigo. Decorridos cerca de 18 minutos o arguido A...volta a telefonar-lhe e diz-lhe “vem, desce, sai fora e traz-me dois sacos… até já estou mesmo a chegar” (fls. 103 a 107 do Apenso II);
                - no dia 3 de Março de 2010 o arguido A...contactou o arguido H..., através de três telefonemas, com o objectivo de se encontrarem e no último desses telefonemas perguntou-lhe “quanto é que há em dinheiro teu, aí”, tendo o H... respondido que tinha “120” o A...disse-lhe “trás já esse atão para me dares” (fls. 126 a 131 do Apenso II);
                - no dia 6 de Março de 2010 o arguido A...contactou o arguido H..., perguntando-lhe “quanto dinheiro é que tens aí para me emprestar pá?”, tendo-lhe o arguido H... respondido que tinha 100 e combinaram encontrar-se para o H... lhe entregar esse dinheiro; mais tarde o arguido A...pediu-lhe dois (fls. 169 a 131 do Apenso II);
                 - no dia 7 de Março de 2010 o arguido A...disse ao arguido B… que “não havia nada de dia” (fls. 179 do Apenso II);
                - no dia 8 de Março de 2010 o arguido A... discute com  H... relativamente ao número que este tinha em seu poder e diz-lhe para entregar três ao irmão (fls. 197 a 198 do Apenso II); depois de entregar três ao irmão do A...voltam a falar sobre a quantidade que tem o arguido H...;
                - no dia 10 de Março de 2010 o arguido A...mantém uma conversa telefónica com o arguido H..., mencionando este o facto do irmão do A...lá ter passado, que “queria que eu o desenrascasse”, tendo-lhe dado “uma coisa mínima”, deu “uma” dos “sete” que tinha guardado (fls. 245 a 246 do Apenso II);
                - no dia 18 de Março de 2010 o arguido H... disse ao A...que estava na baixa, “que está tudo sem nada, seco”, que “está tudo à espera”, tendo-lhe dito o A...“ajunta um molhe deles e trás aqui para o cemitério Da Conchada”, e que queriam “castana” (fls. 295 e ss do Apenso II);
                - no dia 3 de Abril de 2010 o arguido A...perguntou ao arguido H... se tinha despachado “, tendo-lhe este dito que “tens aqui 140” (fls. 356 e 357 do Apenso II);
                - no dia 5 de Abril de 2010 o arguido A...telefonou para o nº do arguido H... e disse-lhe que precisava de 4 cafés inteiros e um copo de leite  (fls. 340 do Apenso II);
                - no dia 6 de Abril de 2010 o arguido A...disse ao arguido H... que o “barbas” vai-me comprar “quatro litros de leite” e um “saco de café”, tendo-lhe dito o H... que lhe ia levar isso  (fls. 361 e 362 do Apenso II);
                - no dia 6 de Abril de 2010, pelas 23h32m o arguido A...disse telefonou para o nº do arguido H... e disse-lhe para este ir à varanda entregar-lhe um copo de leite inteiro (fls. 370 do Apenso II);
                - no dia 8 de Abril de 2010 o arguido H... disse ao A...que precisava “de um bocadito de café para mim” e o  … disse-lhe para tirar um bocadinho, mas “não tires muito” e “toma atenção aquilo que falas neste telefone que este telefone tá podre” (fls. 382 e 383 do Apenso II);
                - no dia 9 de Abril de 2010 o arguido A...fala com o arguido H... que le diz que vai “para baixo trabalhar” e que tinha tirado um de cada, porque não tinha a medicação (fls. 354 e ss do Apenso II); nesse mesmo dia o arguido A...pergunta-lhe como é que “tá isso” e perguntou-lhe se precisava “das duas”, tendo o H... respondido que precisava de “uma”, de “dia, porque só tinha uma “pequenina”; mais tarde diz-lhe que “tinha 20 de noite” e “cinco de dia”, tendo-lhe o A...perguntado se “já foi tudo”, respondeu-lhe “escura não. Falta ainda alguns. Mas de resto tá limpo…da escura faltam 8”.
                O resultado da busca efectuada à casa deste arguido no dia 10 de Maio de 2010, pelas 2h20m está documentado no auto de busca de fls. 802. Relevou, ainda, o resultado do exame do LPC de fls. 1193 e o exame pericial à arma – fls. 1625 e seg. A este respeito a explicação prestada pelo arguido não colheu (que a arma era do seu avô) e que estava inoperacional, tendo mais de 100 anos. Ainda que apresentasse alguns danos, a arma estava apta a disparar, como o confirma o exame do LPC.
                Este arguido, nas declarações que prestou, negou que tenha prestado colaboração ao arguido A...na venda de produtos estupefacientes, mas não logrou dar qualquer explicação para o teor das conversas que manteve com o mesmo, apresentando-se num estado de total “amnésia” a esse respeito.
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                A convicção do Tribunal relativamente à participação do arguido G...resultou da conjugação da busca à sua residência (efectuada no dia 10.5.2010), com as escutas telefónicas e com as RDE de fls. 486 e 496, em que este arguido conduzia o arguido A.... Foi-lhe apreendida a quantia de 615 euros que se encontrava sobre a mesa e quatro telemóveis, três dos quais referenciados nas intercepções telefónicas por terem sido utilizados para telefonar ao arguido A...(auto de busca e apreensão de fls. 820). Ora, tal quantidade de dinheiro na mesa da sala, quando o modo de vida era modesto (veja-se a este respeito o relatório social, que refere que a família costumava pagar quando recebia o RSI), e sem que o arguido tenha explicado a sua origem, levou a que se considerasse tal dinheiro como sendo proveniente da venda de produtos estupefacientes, já que o teor das escutas assim o indicava. Concluindo, das escutas resulta que era essa a actividade que o arguido G...vinha desenvolvendo, facto que veio a ser corroborado pela existência de tal quantidade de dinheiro na mesa da sala, cuja origem o arguido não explicou.
                No contexto das intercepções telefónicas salientam-se as seguintes conversas:
                - no dia 20.2.2010 o arguido A...pediu ao G...para ir ter com o K...para reaver toda a droga que este ainda tinha na sua posse: “vai-te inteirar c´o K..., faz-me esse favor…ele que te dê o resto, que não mexa, qu´eu apanho o que tem lá, tas a ver, qu´é pra eu trabalhar. Eu tenho que trabalhar.” -  (fls. 55 do Apenso II);
                - no dia 20.2.2010 o arguido A...tem uma conversa com o G...demonstrando a sua preocupação, porque “tem 15 dias pa pagar o dinheiro”, diz-lhe que está em Lisboa, tendo-lhe o G...perguntado se lhe bateram; o A...pediu ajuda ao G...para ir ter com o K...para reaver toda a droga que este ainda tinha na sua posse, dizendo-lhe também que vai ter que “trabalhar” fls. 55 e seg;
                - no dia 22.2.2010 o arguido A...diz ao G...que já fez “cento e tal beus” naquele dia e mais tarde diz que tem “200 contitos e com os 50 contos dele (compadre do G...) eram 250!” (fls. 62 do apenso II);
                 - no dia 23.2.2010 o arguido A...disse ao G...para avisar o seu compadre de que estava a precisar de outro pernon da esbranquiçada -  fls. 70 do Apenso II
                - no dia 25.2.2010 o arguido A...telefonou ao G...e disse-lhe que um rapaz lhe queria comprar 10 coisas daquelas que ele gosta e que o negócio poderia render duzentos ou trezentos contos – adiaram o negócio para o dia seguinte, porque “isto aqui hoje … chega o susto”, disse-lhe o G... -  fls. 83 do Apenso II;
                - no dia 12.3.2010 o arguido A...disse ao G...que lá em baixo já não havia esbranquiçada e para lhe levar um saco -  fls. 227 do Apenso II;
                - no dia 18.3.2010 o arguido A...disse ao G...para ir com o  …para baixo que estava lá uma pessoa …. -  fls. 265 do Apenso II;
                - no dia 31.3.2010 o Fábio telefonou ao G...e encomendou-lhe duas de dia e uma de noite  -  fls. 354 do Apenso II;
                - no dia 1.4.2010 o G...telefonou ao A...a dizer que a mulher do  … queria saber os preços e este disse-lhe que a esbranquiçada era a “quarenta e dois, o que dá vinte e oito contos-  fls. 334 do Apenso II;
                - no dia 6.4.2010 o G...através do telemóvel do A...pediu ao  … para lhe trazer uns pacotes de noite -  fls. 364.
                Salienta-se, ainda, o facto de no dia 6.4.2010 o A...se deslocar na viatura do G...até à residência do  … (RDE de fls. 486 e ss e telefonema de fls. 370), a vigilância efectuada no dia 7.4.2010, quando a viatura do G...anda nas imediações da residência do arguido  …e as manobras de contra vigilância que foram efectuadas (RDE de fls. 496 e ss), tudo situações em que as escutas são corroboradas pelas vigilâncias.
                - no dia 9.4.2010 o  …ligou ao … de uma cabine da praça 8 de Maio a pedir cinco pacotes de esbranquiçada e o A...disse que ia ligar ao G...e que depois passavam por lá -  fls. 384;
                - no dia 16.4.2010 o arguido A...pediu ao  … para dizer ao ... e ... para entregarem o dinheiro dele ao G...: “Vai ter com o ... por causa do meu dinheiro….C´o ... a mesma coisa”  -  fls. 406.
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                A actuação do arguido A...surge como a “contra-face” da actuação dos referidos arguidos, valendo quanto ao arguido A...os meios de prova que se referiram quanto àqueles. Serve isto para referir que a convicção do Tribunal quanto à factualidade que se provou a respeito deste arguido resultou do modo como o teor das conversas telefónicas foi corroborado, nos termos mencionados, quer pelas apreensões e quer pelas deslocações que os arguidos efectuavam, de acordo com o teor das conversas telefónicas (assim lhes conferindo veracidade).
                Salienta-se a deslocação que efectuou ao ... compatível com o teor da conversa que manteve com o arguido K...; o teor dos dois telefonemas que efectuou no dia em que os arguido E... e F... foram detidos, das quais resulta o seu envolvimento nessa detenção, tendo sido aconselhado a colocar-se “ao fresco” (fls. 75 a 77 do Apenso II). O teor dessas conversas tem exacta correspondência nas diligências que a PJ estava a efectuar. Por outro lado, o teor das demais conversações que o arguido A...manteve com o arguido E... RDE mostra-se corroborado com os actos de venda do arguido G... e J... (de fls. 537 e ss) e com a apreensão que veio a ser feita a estes arguidos no dia 24 de Fevereiro   (autos de revista pessoal de fls. 552 e 548 e auto de busca de fls. 569 e ss e 621 e ss).
                As manobras de contra vigilância que o Ford Mondeo vermelho fez (depois de um individuo sair do carro e ir na direcção da casa do arguido Basto) na noite de 7.4.2010 (pelas 23h), no decurso das quais chega a parar junto do veículo da PJ. (RDE de fls. 496 e ss). O arguido A...pouco depois  (pelas 1h54m do dia 8.4.2010) manteve uma conversa telefónica com o arguido E..., em que este o avisou que a PJ estava a vigiar, tendo o arguido A...confirmado saber dessa vigilância e mesmo dos veículos que a PJ estava a utilizar na mesma (fls. 375 e ss do Apenso II). No final dessa conversa o arguido A...perguntou-lhe “o que há de pernon por aí”.
                Por outro lado, a utilização de vários carros e os contactos que o arguido A...foi efectuando estão plasmadas nas várias RDE: fls. 20 e ss, 40 e ss e 50 e ss, em 20.1.2010, 21.1.2010 e 26.1.2010 (quando o arguido ainda vivia na Rua Dr. Joaquim Moura Relvas, nº 121, no Tovim do Meio).
                Se bem que o arguido A...não ostente um nível de vida elevado, o seu desafogo financeiro reflectiu-se na quantidade de veículos que teve registados em seu nome, tendo no mesmo período de tempo procedido ao aluguer de uma viatura. Em 21 de Janeiro de 2010 o arguido A...tinha registado em seu nome um BMW 316 do ano de 1991, com matrícula  …(propriedade registada em 27.1.2009), um Seat Alhambra do ano 1997, com matrícula  …(propriedade registada em 29.12.2009), um Fiat Punto do ano 1998, com matrícula  …(propriedade registada em 10.2.2009), uma Honda CM 125 Alhambra do ano 1992, com  matrícula  … (propriedade registada em 8.9.2009) – fls. 18 e 19.
                Acresce que também utilizou o veículo Hyundai Scoupe, com matrícula  … (RDE de fls. 40 e 50 – 21 e 26-1-2010, cuja propriedade não se encontrava registada em seu nome, mas que era o arguido A...o tomador do seguro)  e o Ford Focus com matrícula … , que o arguido A...tinha alugado na Hertz (fls. 67 e 70 e seg.).
                A necessidade que o arguido tinha de ter um (ou mais) veículos automóveis, quando nem licença possuía não foi explicada cabalmente pelo mesmo. A este respeito o arguido entendeu por bem referir que os registava em seu nome no período de tempo em que diligenciava pela sua venda. 
                Ainda através de várias das escutas percebe-se que o arguido A...é contactado por indivíduos que pretendem adquirir heroína ou cocaína: “desenrasca-me 20 euros se puderes” (fls. 5), “não consegues arranjar um cdzito?” (fls. 8), “três, quatro se puderes” (fls. 13); “tem de dia?” (fls. 25), “mandas dinheiro pró café. Pode ser?” (fls. 189), “... um Kuarto d polen por uma d dia ou 50 e ax. Fujo” (fls. 203), “Ó ... não me faças mais estas coisas, pá…isto não tinha o que eu, o que eu tava-te a dizer, atao, vê-se bem….ao olho que foi uma ao todo. Tão meia em cada uma..:” (fls. 218). Percebe-se, ainda, que o arguido A...contacta com alguém a quem tem que pagar (fls. 164), dizendo-lhe o A...que “aquilo está atrasado e o que há à mão é muito pouco, mas que se for preciso manda o lo corrillo dentre do comboio para lhe levar”.
                A preocupação com a actuação da polícia é também evidente num contacto telefónico que o A...efectua em 2 de Março (fls. 117 do Apenso II), onde este arguido comenta uma detenção efectuada pela polícia e o facto de ter ficado sem dinheiro (“os paílhos levaram-no logo…foi há dez minutos, um quarto de hora… o paílhos andam doidos … o produto era ao molho pá, era um saco…. Toma atenção meu, … nem dinheiro…”). Das diligências efectuadas pela PJ constataram que a PSP tinha detido O... com produto estupefaciente.
                Na busca efectuada à sua residência (auto de busca e apreensão de fls. 798 ss), para além de três telemóveis, foi apreendido um rolo de sacos transparentes, encontrando-se um deles recortado.
                Sobre o teor das escutas o arguido A..., que pretendeu prestar declarações sobre os veículos que tinha registados em seu nome e sobre o destino do dinheiro que lhe foi apreendido, negou-se a falar e mesmo a ser questionado sobre as mesmas. A falta de consistência das explicações que prestou foi também evidente. Para além do que já referimos a propósito dos veículos, afirmou que andava sempre com aquela quantidade de dinheiro consigo, que se destinava ao pagamento do funeral da sua mãe, que tinha falecido há cerca de 3 meses (!). Essa explicação, de tão irrazoável, mostra-se de todo inverosímil, principalmente se avaliarmos a deslocação do arguido A...a Lisboa à luz das escutas que a antecederam. Apesar de se desconhecer a razão pela qual o arguido A...não chegou a concretizar uma aquisição de produto estupefaciente, certo é que a deslocação tinha com objectivo uma possível transacção com o individuo que o acompanhava (que não se terá confirmado, face à inexistência de qualquer apreensão no regresso a Coimbra).
                O arguido A..., por outro lado, reconheceu que conduziu sem carta de condução, sabendo que necessitava da mesma para esse efeito, situação que se encontra documentada na RDE de fls. 18 e ss e de fls. 60 e ss.
*
                Quanto aos demais arguidos não se produziu prova da sua participação na venda de estupefaciente. E, muito embora quanto a alguns dos arguidos se tivessem registado conversas telefónicas com o arguido A..., que indiciavam o seu envolvimento em actos de tráfico, tal actuação não veio a ser confirmada com outras provas, que nos permitisse corroborar o teor das escutas.
                Salienta-se que, quanto ao arguido C... não foi feita prova de que este arguido tivesse solicitado ao O... para lhe guardar um volume com cerca de 100 gr. de Cocaína e uma balança de precisão, a troco da entrega de produto estupefaciente destinada ao consumo do O....
                Quanto ao arguido D...  não se provou o grau de participação na actividade de tráfico desenvolvida pelo arguido A.... Este arguido apenas acompanhou o arguido A...a Lisboa. Muito embora das conversas telefónicas mantidas pelo arguido A...se perceba que essa deslocação estava relacionada com a aquisição de produto estupefaciente e mesmo que a pessoa que o acompanharia também teria  essa finalidade, no que respeita a este arguido apenas temos que foi visualizada a sua saída desta cidade num carro, acompanhando o arguido A...e que depois aqui regressou, nada mais.
                Quanto ao arguido M...Costa a conversa telefónica de 9.5.2010 (fls. 458 do Apenso II), por si só não conduz à prova da factualidade constante da acusação. O mesmo se dirá quanto ao arguido B...  (intercepções telefónicas de fls. 193, 415, 417 e 435), L... e ….
                Por sua vez, também quanto à arguida P...Sá o que foi visualizado na RDE de fls. 299, em 24 de Fevereiro de 2010, (prática de actos compatíveis com a venda de estupefacientes), sem que lhe tenha sido apreendida qualquer substância, nem dispondo de qualquer outro meio de prova ou de obtenção das mesmas, não conduziu com a segurança necessária à prova da factualidade que consta da acusação.
                Salienta-se que o tipo de diligências efectuadas pela PJ, a concretização do que foi visualizado e as apreensões e detenções foram mencionadas pelos inspectores inquiridos e que nelas participaram () que referiram ausência de qualquer tipo de actividade profissional por parte destes arguidos (razão pela qual se deu como provado que a proveniência ilícita do dinheiro que lhes foi apreendido, não obstante o arguido H... ter dito que tinha recebido o RSI 15 dias antes de ser detido, facto esse que não foi comprovado nos autos). Estas testemunhas mencionaram também o nome como era conhecido o arguido A..., por ..., nome esse que foi sempre utilizado nas conversas telefónicas. 
                A situação pessoal dos arguidos está relatada nos relatórios sociais que foram elaborados, sendo que quanto ao arguido N... se valorou igualmente o depoimento das testemunhas por si indicadas, que revelaram ter conhecimento directo de  tais factos, tendo melhor concretizado o que já se encontrava mencionado no relatório social. Valorou-se quanto a este arguido ainda as declarações e recibos de vencimento (fls. 2132 a 2136).
                Por último, os antecedentes criminais destes arguidos (ou a ausência dos mesmos) estão documentados nos autos nos respectivos CRC».

