Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - A Causa:
C (…) e marido E (…), RR. nos autos supra indicados, com benefício de Apoio Judiciário, inconformados com a decisão que julgou extemporânea a sua Contestação com Reconvenção, dela vieram interpor recurso de apelação, alegando e concluindo que:
1- Por despacho de 16/06/2020 (nº 94048983), o tribunal “a quo” proferiu a seguinte decisão: “Nos termos e fundamentos expostos, - Julgo extemporânea a Contestação/Reconvenção apresentadas pelos Réus e, em consequência, - Determino o seu desentranhamento, - Custas do incidente a cargo dos Réus, com mínimo de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário e, em consequência, - Julgo confessados os factos articulados pelos Autores na Petição Inicial, ao abrigo do disposto no art. 567.º, n.º 1, do CPC. - Notifique, com cumprimento do disposto no art. 567.º, n.º 2, do CPC. - D.N.”
2- Sustentando tal decisão nos factos que considera provados e descreve nos pontos nº 2.1 a 2.10 (fls 4 e 5) desse mesmo despacho, e que são os seguintes: “2.1. Consta do respectivo aviso de recepção de citação dirigidos aos Réus que foi assinado a 12/04/2019 por pessoa diversa dos citandos e foi devolvido ao tribunal onde deu entrada a 17/04/2019. 2.2. Constava do documento de citação dos Réus que estes dispunham do prazo de 30 dias para contestar e que no caso de pessoa singular, quando a assinatura do aviso de receção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias. 2.3. Por requerimento datado de 24/04/2019 os Réus informaram o processo que no dia 17/04/2019 requereram apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo. 2.4. Em 31/05/2019 foi concedido apoio judiciário aos Réus, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento faseado no pagamento de compensação de Patrono, com a periocidade de liquidação de €60,00 mensais, por cada. 2.5. Em 31/05/2019, o Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados enviou email, para o Ilustre Advogado (…), com a notificação da nomeação de Patrono. 2.6. Em 05/06/2019 foram expedidas cartas com registo simples para os Réus, com a vista a notificação da referida nomeação de Patrono.
2.7. Em 06/06/2019, os Réus, através do actual Patrono, Dr(…) vieram informar os presentes autos que requereram ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a substituição do Patrono nomeado, Dr. (…), pelo Dr. (…) 2.8. Em 03/09/2019, o Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados enviou email, para o Ilustre Advogado, Dr. (…), com a notificação da nomeação de Patrono dos Réus, em substituição do patrono nomeado, Dr. (…). 2.9. Em 03/09/2019, com a vista à notificação da referida substituição/nomeação de Patrono foram expedidas cartas com registo postal simples para a morada dos Réus. 2.10. Em 11/10/2019, os Réus apresentaram a sua Contestação/Reconvenção.”
3- Factos que, apesar de na sua generalidade corresponderem à verdade não permitem extrair deles as consequências jurídicas que foram extraídas pelo tribunal “a quo” na douta decisão recorrida.
4- Foram omitidos factos e presunções legais que determinaram um prazo menor para os RR. contestarem, pelo que a decisão a tornar-se definitiva os prejudicaría gravemente nos seus direitos legais, pois, ao contrário do que julgou o tribunal “a quo”, a Contestação e Reconvenção dos RR. foram tempestivamente apresentadas.
5- De facto, as cartas para citação foram recebidas por terceira pessoa, que assinou os (AR’s) em 12 de Abril de 2019 e em 24 de Abril de 2019, os RR. juntaram aos autos comprovativo de terem requerido o benefício de apoio judiciário – cfr. facto provado nº 2.3.
6- As cartas de notificação (artº 233º do CPC.) só foram expedidas em 23 de Abril – cfr. Refª 90915256 e 90915257 do Citius, pelo que só em 26 de Abril de 2019 se podiam presumir recebidas pelos RR. – cfr. artº 249º, nº 1, do CPC.
7- Portanto, depois do requerimento a comprovar o pedido Apoio Judiciário e antes de lhes ter sido nomeado Patrono (o Dr. (…) foi nomeado em 31/05/2019) – cfr. facto provado nº 2.5.
8- E, em bom rigor, nem nessa data se podem considerar validamente efectuadas, uma vez que não foram acompanhadas pelas cópias dos AR’s, como referem – cfr. refªs do Citius supra citadas - o que implicaria a nulidade desta notificação, e a sua repetição, o que não ocorreu.
9- Diz o artº 142º do CPC que: “Quando um prazo peremptório se seguir a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só.”
10- As cartas enviadas nos termos do artº 233º do CPC. informaram os RR. que “Àquele prazo (de 30 dias) acresce uma dilação de 5 dias por a citação não ter sido efectuada na pessoa” deles.
11- Contudo, em 24/04/2019, que foi interrompido o prazo em curso (cfr. nº 4 do artº 24º da Lei 34/2004 de 29/07), ainda os RR. não tinham recebido tais cartas nem lhes tinha sido nomeado Patrono pela O. A.., pelo que, salvo melhor entendimento, a contagem do prazo de 5 dias de dilacção ainda nem se tinha iniciado quando, em 24 de Abril, foi junto aos autos o comprovativo de Apoio Judiciário.
12- E, assim, tinha que ser contado conjuntamente com o prazo peremptório de 30 dias “como um só” (artº 142º do CPC.), portanto, 35 dias no total.
13- Por outro lado, ensina a douta Jurisprudência que: “Para determinar o início do prazo da contestação, a nomeação do patrono feita por e-mail do Conselho Regional da Ordem dos Advogados, presume-se efectuada no 3.º dia posterior, aplicando-se analogicamente o art.º 248º do CPC (não se considerando efectuada na data vertida no email em causa).”
14- O e-mail do CRCOA. a nomear o Patrono substituto foi expedido em 03/09/2019, pelo que somando 3 (três) dias do correio, este Patrono considera-se notificado no dia 06/09/2019 e é a partir daí que se inicia a contagem do prazo dos RR. para apresentarem a sua contestação.
15- Portanto, o primeiro dia dos 35 (30+5 ou 5+30) da contagem, é o dia 07/09/2019 e o prazo para os RR. contestarem terminava no dia 11 (onze) de Outubro de 2019, enquadramento fáctico e jurídico que tinha que ter determinado a admissão da Contestação/Reconvenção, por tempestiva, com todas as legais consequências e o prosseguimento dos autos em conformidade.
DAS FÉRIAS JUDICIAIS DE PÁSCOA
16- Na decisão recorrida, o tribunal “a quo” omitiu, ainda, outro facto legal determinante para a correcta contagem dos prazos, que impõe a interrupção dos 5 dias do prazo de dilacção e, consequentemente, a contagem única a que se refere o artº 142º do CPC. e a tempestividade da contestação, ou seja, as férias judiciais da Páscoa de 2019.
17- O dia de Páscoa ocorreu a 21 de Abril e, por isso, as férias judiciais entre 14 a 22 de Abril (Domingo de Ramos a Segunda-Feira de Páscoa) – cfr. artº 28º da Lei nº 62/2013 de 26/08 (LOSJ), período em que a lei suspende os prazos processuais – cfr. artº 138º do CPC.
18- Os AR’s das cartas de citação foram assinados por pessoa diversa dos RR., razão por que acrescem 5 (cinco) dias de dilacção ao prazo peremptório (de 30 dias), nos termos da a) do nº 1 do artº 245º do CPC. – cfr. ponto nº 2.2 dos factos provados – pelo que, assinados em 12 de Abril de 2019, o primeiro dia da contagem dos 5 (cinco) dias de dilacção foi o dia 13 (treze) de Abril de 2019.
19- Por o dia 14 de Abril ser o primeiro dia das férias judiciais da Páscoa de 2019, o segundo dia dos cinco de dilacção foi o dia 23 de Abril, ou seja, o 1º dia útil após o decurso das férias judicias, e o terceiro dia dos cinco de dilacção foi o dia 24 de Abril de 2019.
20- Precisamente a data em que os RR. juntaram aos autos o comprovativo de pedido Apoio Judiciário, e, por isso, foi interrompido o prazo (de dilacção) então em curso (cfr. nº 4 do artº 24º da Lei 34/2004 de 29/07).
21- Razões por que no dia 24 de Abril se mostravam decorridos apenas 2 (dois) dias dos 5 (cinco) de dilacção (o 3º estava em curso) e faltavam decorrer ainda mais 3 (três) dias desse prazo e, face a essa interrupção legal do prazo de 5 dias, a contagem deste prazo dilactório recomeça com a notificação ao Patrono – cfr. alínea a) do nº 5 do artº 24º da Lei 34/2004 de 29/07.
22- Em 31/05/2019, o CRCOA, enviou email, para o Ilustre Advogado (…) com a notificação da nomeação de Patrono – cfr. facto nº 2.6 – o qual, nos termos do artº 248º do CPC., se presume recebido no 3º dia posterior, ou seja, em 03/06/20195, data em que se inicia nova contagem do prazo dilactório.