            3. APRECIAÇÃO DOS RECURSOS

3.1. RECURSO A
           
3.1.1. Invoca o arguido A..., no RECURSO A, que foi cometida uma nulidade de sentença, pelo facto de não ter sido devidamente cumprido o n.º 2 do artigo 374º do CPP (exame crítico das provas).
Entende o recorrente que não foi feito o exigível exame crítico das provas que possa justificar a sua condenação criminal, a qual rotula de arbitrária e exclusivamente assente nas intercepções telefónicas.
QUID IURIS?
            Sabemos que o artigo 374º/2 do CPP exige que depois da enumeração dos factos provados e não provados, se faça na sentença uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos de facto que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para criar a convicção do tribunal.
O dever de fundamentação[2] das decisões judiciais é uma realidade, ainda que com contornos variados, imanente a todos os sistemas de justiça que nos são próximos, mesmo que sejam detectáveis variáveis do grau de exigência em função das matérias em causa, do tipo de decisão ou da tradição histórica e cultural de cada povo.
Afirmando-se progressivamente como verdadeira conquista civilizacional a partir da Revolução Francesa, o dever de fundamentação das decisões judiciais constitui, nos modernos Estados de Direito, um dos pressupostos do chamado “processo equitativo” a que aludem o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem ([3]), o artigo 7º da Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e, por exemplo, o artigo 20º nº 4 da Constituição da República Portuguesa.
Dispõe a Constituição, no nº 1 do artigo 205º, que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei". Este texto, resultante da Revisão Constitucional de 1997, veio substituir o nº 1 do artigo 208º, que determinava que "as decisões dos tribunais são fundamentadas nos casos e nos termos previstos na lei". A Constituição revista deixa perceber uma intenção de alargamento do âmbito da obrigação constitucionalmente imposta de fundamentação das decisões judiciais, que passa a ser uma obrigação verdadeiramente geral, comum a todas as decisões que não sejam de mero expediente, e de intensificação do respectivo conteúdo, já que as decisões deixam de ser fundamentadas "nos termos previstos na lei" para o serem "na forma prevista na lei".
A alteração inculca, manifestamente, uma menor margem de liberdade legislativa na conformação concreta do dever de fundamentação.
Como refere ... Pereira ([4]) a fundamentação jurídica das decisões pode ser analisada em três níveis. “O primeiro respeita à própria escolha das normas aplicáveis, segundo a regra da conveniência, regra essa que constitui o primeiro passo no sentido de garantir que a decisão judicial será uma decisão justa. O segundo refere-se à demonstração da própria legalidade lógica (ou lógico-valorativa) do silogismo judicial (subsunção). O terceiro envolve a demonstração da justiça da solução encontrada, garantindo, nomeadamente, que é feita uma interpretação normativa de acordo com as normas e princípios constitucionais ou, no caso de tal não ser possível, recusando a aplicação de normas infra constitucionais que lograram passar pelo crivo da regra da conveniência”.
A sentença é, por definição, a decisão vocacionada para a solução definitiva do problema concreto que foi colocado ao Tribunal.
Como tal, porque representa a definição do direito do caso concreto deve ser, um “documento de fácil leitura, simples, claro, logicamente ordenado, enxuto e esgotante”.
A sentença penal começa por um relatório que mais não é do que, como ensinava o Prof. Alberto dos Reis relativamente à sentença cível, um “resumo simples e lúcido da questão, elaborado de modo a que, quem o leia, apreenda sem esforço os termos essenciais da controvérsia”.
Adaptando tal ensinamento ao processo penal importa então identificar o objecto do processo, a parte acusadora, o arguido e o crime que lhe é imputado e fazer um breve resumo da contestação contendo a posição do arguido sobre os factos.
Seguem-se já no contexto dos fundamentos, a descrição dos factos provados (e não provados), a qual, para ser facilmente compreensível, deve obedecer à lógica própria de quem descreve um episódio concreto da vida real.
Em apoio dos factos considerados provados deve então a sentença passar a expressar a justificação da respectiva decisão, isto é, fazer a análise crítica da prova produzida, esclarecer quais os meios de prova que conduziram à convicção anteriormente enunciada.
Sem pretender ser exaustivo, a motivação da convicção do juiz no âmbito da análise crítica da prova implica que o Tribunal indique expressamente:
· quais os factos provados que cada testemunha revelou conhecer;
· quais os elementos que dos mesmos depoimentos permitem inferir a interpretação e conclusão a que o tribunal chegou;
· quais as razões que o levam a valorar determinado meio de prova em detrimento de outro ou outros meios de prova com ele contraditório;
· quais as razões porque não foi dada relevância a determinada prova ou meio de prova;
· quais as razões porque julgou relevantes, ou irrelevantes, certas conclusões dos peritos ou achou satisfatória a prova resultante de documentos particulares, ou retirou certas conclusões da inspecção ao local, etc.
Finalmente, segue-se o enquadramento jurídico-penal da matéria de facto apurada na qual o juiz vai analisar todos os factos apurados em ordem a concluir se o arguido cometeu ou não o crime de que vem acusado, se existem causas de exclusão da ilicitude da conduta ou da culpa do mesmo.
E é este o momento que, por vezes, alguns juízes aproveitam para tecer largas considerações sobre os tipos legais de crime em análise, ou sobre os institutos regulamentados na parte geral do Código Penal, nem sempre, adiante-se, com muito a propósito.
Também aqui colhe o ensinamento do Prof. Alberto dos Reis: na sentença o juiz não deve dizer nem mais nem menos do que é preciso, em especial no que se refere à argumentação de carácter jurídico em que assenta a decisão, sob pena de, como escrevia o Prof. Alberto dos Reis a sentença se tornar num “estendal pretensioso de doutrina e opiniões alheias” e instrumento de “alarde pomposo e inteiramente desnecessário, de erudição fácil”.
Tendo concluído que o arguido praticou um facto punível seguir-se-á na sentença a escolha e a determinação da medida concreta da pena.
            Vejamos o nosso caso concreto e analisemos a forma como fez o tribunal recorrido esse exame crítico das provas quanto à imputação criminosa ao arguido A....
            Ouçamo-la na parte atinente:
«Do conjunto das intercepções telefónicas aos arguidos K...e J... percebe-se que se dedicam à actividade de venda de estupefacientes, o que veio a ser corroborado pela apreensão que foi efectuada. Mais do que a actividade de venda de estupefacientes, das conversas telefónicas percebe-se que prestam contas dessa venda ao arguido A.... Acresce que a presença do arguido A...no ... no dia 17.2.2010 (RDE de fls. 242 e ss) é consentânea com a conversa mantida no mesmo dia, em que o arguido K...diz ao A...para mandar “lo corrillo”, que já tem o “dinheiro de cinco dia” (fls. 49 e 50 do Apenso II)».
Após, enumera exaustivamente o teor das conversas telefónicas visadas e incriminatórias.
E escreve mais à frente:
«A actuação do arguido A...surge como a “contra-face” da actuação dos referidos arguidos, valendo quanto ao arguido A...os meios de prova que se referiram quanto àqueles. Serve isto para referir que a convicção do Tribunal quanto à factualidade que se provou a respeito deste arguido resultou do modo como o teor das conversas telefónicas foi corroborado, nos termos mencionados, quer pelas apreensões e quer pelas deslocações que os arguidos efectuavam, de acordo com o teor das conversas telefónicas (assim lhes conferindo veracidade).
            Salienta-se a deslocação que efectuou ao ... compatível com o teor da conversa que manteve com o arguido K...; o teor dos dois telefonemas que efectuou no dia em que os arguido E... e F... foram detidos, das quais resulta o seu envolvimento nessa detenção, tendo sido aconselhado a colocar-se “ao fresco” (fls. 75 a 77 do Apenso II). O teor dessas conversas tem exacta correspondência nas diligências que a PJ estava a efectuar. Por outro lado, o teor das demais conversações que o arguido A...manteve com o arguido E... RDE mostra-se corroborado com os actos de venda do arguido G... e J...(de fls. 537 e ss) e com a apreensão que veio a ser feita a estes arguidos no dia 24 de Fevereiro  (autos de revista pessoal de fls. 552 e 548 e auto de busca de fls. 569 e ss e 621 e ss).
            As manobras de contra vigilância que o Ford Mondeo vermelho fez (depois de um individuo sair do carro e ir na direcção da casa do arguido…) na noite de 7.4.2010 (pelas 23h), no decurso das quais chega a parar junto do veículo da PJ. (RDE de fls. 496 e ss). O arguido A...pouco depois (pelas 1h54m do dia 8.4.2010) manteve uma conversa telefónica com o arguido E..., em que este o avisou que a PJ estava a vigiar, tendo o arguido A...confirmado saber dessa vigilância e mesmo dos veículos que a PJ estava a utilizar na mesma (fls. 375 e ss do Apenso II). No final dessa conversa o arguido A...perguntou-lhe “o que há de pernon por aí”.
            Por outro lado, a utilização de vários carros e os contactos que o arguido A...foi efectuando estão plasmadas nas várias RDE: fls. 20 e ss, 40 e ss e 50 e ss, em 20.1.2010, 21.1.2010 e 26.1.2010 (quando o arguido ainda vivia na Rua …).
            Se bem que o arguido A...não ostente um nível de vida elevado, o seu desafogo financeiro reflectiu-se na quantidade de veículos que teve registados em seu nome, tendo no mesmo período de tempo procedido ao aluguer de uma viatura.     
            A necessidade que o arguido tinha de ter um (ou mais) veículos automóveis, quando nem licença possuía não foi explicada cabalmente pelo mesmo. A este respeito o arguido entendeu por bem referir que os registava em seu nome no período de tempo em que diligenciava pela sua venda. 
            Ainda através de várias das escutas percebe-se que o arguido A...é contactado por indivíduos que pretendem adquirir heroína ou cocaína: “desenrasca-me 20 euros se puderes” (fls. 5), “não consegues arranjar um cdzito?” (fls. 8), “três, quatro se puderes” (fls. 13); “tem de dia?” (fls. 25), “mandas dinheiro pró café. Pode ser?” (fls. 189), “... um Kuarto d polen por uma d dia ou 50 e ax. Fujo” (fls. 203), “Ó ... não me faças mais estas coisas, pá…isto não tinha o que eu, o que eu tava-te a dizer, atao, vê-se bem….ao olho que foi uma ao todo. Tão meia em cada uma..:” (fls. 218). Percebe-se, ainda, que o arguido A...contacta com alguém a quem tem que pagar (fls. 164), dizendo-lhe o A...que “aquilo está atrasado e o que há à mão é muito pouco, mas que se for preciso manda o lo corrillo dentre do comboio para lhe levar”.
            A preocupação com a actuação da polícia é também evidente num contacto telefónico que o A...efectua em 2 de Março (fls. 117 do Apenso II), onde este arguido comenta uma detenção efectuada pela polícia e o facto de ter ficado sem dinheiro (“os paílhos levaram-no logo…foi há dez minutos, um quarto de hora… o paílhos andam doidos … o produto era ao molho pá, era um saco…. Toma atenção meu, … nem dinheiro…”). Das diligências efectuadas pela PJ constataram que a PSP tinha detido O... com produto estupefaciente.
            Na busca efectuada à sua residência (auto de busca e apreensão de fls. 798 ss), para além de três telemóveis, foi apreendido um rolo de sacos transparentes, encontrando-se um deles recortado.
            Sobre o teor das escutas o arguido A..., que pretendeu prestar declarações sobre os veículos que tinha registados em seu nome e sobre o destino do dinheiro que lhe foi apreendido, negou-se a falar e mesmo a ser questionado sobre as mesmas.
A falta de consistência das explicações que prestou foi também evidente. Para além do que já referimos a propósito dos veículos, afirmou que andava sempre com aquela quantidade de dinheiro consigo, que se destinava ao pagamento do funeral da sua mãe, que tinha falecido há cerca de 3 meses (!). Essa explicação, de tão irrazoável, mostra-se de todo inverosímil, principalmente se avaliarmos a deslocação do arguido A...a Lisboa à luz das escutas que a antecederam. Apesar de se desconhecer a razão pela qual o arguido A...não chegou a concretizar uma aquisição de produto estupefaciente, certo é que a deslocação tinha com objectivo uma possível transacção com o indivíduo que o acompanhava (que não se terá confirmado, face à inexistência de qualquer apreensão no regresso a Coimbra)».

Aqui chegados, diríamos que o tribunal fez aqui um exame rigoroso e crítico das provas, EXPLICANDO a conclusão a que chegou, depois de ponderadas as provas carreadas para os autos.
Sabemos que o dever de fundamentação de uma sentença não é compatível com a mera enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, sem a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal.
Ouçamos, a este propósito o expressivo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 680/98 de 2/12/1998:
«A verdade, porém, é que, estando em causa um elemento da sentença que releva para efeitos da respectiva validade, deve avaliar-se da conformidade constitucional da norma em apreciação à luz do texto constitucional vigente à data da prolação do acórdão. Diga-se porém, desde já, que a alteração do texto constitucional é, neste caso, irrelevante, pois sempre se chegaria à mesma conclusão.
É certo que a Constituição não determina, ela própria, o alcance do dever de fundamentar as decisões judiciais, remetendo para a lei a definição do respectivo âmbito. Certo é também, igualmente, que o legislador, ao concretizar a liberdade de conformação que a Constituição lhe confere, não a pode reduzir de tal forma que, na prática, venha a inutilizar o princípio da fundamentação.
Como se escreveu no acórdão nº 310/94 deste Tribunal (Diário da República, II, de 29 de Agosto de 1994), ficou "devolvido ao legislador, em último termo, o seu ‘preenchimento’, isto é, a delimitação do seu âmbito e extensão. Com efeito, o legislador constituinte consagrou o dever de fundamentação das decisões judiciais – fê-lo na revisão constitucional de 1982 –, em termos prudentes, evitando correr o risco de estabelecer uma exigência de fundamentação demasiado extensa e, por isso, inapropriada e excessiva. Daí o ter-se limitado a consagrar o aludido princípio ‘em termos genéricos’, deixando a sua concretização ao legislador ordinário.
Isso não significa, tal como se vincou nos arestos citados deste Tribunal (cfr. ponto 8. do acórdão citado), que assiste ao legislador ordinário uma liberdade constitutiva total e absoluta para delimitar o âmbito da obrigatoriedade de fundamentação das decisões dos tribunais, em termos de esvaziar de conteúdo a imposição constitucional.
Do princípio consagrado no artigo 208º, nº 1, da Constituição, enquanto garantia integrante do próprio conceito de Estado de direito democrático (artigo 2º), há-de decorrer para o legislador, pelo menos, a obrigação de prever a fundamentação das ‘decisões judiciais que tenham por objecto a solução da causa em juízo, como instrumento de ponderação e legitimidade da própria decisão judicial e de garantia do direito ao recurso’ (cf. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, Coimbra Editora, 1993, pp. 798-799). De qualquer modo, os limites a tal liberdade constitutiva do legislador (ou ‘discricionaridade’ legislativa) hão-de ser muito largos e respeitar a um núcleo essencial mínimo de decisões judiciais. De outro modo, na verdade, ‘subverter-se-á o próprio sentido da cláusula constitucional (que é intencionalmente o de uma ‘incumbência’ ao legislador) e o seu citado propósito cautelar" (...).
Ora, tal como se afirma no mesmo acórdão 310/94, a determinação do alcance que o legislador ordinário há-de conferir à obrigação de fundamentar as decisões judiciais obriga a indagar quais as funções desempenhadas pela fundamentação, tendo em conta que, diferentemente do caso ali em análise, nos encontramos perante uma decisão condenatória proferida em processo penal.
Assim, desde logo, a fundamentação de uma sentença contribui para a sua eficácia, já que esta depende da persuasão dos respectivos destinatários e da comunidade jurídica em geral. Escreve EDUARDO CORREIA: "só assim racionalizada, motivada, a decisão judicial realiza aquela altíssima função de procurar, ao menos, 'convencer' as partes e a sociedade da sua justiça, função que em matéria penal a própria designação do condenado por 'convencido' sugere" (Parecer da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra sobre o artigo 653º do Projecto, em 1ª Revisão Ministerial, de alteração do Código de Processo Civil, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. XXXVII (1961), pág. 184).
A fundamentação permite, ainda, quer pelas próprias partes, quer, o que é de realçar, pelos tribunais de recurso (v. MICHELE TARUFFO, Note sulla garanzia costituzionale della motivazione in Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LV (1979), págs. 31-32), fazer, como escreve MARQUES FERREIRA, "intraprocessualmente, o reexame do processo lógico ou racional que lhe subjaz, pela via do recurso (...)" ("Meios de prova, in Jornadas de Direito Processual Penal - o novo Código de Processo Penal, Coimbra, 1992, pág. 230).
Mais importante, todavia, é a circunstância de a obrigação de fundamentar as decisões judiciais constituir um verdadeiro factor de legitimação do poder jurisdicional, contribuindo para a congruência entre o exercício desse poder e a base sobre a qual repousa: o dever de dizer o direito no caso concreto (iuris dicere). E, nessa medida, é garantia de respeito pelos princípios da legalidade, da independência do juiz e da imparcialidade das suas decisões (v. MICHELE TARUFFO, op. cit., págs. 34-35, que escreve: "a garantia constitucional do dever de fundamentação ocupa um lugar central no sistema de valores nos quais deve inspirar-se a administração da justiça no Estado democrático moderno").
É indiscutível que "o princípio da motivação das decisões judiciais constitui uma das garantias fundamentais do cidadão no Estado de Direito e no Estado Social de Direito contra o arbítrio do poder judiciário", v. PESSOA VAZ, Direito Processual Civil - do antigo ao novo Código, Coimbra, 1998, pág. 211.
(…)
Não sendo naturalmente uniformes as exigências constitucionais de fundamentação relativamente a todo o tipo de decisões judiciais, como já se referiu, algumas destas hão-de ser objecto de um dever de fundamentar de especial intensidade. Entre elas, facilmente se convirá estarem as decisões finais em matéria penal, mormente as condenatórias, na primeira linha.
Atentos os fundamentos encontrados para o dever de fundamentação, é inelutável que abrange a decisão em matéria de facto e a decisão em matéria de direito. Ora a fundamentação das sentenças penais – especialmente das sentenças condenatórias, pela repercussão que podem ter na esfera dos direitos, liberdades e garantias das pessoas – deve ser susceptível de revelar os motivos que levaram a dar como provados certos factos e não outros, sobretudo tendo em conta que o princípio geral em matéria de avaliação das provas é o da sua livre apreciação pelo julgador, devendo também indicar as razões de direito que conduziram à decisão concretamente proferida. Afigura-se ser este o núcleo central da exigência constitucional de fundamentação das decisões judiciais.
Vistas as coisas a esta luz, parece impossível compatibilizar o nº 2 do artigo 374º do Código de Processo Penal de 1987, na interpretação adoptada pelo Tribunal recorrido quanto à fundamentação da decisão em matéria de facto, com as exigências constitucionais de fundamentação decorrentes da Constituição.
Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça interpretou e aplicou a referida disposição do Código de Processo Penal no sentido de a fundamentação das decisões em matéria de facto se bastar com a "simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância", acrescentando, com citação de decisões anteriores do mesmo Tribunal, que "só a ausência total, na sentença, da referência às provas que constituíram a fonte da convicção do tribunal constitui violação do artigo 374º, nº 2, do CPP, o que acarreta a nulidade da decisão por força do artigo 379º do mesmo Código".
Tal interpretação é coerente com o entendimento, também adoptado no acórdão recorrido, de que a função da fundamentação neste âmbito reside tão-só em possibilitar "o controle da legalidade dos meios de prova produzidos em audiência", mas contradiz as bases em que assenta teleologicamente o dever constitucional de fundamentar.
           A norma em apreciação, isoladamente considerada, contraria, portanto, o disposto na Constituição sobre fundamentação das decisões judiciais. Mas falta ainda apurar se, tomada no contexto em que se insere, designadamente na sua relação com as alíneas b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal de 1987, o nº 2 do artigo 374º viola os direitos da defesa, previstos no nº 1 do artigo 32º da Constituição.
Ao texto até há pouco vigente do nº 1 do artigo 32º, que fixava que "o processo criminal assegura todas as garantias de defesa", acrescentou a Revisão Constitucional de 1997 a menção "incluindo o recurso".
O Tribunal Constitucional pronunciou-se já por diversas vezes sobre a questão da constitucionalidade do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, bem como deste em conjugação com o seu artigo 433º. Recentemente, através do acórdão nº 573/98 (D.R. II, 13.11.98) julgou o plenário (maioritariamente) que não ofende a Constituição o regime fixado no Código de Processo Penal de 1997, de acordo com o qual o Supremo Tribunal de Justiça, competente para conhecer dos recursos do tribunal colectivo (alínea c) do art. 432º), vê os seus poderes de cognição em matéria de facto circunscritos aos casos de "insuficiência para a decisão da matéria de facto provada", "contradição insanável da fundamentação" e "erro notório na apreciação da prova", "desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum" (nº 2 do artigo 410º).
Na verdade, embora reconhecendo que "no domínio processual penal há que reconhecer, como princípio, o direito a um duplo grau de jurisdição" (v., p. ex., o acórdão nº 322/93, cujo teor foi no essencial retomado por diversos outros arestos, entre os quais o citado acórdão nº 573/98), este Tribunal tem decidido que, "tratando-se de matéria de facto há razões de praticabilidade e outras (decorrentes da exigência de imediação da prova) que justificam não poder o recurso assumir aí o mesmo âmbito e a mesma dimensão que em matéria de direito" (v. acs. 61/88, 124/90, 322/93 e 353/93).
Quanto à relação entre o nº 2 do artigo 374º e o nº 2 do artigo 410º, escreveu-se no acórdão 322/93, a propósito do problema da constitucionalidade deste último:
"Pode, de igual modo, argumentar-se (no sentido da inconstitucionalidade das normas sub iudicio) com o facto de que, tendo o vício (para conduzir ao reenvio do processo para novo julgamento) que resultar 'do texto da decisão recorrida , por si ou conjugado com as regras da experiência comum,' só muito dificilmente também este poderá censurar o julgamento do facto, mesmo em casos em que ele seja grosseiramente errado.
É que - dir-se-á - a fundamentação da sentença resume-se, muitas vezes, a uma remissão genérica para os diferentes meios de prova (para os depoimentos destas ou daquelas testemunhas, por exemplo). Ora, se ela não explicitar o que é que, de acordo com as regras da experiência e da lógica, fez com que a convicção do tribunal se formasse num determinado sentido (e não noutro) e, bem assim, porque é que se teve por fiável certo meio de prova (e não outro), o Supremo ver-se-á impossibilitado de, a partir do texto do acórdão recorrido, concluir pela 'insuficiência para a decisão da matéria de facto provada', pela 'contradição insanável da fundamentação' ou pela existência de 'erro notório na apreciação da prova.
Perante tal argumentação há, desde logo, que advertir que, por força do que dispõe o artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal, a fundamentação da sentença - para além de dever conter uma 'enumeração dos factos provados e não provados' -, tem que consistir numa 'exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal'.
Este dever de fundamentação foi interpretado pelo Supremo Tribunal de Justiça (cf. acórdão de 13 de Fevereiro de 1992, Colectânea de Jurisprudência, ano XVII (1992), tomo I, páginas 36 e 37) no sentido de que a sentença - para além de dever conter a indicação dos factos provados e não provados e a indicação dos meios de prova - há-de conter também os 'elementos que, em razão das regras de experiência ou de critérios lógicos, constituíram o substracto racional que conduziu a que a convicção do tribunal colectivo se formasse no sentido de considerar provados e não provados os factos da acusação', ou seja, ao cabo e ao resto, um 'exame crítico sobre as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal colectivo' num determinado sentido.
Estando em causa uma decisão de um tribunal colectivo e tendo a fundamentação, por isso - como se assinalou no acórdão nº 61/88 -, que traduzir ou reflectir o 'mínimo de acordo ou convergência consensual ou maioritariamente apurada no seio do tribunal' (onde pode ser diverso, de juiz para juiz, o fundamento da resposta num dado sentido ou 'oferecer entre todos cambiantes significativas'), há-de ela (a fundamentação) permitir, no entanto (e sempre), avaliar cabalmente o porquê da decisão. Ou seja: no dizer de MICHELLE TARUFFO ('Note sulla garanzia costituzionale della motivazione', in Boletim da Faculdade de Direito, vol. IV, páginas 29 e seguintes), a fundamentação da sentença há-de permitir a 'transparência' do processo e da decisão.
Feita esta advertência, há que acrescentar que a dificuldade de o Supremo Tribunal de Justiça despistar o vício invocado como fundamento do recurso, relativo ao julgamento do facto, a partir do texto da decisão recorrida, 'por si ou conjugada com as regras da experiência comum', tem mais propriamente a ver com a completude ou incompletude da fundamentação do acórdão do que com o facto de o vício ter de concluir-se a partir do texto da decisão".
Julgou, portanto, o Tribunal Constitucional, em plenário, não enfermarem de inconstitucionalidade o nº 2 do artigo 410º e o nº 2 do artigo 433º do Código de Processo Penal de 1987 no pressuposto - que se afigura inelutável - de que o nº 2 do artigo 374º do mesmo Código impõe uma obrigação de fundamentação "completa", permitindo a "transparência do processo e da decisão". Como se afirma no acórdão 172/94 (e se reafirma, por exemplo, no acórdão nº 504/94), "a fundamentação da decisão do tribunal colectivo, no quadro integral das exigências que lhe são impostas por lei, há-de permitir ao tribunal superior uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório".
Do exposto cabe concluir que, num sistema que circunscreve do modo indicado os poderes de apreciação da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça, o aspecto central do qual depende a possibilidade efectiva – embora limitada – de reapreciação da matéria de facto é a imposição de um dever de fundamentação da decisão em matéria de facto com intensidade suficiente.
Pode, pois, afirmar-se que a interpretação do nº 2 do artigo 374º adoptada pelo acórdão recorrido vem na prática inviabilizar o direito ao recurso ou a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, consagrados no nº 1 do artigo 32º da Constituição, ainda que se conceba esta garantia e aquele direito como tendo um âmbito e uma dimensão reduzidos por comparação com a matéria de direito.
Razão pela qual se deve também considerar inconstitucional a norma em apreciação, na interpretação consagrada no acórdão recorrido, em conjugação com a norma do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal de 1987, por violação do direito ao recurso previsto no nº 1 do artigo 32º da Constituição. Trata-se, é de sublinhar, de um juízo de inconstitucionalidade que não incide sobre este último preceito, mas tão só sobre aquele, tendo em conta que se insere em um determinado contexto normativo».
Ora, parece-nos que o Tribunal de Coimbra acatou o comando legal do n.º 2 do artigo 374º do CPP, de forma suficientemente esclarecedora.
Digamos que o processo equitativo garantido no artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pressupõe a motivação das decisões judiciárias, que consiste na correcta enunciação dos pontos de facto e de direito fundantes das mesmas, em ordem a garantir a transparência da justiça, a persuadir os interessados e a permitir-lhes avaliar as probabilidades de sucesso nos recursos, assente ainda que uma motivação deficiente ou inexacta deve ser equiparada à falta de motivação.
Essa motivação conforme as exigências do processo equitativo não obriga a uma resposta minuciosa a todos os argumentos das partes, contentando-se com uma descrição clara dos motivos fundantes da decisão, sendo a extensão da motivação em função das circunstâncias específicas, nomeadamente da natureza e da complexidade do caso.
Lopes da Rocha diz mesmo que «o princípio do processo equitativo é compatível com motivação sumária, mas impõe-se uma motivação precisa quando o meio submetido à apreciação do juiz, caso se revele fundado, é de natureza a influenciar a decisão; a obrigação de motivar reveste uma importância peculiar quando se trate de apreciar uma pretensão na base de uma disposição de sentido ambíguo, caso em que é exigível uma motivação adequada e proporcional à complexidade da hipótese».
O exame crítico das provas deve indicar no mínimo, e não necessariamente por forma exaustiva, as razões de ciência e demais elementos que tenham, na perspectiva do tribunal sido relevantes, para assim se poder conhecer o processo de formação da convicção do tribunal.
Sem que se defina legalmente em que consiste o propalado “exame crítico da prova”, tal exame há-de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo.
Tal desiderato foi logrado na decisão condenatória – no caso tal NÃO falhou quanto à culpabilidade do arguido A....
E, por isso, a decisão não é arbitrária.