23- Contudo, em 06/06/2019, que decorria o 3º dia dos 5 de dilação, os Réus informaram aos autos que requereram ao CRCOA, a substituição do Patrono nomeado, Dr(…), pelo Dr. (…) – cfr. facto nº 2.8 – razão por que foi novamente interrompido o prazo, dilactório, em curso (cfr. nº 4 do artº 24º da Lei 34/2004 de 29/07).
24- Em 03/09/2019, o CRCOA enviou email, para o Advogado, Dr. (…) com a notificação da nomeação de Patrono dos Réus, em substituição do patrono nomeado, Dr. (…) – cfr. facto nº 2.9 – o qual, nos termos do artº 248º do CPC., se presume recebido no 3º dia posterior, ou seja, em 06/09/20196, e, portanto, notificado o Patrono substituto.
25- Data a partir da qual se inicia a contagem do prazo dos RR. para contestar, de 30 dias acrescidos de 5 de dilacção, num total de 35 dias, porque contados como um só, nos termos do arº 142º do CPC..
26- Ou seja, o primeiro dia, deste prazo final global de 35 dias (5+30 ou 30+5), ocorreu no dia sete de Setembro de 2019.
27- E, contando-o contínuo no calendário como manda o artº 138º do CPC, encontramos o trigésimo quinto dia, do prazo no dia onze de Outubro de 2019.
28- Precisamente a data em que os RR. juntaram a sua Contestação com Reconvenção aos presentes autos, ou seja, dentro do prazo legal de que os RR. dispunham para o efeito.
Por todo o exposto
29- Forçoso é concluir, portanto, que, em qualquer dos casos:
a. Quer na contagem dos prazos feita a partir da data presumida da notificação do artº 233º do CPC.;
b. Quer, e sobretudo, na contagem feita após desconto das férias judiciais da Páscoa de 2019, o prazo de dilacção encontrava-se interrompido e, por isso, o prazo dilactório e o peremptório (5+30 = 35 dias) “contam-se como um só” (artº 142º do CPC) com inicio no dia 7 (sete) de Setembro de 2019.
- Do Cumprimento do Artº 646 do CPC.:
30- OS RR. indicam as seguintes peças processuais, de que deve ser passada certidão para instruir o Recurso, isenta de custos, por força do benefício de apoio judiciário:
a. Das duas cartas enviadas para citação dos RR. e os correspondentes avisos de recepção, assinados;
b. Do requerimento dos RR. de 24/04/2019 a juntar aos autos comprovativo do pedido de apoio judiciário;
c. Das duas cartas expedidas em 23/04/2019 para notificação dos RR. nos termos do artº 233º do CPC.;
d. Do oficio do CRCOA de 31/05/2019 a nomear o primeiro Patrono, Dr. (…)
e. Do requerimento dos RR. de 06/06/2019 a informar os autos que requereram ao CRCOA, a substituição do Patrono nomeado, Dr. (…)
f. Do oficio do CRCOA de 03/09/2019 a nomear o Patrono substituto, Dr. (…)
g. Do douto despacho de 16/06/2020, que julga extemporânea a Contestação (nº 94048983).
* * *
São termos em que se pede que seja dada sem efeito a decisão recorrida que:
- julgou extemporânea a Contestação/Reconvenção apresentadas pelos Réus;
- determinou o seu desentranhamento, com custas do incidente a cargo dos Réus, e
- julgou confessados os factos articulados pelos Autores na Petição Inicial, ao abrigo do artº 567.º, n.º 1, do CPC.
Substituindo-a por outra, que:
- Considerando, em qualquer caso, quer na contagem dos prazos – desde logo do dilactório - se não pela tardia e inválida notificação a que se refere o artº 233º do CPC., quer, e sobretudo, pelo desconto do período das férias de Páscoa de 2019, que, contando correctamente os dois prazos (dilactório e peremptório), o terminus do prazo total ocorreu no dia 11 (onze) de Outubro de 2019 e
- Consequentemente considere tempestiva a apresentação da Contestação/Reconvenção dos RR., ordene a sua admissão;
- Dê sem efeito a decisão do seu desentranhamento; da condenação em custas e a que julga confessados os factos articulados pelos AA. na petição inicial;
- Ordene o prosseguimento dos autos em conformidade.
ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!
S (…)e esposa C (…), AA no processo em referência e neles melhor identificados, tendo sido notificados do recurso de apelação interposto pelos RR, R (…) e C (…) vieram,
para o efeito, apresentar as suas contra-alegações, por sua vez, concluindo que:
Do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono na pendência da acção.
1- Resulta do artº 16º, nº 1, al. b) da Lei nº 34/2004, de 29/07, na sua redação decorrente da Lei nº 47/2007, de 28/08, (que republicou aquela lei), que o apoio judiciário compreende, entre outras, ‘a modalidade de nomeação e pagamento da compensação de patrono’, apoio esse que é suscitado ou requerido pelo interessado no mesmo – artº 22º da citada lei -, daí resultando que ‘... quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de uma ação judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso nessa ação se interrompe com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o referido procedimento administrativo, prazo esse interrompido que se inicia a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação’ – artº 24º, nºs 1, 4 e 5, al. a) da citada lei.
2- Quando o referido requerimento tiver sido apresentado na pendência de ação judicial, a decisão final sobre o pedido de apoio judiciário é notificada ao tribunal em que a ação se encontra pendente, bem como, através deste, à parte contrária – art. 26º, nº 4 -, bem como é notificada a nomeação de patrono pela Ordem dos Advogados ao requerente e ao patrono nomeado (com expressa advertência do início do prazo judicial) – artº 31º, nºs 1 e 2 -, sendo que cabe também ao beneficiário do apoio judiciário requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, com o devido fundamento, quando tal se imponha – artº 32º.
3- Assim, descendo ao caso dos autos, os requerentes de apoio judiciário, aqui recorrentes, na referida modalidade, tinha um prazo de 30 dias para contestar, prazo esse que se reiniciou, ou voltou a correr, com a notificação ao patrono nomeado da sua designação (pela sua Ordem) – artº 24º, nºs 1, 4 e 5, al. a) da citada lei -, ou seja, no caso, a partir de 31/05/2019.
Dos efeitos do pedido da substituição de Patrono
4- Com a inicial nomeação de patrono oficioso, em processo judicial pendente, a parte requerente fica desde logo assistida; e a apresentação posterior de pedido seu de substituição do dito patrono não tem virtualidade para, ipso facto, fazer cessar - ou meramente suspender - o patrocínio oficioso que lhe fora deferido (cabendo inclusivamente a decisão dessa sua pretensão a entidade terceira). Neste sentido (com a mesma conclusão II) do Acórdão da Relação de Guimarães 24-10-2019,
5- Só com a nomeação de novo patrono cessa o patrocínio oficioso antes conferido a anterior, inexistindo qualquer interrupção de prazo processual em curso pela apresentação do requerimento de substituição (ao contrário do que se prevê no art. 24.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, para a nomeação inicial de patrono, e no art. 34.º, n.º 2 do mesmo diploma, para a escusa, face à diferente ponderação de interesses ínsitos nestas e naquela outra hipótese. Neste sentido (com a mesma conclusão III) o Acórdão da Relação de Guimarães 24-10-2019,
6- Assim a cessação de primitivo patrono nomeado ou, a eventual do interrupção dos prazos processuais em curso dá-se, não na sequência do pedido de substituição de patrono mas sim, com o seu deferimento (art n.º 2 do art. 32.º da Lei nº 34/2004, de 29/07).
7- In casu, verifica-se que, os RR, na pendência da presente acção requereram concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono e de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo – o que interrompeu o prazo em curso.
8- O que foi diferido e consequentemente nomeado, o Ilustre Advogado Dr. (…), o qual foi notificado em 31-05-2019 – o que deu início à contagem do prazo para contestação.
9- Em 06/06/2019, os Réus, através do actual Patrono, Dr. (…), vieram informar os presentes autos que requereram ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a substituição do Patrono nomeado – o que não interrompeu qualquer prazo.
10- Em 03/09/2019, o Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados deferiu o pedido de substituição e consequentemente enviou email, para o Ilustre Advogado, Dr. (…) com a notificação da nomeação de Patrono dos Réus, em substituição do patrono nomeado, Dr. (…) – o que fez cessar as funções do patrono substituído.
11- E assim, deveriam os aqui recorrentes r apresentar a sua contestação nos 30 dias após à notificação ao patrono nomeado da sua designação ou seja, a partir de 31/05/2019.
12- Pelo que, a contestação com reconvenção, apresentada pelos RR, em 11-10-2019, tem de se considerar extemporânea, com as devidas consequências legais.
Caso assim não se entenda,
Da interpretação do artigo 24.º, n.º 4 e 5 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, a saber
- Se inicia a contagem do prazo que estiver em curso - o prazo dilatório conjuntamente com o prazo peremptório (5+30) ou,
- Se inicia a contagem somente do prazo peremptório da contestação (30).
13- O prazo, peremptório, conclusivo, preclusivo, resolutivo, previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC corresponde ao período de tempo dentro do qual o acto (in casu: a apresentação da contestação) pode ser praticado, sob pena de deixar de ser possível praticá-lo. Este último prazo é, por isso, considerado manifestação do princípio da preclusão.