3.1.2. Nem se diga que o tribunal se baseou exclusivamente em escutas telefónicas.
A convicção do Tribunal “a quo” é formada da conjugação dialéctica de dados objectivos fornecidos por documentos e outras provas constituídas, com as declarações e depoimentos prestados em audiência de julgamento, em função das razões de ciência, das certezas, das lacunas, contradições, inflexões de voz, serenidade e outra linguagem do comportamento, que ali transparecem.
Por isso, resulta que, para respeitarmos os princípios da oralidade e imediação na produção de prova, se a decisão do julgador estiver fundamentada na sua livre convicção baseada na credibilidade de determinadas declarações e depoimentos e for uma das possíveis soluções segundo as regras da experiência comum, ela não deverá ser alterada pelo tribunal de recurso.
Como opina o acórdão da Relação de Coimbra de 6 de Março de 2002 (C.J. , ano XXVII , 2º , página 44) , “quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum”.
Nesta parte importa realçar que o objecto da prova pode incidir sobre os factos probandos (prova directa), como pode incidir sobre factos diversos do tema da prova, mas que permitem, com o auxílio das regras da experiência, uma ilação quanto a este (prova indirecta ou indiciária).
A prova indirecta “…reside fundamentalmente na inferência do facto conhecido – indício ou facto indiciante – para o facto desconhecido a provar, ou tema último da prova” – cfr. Prof. Cavaleiro de Ferreira, “ Curso de Processo Penal”, Vol. II, pág. 289[5].
Como acentua o acórdão do STJ de 29 de Fevereiro de 1996, “ a inferência na decisão não é mais do que ilação, conclusão ou dedução, assimilando-se todo o raciocínio que subjaz à prova indirecta e que não pode ser interdito à inteligência do juiz.” – cfr. Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 6.º, tomo 4.º, pág. 555.
No mesmo sentido veja-se o acórdão da Relação de Coimbra, de 9 de Fevereiro de 2000, ano XXV, 1.º, pág. 51.
Como já se disse, em matéria de apreciação da prova, o artigo 127.º do C.P.P. dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
Na expressão regras de experiência[6], incluem-se as deduções e induções que o julgador realiza a partir dos factos probatórios, devendo as inferências basear-se na correcção do raciocínio, nas regras da lógica, nos princípios da experiência e nos conhecimentos científicos a partir dos quais o raciocínio deve ser orientado e formulado (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2.ª edição, p. 127, citando F. Gómez de Liaño, La Prueba en el Proceso Penal, 184).
            Atentas as naturais dificuldades de reconstituição do facto delituoso, há que recorrer, por vezes, à prova indirecta para basear a convicção da entidade decidente sobre a existência ou não da situação de facto.
            Como acentua Euclides Dâmaso, no seu artigo «Prova indiciária (contributos para o seu estudo e desenvolvimento em dez sumários e um apelo premente)», publicado na Revista Julgar, n.º 2, 2007, «vale isto por dizer-se que a “prova indirecta, indiciária, circunstancial ou por presunções”, que alguns decisores por vezes (infelizmente raras e apenas em crimes contra as pessoas) meticulosa e exigentemente praticam sem claramente assumirem fazê-lo, tem que ganhar adequada relevância jurisprudencial e dogmática também entre nós. Sob pena de a Justiça não se compatibilizar com as exigências do seu tempo e de se agravar insuportavelmente o sentimento de impunidade face aos desafios criminosos de maior complexidade e desvalor ético-jurídico, mormente os “crimes de colarinho branco” em geral e a corrupção e o branqueamento em particular».
Prieto-Castro Y Fernandiz e Gutiérrez de Cabiedes opinam mesmo que «o indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico — jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade».
            Em suma:
Nos casos de tráfico de estupefaciente em que não é possível obter prova directa dos factos é a valoração da chamada “prova indirecta”, já que, conforme Prieto-Castro y Fernandiz e Gutiérrez de Cabiedes, in “Derecho Procesal Penal, pág 252: “O indício apresenta grande importância no processo penal, já que nem sempre se têm à disposição provas directas que autorizem a considerar existente a conduta perseguida e então, ante a realidade do facto criminoso, é necessário fazer uso dos indícios, com o esforço lógico – jurídico intelectual necessário, antes que se gere impunidade.”.
Ainda neste sentido: J. M. Asencio Mellado, in “Presunción de inocência em Matéria Criminal”, 1992: “Quem comete um crime busca intencionalmente o segredo da sua actuação pelo que, evidentemente, é frequente a ausência de provas directas. Exigir, a todo o custo, a existência deste tipo de provas implicaria o fracasso do processo penal ou, para evitar tal situação, haveria de forçar-se a confissão o que, como é sabido, constitui a característica mais notória do sistema de prova taxada e o seu máximo expoente: a tortura.”.
Entendemos, com estes mestres, que há que ultrapassar os rígidos cânones da valoração pelo julgador exclusivamente da prova directa, para atribuir à prova indirecta, indiciária ou por presunções judiciais o seu específico relevo nos casos de maior complexidade, como é o do tráfico de estupefacientes.
Mittermayer, in “Tratado de La Prueba em Matéria Criminal”, 1959, dizia já o seguinte: “…o talento investigador do Magistrado deve saber encontrar uma mina fecunda para o descobrimento da verdade no raciocínio, apoiado na experiência e nos procedimentos que adopta para o exame dos factos e das circunstâncias que se encadeiam e acompanham o crime. Estas circunstâncias são outras tantas testemunhas mudas, que a Providência parece ter colocado à volta do crime para fazer ressaltar a luz da sombra em que o criminoso se esforçou por ocultar o facto principal; são como um farol que ilumina o entendimento do juiz e o dirige até aos vestígios seguros que basta seguir para chegar à verdade.”.
Por outro lado, há que afirmar que ao ser valorada a prova indiciária não se está a violar o princípio da presunção da inocência, uma vez que aquela valoração tem de ser objectivável, motivável e não arbitrária, baseada numa pluralidade de indícios, por ex:
· o aumento do património do arguido sem que a existência de actividade laboral ou exercício de negócios lícitos o justifique,
· o seu relacionamento com outras pessoas ligadas ao tráfico ou consumo de drogas,
· antecedentes criminais que o relacionem com anteriores actos de tráfico,
· elevada quantia em dinheiro aprendida em seu poder – nomeadamente em cash - para a qual não é encontrada qualquer justificação.
Este entendimento, que já começou a ser seguido na jurisprudência nacional, tem sido defendido pela jurisprudência de Espanha, conforme os seguintes Ac do Tribunal Supremo de Espanha:
- Ac nº 190/2006, de 1 de Março de 2006;
- Ac nº 392/2006, de 6 de Abril de 2006;
- Ac nº 562/2006, de 11 de Maio de 2006;
- Ac nº 560/2006, de 19 de Maio de 2006;
- Ac nº 557/2006, de 22 de Maio de 2006; e
- Ac nº 970/2006, de 3 de Outubro de 2006.
(ver todas estas referências in Revista Julgar, nº 2, 2007 – Euclides Dâmaso Simões – “Prova Indiciária).
Quanto às intercepções telefónicas, diremos o seguinte:
Sabemos a força probatória das intercepções telefónicas.
Entendemos que, no caso dos autos, onde se investiga crime de tráfico de estupefacientes, as intercepções telefónicas não são o complemento de outras provas, que até podem não existir, tornando-se claro que a intercepção do telefone dos suspeitos assume primordial importância para a descoberta da verdade.
Olhando à especial natureza e perigosidade social do crime em causa, é óbvio que o dever do Estado em preservar a privacidade dos cidadãos cederá perante o dever que também lhe incumbe de perseguir os autores de crimes tão anti-sociais como o que é investigado nos autos.
Atento o disposto nos arts. 34º nº 4 da C. R. P. e 187º nº 1 do C. P. Penal, não sendo as intercepções telefónicas neste tipo de crime e no dos autos em particular um meio de prova subsidiário, só há que as validar enquanto autónomo meio de prova.
O artigo. 34º, nº4 da Constituição da República Portuguesa permite a compressão do direito à intimidade e vida privada, onde se insere o direito à inviolabilidade das telecomunicações, na estrita previsão legal em matéria de processo penal.
Esta compressão está sujeita ao regime geral do art. 18º, nº 2 da mesma Constituição da República Portuguesa, pelo que se admite o direito de resistência, art. 21º da C.R.P., sempre que a compressão, mesmo legal, sofra interpretação que exceda a materialidade essencial das normas fundamentais – Cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, 122.
E este critério interpretativo implica que, no campo dos direitos fundamentais, vigora o princípio da interpretação mais favorável aos direitos fundamentais, no sentido de que, em caso de dúvida, deve prevalecer a interpretação que, in casu, restrinja menos o direito fundamental, que lhe dê maior protecção, que amplie mais o seu âmbito, que o satisfaça em maior grau – ob. cit. 143 e ss.
É no domínio do pathos criminal que a Constituição da República Portuguesa, no citado art. 34º/4, admite a compressão do direito à intimidade, num registo em que a lei é chamada a intervir para decidir da tensão entre o indivíduo e a comunidade, vindo a referência e a vinculação comunitária da pessoa como prius, nem que isso contenda com o seu valor autónomo (cfr. Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Costa Andrade, 1996, 28 e ss).
O efeito pelourinho, a que se referem os doutrinadores (Costa Andrade, ob. cit., 55) é a outra face da conflitualidade: é que uma sobrevalorização da vinculação comunitária pode conduzir á exposição da vida íntima do cidadão, com danos irreparáveis. Daqui o princípio da ponderação de interesses (Sobre as Proibições de Prova..., Costa Andrade, 1992, 28 e ss), com que se deixa o intérprete, que acaba por se transformar num critério de distinção de tratamento da investigação em crimes mais graves: "o primado da esfera íntima face às necessidades da justiça penal na procura da verdade, recua quando, à luz do princípio de proporcionalidade, a ponderação com o significado do direito fundamental de respeito pela dignidade humana e o livre desenvolvimento da personalidade faz emergir prevalecentes necessidades da justiça criminal, que exigem a admissibilidade de produção e valoração do meio de prova".
Resulta, assim, dos arts. 32º, nº 1 e 34º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa a absoluta proibição de ingerência nas telecomunicações e, consequentemente, a proibição de prova resultante dessa ingerência.
A compressão do direito impresso no texto constitucional, compressão só admissível por a própria Constituição da República Portuguesa a admitir, surge regulada nos arts. 187º a 190º do Código de Processo Penal, sob três vertentes: as condições para a admissibilidade, o formalismo para a sua efectivação e as consequências da violação dos requisitos da admissibilidade e efectivação.
Por conseguinte, para se admitir a restrição do direito à intimidade com a escuta telefónica (a intercepção, e gravação) impõe-se a ordem ou autorização do juiz, [por despacho, que se quer fundamentado (art. 97º,nº4 do Código de Processo Penal)] e que deve ser solicitado ao juiz expressamente designado na lei (art. 187º,nº2), que se refira aos crimes enunciados (art. 187º,nº1/2), desde que haja razões para crer que a diligência se revelará de grande interesse para a descoberta da verdade ou para a prova.
Tratando os autos, como trata, de um crime de difícil investigação, como é sobejamente conhecido, não se vê como se possa fundamentar a descredibilização deste meio de prova – a necessitar de outros meios - com base, fundamentalmente, na sua eventual insuficiência probatória.
Trata-se de um pré-juízo que nada justifica, assente que todas as intercepções foram transcritas, constituindo prova documental sujeita à livre apreciação da prova pelo tribunal.
Diga-se ainda que a validade em julgamento da prova obtida através de escutas telefónicas não depende da leitura e exame em audiência das respectivas transcrições.
Conforme resulta da jurisprudência dos tribunais superiores, as escutas telefónica, desde que efectuadas de acordo com as exigências legais, são meio legítimo de obtenção de prova e as transcrições das escutas constitui prova documental sujeita a livre apreciação pelo tribunal, nos termos do art.° 127° do CPP e mesmo que as escutas constituam o único meio de prova, o tribunal não está impedido de nelas apoiar a sua convicção - cfr. Ac. STJ de 31-05-2006, relatado pelo Exm° Juiz Conselheiro Sousa Fonte, acessível in www.dgs.pt; também o douto Ac. Relação de Coimbra de 12-07-2000 relatado pelo Exm° Juiz desembargador Dr. Santos Cabral, segundo o qual a prova pré-constituída em processo penal é constituída pelos meios de prova antecipada, como é o caso das declarações para memória futura ou das escutas telefónicas, sendo que tais meios de obtenção de prova, apesar de realizados na fase de inquérito, o seu valor está dependente da legalidade da sua constituição e em segundo lugar da fase processual em que se utiliza aquele meio, sendo que tais provas tem autonomia e mesmo não produzidas em julgamento podem valer nesta fase processual».
Em suma:
As escutas telefónicas são simultaneamente um meio de obtenção da prova e um meio de prova, sendo um poderoso e eficaz meio de obtenção da prova na medida em que, em tempo real, permitem:
- a localização dos arguidos;
- a identificação de testemunhas;
- a gravação de imagens; etc.
            São, no fundo, um poderoso e eficaz meio de prova uma vez que, regularmente efectuadas durante o inquérito e uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental.
            A este propósito o acórdão do STJ de 15.02.2007 (Proc. n.º 06P4092), disponível em www.dgsi.pt: “Em matéria de escutas telefónicas, tem acentuado este Tribunal que as escutas telefónicas regularmente efectuadas durante o inquérito, uma vez transcritas em auto, passam a constituir prova documental, que o tribunal de julgamento pode valorar de acordo com as regras da experiência, sendo que essa prova documental não carece de ser lida em audiência e, no caso de o tribunal dela se socorrer, não é necessário que tal fique a constar da acta”.
           Acresce que no decurso da audiência de julgamento foi suscitada a questão da impossibilidade de valoração das intercepções telefónicas porquanto os arguidos cujas vozes aí se encontram gravadas optaram pelo direito ao silêncio.
           Tal como o tribunal a quo afirma “o Código de Processo Penal não estabelece qualquer impossibilidade: nem quando prevê a valoração como meio de prova das “conversações ou comunicações” transcritas (artº 188º), nem ao definir os “actos processuais cuja leitura, visualização ou audição em audiência sejam permitidas” (artº 355º, nº 2).
            O nº 8 do artº 356º, correspondentemente aplicável à leitura das declarações do arguido (por força do nº 2 do artº 357º) não é aplicável às gravações de intercepções telefónicas. Com efeito, ao estabelecer que “a visualização ou a audição de gravações de actos processuais só é permitida quando o for a leitura do respectivo auto nos termos dos números anteriores” desde logo exclui as intercepções que não estão previstas “nos números anteriores”.
            Para além desse elemento literal igualmente em termos sistemáticos e teleológicos está permitida a valoração de tal meio de prova pois que se tratam de “declarações” obtidas encontrando-se o arguido numa situação exterior ao contexto processual previsto no artº 356º».
           Não estamos, pois, a falar de puros conhecimentos fortuitos, mas de uma investigação que tinha em vista um crime de tráfico de estupefacientes e, desta forma, todas as actividades, lícitas ou ilícitas, da mesma «associação».
Como diz Costa Andrade, «a validade das escutas determina, sem mais, a validade da recolha dos conhecimentos fortuitos».
Diremos que qualquer escuta legal pode ser suficiente para a condenação de um agente (sendo admissíveis todas as provas não proibidas por lei, inexistindo qualquer base legal a proibir a prova que se obtenha de uma escuta ou a condicionar a sua validade ou eficácia à existência de um qualquer outro meio de prova) – basta que ela tenha a virtualidade de criar no julgador a convicção de um determinado facto.
Mas neste caso não temos só escutas, não nos cansamos de escrever.
Nem se diga que estamos assim a violar o princípio da presunção de inocência de qualquer arguido assim investigado.
Uma prova pode sempre ser contraditada, essa a lógica do nosso processo penal.
Se o arguido A...não falou mais em julgamento é porque não quis.
Como tal, as escutas foram legais, válidas e bem contextualizadas para a prova dos factos, como exaustivamente concluiu o Colectivo.
Nenhuma censura, nesse particular.
Quer isto dizer que, no nosso caso, não se verificou, em abstracto, qualquer violação dos princípios da presunção de inocência e in dubio e dos artigos 340.º, 355.º e 356.º, do CPP, num processo em que se discute o ilícito do tráfico de estupefaciente, matéria complexa e de difícil e tortuosa prova[7], assente que foi suficientemente explicitada na prolixa motivação da decisão final, no fundo, a peça processual onde se encontra «el trámite esencial para el control sobre la racionalidad de la convicción del juez» (Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, SEPS 2002, p. 437).