14- A dilação ou suspensãodo, prevista no artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC corresponde ao período de tempo que antecede a contagem do prazo fixado para a apresentação da contestação e justifica-se pelo facto de a citação ter sido realizada em pessoa diversa do citando. Mais precisamente, a dilação visa assegurar apenas que a citação chega ao conhecimento do citando, ficando este, por fim, habilitado a exercer o seu direito de defesa nas mesmas condições em que estaria se a citação tivesse sido realizada directamente na sua pessoa.
15- Os dois prazos apresentam-se bem demarcados na letra da lei. O artigo 569.º, n.º 1, do CPC, tem a epígrafe “[p]razo para a contestação”, e determina que, quando haja lugar a dilação, o prazo para a contestação começa a correr desde o termo da dilação.
16- E o artigo 142.º do CPC determina que quando um prazo peremptório se segue a um prazo dilatório “os dois prazos contam-se como [se fossem] um só”. Como explicam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora.
17- O objectivo desta disposição é o de impedir que se conte, entre os dois prazos, o dia de interregno que seria normal contar-seisto é, de esclarecer que ao termo de um deve seguir-se imediatamente a contagem do outro, não significando, de todo, que os dois prazos se convertem num só.
18- De tudo isto decorre que os dois prazos são prazos distintos e autónomos (são 5 dias + 30 dias e não 35 dias, como alega a recorrente), ainda que a lei ficcione, para efeitos de contagem – e só para efeitos de contagem –, o seu “englobamento” ou “fusão” num prazo único.
19- Enquanto que, a interrupção consignada no artigo 24.º, n.º 4 e 5 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, visa proteger e assegurar a preparação e organização da defesa no prazo normativo para tal fixado, que dia se inicia através de notificação ao patrono nomeado, a dilação prevista no artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC visa assegurar apenas o efectivo conhecimento por parte do réu da existência de um processo contra si interposto, ficando este, por fim, habilitado a exercer o seu direito de defesa nas mesmas condições em que estaria se a citação tivesse sido realizada directamente na sua pessoa.
20- É facilmente percetível, que quando o RR apresenta o pedido de apoio judiciário, já tem conhecimento prévio e efectivo da existência de um processo contra si interposto ou seja, que a carta de citação que foi entregue a outra pessoa, já lhe chegou às mãos, pelo que não faz qualquer sentido correr novo prazo dilatório cujo objectivo que se visa realizar já se encontra cumprido.
21- Sendo obrigação do intérprete atender à letra da lei e presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados (art. 9º, nºs 1 2 e 3 do CCivil), não vemos como se possa defender que o prazo dilatório se interrompeu com o pedido de nomeação de patrono e muito menos com o pedido de substituição de patrono e ainda que se reiniciou com a notificação do patrono ou de novo patrono.
22- Veja-se que os RR tomaram conhecimento efectivo da presente acção pelo menos em 24-04-2019.
23- A concessão de nova dilação, constituiria uma vantagem injustificada para os RR e sem razão de ser.
24- A título de exemplo, veja-se o que sucederia com a dilação nos casos de citação edital: o Réu dispõe de uma dilação de 30 dias (com fundamento nas dificuldades para tomar conhecimento de que foi proposta contra si uma acção judicial, decorrentes desta modalidade de citação) e de um prazo para a apresentação da contestação de mais 30 dias; na sequência de pedido de apoio judiciário, após a notificação do seu deferimento iria beneficiar de mais 60 dias (!) para contestar.
Seria manifestamente irrazoável e injustificado.
25- Neste conspecto, o “prazo em curso” a que se refere o nº 4 do artigo 24º da Lei nº 34/2004 (apoio judiciário) deve ser interpretado no sentido que é o prazo normativo e invariável assinalado concretamente na lei para a prática do ato processual, in casu 30 dias para contestar (Artº 569, n1 do CPC)
26- No caso em apreço, os RR foram citados em 12-04-2019, cujos avisos de receção foram assinados por pessoa diversa, pelo que teriam 5 dias de dilação acrescido de 30 dias para contestar,
27- Tendo em 24-04-2019 apresentado pedido de apoio judiciário, o prazo, nos termos do art. 24º n 4 da Lei n 34/2004 de 29 de Julho, interrompeu-se e iniciou-se com a notificação de nomeação do patrono, que se deu no dia 31 de Maio de 2019, sendo que o prazo dilatório não se contabiliza, uma vez que o desígnio legal (ratio legis) foi cumprido.
E mesmo que assim não se entendesse, já o prazo de dilação tinha decorrido,
Ora,
28- O prazo dilatório de 5 dias começou a contar ainda no período de funcionamento dos tribunais (em 12-04-2019), e esse prazo não tem, salvo melhor opinião, que ver com a prática de actos judiciais pelos interessados, nem tem incidência directa no decurso dos prazos de actos a realizar pelos interessados - e é essa prática que justifica a suspensão da sua realização durante o período das férias judiciais, de modo a facilitar a vida aos advogados, aos magistrados e em geral aos interessados na sua prática (artigos 137º e 138º do CPC)
29- A estipulação que ao prazo de defesa acresce uma dilação de 5 dias, por ter sido assinada por pessoa diversa dos RR, consagra, conforme alegado, um prazo que corre autonomamente e não se destina ou relaciona com a prática de nenhum ato (ou mesmo omissão) processual dos interessados, embora, evidentemente, tal estipulação marque o inicio de um prazo judicial, “ in casu” o momento a partir do qual corre o prazo para a contestação. E não pode o seu decurso considerar-se interrompido nas férias judiciais: acontecendo in casu, o seu termo no período das férias judiciais, o prazo para a prática do acto judicial ( no caso, o prazo peremptório da apresentação da contestação, inicia-se no primeiro dia útil, após as férias da Páscoa, isto é, no caso, em 23 de Abril de 2019.
30- De resto, a lei, no art. 143.º do CodProcCivil, não fala da regra da contagem dos prazos dos actos realizados pelo tribunal, e que por lei são inderrogáveis e inalteráveis. Refere-se, sim, à contagem e validade dos actos processuais a realizar durante as férias, isto é, que dependem da iniciativa dos interessados ou do tribunal. Diz aquele normativo que « Quando se praticam os actos : 1. Não se praticam actos processuais nos dias em que os tribunais estiverem encerrados, nem durante o período de férias judiciais (...) ». Assim, a regra é a da continuidade dos prazos, ou seja, « 1. O prazo processual, estabelecido por lei ou fixado por despacho do juiz, é contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais (...) ».
31- Neste conspecto, in casu, só o prazo peremptório (30 dias) está sujeito à suspensão durante as férias judiciais, pois que as razões que justificam aquela suspensão dos prazos não tem razão de ser para aquele mesmo prazo de 5 dias.
32- Aqui chegados verificamos que a dilação de cinco dias concedida já tinha decorrido no dia 17/04/2019, portanto antes dos Réus terem junto aos autos requerimento com documento comprovativo de que tinham pedido o benefício de apoio judiciário com nomeação de Patrono.
33- Que se diga, mesmo abarcando a tese que o prazo de dilação se reiniciou no dia 31 de Maio de 2019, com a notificação da nomeação de patrono e que se interrompeu em 06-06-2019 ( sexto dia posterior), com a apresentação de pedido de substituição de patrono. Também já havia decorrido o prazo de dilação.
34- Assim, mesmo que se entenda que o prazo reiniciou em 03-09-2019, com a nomeação do presente patrono, na data da apresentação da contestação (11 de Outubro de 2019) já havia decorrido o prazo de 30 dias previsto para o efeito,
35- Pelo que, deve a contestação com reconvenção ser considerada extemporânea e consequentemente ser desentranhada dos autos, com os devidos efeitos jurídicos,
É nestes termos, com o devido suprimento, que se considera que o presente recurso deverá ser julgado totalmente improcedente e não provado, mantendo-se a decisão da sentença.
*
II. Os Fundamentos:
Colhidos os Vistos legais, cumpre decidir:
Factos Provados
Para decidir da invocada extemporaneidade da Contestação/Reconvenção, resultam dos autos, com relevo, os seguintes factos (assentes por acordo e/ou documento constante dos autos):
2.1. Consta do respectivo aviso de recepção de citação dirigidos aos Réus que foi assinado a 12/04/2019 por pessoa diversa dos citandos e foi devolvido ao tribunal onde deu entrada a 17/04/2019.
2.2. Constava do documento de citação dos Réus que estes dispunham do prazo de 30 dias para contestar e que no caso de pessoa singular, quando a assinatura do aviso de receção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias.
2.3. Por requerimento datado de 24/04/2019 os Réus informaram o processo que no dia 17/04/2019 requereram apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
2.4. Em 31/05/2019 foi concedido apoio judiciário aos Réus, na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo e nomeação e pagamento faseado no pagamento de compensação de Patrono, com a periocidade de liquidação de €60,00 mensais, por cada.
2.5. Em 31/05/2019, o Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados enviou email, para o Ilustre Advogado (…), com a notificação da nomeação de Patrono.