            3.1.3. Alega depois o recorrente que haverá vários vícios do artigo 410º/2 do CPP, muito embora propague que apenas quer recorrer de DIREITO.
Não estando em causa um erro de julgamento (para o efeito, o recorrente nem sequer alegou, como deveria, em obediência ao comando do artigo 412º/3 e 4 do CPP), resta a outra impugnação de facto – a possibilidade de recurso que resulta da restrita aplicação estabelecida no artigo 410º nº 2 referente à correcção dos vícios aí referenciados por simples referência ao texto da decisão recorrida.
Esses VÍCIOS são de conhecimento oficioso.
Em matéria de vícios previstos no art. 410.º n.º 2 do CPP, cumprirá dizer que, apesar de tudo o que tem sido dito e redito pacificamente na jurisprudência e na doutrina, continua a ignorar-se o melhor desses ensinamentos e a trazer aos recursos sempre o mesmo tipo de argumentação quanto à tipificação desses vícios.
Confunde-se sistematicamente o da al. a) (insuficiência para a decisão da matéria de facto provada) com problemas de insuficiência de prova; confunde-se o da al. b) - (contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão) - com o da errada convicção do tribunal ou com a insuficiente convicção ou mesmo com a insuficiente fundamentação; e o da al. c) - (erro notório da apreciação da prova) - com o problema da livre convicção do tribunal na apreciação das provas a tal sujeitas ou com o da errada ou insuficiente apreciação do valor delas.
E, para cúmulo dos cúmulos, só raramente se não faz tábua rasa da invocação de vícios fora do quadro resultante do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
Vejamos o normativo em causa.
Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
· A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
· A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
· Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Vejamos o nosso caso.
Lendo a decisão recorrida, fácil é de concluir que a mesma está elaborada de forma muito equilibrada, lógica, encadeada e assaz fundamentada.
O Tribunal valorou devidamente a prova para concluir pela culpabilidade do arguido no que tange ao domínio do facto criminoso.
E, portanto, provou, para além de qualquer dúvida razoável, pelas circunstâncias da acção provada, que a intenção do arguido não poderia ser outra senão aquela provada.
  Melhor do que isto não se pode pedir.
  Tudo bate certo, tudo estando devidamente explicado e elucidado.
  O registo da sentença é encadeado e lógico.
            Desta forma, inexistem vestígios de erros notórios na apreciação da prova.
  Ou de qualquer um dos outros vícios do artigo 410º do CPP.
  O tribunal decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a devidamente.

3.1.4. Quanto à livre apreciação da prova, diremos ainda o seguinte:
O artigo 127.º do C.P.P. consagra o princípio da livre apreciação da prova, o que não significa que a actividade de valoração da prova seja arbitrária, pois está vinculada à busca da verdade, sendo limitada pelas regras da experiência comum e por algumas restrições legais.
Tal princípio concede ao julgador uma margem de discricionariedade na formação do seu juízo de valoração, mas que deverá ser capaz de fundamentar de modo lógico e racional.
Os poderes do tribunal na procura da verdade material estão limitados pelo objecto do processo definido na acusação ou na pronúncia, guiado pelo princípio das garantias de defesa do artigo 32º da CRP.
Sobre o tribunal recai o dever de ordenar a produção da prova necessária à descoberta da verdade material, tanto relativamente aos factos narrados na acusação ou na pronúncia, como aos alegados pela defesa na contestação e aos que surgirem no decurso da audiência de julgamento em benefício do arguido.
Quanto à fundamentação da PROVA, há que atentar em certos princípios:
os dos artigos 124º, 125º e 126º do CPP (princípio geral da legalidade das provas);
A convicção sobre a realidade de certo facto existirá quando, e só quando, o tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável;
Não se procura uma verdade ontológica e absoluta mas apenas a verdade judicial e prática – não pode ser uma verdade obtida a qualquer preço mas apenas a que assenta em meios de prova que sejam legais;
A livre apreciação da prova (ou do livre convencimento motivado) não se pode confundir com a íntima convicção do juiz, assente numa apreciação arbitrária da prova, impondo-lhes a lei que extraia delas um convencimento lógico e motivado, avaliadas as provas com sentido da responsabilidade e bom senso;
Não satisfaz a exigência de fundamentação da decisão sobre Matéria de Facto a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, importando fazer a indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz, ou seja, os meios concretos de prova e as razões ou motivos que dos meios de prova relevaram ou que obtiveram credibilidade no espírito do julgador – não basta indicar o concreto meio de prova gerador do convencimento, urgindo expressar a razão pela qual, apoiando-se nas regras de experiência comum, o julgador adquiriu, de forma não temerária, a convicção sobre a realidade de um determinado facto.
A liberdade das provas não é, pois, absoluta, estando condicionada pela prudente convicção do julgador e temperada pelas regras da lógica e da experiência
            Porém, nessa tarefa de apreciação da prova, é manifesta a diferença entre a 1.ª instância e o tribunal de recurso, beneficiando aquela da imediação e da oralidade e estando este limitado à prova documental e ao registo de declarações e depoimentos.
            A imediação, que se traduz no contacto pessoal entre o juiz e os diversos meios de prova, podendo também ser definida como “a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes no processo, de modo tal que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá que ter como base da sua decisão” (Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, Coimbra, 1984, Volume I, p. 232), confere ao julgador em 1.ª instância certos meios de apreciação da prova pessoal de que o tribunal de recurso não dispõe.
É essencialmente a esse julgador que compete apreciar a credibilidade das declarações e depoimentos, com fundamento no seu conhecimento das reacções humanas, atendendo a uma vasta multiplicidade de factores: as razões de ciência, a espontaneidade, a linguagem (verbal e não verbal), as hesitações, o tom de voz, as contradições, etc.
As razões pelas quais se confere credibilidade a determinadas provas e não a outras dependem desse juízo de valoração realizado pelo juiz de 1.ª instância, com base na imediação, ainda que condicionado pela aplicação das regras da experiência comum.
            Assim, a atribuição de credibilidade, ou não, a uma fonte de prova testemunhal ou por declarações, tem por base uma valoração do julgador fundada na imediação e na oralidade, que o tribunal de recurso, em rigor, só poderá criticar demonstrando que é inadmissível face às regras da experiência comum (cf. Acórdão da Relação do Porto, de 21 de Abril de 2004, Processo: 0314013, www.dgsi.pt).
            Quer isto dizer que a ausência de imediação determina que o tribunal de 2.ª instância, no recurso da matéria de facto, possa alterar o decidido pela 1.ª instância se as provas indicadas pelo recorrente impuserem decisão diversa da proferida [al. b) do n.º3 do citado artigo 412.º] – neste sentido, o Ac. da Relação de Lisboa, de 10.10.2007, proc. 8428/2007-3, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
A operação intelectual em que se traduz a formação da convicção não é, assim, uma mera opção voluntarista sobre a certeza de um facto, e contra a dúvida, nem uma previsão com base na verosimilhança ou probabilidade, mas a conformação intelectual do conhecimento do facto (dado objectivo) com a certeza da verdade alcançada (dados não objectiváveis), e para ela concorrem as regras impostas pela lei, como sejam as da experiência, da percepção da personalidade do depoente – aqui relevando, de forma muito especial, os princípios da oralidade e da imediação – e da dúvida inultrapassável que conduz ao princípio “in dubio pro reo” (cf. Ac. do T. Constitucional de 24/03/2003, DR. II, nº 129, de 02/06/2004, 8544 e ss. e Prof. Figueiredo Dias, Direito Processual Penal, 1ª Ed., 1974, Reimpressão, 205).