2.6. Em 05/06/2019 foram expedidas cartas com registo simples para os Réus, com a vista a notificação da referida nomeação de Patrono.
2.7. Em 06/06/2019, os Réus, através do actual Patrono, Dr. (…) vieram informar os presentes autos que requereram ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a substituição do Patrono nomeado, Dr. (…), pelo Dr. (…)
2.8. Em 03/09/2019, o Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados enviou email, para o Ilustre Advogado, Dr. (…), com a notificação da nomeação de Patrono dos Réus, em substituição do patrono nomeado, Dr. (…).
2.9. Em 03/09/2019, com a vista à notificação da referida substituição/nomeação de Patrono foram expedidas cartas com registo postal simples para a morada dos Réus.
2.10. Em 11/10/2019, os Réus apresentaram a sua Contestação/Reconvenção.
*
Nos termos do art. 635º, do CPC, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas alegações do recorrente, sem prejuízo do disposto no art. 608°, do mesmo Código.
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As questões suscitadas, na sua própria matriz constitutiva e redactorial, consistem em se apreciar:
I.
Por todo o exposto
29- Forçoso é concluir, portanto, que, em qualquer dos casos:
a. Quer na contagem dos prazos feita a partir da data presumida da notificação do artº 233º do CPC.;
b. Quer, e sobretudo, na contagem feita após desconto das férias judiciais da Páscoa de 2019, o prazo de dilacção encontrava-se interrompido e, por isso, o prazo dilactório e o peremptório (5+30 = 35 dias) “contam-se como um só” (artº 142º do CPC) com inicio no dia 7 (sete) de Setembro de 2019.
II.
São termos em que se pede que seja dada sem efeito a decisão recorrida que:
- julgou extemporânea a Contestação/Reconvenção apresentadas pelos Réus;
- determinou o seu desentranhamento, com custas do incidente a cargo dos Réus, e
- julgou confessados os factos articulados pelos Autores na Petição Inicial, ao abrigo do artº 567.º, n.º 1, do CPC.
Substituindo-a por outra, que:
- Considerando, em qualquer caso, quer na contagem dos prazos – desde logo do dilactório - se não pela tardia e inválida notificação a que se refere o artº 233º do CPC., quer, e sobretudo, pelo desconto do período das férias de Páscoa de 2019, que, contando correctamente os dois prazos (dilactório e peremptório), o terminus do prazo total ocorreu no dia 11 (onze) de Outubro de 2019 e
- Consequentemente considere tempestiva a apresentação da Contestação/Reconvenção dos RR., ordene a sua admissão;
- Dê sem efeito a decisão do seu desentranhamento; da condenação em custas e a que julga confessados os factos articulados pelos AA. na petição inicial;
- Ordene o prosseguimento dos autos em conformidade.
-- -
Apreciando, diga-se que as questões em perfil, se reconduzem - no essencial -, ao enunciado original que as motivou, já, aí, com o seguinte esquisso declarado:
«A única divergência entre as partes é uma mera divergência de interpretação jurídica e reside essencialmente no seguinte – os Autores entendem que o prazo em curso interrompido é 30 dias para apresentação de Contestação enquanto os Réus entendem que o prazo interrompido em curso é o prazo global de 35 dias, correspondente a 30 dias acrescido de 5 dias de dilação».
Problema que, após prévio enquadramento, no seu noema fundamental, a decisão considerou, na emergência da matéria de facto considerada provada;
a qual, por sua vez, mereceu da parte dos recorrentes a seguinte apreciação:
«3- Factos que, apesar de na sua generalidade corresponderem à verdade não permitem extrair deles as consequências jurídicas que foram extraídas pelo tribunal “a quo” na douta decisão recorrida.
4- Foram omitidos factos e presunções legais que determinaram um prazo menor para os RR. contestarem, pelo que a decisão a tornar-se definitiva os prejudicaría gravemente nos seus direitos legais, pois, ao contrário do que julgou o tribunal “a quo”, a Contestação e Reconvenção dos RR. foram tempestivamente apresentadas».
Firmando-se, em decisório, não obstante - por confronto directo -, que:
«No caso concreto em apreciação, a citação dos Réus considera-se feita no dia 12/04/2019 pois esta é a data da assinatura do respectivo aviso de recepção (e não no dia 17/04/2019 como alegam os Autores, pois esta é a data em que, já depois de assinado, o aviso de recepção deu entrada no tribunal).
E como foi efectuada em pessoa diversa dos citandos, foi enviada a notificação a que alude o disposto no art. 233.º, do CPC.
Ficou provado que da citação consta, para além do mais, com relevo para o caso concreto, que os Réus dispunham do prazo de 30 dias para contestar e que no caso de pessoa singular, quando a assinatura do aviso de receção não tenha sido feita pelo próprio, acrescerá a dilação de 5 dias.
Ficou ainda provado que por requerimento datado de 24/04/2019, os Réus informaram o processo, juntando documento comprovativo, que (no dia 17/04/2019) tinham requerido apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono e de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.
Aqui chegados verificamos desde logo que a dilação de cinco dias concedida já tinha decorrido (no dia 17/04/2019) antes dos Réus terem junto aos autos requerimento com documento comprovativo de que tinham pedido o beneficio de apoio judiciário com nomeação de Patrono (independentemente da data em que tal pedido entrou na Segurança Social competente), ao abrigo do disposto no art. 24.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29/07.
Deste modo, o requerimento apresentado pelos Réus em 24/04/2019 teve a virtualidade de interromper o único prazo que já estava em curso: precisamente o prazo de 30 dias para apresentação de Contestação.
Depois da nomeação de patrono aos Réus e sua substituição, o novo Patrono foi efectivamente notificado em 03/09/2019 pelo Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados.
Aqui chegados, os Réus dispõem da faculdade de reinício do prazo que tinha ficado interrompido: apenas e tão somente o prazo de 30 dias para apresentação da contestação.
Isto porque a dilação de cinco dias concedida aquando da citação dos Réus já tinha decorrido quando estes juntaram aos autos o requerimento a comprovar terem requerido o benefício de apoio judiciário, como já acima referido.
E, ao contrário do que defendem os Réus, invocando o disposto no art. 142.º, do CPC, estes não beneficiam agora do somatório do prazo de 35 dias correspondente aos cinco dias de prazo dilatório e de 30 dias de prazo peremptório.
Com efeito, o disposto no at. 142.º, do CPC, estipula apenas o modo de contagem dos referidos prazos, sem interregnos.
(…)
Assim sendo, é pacífico que este prazo de 30 dias reiniciou-se a partir de 03/09/2019, com a notificação ao patrono nomeado da sua designação, ao abrigo do disposto no art. 24.º, n.º 5, da Lei n.º 34/2004, de 29/07.
Nesta sequência, os Réus tinham até ao dia 03-10-2019 para apresentarem a sua Contestação/Reconvenção.
Aliás, mesmo para quem entenda que a nomeação do patrono feita por e-mail do Conselho Regional da Ordem dos Advogados se presume efectuada no 3.º dia posterior à data vertida nos emails em causa, ou seja, em 06/09/2019, o prazo da apresentação da contestação já havia terminado em 07/10/2019 (…).
--
É fora de dúvida que a decisão em causa - perante a singularidade do caso com que se confronta e aprecia, na sua própria formulação -, não arreda, nem pode arredar, vinculação ao quadro de fundo, onde, necessariamente, sempre, se projecta, impondo-se referir - como lampadário de caminho -, que:
«(…) as expectativas legitimamente criadas pelos cidadãos, resultantes de comportamentos dos poderes públicos impõem a previsibilidade da actuação destes, ínsita no princípio do estado de direito democrático, consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa, nas suas vertentes dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.
Por isso, incumbindo aos tribunais, no exercício do essencial poder judicial do Estado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos (Cf. artigo 202.º da CRP), estes não esperam da parte daqueles, ao administrarem a justiça em concreto, qualquer afronta ao clima de boa-fé e de confiança em que os cidadãos têm o direito de acreditar, na sua relação com todos os poderes públicos.
Neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo: 50/14.0T8CNT.C1, de 05-05-2015 -
“IV – Ora, incumbindo aos tribunais, no exercício do essencial poder judicial do Estado, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, estes não esperam da sua parte qualquer afronta ao clima de boa-fé e de confiança em que têm o direito de acreditar na sua relação com todos os poderes públicos, porquanto as expectativas por eles legitimamente criadas, resultantes de comportamentos dos poderes públicos, impõem a previsibilidade da actuação destes, ínsita no princípio do estado de direito democrático, nas suas vertentes dos princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.”
Com efeito, o mencionado direito de acesso aos tribunais e à tutela jurisdicional efectiva é também parte integrante do princípio material da igualdade ínsito ao artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa e do próprio princípio democrático, pois este não pode deixar de exigir uma democratização do direito e uma democracia do direito, veja-se Constituição da República Portuguesa Anotada – J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Coimbra Editora, Volume I, 4.ª Edição Revista, 2007.
A interpretação constante da decisão recorrida consagra uma restrição à actuação processual das partes, que, nesse contexto, não podem adequada e eficazmente exercer os seus direitos e ver julgada a lide que estão envolvidos, violando o princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais que o artigo 20.º da Constituição consagra, pois, feriu o princípio do contraditório, traduzindo, na prática, uma desigualdade de armas, na justa medida em que, do mesmo passo, cerceia à ora Recorrente a possibilidade de uma defesa técnica efectiva, pois, ordenou o desentranhamento da sua contestação.
Desta forma, na situação em apreço, estamos claramente perante uma colisão entre a decisão jurídica da qual se recorre, que considerou que a Contestação foi intempestiva e, entre valores sociais dominantes, como sejam a contagem de prazos processuais, que assumem uma clara relevância social, sob pena de ocorrem factos extintivos dos direitos, incluindo a prescrição ou caducidade de direitos, já que na verdade o decurso do prazo peremptório faz extinguir o direito de praticar o ato.
Pelo que, a análise pelo próprio Supremo Tribunal de Justiça da questão supra enunciada de aferir se o prazo que se reiniciou inclui também a dilação prevista no artigo 245.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Civil, por forma a criar uma linha de orientação e assumir relevância jurídica e social, por forma a evitar uma eventual ofensa de direitos, de sentimentos de inquietação a minarem a tranquilidade de uma generalidade de pessoas. Pois que, são situações que têm um invulgar impacto na vida das pessoas, assumem até um interesse comunitário que, pela sua peculiar importância e os interesses em jogo ultrapassam os limites do caso concreto (…).
Assim, sendo sabido, que as partes ao longo do processo estão sujeitas ao cumprimento de diversos ónus, sob pena de verem precludidas as suas pretensões, o que resulta dos princípios fundamentais do nosso processo civil, concretamente, para o caso em análise, os princípios da auto responsabilidade das partes e da preclusão.
Pelo que, se trata de uma situação merecedora de protecção até às últimas instâncias, na medida em que a sua apreciação é de extrema relevância para a credibilidade da justeza das decisões judiciais perante os cidadãos e da manutenção da própria ordem jurídica.-
(…)
Ora, embora o art. 142º do CPC, para efeitos de contagem de prazos, disponha que quando um prazo peremptório se segue a um prazo dilatório, os dois prazos contam-se como um só, temos sempre de ter em conta que a dilação e o prazo para contestar constituem dois prazos distintos e autónomos.
A dilação é o lapso de tempo que medeia entre a data da citação e a data em que começa a correr o prazo para contestar e o prazo para contestar só começa a correr a partir do termo da dilação.
Por último, dispõe o art. 24º n 4 da Lei n 34/2004 de 29 de Julho que, quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência de acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.
(…)
Sobre a questão é muito escasso o que pode acrescentar-se à argumentação expendida pelo Tribunal de 1.ª instância (constante da fundamentação de facto reproduzida e, assim, acolhida pelo Tribunal a quo).
(Na envolvente que, aí, se desenvolve), o caso é simples de descrever:
A citação realizou-se em pessoa diversa da citanda / recorrente, beneficiando esta de um prazo para a contestação em que aos trinta dias habituais previstos no pelo artigo 569.º, n.º 1, do CPC acrescem cinco dias de dilação por força do artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC. Tendo, porém, a recorrente formulado, entretanto, pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo em curso interrompe-se, conforme determinado no artigo 24.º, n.º 4, da Lei n 34/2004 de 29 de Julho, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação [Sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, vide Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, págs. 185-186]. Como tal notificação ocorreu no período de férias judiciais, o reinício da contagem do prazo foi transferiu-se, em conformidade com o disposto no artigo 139.º, n.º 2, do CPC, para o 1.º dia útil seguinte. Nos temos do artigo 326.º, n.º 1, do CC, a interrupção inutiliza todo o tempo do prazo em curso decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (a notificação ao patrono nomeado da sua designação).
O problema está em saber quando se esgotou este prazo, o que implica saber que prazo estava em curso e foi interrompido. Nestas hipóteses em que a parte beneficia de dilação, deve considerar-se que o prazo que está em curso é o prazo global, unitário, composto do período previsto no artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC e do período previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC, ou deve considerar-se que estão em causa dois prazos distintos, autónomos e dissociáveis, caso em que o primeiro, estando já decorrido, não pode ser considerado para efeitos de contagem de novo prazo?
Sem hesitação, afigura-se que a resposta correcta é a segunda. Veja-se por que razão.
Dispõe o artigo 139.º do CPC, quanto às modalidades do prazo, que o prazo pode ser dilatório ou peremptório (cfr. n.º 1), sendo que o primeiro difere para certo momento a possibilidade de realização de um acto ou o início da contagem de certo prazo (cfr. n.º 3) e o segundo extingue o direito de praticar o acto (cfr. n.º 3).
Não há dúvida de que o prazo de que a recorrente beneficia ao abrigo do artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC é um prazo dilatório (também designado “suspensivo” [Distinguindo a interpretação extensiva da analogia, vide Inocêncio Gaivão Teles, Introdução ao Estudo do Direito, Volume 1, 1ª edição, Coimbra Editora, págs. 261-262, onde afirma que, enquanto «interpretação extensiva é o alargamento da letra da lei, a analogia é o alargamento do seu espírito». Assim, a interpretação extensiva limita-se a esclarecer o pensamento legislativo de certa norma, em face de uma redacção demasiado restrita, mas sem pretender aplicá-la a casos que ela não previu, como já sucede no processo analógico] que acresce ao prazo estabelecido para a contestação no artigo 569.º, n.º 1, do CPC, que, por seu turno, se classifica como peremptório (também designado “conclusivo, preclusivo, resolutivo” [ Conforme Ac. do STJ, de 12.11.2009, Fonseca Ramos, Processo n.º 2822/06.0TBAGD-A.C1.S1, onde nomeadamente se lê que o «mandato forense, sendo de óbvia constituição voluntária, tem na sua base uma relação de confiança entre o mandante e o advogado que contrata como mandatário»].
A diversidade de natureza de cada um dos prazos está patente nas respectivas designações e associa-se, inevitavelmente, à diversidade das respectivas funções. O prazo, peremptório, conclusivo, preclusivo, resolutivo, previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC corresponde ao período de tempo dentro do qual o acto (in casu: a apresentação da contestação) pode ser praticado, sob pena de deixar de ser possível praticá-lo. Este último prazo é, por isso, considerado manifestação do princípio da preclusão [Neste sentido, Ac. da RE, de 30.06.2015, Renato Barroso, Processo n.º 28/08.2GBCCH.E1, onde se lê que, enquanto «não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se em funções para os actos subsequentes, incluindo o recurso]. Enquanto isso, a dilação ou suspensão do art.º 245.º, n.º 1, al. a), do CPC corresponde ao período de tempo que antecede a contagem do prazo fixado para a apresentação da contestação e justifica-se pelo facto de a citação ter sido realizada em pessoa diversa do citando. Mais precisamente, a dilação visa assegurar apenas que a citação chega ao conhecimento do citando, ficando este, por fim, habilitado a exercer o seu direito de defesa nas mesmas condições em que estaria se a citação tivesse sido realizada directamente na sua pessoa.
Os dois prazos apresentam-se bem demarcados na letra da lei. O artigo 569.º, n.º 1, do CPC, tem a epígrafe “[p]razo para a contestação”, e determina que, quando haja lugar a dilação, o prazo para a contestação começa a correr desde o termo da dilação. E o artigo 142.º do CPC determina que quando um prazo peremptório se segue a um prazo dilatório “os dois prazos contam-se como [se fossem] um só”. Como explicam Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, o objectivo desta última disposição é o de impedir que se conte, entre os dois prazos, o dia de interregno que seria normal contar-se, isto é, de esclarecer que ao termo de um deve seguir-se imediatamente a contagem do outro.
De tudo isto decorre que os dois prazos são prazos distintos e autónomos (são 5 dias + 30 dias e não 35 dias, como alega a recorrente), ainda que a lei ficcione, para efeitos de contagem – e só para efeitos de contagem –, o seu “englobamento” ou “fusão” num prazo único» (…) (Cf. Ac. STJ de 06-06-2019, Proc. nº 2008/17.8T8BRG-B.G1.S2, Relatora: CATARINA SERRA).
Voltando ao caso dos autos, com tal tessitura institucional de adequação, revela-se conforme se haver consagrado, em decisório, como tópica fundamental de resolução, o elemento vector de tal Aresto do STJ. A saber, e como referido:
«I. Realizando-se a citação em pessoa diversa do citando, ao prazo para a contestação de trinta dias previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC acrescem cinco dias de dilação, por força do artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC.
II. Tendo sido formulado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo em curso interrompe-se, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono [cfr. artigo 24.º, n.ºs 4 e 5, als. a) e b), da Lei n 34/2004 de 29 de Julho].
III. Sendo estes os dois prazos distintos e autónomos, no caso de o prazo dilatório estar já decorrido, o prazo em curso, para efeitos de interrupção e de reinício de contagem, é unicamente o prazo peremptório previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC.
IV. O fim do artigo 142.º do CPC, determinando que quando um prazo peremptório se segue a um prazo dilatório os dois prazos se contam como – como se fossem – um só, é apenas o de esclarecer que ao termo de um prazo deve seguir-se de imediato a contagem do outro, não significando, de todo, que os dois prazos se convertem num só».