3.1.5. Uma palavra sobre o princípio «in dubio pro reo», TIDO PELO RECORRENTE COMO VIOLADO.
No fundo, o que o recorrente pretende, nos termos em que formula a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que ele próprio entende que deveria ter sido a retirada da prova produzida.
O recorrente limita-se a divulgar a sua interpretação e valoração pessoal das declarações e depoimentos prestados e da credibilidade que devem merecer uns e outros, exercício que no entanto é irrelevante para a sindicância da forma como o tribunal recorrido valorou a prova.
Não se evidencia qualquer violação das regras da experiência comum, sendo certo que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no art. 430º do CPP - o que, manifestamente, não é o caso - o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir, eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância, não se procurando encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso.
Decidiu-se, no douto Acórdão da Relação de Coimbra de 9/9/2009 (Pº 564/07.8PAVCD.P1) o seguinte:
«Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no art. 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum».
Na realidade, ao tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.
«Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Portanto, a prova produzida foi coerentemente valorada.
Se há duas versões dos factos (mesmo que uma delas tenha dois veículos), não é uma maioria matemática que faz escolher a versão verdadeira.
O facto de haver duas afirmações opostas, não conduz necessariamente a uma “dúvida inequívoca”, por força do princípio in dubio pro reo.
Não está em causa a igual valoração de declarações ou depoimentos, mas a valoração de cada um dos meios de prova em função da especial credibilidade que mereçam.
As declarações e depoimentos produzidos em audiência são livremente valoráveis pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereçam.
Voltamos ao Acórdão de 9/9/2009:
«Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida insanável. Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, indicando clara e coerentemente as razões que fundaram a convicção do tribunal.».
Sabemos que o julgador deve manter-se atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal.
Se a primeira ainda é susceptível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição do gravado (e foi o que se fez nesta sede de recurso), fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar aquela.
Deste modo, quando a opção do julgador se centra em prova oral, o tribunal de recurso só estará em condições de a sindicar se esta for contrária às regras da experiência, da lógica, dos conhecimentos científicos, ou não tiver qualquer suporte directo ou indirecto nas declarações ou depoimentos prestados.
E repetimos: o juiz pode formar a sua convicção com base em apenas um testemunho (ou numa só declaração), desde que se convença que nele reside a verdade do ocorrido.
Não basta que o recorrente diga que determinados factos estão mal julgados.
É necessário constatar-se esse mal julgado face às provas que especifica e a que o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
Atente-se que o art.º 412/3 alínea b) do CPP fala em provas que imponham decisão diversa.
Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
Ao reapreciar-se a prova por declarações, o tribunal de recurso deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido desde que o seu juízo seja compatível com os critérios de apreciação devidos.
Quer isto significar que não vemos que deva ser alterada a decisão de facto.
Decorre do princípio «in dubio pro reo» que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, «será dado como não provado se desfavorável ao arguido, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa».
O princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido.
Não ficou o Tribunal de Coimbra em estado de dúvida.
E este tribunal de recurso também não, assente que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinada facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Por tal razão, não faz sentido fazer aqui valer e funcionar o princípio constitucional in dubio pro reo.

3.1.6. Por todos estes motivos, quanto ao arguido A..., mantém-se na íntegra o elenco dos factos provados e o elenco dos não provados, só havendo agora que subsumir os factos ao Direito tido por aplicável, porque a fundamentação do acórdão é suficiente para a condenação decretada.
Improcedem, assim, as conclusões 2ª e 3ª deste recurso.
           
            3.1.7. E quanto à pena aplicada?
            Foi ele condenado na pena unitária de 8 anos de prisão (que resultou do cúmulo jurídico da pena de 7 anos e seis meses pelo crime de tráfico e da pena de 9 meses de prisão pelo crime de condução ilegal).
            Justificou-se assim o Colectivo, neste jaez:
            «Assim, quanto ao arguido A...valora-se o grau de ilicitude dos factos, que se considera de grande gravidade, aferida pela perigosidade da conduta, pondo à disposição das pessoas produto estupefaciente danoso, essencialmente através de terceiros a quem recorria para a actividade de venda directa aos consumidores; a intensidade do dolo, que se revela elevada, uma vez que o arguido agiu com dolo directo. O arguido não frequentou a escolaridade obrigatória nem sabe ler, nem escrever. Adquiriu competências laborais, pelo que a única actividade profissional a que se dedicou, ao longo da sua trajectória de vida, foi a de vendedor ambulante.
                Em seu desfavor pesa, para além da condenação que deu lugar à agravação da pena por via da reincidência, uma condenação anterior também em prisão efectiva e pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (por factos ocorridos em 28.7.1998 o arguido foi condenado em 9.6.1999 na pena de quatro anos e 6 meses de prisão, tendo-lhe sido concedida a liberdade condicional em 17 de Julho de 2001. Sofreu ainda uma condenação pela prática do crime de ofensa à integridade física e pela prática do crime de condução sem habilitação legal»
(…)
«No que concerne às exigências de prevenção geral, consideram-se as mesmas muito elevadas, quer pela frequência com que ocorrem todos estes ilícitos, sendo especialmente assinaláveis no que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, quer pelas consequências negativas que implicam para saúde pública e para a segurança em geral. Tais exigências manifestam-se também quanto ao crime de condução ilegal e de detenção de arma proibida».

O artigo 71º, n.º 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O n.º 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
De facto, na determinação da medida concreta da pena, dispõe o artigo 71.º, n.º 1 do C. Penal que ela é feita, dentro dos limites definidos na lei, em função da culpa do agente e das exigências prevenção, atendendo-se a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, designadamente de entre as que constam do elenco do n.º 2, da mesma norma legal.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, mas antes de uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do DIREITO e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, “mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, actos cognitivos e puras valorações” (SIMAS SANTOS).
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena...
            Sublinhe-se que estes constituem os princípios regulativos que deverão estar subjacentes à determinação de qualquer pena, funcionando a culpa como fundamento da punição em obediência ao princípio “nulla poena sine culpa” e limite máximo inultrapassável da pena, atendendo à dignidade da pessoa humana.
A prevenção, na sua vertente positiva ou de integração, mostra-se ligada às necessidades comunitárias da punição do caso concreto, e irá fixar os limites dentro dos quais a prevenção especial de socialização irá determinar, em última instância, a medida concreta da pena.
Na verdade, só se justificará a aplicação de uma pena se ela for necessária e na exacta medida da sua necessidade, ainda que sempre subordinada a uma incondicionável proibição de excesso, conquanto, ainda que necessária, a pena que ultrapasse o juízo de censura que o agente mereça é injusta e dessa forma inadmissível.
No crime de tráfico de estupefacientes como crime de perigo abstracto, as exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida concreta da pena, para aquietação da comunidade e afirmação de valores essenciais afectados por comportamentos que, antes e para além de causarem efectivos danos, são aptos a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, como sejam a segurança da comunidade a saúde e vida dos dependentes de estupefacientes e até a vida, de indiscutível valor supremo
«As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade» - Acórdão do STJ de 25-02-2009.
Também o Acórdão do STJ de 20/1/2010, é expressivo nesta matéria:
«O crime de tráfico de estupefacientes tutela a saúde pública em conjugação com a liberdade da pessoa, aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência e aos malefícios que a droga gera.
As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na crescente degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade.
Os últimos dados conhecidos sobre as consequências nefastas do consumo de estupefacientes apresentam-nos um quadro muito negativo, traduzido num aumento significativo do número de mortes ocorridas, em especial por overdose. Segundo o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência, as mortes provocadas pelo consumo de estupefacientes subiram 45% entre 2006 e 2007, situando-se no preocupante patamar de 314 óbitos, o valor mais elevado desde 2001.
Certo é, por outro lado, que em 2007, no âmbito da Lei da Droga, foram condenadas 1420 pessoas, a maioria esmagadora por tráfico, com associação ao consumo em 2% dos casos. Em 31 de Dezembro de 2007 encontravam-se detidas 2524 pessoas condenadas por tráfico, representando 27% da população reclusa, o que significa ter sido interrompida a tendência decrescente de reclusos por tráfico que se vinha verificando desde o ano 2000.
Esta situação mostra-se consonante, aliás, com a que se verifica na generalidade dos demais países, bem retratada no comunicado emitido em Novembro de 2009 pelo Conselho de Segurança da ONU, no qual se refere que o tráfico de drogas está a transformar-se numa séria ameaça que afecta todas as regiões do mundo».
No nosso caso, foi o A...condenado na pena de 7 anos e seis meses de PRISÃO pela prática do crime-base (o do 21º do DL 15/93), pena essa insusceptível de ser suspensa na sua execução.
E foi muito bem condenado, em prudência e oportunidade, assente o seu passado criminal no campo deste negócio de almas, desrespeitando as condenações anteriores com um desaforo digno de nota, o que até motivou o uso da figura agravativa da reincidência (cfr. fls 2289-2291)[8].
A pena do cúmulo é equilibrada.
Neste particular, improcede a 1ª conclusão, só havendo que validar esta pena privativa de liberdade aplicada a alguém que se mostrou completamente indiferente ao dever-ser jurídico-penal, errando – voltando a errar, sem dó nem piedade - na vida por «sua conta e proveito».

3.1.8. Improcede assim, in totum, o recurso A.

3.2. RECURSO B

3.2.1. O arguido K...invoca também vícios do artigo 410º/2 do CPP.
Na sua motivação, o recorrente requer a reapreciação da prova gravada mas nada faz para que este tribunal de recurso o possa fazer em legalidade.
De facto, interessa verificar se as conclusões do recurso em causa – o B - estão correctamente formuladas.
Incidindo este recurso sobre matéria de facto, nos termos do artigo 412º, n.º 3 do CPP, incumbe ao recorrente o ónus de especificar
a)- os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b)- as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c)- as provas que devam ser renovadas.
Acentua depois o n.º 4 desse normativo que “quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do n.º 3 fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do artigo 364º, n.º 2, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.
O artigo 417º, n.º 3 do CPP (na versão revista de 2007, levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29/8) permite o convite ao aperfeiçoamento da respectiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse mesmo normativo.
Temos entendido o seguinte: se analisada a peça do recurso constatarmos que a indicação das especificações legais constam do corpo da motivação de forma assaz suficiente para se compreender o móbil do recorrente, não deveremos, assim, ser demasiado formalistas ao ponto de atrasar a tramitação de um processo quando existem conclusões e se consegue das mesmas deduzir, mesmo que parcialmente, note-se, as indicações previstas no n.º 2 e no n.º 3 do citado artigo 412º.
A este propósito, convém lembrar que as “conclusões aperfeiçoadas” têm de se manter no âmbito da motivação apresentada, não se tratando de uma reformulação do recurso ou da apresentação de um novo recurso - por outras palavras: o convite ao aperfeiçoamento, estabelecido nos n.º 3 e 4 do artigo 417.º, do C.P.P., pode ter lugar quando a motivação não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos nºs. 2 a 5 do artº 412º do mesmo código, mas sempre sem modificar o âmbito do recurso.
Pelo que se o corpo da motivação não contém as especificações exigidas por lei, já não estaremos perante uma situação de insuficiência das conclusões, mas sim de insuficiência do recurso, insusceptível de aperfeiçoamento.
É o nosso caso.
Em lado algum do seu texto recursório, o recorrente indica as partes dos depoimentos gravados que crê ter sido mal valorados pelo tribunal.
Como tal, entendemos que este recurso não satisfaz as condições mínimas para poder passar pelo crivo inicial.
Ou seja, e em conclusão:
O recorrente B impugna a MATÉRIA DE FACTO dada como provada, não tendo sido cumprido o determinado nos n.ºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.
Por tal motivo, não ouviremos a prova gravada quanto ao RECURSO B.

3.2.2. É sabido que o Tribunal da Relação deve conhecer da questão de facto sob dois prismas:
· primeiro da impugnação alargada, se tiver sido suscitada;
· e dos vícios do n.º 2 do art. 410.º do C.P.Penal.
Não há que confundir estas duas formas de impugnação da matéria factual – por um lado, a invocação dos vícios previstos no artigo 410º, n.º 2, alíneas a). b) e c), e por outro, os requisitos da impugnação – mais ampla - da matéria de facto a que se refere o artigo 412º, n.º 3, alíneas a), b) e c), todos do CPP.