Potencia tal apreciação, no que se repercute, na especificidade dos presentes Autos, que:
«Além disso, no caso concreto em apreciação, nem sequer era possível integrar o acto de Contestação dos Réus dentro do período previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC, ou seja, nem sequer foi praticado dentro dos primeiros três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, dependendo a sua validade de multa (ou mesmo com multa dispensada ou reduzida – cfr. art. 139.º, n.º 8, do CPC).
Com efeito, mesmo aceitando que o prazo de Contestação teria terminado apenas a 07/10/2019 (e não a 03/10/2019), mesmo assim, como o dia 07/10/2020 é uma segunda-feira, o terceiro dia útil é o dia 10/10/2019, por isso, se a Contestação/Reconvenção foi apresentada no dia 11/10/2019 já estava manifestamente fora de prazo, mesmo na versão mais favorável decorrente da consideração da contagem dos três dias após remessa do mail para notificação do Ilustre Patrono e nem sequer do benefício previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC.
Deste modo e em suma, por todos os motivos expostos, a Contestação/Reconvenção apresentada pelos Réus está manifestamente fora do prazo legal e, por isso, impõe-se o seu desentranhamento, com custas do incidente a cargo dos Réus, com mínimo de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário».
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Assim, pois, em função do que se aprecia e se conforma, com outro específico enunciado obsidiante, na seguinte dimensão:
«(…) Precisa-se que, regra geral, o «procedimento de protecção jurídica na modalidade de apoio judiciário é autónomo relativamente à causa a que respeite, não tendo qualquer repercussão sobre o andamento desta» (art. 24.º, n.º 1).
Contudo, no caso de um pedido de nomeação de patrono, apresentado na pendência de acção judicial, «o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo» (art. 24.º, n.º 4) (1); e o prazo assim interrompido inicia-se, ou a «partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação», ou a «partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono» (art. 24.º, n.º 5, als. a) e b)).
Compreende-se que assim seja, já que, não podendo (em caso de patrocínio obrigatório), ou não sabendo (em caso de patrocínio facultativo), o requerente do apoio judiciário defender a sua pretensão em juízo, e pretendendo contar para o efeito com a assistência de profissional do foro habilitado para esse fim, se o prazo processual em curso não ficasse suspenso, correria o risco de, não obstante a nomeação de patrono oficioso que lhe fosse deferida, ver inviabilizado o seu direito.
Recorda-se que o sentido técnico-jurídico da expressão «interrupção», quando aplicado à contagem dos prazos (art. 326.º do CC) - e por oposição à «suspensão» (art. 318.º do CC) - impõe que a cessação de facto com eficácia interruptiva de prazo em curso faça com que este deva ser contado novamente por inteiro, reiniciando-se desde o seu ponto inicial, como se nunca tivesse estado a correr.
Logo, a «interrupção do prazo por via do disposto no n.º 4 do art. 24.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais) tem como efeito a inutilização de todo o tempo anteriormente decorrido, começando a correr novo prazo a partir das notificações aludidas nas alíneas a) e b) do n.º 5 do mesmo artigo» (Ac. da RC, de 07.07.2008, Ferreira Barros, Processo n.º 4801/07.0TBVIS.C1).
Contudo, tal novo prazo legal «não é integrado, por acréscimo ou alongamento, com o lapso de tempo, de utilização subsequente, casuística e eventual, previsto no nº 5 do art. 139º do CPCivil» (Ac. do STJ, de 17.04.2018, José Rainho, Processo n.º 1350/16.0T8PVZ.P1.S2).
Justifica-se por isso, e plenamente, que neste caso (em que o pedido de nomeação de patrono é formulado na pendência de acção judicial) a notificação da nomeação seja feita ao patrono com a expressa advertência do início do prazo judicial (art. 31.º, n.º 1).
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Precisa-se, igualmente, que a interrupção do prazo processual em curso (pela formulação, em acção judicial pendente, de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono) ocorre com a mera junção aos autos «do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo», não sendo igualmente «necessário, nem tal faria sentido, que a parte que requereu a nomeação de patrono revogue o mandato que conferiu oportunamente ao advogado que a vinha representando, não se aplicando nem se ajustando ao caso o art. 47º do CPC»; e, com a nomeação de patrono, «fica automaticamente extinta a preexistente relação de mandato, por aplicação (por analogia de situações) do art. 1171º do Código Civil» (Ac. da RG, de 29.01.2015, Manso Rainho, Processo n.º 1319/09.0TJVNF-A.G1).
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Discute-se, porém, se essa mesma interrupção do prazo processual em curso (decorrente da apresentação de requerimento de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono, em acção judicial pendente), só se torna efectiva se o acto vier a ser praticado pelo patrono nomeado, no novo prazo legal de que disporá para o efeito (Neste primeiro sentido, pronunciaram-se: o Ac. da RL, de 17.12.2008, Granja da Fonseca, Processo n.º 9829/2008-6; o Ac. da RP, de 13.09.2011, António Martins, Processo n.º 5665/09.5TBVNG.P1; ou o Ac. da RC, de 01.10.2013, Teles Pereira, Processo n.º 4550/11.5T2AGD.C1, onde nomeadamente se lê que, «se os requerentes dessa nomeação, dela fazendo descaso, constituem paralelamente um mandatário voluntário, sendo este quem apresenta a contestação no prazo que caberia, em função da interrupção, ao patrono oficioso, considera-se essa contestação extemporânea, devendo ser mandada desentranhar»); ou se, pelo contrário, não a condicionando a lei a qualquer condição resolutiva, beneficiará ainda o requerente de apoio judiciário que, depois de pedir a nomeação de patrono (que lhe será deferida), constituir mandatário judicial (Neste segundo sentido, pronunciaram-se: o Ac. da RP, de 15.11.2011, João Proença, Processo n.º 222/10.6TBVRL.P1; e o Ac. da RP, de 18.02.2014, Francisco Matos, Processo n.º 3252/11.7TBGDM-B.P1).
(…)
Lê-se no art. 32.º da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, que o «beneficiário do apoio judiciário pode, em qualquer processo, requerer à Ordem dos Advogados a substituição do patrono nomeado, fundamentando o seu pedido» (n.º 1); deferido «o pedido de substituição, aplicam-se, com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes» (n.º 2); e se «a substituição de patrono tiver sido requerida na pendência de um processo, a Ordem dos Advogados deve comunicar ao tribunal a nomeação do novo patrono» (n.º 3).
Contudo, e ao contrário do que se referiu a propósito do pedido de nomeação de patrono, a Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, nada refere a propósito dos efeitos da apresentação do pedido de substituição de patrono (antes oficiosamente nomeado) nos prazos processuais que se encontrem em curso.
Dispõe sim, e unicamente, a propósito de pedido de escusa formulado na pendência de processo por patrono oficioso antes nomeado: o mesmo, formalizado «mediante requerimento dirigido à Ordem dos Advogados ou à Câmara dos Solicitadores, alegando os respectivos motivos», «interrompe o prazo que estiver em curso, com a junção aos autos de documento comprovativo do referido pedido, aplicando-se o disposto no n.º 5 do artigo 24.º» da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho (conforme art. 34.º, nº 1 e nº 2).
Compreende-se que assim seja, já que é o próprio patrono oficioso a quem foi cometida a defesa da pretensão do requerente de apoio judiciário, que entende que não se mostram reunidas as condições objectivas para o efeito (isto é, para o seu exercício, ou para a respectiva eficácia); e, se o prazo processual em curso não ficasse suspenso, correr-se-ia o risco de, não obstante a escusa vir a ser deferida, ser prejudicada, se não mesmo inviabilizada, aquela defesa.
-
Dir-se-á, porém, que um pedido de substituição de patrono oficioso não replica esta ponderação de interesses, como não replica aquela outra ínsita no pedido de nomeação (inicial) de patrono.
Com efeito, o que está em causa no pedido de substituição de patrono é um qualquer motivo do requerente de apoio judiciário (lendo-se singelamente no art. 32.º, n.º 1 «fundamenando o seu pedido»), incluindo os de natureza puramente subjectiva, isto é, sem qualquer repercussão no exercício ou eficácia do patrocínio oficioso (ao contrário do pressuposto na escusa), que já lhe foi deferido e se encontra em vigor (ao contrário do pressuposto no pedido de nomeação inicial de patrono).
Compreende-se, por isso, que o n.º 2 do art. 32.º citado determine que só após o deferimento do pedido de substituição se aplicarão, «com as devidas adaptações, os termos dos artigos 34.º e seguintes», ou seja, os aplicáveis à escusa.
Crê-se, assim, estar arredada a possibilidade de qualquer interpretação extensiva dos preceitos citados (previstos para a nomeação inicial de patrono, e para a sua escusa), por forma a aplicar a interrupção de prazo processual em curso, pela apresentação do requerimento de substituição, à hipótese de substituição do patrono oficioso; e estar igualmente arredada a possibilidade de integração de eventual lacuna da lei (por falta de qualquer referência a essa concreta interrupção) com base em norma a criar, análoga à dos arts. 24.º, n.º 4 e n.º 5 e 34.º, n.º 2.
Com efeito, e quanto à interpretação extensiva, pressupõe a mesma que, por via interpretativa, se conclua que o legislador minus dixit quam voluit, ou seja, não podem restar dúvidas que a letra da lei ficou aquém do seu espírito, que o legislador disse menos do que queria; e, por isso, há que dar à letra da lei um alcance conforme ao pensamento legislativo (Sobre a interpretação extensiva na doutrina tradicional, vide, de novo, Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 13.ª reimpressão, Coimbra, Almedina, 2002, págs. 185-186). Contudo, isso terá que ser feito sem esquecer que «não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (conforme art. 9.º, n.º 2, do CC); e seria precisamente esse o caso da hipótese - aqui afastada - da concreta interpretação extensiva em causa.
Já quanto à integração de eventual lacuna, entre o caso omisso (de substituição de patrono) e o caso legalmente previsto (de nomeação inicial de patrono, e de escusa posterior de patrono nomeado), inexiste qualquer analogia entre ambos, face à diferente ponderação imposta pelos seus distintos pressupostos (De novo a distinção da interpretação extensiva da analogia, vide Inocêncio Gaivão Teles, Introdução ao Estudo do Direito, Volume 1, 1ª edição, Coimbra Editora, págs. 261-262, onde afirma que, enquanto «interpretação extensiva é o alargamento da letra da lei, a analogia é o alargamento do seu espírito». Assim, a interpretação extensiva limita-se a esclarecer o pensamento legislativo de certa norma, em face de uma redacção demasiado restrita, mas sem pretender aplicá-la a casos que ela não previu, como já sucede no processo analógico).
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Dir-se-á, porém, considerar que nem mesmo existe qualquer lacuna da lei (de Acesso ao Direito e aos Tribunais) que se imponha integrar, já que o seu silêncio, neste particular, não deixa sem norma algo que a exigisse.
Com efeito, com a inicial nomeação de patrono oficioso, em processo judicial pendente, a parte requerente ficou desde logo assistida. A apresentação posterior de pedido seu, de substituição do dito patrono, não tem virtualidade para, ipso facto, fazer cessar - ou meramente suspender - o patrocínio oficioso que lhe fora concedido (podendo, inclusivamente, o seu pedido vir a ser indeferido).
Compreende-se que assim seja, uma vez que o patrocínio oficioso, e ao contrário do contrato de mandato judicial - com o qual não se confunde (De novo, reconhecendo a diferença, Ac. da RP, de 08.04.2003, Marques de Castilho, Processo n.º 0220823, onde nomeadamente se lê que o «pedido de escusa não se confunde com a renúncia ao mandato, por à nomeação oficiosa não se aplicarem, inteiramente, as normas daquele contrato») -, não se baseia na confiança pessoal (Conforme enunciado já clangorado, Ac. do STJ, de 12.11.2009, Fonseca Ramos, Processo n.º 2822/06.0TBAGD-A.C1.S1, onde nomeadamente se lê que o «mandato forense, sendo de óbvia constituição voluntária, tem na sua base uma relação de confiança entre o mandante e o advogado que contrata como mandatário») (que justifica a composição voluntária de direitos e deveres, e a livre escolha dos seus concretos titulares), mas sim em direitos e deveres institucionalmente reconhecidos e impostos (a categorias pré-definidas, de requerente de apoio judiciário e de profissional forense).
Logo, só com a nomeação de novo patrono (por decisão autónoma de entidade terceira) cessará o patrocínio oficioso antes conferido ao inicial patrono (depois substituído).
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Por fim, dir-se-á que não tem aqui aplicação o disposto no art. 47.º, n.º 1 e n.º 2 do CPC (segundo o qual a revogação de mandato judicial, pela parte que dele beneficia e antes o outorgou, produz efeitos a partir da respectiva notificação ao mandatário, prévia e voluntariamente escolhido por quem agora, livre e voluntariamente, o repudia), já que não «existe igualdade substancial entre o regime da Lei nº 34/2004, de 29.7, no que se refere ao patrocínio através de advogado nomeado pela Ordem dos Advogados, e o regime do contrato de mandato (forense)».
Com efeito, «a lei que assegura o acesso ao direito e aos tribunais pela via do apoio judiciário (…) não é uma lei de auto-regulação como o é o contrato de mandato. Neste o advogado é escolhido livremente por quem solicita os seus serviços de aconselhamento e patrocínio; no regime de acesso ao direito a pessoa carenciada solicita a protecção jurídica dispensada pelo Estado, estando dependente, no que ao patrocínio concerne, da nomeação oficiosa de advogado, que pode nem sequer conhecer, nem é da sua escolha» (Ac. do STJ, de 12.11.2009, Fonseca Ramos, Processo n.º 2822/06.0TBAGD-A.C1.S1, com bold apócrifo).
Não tem igualmente aqui aplicação o disposto no art. 42.º, n.º 3 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, onde se dispõe que, enquanto «não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo» (o que vem sendo generalizadamente reafirmando pelo jurisprudência (Neste sentido, Ac. da RE, de 30.06.2015, Renato Barroso, Processo n.º 28/08.2GBCCH.E1, onde se lê que, enquanto «não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se em funções para os actos subsequentes, incluindo o recurso») (…)» (Cf. Ac. RG de 24-10-2019, Proc. nº 14/03.9TBCRZ-A.G1, Relatora: MARIA JOÃO MATOS).
Com este sentido de decisão, aqui se reflete o enunciado formulado no Acórdão antecedente, justamente ao projectar, em alcance que:
«I. O patrocínio oficioso, ao contrário do contrato de mandato judicial, não se baseia na confiança pessoal (que justifica a composição voluntária de direitos e deveres, e a livre escolha dos seus concretos titulares), mas sim em direitos e deveres institucionalmente reconhecidos e impostos (a categorias pré-definidas, de requerente de apoio judiciário e de profissional forense).
II. Com a inicial nomeação de patrono oficioso, em processo judicial pendente, a parte requerente fica desde logo assistida; e a apresentação posterior de pedido seu de substituição do dito patrono não tem virtualidade para, ipso facto, fazer cessar - ou meramente suspender - o patrocínio oficioso que lhe fora deferido (cabendo inclusivamente a decisão dessa sua pretensão a entidade terceira).
III. Só com a nomeação de novo patrono cessa o patrocínio oficioso antes conferido a anterior, inexistindo qualquer interrupção de prazo processual em curso pela apresentação do requerimento de substituição (ao contrário do que se prevê no art. 24.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, para a nomeação inicial de patrono, e no art. 34.º, n.º 2 do mesmo diploma, para a escusa, face à diferente ponderação de interesses ínsitos nestas e naquela outra hipótese).
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Alcance que, por tal forma, traveja, igualmente, o que, em expressão de contraditório, não deixou de se acentuar, perante a realidade probatória supra fixada, no presente caso, e nos seguintes termos - que se destacam em sinopse -, mas que não deixam de relevar:
«- Do pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono na pendência da acção:
os requerentes de apoio judiciário, aqui recorrentes, na referida modalidade, tinha um prazo de 30 dias para contestar, prazo esse que se reiniciou, ou voltou a correr, com a notificação ao patrono nomeado da sua designação (pela sua Ordem) – artº 24º, nºs 1, 4 e 5, al. a) da citada lei -, ou seja, no caso, a partir de 31/05/2019;
- Dos efeitos do pedido da substituição de Patrono
7- In casu, verifica-se que, os RR, na pendência da presente acção requereram concessão do benefício de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono e de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo – o que interrompeu o prazo em curso.
8- O que foi diferido e consequentemente nomeado, o Ilustre Advogado Dr. (…) o qual foi notificado em 31-05-2019 – o que deu início à contagem do prazo para contestação.
9- Em 06/06/2019, os Réus, através do actual Patrono, Dr. (…), vieram informar os presentes autos que requereram ao Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados, a substituição do Patrono nomeado – o que não interrompeu qualquer prazo.
10- Em 03/09/2019, o Conselho Regional de Coimbra da Ordem dos Advogados deferiu o pedido de substituição e consequentemente enviou email, para o Ilustre Advogado, Dr. (…) com a notificação da nomeação de Patrono dos Réus,em substituição do patrono nomeado, Dr. (…) – o que fez cessar as funções do patrono substituído.
11- E assim, deveriam os aqui recorrentes apresentar a sua contestação nos 30 dias após à notificação ao patrono nomeado da sua designação ou seja, a partir de 31/05/2019.
12- Pelo que, a contestação com reconvenção, apresentada pelos RR, em 11-10-2019, tem de se considerar extemporânea, com as devidas consequências legais.;
Da interpretação do artigo 24.º, n.º 4 e 5 da Lei n.º 34/2004 de 29 de Julho, a saber
- Se inicia a contagem do prazo que estiver em curso - o prazo dilatório conjuntamente com o prazo peremptório (5+30) ou,
- Se inicia a contagem somente do prazo peremptório da contestação (30).