3.2.3. Estabelece o art. 410.º, n.º 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
            Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cf. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
No fundo, por aqui não se pode recorrer à prova documentada.
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410.º, n.º 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410.º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios. O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cf. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cf. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cf. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo n.º 1509/97).
Ora, analisando a decisão recorrida, não vislumbramos qualquer indício desses vícios do artigo 410º/2 do CPP (nomeadamente, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova).
De facto, consideramos que a prova produzida em sede dos autos é perfeitamente suficiente para justificar a condenação do recorrente K..., mesmo sem relevante prova testemunhal, só havendo que lançar mão das inequívocas escutas telefónicas que falam por si, das apreensões de droga -nomeadamente a de 11/5/2010 - que não deixam espaço para dúvidas, e dos comportamentos constatados pela PJ nas RDE que foram mencionadas pelos inspectores inquiridos em audiência e que nelas participaram…

3.2.4. Entende o recorrente que não foi feita prova directa da venda de estupefacientes a terceiros pela sua parte, alegando que foi dada especial ênfase às escutas telefónicas.
Reproduzimos aqui o que deixámos atrás escrito, a propósito do RECURSO A, sobre estes assuntos, nomeadamente, nos pontos 3.1.2. e 3.1.4.
Além disso, inexiste qualquer nulidade de sentença, avançada a fls 2356 (embora não retomada em sede de conclusões), na medida em que o Colectivo fez um óptimo cumprimento do artigo 374º/2 do CPP, sem nada olvidar em termos de factualidade.

3.2.5. Quanto ao princípio do in dubio pro reo, damos aqui por reproduzido o que deixámos escrito em 3.1.5. – não ficou, nem o Colectivo de Coimbra nem este tribunal de recurso, em estado de dúvida sobre a real particpação criminosa deste homem no mundo da traficância.
Por tal motivo, não se vislumbra qualquer violação desse princípio.
Diga-se ainda que o facto de não haver sinais exteriores de riqueza não significa que não haja tráfico.
Pelo exposto, mantém-se intacta, quanto ao recorrente B, todo o acervo factual dado como provado na 1ª instância.

3.2.6. Que crime praticou ele?
Dispõe o art. 21º, nº 1 do Dec. Lei 15/93, de 22 de Janeiro, – Tráfico e outras actividades ilícitas:
Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos”.
Por sua vez dispõe o art. 25º do mesmo diploma – Tráfico de menor gravidade:
Se, nos casos dos artigos 21º e 22º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou as quantidades das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: a) Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI; b) Prisão até 2 anos ou multa até 240 dias, no caso de substâncias ou preparações compreendidas na tabela IV.”.
A heroína e a cocaína integram a Tabela I-A e a Tabela I-B, anexas ao Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
O crime de tráfico de estupefacientes – cujo tipo fundamental se encontra previsto no art. 21º – é um crime de perigo abstracto ou presumido, que tutela a saúde e a integridade física dos cidadãos isto é, a saúde pública.
Enquanto crime de perigo, consuma-se com a mera criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido. Por isso que se trata também de um crime exaurido ou de empreendimento, um crime de tutela antecipada em que a protecção do bem jurídico recua a momentos anteriores a qualquer manifestação danosa (cfr. Acs. do STJ de 04/07/2007, CJ, S, XV, II, 234, de 19/04/2007, de 19/10/2006, ambos em http://www.dgsi.pt, e de 13/04/2005, CJ, S, XIII, II, 174).
É grande o desvalor social da actividade de tráfico de estupefacientes.
Mas tal não obsta ao reconhecimento de que esta actividade apresenta graduações diversas exigindo respostas diferenciadas da lei.
Assim, distingue o Dec. Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, a gravidade relativa de cada conduta, criando três tipos de tráfico, em função do grau de ilicitude e não da factualidade típica que, basicamente, se mantém.
Desta forma, temos que distinguir o grande tráfico previsto nos arts. 21º e 22º, o médio e pequeno tráfico previsto no art. 25º, e finalmente o tráfico-consumo, previsto no art. art. 26º.
Pretende o legislador permitir «ao julgador distinguir os casos de tráfico importante e significativo do tráfico menor, que apesar de tudo não pode ser aligeirado de modo a esquecer-se o papel essencial que os dealers de rua representam na cadeia do tráfico. Haverá, assim, que deixar uma válvula de segurança para que situações efectivas de menor gravidade não sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que, ao invés, se force ou use indevidamente uma atenuante especial.”.
O tipo legal privilegiado do art. 25º fica preenchido quando, preenchido o tipo do art. 21º ou do art. 22º, se mostre consideravelmente diminuída a ilicitude do facto. Esta considerável diminuição da ilicitude do facto será então o resultado de uma avaliação global da situação de facto, tendo em conta, entre outros factores, os meios utilizados, a modalidade e circunstâncias da acção, e a qualidade e/ou quantidade das substâncias, plantas ou preparados, reveladores de uma menor perigosidade da acção.
O advérbio “consideravelmente” que consta da previsão legal, não foi usado por mero acaso e, no seu significado etimológico, prevalece a ideia de notável, digno de consideração, grande, importante ou avultado.
Apesar de constarem expressamente da previsão legal índices caracterizadores da ilicitude, a utilização do advérbio “nomeadamente” significa que tal enunciação não é taxativa, devendo pois ser ponderadas todas as concretas circunstâncias de cada caso concreto, a fim de se poder concluir ou não, que, objectivamente, a ilicitude da acção típica tem menor relevo que a tipificada para os arts. 21º e 22º.
Como escreveu Maria ... Antunes (Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1993, Comentários, 296), o art. 25º, ao estabelecer uma pena mais leve, impõe ao intérprete que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras penais dos arts. 21º e 22º, sob pena de a reacção penal ser, à partida, desproporcionada. Ou seja, a concretização da considerável diminuição da ilicitude em cada caso concreto exige a aplicação de critérios de proporcionalidade que são pressupostos da definição das penas e depende, em grande parte, de juízos essencialmente jurisprudenciais (cfr. Ac. do STJ de 14/04/2005, CJ, XIII, II, 174).
Em qualquer caso, as concretas circunstâncias relevantes em sede de ilicitude, terão, como se referiu já, que ser avaliadas globalmente e numa perspectiva substancial, e não isoladamente e de um ponto de vista formal (cfr. Ac. do STJ de 19/04/2007, citado).
Lancemos mão do acórdão desta Relação de 3/4/2008:
«Retomando a previsão legal e, concretamente, as circunstâncias tipificadas no art. 25º, começaremos por dizer que, relativamente aos meios utilizados, traduzidos na organização e na logística de que o agente se serve, eles podem ser nulos, incipientes, médios ou de grande dimensão e sofisticação. Mas aqui relevará também a posição relativa do agente na rede de distribuição da droga.
Na que à modalidade ou circunstâncias da acção respeita, releva essencialmente o grau de perigosidade para a difusão da droga designadamente, a maior ou menor facilidade de detecção da sua penetração no mercado, e o número de consumidores fornecidos.
Quanto à qualidade das plantas, substâncias ou preparações, relacionada com a respectiva perigosidade, ela pode ser aferida pela sua colocação em cada uma das tabelas anexas ao Dec. Lei nº 15/93, e pelos resultados da investigação científica.

A quantidade das plantas, substâncias ou preparações reporta-se ao maior ou menor risco para os valores tutelados pela incriminação e, apesar das dificuldades de avaliação que suscita, para tal pode ser tomado como índice, o disposto no art. 26º, nº 3, do diploma que vimos referindo (cfr. Cons. Lourenço Martins. Droga, Decisões de Tribunais de 1ª Instância, 1994, Comentários, 51).
Para além destes elementos, porque a enunciação legal é, como dissemos, meramente exemplificativa, podem ainda se considerados, entre outros, a intenção lucrativa – que não sendo elemento do tipo, é inerente ao conceito de tráfico – e a sua maior ou menor intensidade e desenvolvimento, o facto de o agente ser ou não consumidor e, em caso afirmativo, se ocasional ou habitual – o que está directamente relacionado com a actividade exercida ou não como modo de vida – e ainda o tempo da actividade».
Imputada foi ao recorrente B, respectivamente, a autoria de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido através das disposições conjugadas dos citados artigos 21.º, n.º 1.
Integra esta infracção o que a doutrina tem apelidado de crime “exaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, no qual o resultado típico se alcança logo, com aquilo que surge por regra como realização inicial do “iter criminis”, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente a consumo. A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita.
Com tal progressividade pretende-se abarcar a multiplicidade de condutas em que se pode desdobrar a actividade ilícita relacionada com o tráfico de droga.
Tal preocupação, de perfil transversal, concretiza-se, com a integração vertical vertida em três tipos legais fundamentais que revelam a maior ou menor gravidade desta actividade em relação ao tipo fundamental daquele artigo 21.º, ou seja, o artigo 24.º no sentido agravativo e o artigo 25.º do mesmo diploma no sentido atenuativo.
Lateralmente com tal estrutura progressiva aceita-se que a natureza de crime de perigo abstracto, do crime do artigo 21.º citado, se traduz numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação cifrada na punição dos primeiros actos de execução do agente.
Portanto, não se exige, para preenchimento do tipo, o desenvolvimento da globalidade da acção projectada pelo agente. Porém, a consumação exige pois que se dê por provada, pelo menos uma das ocorrências ali referidas: “Cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qual quer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar, ou ilicitamente detiver (sublinhados nosso) produto estupefaciente não bastando o início de um qualquer processo executivo para se verificar a consumação.
Ora, no nosso caso, não se deu como provado que a aquisição da droga em causa fosse exclusivamente para o consumo dos recorrentes (e daí até se ter afastado a punição pelo artigo 26º).
Em conclusão, a simples detenção ilícita do estupefaciente, fora dos casos de mero consumo, já constitui acto de tráfico.
E TRÁFICO FOI O QUE FOI FEITO PELO RECORRENTE, aceitando-se a destrinça que o Colectivo fez quanto ao comportamento do K...– passou-se do crime-base da acusação para o crime privilegiado do artigo 25º (logo, este menos grave do que aquele[9]).
Improcede, assim, a pretensão do arguido K...de se ver absolvido.
 
3.2.7. E quanto à pena?
Foi ele condenado pela prática de um crime do artigo 25º do diploma em causa, na pena de 3 anos de prisão efectiva.
Reiteramos o que atrás se deixou escrito no ponto 3.1.7.
Justificou-se assim o Colectivo de Coimbra:
                «De forma distinta, o arguido K... está desempregado e não demonstra interesse pessoal em ingressar numa vida profissional activa. No meio e rede social envolvente o arguido tem uma imagem negativa, conotada com o tráfico de estupefacientes. Vive em união de facto, há dois anos, com J... (25 anos, desempregada), integrando o agregado da família de origem desta (os pais, um tio, um irmão e, ocasionalmente, uma das avós, para além do arguido e companheira). A única receita mensal fixa é o salário da mãe da sua companheira, no valor de €700, que trabalha como empregada de limpeza em casas particulares.
                Acresce que sofreu condenações pela prática do crime de contrafacção (condenado em 7.4.2006), usurpação de direitos de autor (28.2.2007), condução sem habilitação legal (29.2.2008), usurpação de direitos de autor (28.4.2008), condução sem habilitação legal (5.5.2008), furto simples (2.3.2009) e pelo crime de falsificação de boletins (9.6.2010).
No que concerne às exigências de prevenção geral, consideram-se as mesmas muito elevadas, quer pela frequência com que ocorrem todos estes ilícitos, sendo especialmente assinaláveis no que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, quer pelas consequências negativas que implicam para saúde pública e para a segurança em geral. Tais exigências manifestam-se também quanto ao crime de condução ilegal e de detenção de arma proibida».
A moldura penal abstracta do delito em causa – o apropriado – é a de prisão de 1 a 5 anos.
Foi dado como provado quanto a si que:
                «O arguido K... é de etnia cigana, e o mais novo de dois filhos de um casal que se dedicava à venda ambulante. Viveu em casa dos pais, em ..., até aos 24 anos, idade com que começou o relacionamento com J... (co-arguida nos autos). Esta não foi aceite pelos pais do arguido, pelo facto de não ser daquela etnia, pelo que decide ir viver em união de facto com a família de origem de J.... . Em 2009 a sua mãe faleceu (aos 47 anos) e verificou-se uma reaproximação entre o arguido e o progenitor, acompanhando-o ocasionalmente na venda ambulante, por forma a adquirir alguma fonte de rendimento.
                Vive em união de facto, há dois anos, com J... (25 anos, desempregada), integrando o agregado da família de origem desta (os pais, um tio, um irmão e, ocasionalmente, uma das avós, para além do arguido e companheira).
                A família reside num apartamento arrendado (renda social) de tipologia T3 e comporta seis pessoas, que partilham, a dois, os quartos existentes na habitação.
                O espaço apresenta-se organizado e não foram vistos sinais exteriores de riqueza ou ostentação.
                Única receita mensal fixa indicada é o salário da mãe da companheira do arguido (57 anos), no valor de €700, que trabalha das 6h às 20h de segunda a sexta-feira, como empregada de limpeza em casas particulares e por conta de uma empresa desse ramo, denominada “ServeLimpe”.
                K...José frequentou curso de formação profissional na área de Práticas Comerciais, com a duração de seis meses (com o “terminus” em 17-12-2010), fomentado pela Câmara Municipal de Coimbra e ministrado pela Associação Cigana, no Bairro .... A sua participação foi referida como empenhada, participativa e organizada, tendo condições pessoais para continuar a ser convocado para futuras formações.
                Contudo, no meio e rede social envolventes constata-se uma imagem negativa sobre o arguido, imediatamente conotada com os comportamentos ilícitos pelos quais está a ser julgado nos presentes autos.
                O arguido consome estupefacientes»