26- No caso em apreço, os RR foram citados em 12-04-2019, cujos avisos de receção foram assinados por pessoa diversa, pelo que teriam 5 dias de dilação acrescido de 30 dias para contestar,
27- Tendo em 24-04-2019 apresentado pedido de apoio judiciário, o prazo, nos termos do art. 24º n 4 da Lei n 34/2004 de 29 de Julho, interrompeu-se e reiniciou-se com a notificação de nomeação do patrono, que se deu no dia 31 de Maio de 2019, sendo que o prazo dilatório não se contabiliza, uma vez que o desígnio legal (ratio legis) foi cumprido.
E mesmo que assim não se entendesse, já o prazo de dilação tinha decorrido,
31- Neste conspecto, in casu, só o prazo peremptório (30 dias) está sujeito à suspensão durante as férias judiciais, pois que as razões que justificam aquela suspensão dos prazos não tem razão de ser para aquele mesmo prazo de 5 dias.
32- Aqui chegados verificamos que a dilação de cinco dias concedida já tinha decorrido no dia 17/04/2019, portanto antes dos Réus terem junto aos autos requerimento com documento comprovativo de que tinham pedido o benefício de apoio judiciário com nomeação de Patrono.
33- Que se diga, mesmo abarcando a tese que o prazo de dilação se reiniciou no dia 31 de Maio de 2019, com a notificação da nomeação de patrono e que se interrompeu em 06-06-2019 ( sexto dia posterior), com a apresentação de pedido de substituição de patrono. Também já havia decorrido o prazo de dilação.
34- Assim, mesmo que se entenda que o prazo reiniciou em 03-09-2019, com a nomeação do presente patrono, na data da apresentação da contestação (11 de Outubro de 2019) já havia decorrido o prazo de 30 dias previsto para o efeito».
Consequentemente, não pode, com este alcance e suporte factual deixar de se sufragar - haverá de se insistir -, firmando, aquilo que, em decisório, se consagrou:
«Deste modo e em suma, por todos os motivos expostos, a Contestação/Reconvenção apresentada pelos Réus está manifestamente fora do prazo legal e, por isso, impõe-se o seu desentranhamento, com custas do incidente a cargo dos Réus, com mínimo de taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário».
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Tanto assim que:
«Numa perspetiva abstrata, não duvidamos que tais princípios (referidos) têm que ser levados em conta, nomeadamente em decorrência do art. 20º da Constituição da República Portuguesa.
Contudo, no caso concreto, não vemos que estejam a ser postergados.
Do que aqui se trata é apenas de aplicar a lei ordinária, de acordo com a interpretação que lhe é devida, e que vai no sentido que fica referido.
É o estabelecimento pelo legislador ordinário de prazos para a prática dos atos processuais (e de preclusões associadas ao decurso do prazo) - posto que, nomeadamente, não sejam funcionalmente inadequados e não criem obstáculos que dificultem ou prejudiquem arbitrariamente ou de forma desproporcionada o acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, mas nada disto se verifica no caso vertente - insere-se no âmbito dos poderes de modelação do processo que a Constituição da República lhe reconhece.
E aos tribunais compete respeitar e aplicar, e não discutir, as determinações legais.
É o caso (com a consequente determinante, aí expressa, que, assim, também, se destaca):
I - O “prazo em curso” a que se refere o nº 4 do artigo 24º da Lei nº 34/2004 (apoio judiciário) é o prazo estabelecido concretamente na lei para a prática do ato.
II - Tal prazo não é integrado, por acréscimo ou alongamento, com o lapso de tempo, de utilização subsequente, casuística e eventual, previsto no nº 5 do art. 139º do CPCivil» (Cf. AC. STJ. De 17.4.2018, Proc. nº 1350/16.0T8PVZ.P1.S2, Relator: José Rainho).
Improcede, pois, o recurso, não se mostrando violadas as normas legais que os Recorrentes indicam, nas questões formuladas, que, por tal forma, recebem resposta negativa.
*
Pode, assim, concluir-se, sumariando (art. 663º. Nº7 NCPC), que:
1.
Na situação em apreço, estamos claramente perante uma colisão entre a decisão jurídica da qual se recorre, que considerou que a Contestação foi intempestiva e, entre valores sociais dominantes, como sejam a contagem de prazos processuais, que assumem uma clara relevância social, sob pena de ocorrem factos extintivos dos direitos, incluindo a prescrição ou caducidade de direitos, já que na verdade o decurso do prazo peremptório faz extinguir o direito de praticar o ato.
2.
Assim, sendo sabido, que as partes ao longo do processo estão sujeitas ao cumprimento de diversos ónus, sob pena de verem precludidas as suas pretensões, o que resulta dos princípios fundamentais do nosso processo civil, concretamente, para o caso em análise, os princípios da auto responsabilidade das partes e da preclusão. Pelo que, se trata de uma situação merecedora de protecção até às últimas instâncias, na medida em que a sua apreciação é de extrema relevância para a credibilidade da justeza das decisões judiciais perante os cidadãos e da manutenção da própria ordem jurídica.
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3.
«I. Realizando-se a citação em pessoa diversa do citando, ao prazo para a contestação de trinta dias previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC acrescem cinco dias de dilação, por força do artigo 245.º, n.º 1, al. a), do CPC.
II. Tendo sido formulado pedido de apoio judiciário na modalidade de nomeação de patrono, o prazo em curso interrompe-se, reiniciando-se a sua contagem a partir da notificação ao patrono nomeado da sua designação ou a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento do pedido de nomeação de patrono [cfr. artigo 24.º, n.ºs 4 e 5, als. a) e b), da Lei n 34/2004 de 29 de Julho].
III. Sendo estes os dois prazos distintos e autónomos, no caso de o prazo dilatório estar já decorrido, o prazo em curso, para efeitos de interrupção e de reinício de contagem, é unicamente o prazo peremptório previsto no artigo 569.º, n.º 1, do CPC.
IV. O fim do artigo 142.º do CPC, determinando que quando um prazo peremptório se segue a um prazo dilatório os dois prazos se contam como – como se fossem – um só, é apenas o de esclarecer que ao termo de um prazo deve seguir-se de imediato a contagem do outro, não significando, de todo, que os dois prazos se convertem num só».
4.
«I. O patrocínio oficioso, ao contrário do contrato de mandato judicial, não se baseia na confiança pessoal (que justifica a composição voluntária de direitos e deveres, e a livre escolha dos seus concretos titulares), mas sim em direitos e deveres institucionalmente reconhecidos e impostos (a categorias pré-definidas, de requerente de apoio judiciário e de profissional forense).
II. Com a inicial nomeação de patrono oficioso, em processo judicial pendente, a parte requerente fica desde logo assistida; e a apresentação posterior de pedido seu de substituição do dito patrono não tem virtualidade para, ipso facto, fazer cessar - ou meramente suspender - o patrocínio oficioso que lhe fora deferido (cabendo inclusivamente a decisão dessa sua pretensão a entidade terceira).
III. Só com a nomeação de novo patrono cessa o patrocínio oficioso antes conferido a anterior, inexistindo qualquer interrupção de prazo processual em curso pela apresentação do requerimento de substituição (ao contrário do que se prevê no art. 24.º, n.º 4 e n.º 5 da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, para a nomeação inicial de patrono, e no art. 34.º, n.º 2 do mesmo diploma, para a escusa, face à diferente ponderação de interesses ínsitos nestas e naquela outra hipótese).
5.
Tal significa que, numa perspetiva abstrata, não duvidamos que tais princípios (referidos) têm que ser levados em conta, nomeadamente em decorrência do art. 20º da Constituição da República Portuguesa. Contudo, no caso concreto, não vemos que estejam a ser postergados. Do que aqui se trata é apenas de aplicar a lei ordinária, de acordo com a interpretação que lhe é devida, e que vai no sentido que fica referido.
6.
É o estabelecimento pelo legislador ordinário de prazos para a prática dos atos processuais (e de preclusões associadas ao decurso do prazo) - posto que, nomeadamente, não sejam funcionalmente inadequados e não criem obstáculos que dificultem ou prejudiquem arbitrariamente ou de forma desproporcionada o acesso aos tribunais e a uma tutela jurisdicional efetiva, mas nada disto se verifica no caso vertente - insere-se no âmbito dos poderes de modelação do processo que a Constituição da República lhe reconhece.
Consequentemente.
I - O “prazo em curso” a que se refere o nº 4 do artigo 24º da Lei nº 34/2004 (apoio judiciário) é o prazo estabelecido concretamente na lei para a prática do ato.
II - Tal prazo não é integrado, por acréscimo ou alongamento, com o lapso de tempo, de utilização subsequente, casuística e eventual, previsto no nº 5 do art. 139º do CPCivil.
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III. A Decisão:
Pelas Razões expostas, nega-se provimento ao recurso interposto, assim se confirmando a decisão recorrida.
Custas do incidente a cargo dos Recorrentes, com mínimo de taxa de justiça, sem prejuízo do Apoio Judiciário.
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Coimbra, 3 , de Novembro de 2020.
António Carvalho Martins ( Relator)
Carlos Moreira
Moreira do Carmo