Ora, não se vê como é que pode defender que o recorrente está a fazer um esforço para levar uma vida conforme o direito – apesar de ser a 1ª condenação por tráfico, a verdade é que recentemente teve condenações em penas suspensas na sua execução, que, vistas bem as coisas, não surtiram qualquer efeito.
 Como tal, parece-nos correcta a pena de 3 anos de prisão.
 E será ela de suspender na sua execução?
 Traduzindo-se na não execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos, actualmente, com a revisão do Código Penal operada pela Lei n.º59/2007, de 4 de Setembro, entendemos, com o apoio da melhor doutrina, que a suspensão constitui uma verdadeira pena autónoma (com elementos relevantes sobre a natureza de pena autónoma, de substituição, da pena suspensa, veja-se o Acórdão da Relação de Évora, de 10.07.2007, Proc. n.º 912/07-1, www.dgsi.pt).
 A classificação das penas como principais, acessórias e de substituição continua a ser válida e operativa, ainda que a lei não utilize expressamente estas designações, a não ser no tocante às penas acessórias.
 Deste modo, sob o ponto de vista dogmático, penas principais são as que constam das normas incriminadoras e podem ser aplicadas independentemente de quaisquer outras; penas acessórias são as que só podem ser aplicadas conjuntamente com uma pena principal; penas de substituição são as penas aplicadas na sentença condenatória em substituição da execução de penas principais concretamente determinadas.
Partindo do pressuposto de que a pena de suspensão de execução da prisão é uma pena de substituição em sentido próprio (em contraste com as penas de substituição detentivas ou em sentido impróprio), temos como pressuposto material da sua aplicação que o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime a às circunstâncias deste, conclua pela formulação de um juízo de prognose favorável ao agente que se traduza na seguinte proposição: a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O regime jurídico da pena de suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50.º a 57.º do CP, e nos artigos 492.º a 495.º do CPP.
Da análise do regime legal resulta que a suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades:
· suspensão simples;
· suspensão sujeita a condições (cumprimento de deveres ou de certas regras de conduta);
· suspensão acompanhada de regime de prova.
 O artigo 50º, n.º 1 do CP actual estatui que o tribunal pode suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
 Já o artigo 50º do CP anterior à revisão de 2007 dispunha que o tribunal podia suspender a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao facto punível e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição.
 De acordo com o preceituado nos mencionados artigos, o tribunal afirma a prognose social favorável em que assenta o instituto da suspensão da execução da pena se conclui que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, devendo, para tal, atender à personalidade do agente; às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.
E só deve decretar a suspensão da execução quando concluir, face a esses elementos que essa é a medida adequada a afastar o delinquente da criminalidade.
O Tribunal deverá correr um risco prudente, uma vez que esperança não é seguramente certeza, mas se tem sérias dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, a prognose deve ser negativa (neste sentido o Ac. do STJ de 11-01-2001, proc. n.º3095/00-5).
Perante o citado normativo os julgadores não podem estribar-se em condições acerca da culpa do arguido, mas somente reportar-se às finalidades preventivas da punição. A suspensão terá, assim, de assegurar as finalidades da prevenção geral e as necessidades de prevenção especial ou de reintegração.
Em suma, e resumindo, é necessário que, por um lado se faça uma prognose social favorável quanto ao arguido no sentido de que, perante a factualidade apurada se conclui que o mesmo aproveitará a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, não voltando, com elevado grau de certeza, a delinquir e, por outro lado, que a suspensão cumpra as exigências de reprovação do crime servindo para satisfazer a confiança da comunidade nas normas jurídicas violadas.
Como tem vindo ultimamente a ser entendido, tal medida tem um conteúdo reeducativo e pedagógico, pelo que são muito especialmente necessidades de prevenção especial limitadas pelas de prevenção geral na modalidade de defesa do ordenamento jurídico, que neste momento devem ser equacionadas.
Ora, o K...não é um delinquente primário, a quem, a nosso ver, deva ser dada uma chance de se levantar do jugo do crime – embora inserido familiarmnete, não o está profissionalmente.
Não vemos, pois, razão para lhe aplicar a suspensão desta pena de prisão.
E fazemo-lo pois não acreditamos na ressocialização deste homem que se viu envolvido nesta actividade por vontade própria.
O próprio relatório da DGRS, a fls 1964-1968, aponta para o risco de reincidência e o seu desinvestimento numa vida construtiva e activa.
Improcede, assim, o recurso do recorrente B quanto ao quantum da pena e à possibilidade de a ver suspensa na sua execução.
 
3.2.8. Improcedem, assim, todos os fundamentos deste recurso B,
 
3.3. Improcedem, PORTANTO, E EM CONCLUSÃO, em todo o seu espectro, os recursos intentados, validando-se a equilibrada decisão de 1ª instância.

            III – DISPOSITIVO
           
A)- Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - desta Relação em
· Negar provimento ao recurso do arguido A...;
· Negar provimento ao recurso do arguido K....

            B)- Comunique de imediato o teor desta decisão ao tribunal de 1ª instância (cfr. artigo 215º, n.º 6 do CPP).

            C)- Sem prejuízo do eventual benefício do apoio judiciário atribuído a algum deles, condena-se cada um dos 2 arguidos recorrentes em custas, com a taxa de justiça fixada em 3 UCs para cada um [artigos 513º/1 do CPP e 8º/5 do RCP, este remetendo para a Tabela III].







           
Paulo Guerra (Relator)
Cacilda Sena



[1] Diga-se aqui que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar (cfr. Germano Marques da Silva, Volume III, 2ª edição, 2000, fls 335 - «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões»).
[2] Seguimos aqui muito de perto as sábias considerações de Manuel Aguiar Pereira no «Manual sobre Fundamentação dos actos judiciais», CEJ.
([3]) “1. Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a protecção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
2. Qualquer pessoa acusada de uma infracção presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente provada.
3. O acusado tem, como mínimo, os seguintes direitos:
a) Ser informado no mais curto prazo, em língua que entenda e de forma minuciosa, da natureza e da causa da acusação contra ele formulada;
b) Dispor do tempo e dos meios necessários para a preparação da sua defesa;
c) Defender-se a si próprio ou ter a assistência de um defensor da sua escolha e, se não tiver meios para remunerar um defensor, poder ser assistido gratuitamente por um defensor oficioso, quando os interesses da justiça o exigirem;
d) Interrogar ou fazer interrogar as testemunhas de acusação e obter a convocação e o interrogatório das testemunhas de defesa nas mesmas condições que as testemunhas de acusação;
e) Fazer-se assistir gratuitamente por intérprete, se não compreender ou não falar a língua usada no processo.”
([4]) “A fundamentação das sentenças em processo penal”
[5] Cfr. ainda Michele Taruffo, La Prueba de los Hechos, Editorial Trotta, SEPS 2002, p. 455-456 – aí se deixa opinado que «la prueba podrá definirse como directa o indirecta en función de la relácion que se dé entre el hecho a probar y el objeto de la prueba. Se está ante una prueba directa cuando las dos enunciaciones tienen por objeto el mismo hecho, es decir, cuando la prueba versa sobre el hecho principal. Por tanto, es prueba directa aquella que versa directamente sobre el hecho a probar. En cambio, se estará ante una prueba indirecta cuando esta situación no se produzca, es decir, cuando el objeto de la prueba este constituído por um hecho distinto de aquel que debe ser probado por ser juridicamente relevante a los efectos de la decisión».
[6] A propósito de prova por regras de experiência e por presunções, leia-se o douto Acórdão da Relação de Coimbra de 6/1/2010 (25/07.5IDCBR.C1):
«Relevantes, no domínio probatório, para além dos meios de prova directos, são os procedimentos lógicos para prova indirecta, de conhecimento ou dedução de um facto desconhecido a partir de um facto conhecido: as presunções.
O artigo 349.º do Código Civil prescreve que «presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido», sendo admitidas as presunções judiciais nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal (artigo 351.º do mesmo diploma).
No plano de análise em que nos movemos, importam as chamadas presunções naturais ou hominis, que permitem ao juiz retirar de um facto conhecido ilações para adquiri um facto desconhecido.
«Ao procurar formar a sua convicção acerca dos factos relevantes para a decisão, pode o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (ou de uma prova de primeira aparência)».

As presunções simples ou naturais são simples meios de convicção, pois que se encontram na base de qualquer juízo. O sistema probatório alicerça-se em grande parte no raciocínio indutivo de um facto desconhecido para um facto conhecido; toda a prova indirecta se faz valer através desta espécie de presunções.
As presunções simples ou naturais são, assim, meios lógicos de apreciação das provas, são meios de convicção. Cedem perante a simples dúvida sobre a sua exactidão no caso concreto.
Como é referido no Ac. do STJ de 07-01-2004
[10], «na passagem de um facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir, pois, juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.(…)
A ilação decorrente de uma presunção natural não pode, pois, formular-se sem exigências de relativa segurança, especialmente em matéria de prova em processo penam em que é necessária a comprovação da existência dos factos para além de toda a dúvida razoável.
Há-de, pois, existir e ser revelado um percurso intelectual, lógico, sem soluções de descontinuidade, e sem relação demasiado longínqua entre o facto conhecido e o facto adquirido. A existência de espaços vazios no percurso lógico de congruência experimental típica determina um corte na continuidade do raciocínio e retira o juízo do domínio da presunção, remetendo-o para o campo já da mera possibilidade física mais ou menos arbitrária ou dominada pelas impressões».
Em suma, nos parâmetros expostos, a apreciação da prova engloba não apenas os factos probandos apresáveis por prova directa, mas também os factos indiciários, factos interlocutórios ou habilitantes, no sentido de factos que, por deduções e induções objectiváveis a partir deles e tendo por base as referidas regras da experiência, conduzem á prova indirecta daqueles outros factos que constituem o tema de prova. Tudo a partir de um processo lógico-racional que envolve, naturalmente, também elementos subjectivos, inevitáveis no agir e pensar humano, que importa reconhecer, com consistência e maturidade, no sentido de prevenir a arbitrariedade e, ao contrário, permitir que actuem como instrumento de perspicácia e prudência na busca da verdade processualmente possível».
[7] Cfr. Acórdão do Tribunal Supremo de Espanha n.º 560/2006, de 19 de Maio de 2006 (lido no estudo de Euclides Dâmaso atrás citado):
1.A prova directa será praticamente impossível, dada a capacidade de camuflagem e o hermetismo com que actuam as redes clandestinas de fabrico e distribuição de drogas bem como de “lavagem” do dinheiro procedente daquelas.
1.1. Por isso a prova indirecta ou indiciária será a mais usual, pelo que é admitida pela Convenção de Viena de 1988 contra o tráfico ilícito de estupefacientes (art. 3º, nº 3).
2. O direito à presunção de inocência não se opõe a que a convicção judicial no processo penal possa formar-se sobre a base de prova indiciária.
2.1. Para isso é necessário que existam indícios plenamente provados, relacionados entre si e não desvirtuados ou abalados por outras provas ou contra indícios e que se tenha explicitado, de forma razoável, o juízo de inferência do julgador.
3. Por falta de prova directa, há que recorrer aos critérios da prova indirecta ou indiciária que o Tribunal Constitucional considera bastante para infirmar a presunção de inocência:
a) a quantidade de capital lavado ou branqueado;
b) a vinculação ou conexão desse capital com actividades ilícitas ou com pessoas ou grupos relacionados com as mesmas;
c) o aumento desproporcionado do património durante o período de tempo a que se refere aquela vinculação ou conexão;
d) a inexistência de negócios ou actividades ilícitas que justifiquem esse aumento patrimonial.
4. Cumprem-se todos esses requisitos quando:
a) o arguido possui uma embarcação de transporte rápido registado em seu nome, apesar de não ter emprego estável;
b) tem antecedentes policiais (declarações dos arquivos da Guarda Civil) que o relacionam com o narcotráfico e, concretamente, com outro co-arguido que tem antecedentes judiciais por tráfico de droga.

            [8] De facto, o arguido A..., pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (artº 21º, nº 1 da Lei 15/93), ocorrido em 28.7.1998, foi condenado em 9.6.1999 na pena de quatro anos e 6 meses de prisão, transitada em julgado (processo nº 18/99 do 3º Juízo do Tribunal de Círculo de Coimbra); em 17 de Julho de 2001 foi-lhe concedida liberdade condicional até 28 de Janeiro de 2003. E, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes (artº 21º, nº 1 e 4 da Lei 15/93), um crime de condução ilegal (artº 3º, nº 2 do DL 15/93) e um crime de detenção ilegal de arma (artº 6, nº 1 da Lei 22/97), praticado em 28.10.2003, foi condenado em 27.10.2004 na pena única de sete anos e sete meses de prisão, transitada em julgado em 28.2.2005; foi concedida liberdade condicional em 18.11.08 (processo Comum Colectivo n.º613/03.9 TACBR, da Vara de Competência Mista – 2.ª secção).
                Este arguido, revelando uma completa indiferença pelas condenações anteriores e pelo tempo de prisão que cumpriu, voltou a praticar factos ilícitos, como os descritos.
                Assim, porque ele cometeu um crime de tráfico de estupefacientes, a que corresponde pena de prisão efectiva superior a 6 meses de prisão dentro das balizas temporais mencionadas, atenta ainda a natureza do crime praticado, quer então, quer agora, verifica-se o circunstancialismo que o torna merecedor de tal censurabilidade agravada, devendo ser considerado como REINCIDENTE.

[9] Argumentou assim, e bem, o Colectivo:
«Já quanto aos demais arguidos (E..., F..., H..., G..., J... e K...), quer porque uns eram também consumidores, quer porque estavam na dependência do arguido A..., que detinha o controlo de tal actividade, transparece que desta actuação não lhes advieram proventos significativos, o que faz também transparecer a já mencionada diminuição da ilicitude, razão pela qual integramos a conduta dos mesmos no artº 25º da mesma lei, a que corresponde a epígrafe “Tráfico de menor gravidade”, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos».