Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | REGINA ROSA | ||
Descritores: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA DIVÓRCIO TRIBUNAL ESTRANGEIRO COMPETÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 05/09/2006 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 65º_A E 1096º, ALS. C) E F), DO C. CIV. | ||
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Sumário: | I – “Confirmar” uma sentença estrangeira, após ter-se procedido à sua revisão, é reconhecer-lhe, no Estado do foro, os efeitos que lhe cabem no Estado de origem, como acto jurisdicional, segundo a lei desse mesmo Estado . Esses efeitos são o efeito de caso julgado e o efeito de título executivo . II – Por sentença estrangeira há-de entender-se tão somente a decisão revista de força de caso julgado, que recaia sobre direitos privados, isto é, sobre matéria civil e comercial, qualquer que seja a natureza do órgão que a proferiu e a sua designação, bem como a sentença que tiver sido proferida, sobre a mesma matéria, por árbitros no estrangeiro . III – A al. c) do artº 1096º do C. Civ. exige, para que a sentença estrangeira revidenda seja confirmada, que esta provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses . IV – Na actual redacção da referida al. c) consagrou-se o princípio da universalidade na sua versão de unilateralidade atenuada, exigindo-se nela apenas que os tribunais portugueses não sejam exclusivamente competentes e que a competência do tribunal de origem não tenha sido provocada por fraude à lei, pelo que, tendo presente as regras de competência internacional. Exclusiva dos tribunais portugueses, fixadas no artº 65º-A, do CPC, não está afastada a competência doutras jurisdições em matéria de divórcio . V – Donde ser de concluir que um tribunal americano tem competência internacional para decretar o divórcio entre portugueses casados em Portugal . | ||
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Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA I - RELATÓRIO I.1- Mediante o presente processo de revisão de sentença estrangeira, em que é requerida a sua mulher, A..., pediu o requerente B... que esta Relação reveja e confirme, para produzir os seus efeitos em Portugal, a sentença proferida em 18.Outubro.1996 pelo Tribunal Superior de New Jersey - Departamento Familiar (Estado de New Jersey, E.U.A.), que decretou o seu divórcio. Alegou, para tanto, a verificação de todos os requisitos previstos no art.1096º/C.P.C. para a sentença estrangeira em questão ser revista e confirmada. Citada, a requerida deduziu oposição, alegando no essencial que a sentença revidenda não preenche os requisitos enumerados nas als.c) e f) do citado art.1096º, porque o tribunal americano, qualquer que ele seja, é incompetente para decretar o divórcio entre portugueses celebrado em Portugal, não sendo, sequer, de invocar o disposto no art.31º/2,C.C., e ainda porque a sentença é omissa quanto ao fundamento do divórcio. Respondeu o requerente pugnando pela improcedência da oposição. Findos os articulados, deu-se cumprimento ao estatuído no art.1099º, produzindo alegações requerente e requerida, batendo-se aquele pela confirmação da sentença. O Procurador Geral Adjunto acompanhou o requerente sustentando de igual modo que a sentença deveria ser confirmada. I.2- O Tribunal é competente e inexistem nulidades, excepções ou questões prévias que obstem ao conhecimento da pretensão do requerente. Colhidos os vistos, cumpre decidir. # # II - FUNDAMENTOS II.1 - de facto Documentalmente, estão provados os seguintes factos pertinentes: a) Requerente e requerida, ambos cidadãos portugueses, casaram catolicamente um com o outro em 19.8.78 na Igreja Paroquial de Galvão, concelho de Vagos (assento de casamento nº 99/1978, lavrado na Conservatória de Registo Civil de Vagos); b) Desse casamento nascerem três filhas, Liliana, Marlene e Carla, as quais em Outubro de 1996 tinham as idades de 17, 14 e 13 anos, respectivamente; c) O requerente, a residir em New Jersey, apresentou um requerimento de divórcio no Departamento Familiar do Tribunal Superior daquele estado norte-americano, tendo a requerida sido notificada em 27.Agosto.1996, na Gafanha da Boa Hora, Vagos, através de correio registado com aviso de recepção, não deduzindo oposição nem comparecendo a julgamento; d) Por sentença de 18.10.96 do mesmo tribunal, tendo em conta que o “autor alegou e provou haver uma causa para a acção de divórcio de acordo com a lei estipulada em tal caso” (no original da sentença em língua inglesa, junto a fls.9 e 10, pode ler-se: “(…) and the Plaintiff having pleaded and proved a cause of action for divorce under the satute in such case made and provived (…), julgou divorciados requerente e requerida pelos motivos referidos no pedido de divórcio, ordenando a entrega das crianças menores à mãe, ora requerida, regulando, outrossim, as visitas e alimentos; e) O documento de que consta a sentença, tem aposto o carimbo com os dizeres “Depositado 18.10.96” (FILED Oct 18 1996). # # II.2 - de direito “Confirmar” uma sentença estrangeira, após ter procedido à sua “revisão”, é reconhecer-lhe, no Estado do foro, os efeitos que lhe cabem no Estado de origem, como acto jurisdicional, segundo a lei desse mesmo Estado. Esses efeitos são o efeito de caso julgado e o efeito de título executivo. Por sentença estrangeira, há-de entender-se tão somente a decisão revista de força de caso julgado, que recaia sobre «direitos privados», isto é, sobre matéria civil e comercial, qualquer que seja a natureza do órgão que a proferiu e a sua designação, bem como a sentença que tiver sido proferida, sobre a mesma matéria, «por árbitros no estrangeiro».[ Cfr. António Marques dos Santos, «Estudos de direito internacional privado e de direito processual civil internacional», pág.307-308] Os requisitos necessários à confirmação de sentença estrangeira estão fixados nas seis alíneas do art.1096º/C.P.C. (como os demais a citar sem menção expressa em contrário). Não se suscita qualquer dúvida acerca da autenticidade do documento de que consta a sentença, nem sobre a inteligência da decisão. Não está posto em causa o respectivo trânsito em julgado. Não ocorrem as excepções de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afecta a tribunal português. E como claramente se deduz do teor literal da sentença, na acção que decorreu no tribunal norte-americano, a ré, ora requerida, foi regularmente citada, nos termos da lei desse país. Estão reunidos, consequentemente, os requisitos necessários para a confirmação indicados no art.1096º, a), b), d) e e). Conforme antes relatado, a requerida deduziu a sua oposição, alegando que o tribunal americano donde emana a decisão revidenda, é incompetente para decretar o divórcio entre portugueses cujo casamento tenha sido celebrado em Portugal, por força dos arts. 25º, 32º/1, 52º/1 e 55º/1, todos do C.C., e que a mesma decisão não fundamenta a causa de divórcio. Estão, pois, em jogo, os requisitos das als.c) e f) do art.1096º. A referida al.c) exige, para que a sentença estrangeira revidenda seja confirmada, que esta “provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses”. Face à anterior redacção desta alínea, a posição tradicional era a da bilateralização das regras que estabelecem a competência internacional dos tribunais portugueses, posição contrariada pela tese da unilateralidade. Segundo esta tese, os tribunais de outros países não podem estar sujeitos ás normas de competência internacional estabelecidos pelo legislador português. Cabe a cada Estado definir, ainda que dentro de certos limites, qual a medida de competência internacional dos seus tribunais. Esta teoria apresenta duas variantes: a unilateralidade simples e a unilateralidade atenuada ou dupla, sendo esta última a defendida pela doutrina dominante entre nós, e segundo essa teoria, a competência dos tribunais do Estado de origem é limitada pela competência exclusiva dos tribunais do Estado de reconhecimento.[ Cfr. Luís de Lima Pinheiro, «Direito internacional privado», Vol.III, pág.350-351] Na fórmula actual da al.c) consagrou-se o princípio da unilateralidade na sua versão de unilateralidade atenuada. Assim, exige-se apenas que os tribunais portugueses não sejam exclusivamente competentes e que a competência do tribunal de origem não tenha sido provocada por fraude à lei. Revertendo ao caso concreto, e estando em causa na sentença a rever o divórcio entre requerente e requerido, ambos de nacionalidade portuguesa e residindo o requerido no estrangeiro, dispõe o art.55º/1,C.C. que “à separação judicial de pessoas e bens e ao divórcio é aplicável o disposto no art.52º”, sendo que, nos termos do nº1 deste art.52º “as relações entre os cônjuges são reguladas pela lei nacional comum”. Mas tal não significa a exclusividade da competência internacional dos tribunais portugueses como parece defender a requerente, pois que nem sempre a esfera de competência dos tribunais de um Estado coincide com o âmbito de aplicação do seu direito material. As regras dos arts.65º e 65º-A delimitam, unilateralmente, os casos em que os tribunais portugueses têm competência internacional para dirimir um litígio. A competência dos tribunais portugueses é exclusiva quando a ordem jurídica portuguesa não admite a privação da competência por pacto de jurisdição nem reconhece decisões proferidas por tribunais estrangeiros que se tenham considerado competentes. Ora, o art.65º-A não atribui competência exclusiva aos tribunais portugueses para as acções relativas à dissolução do casamento celebrado em Portugal entre pessoas de nacionalidade portuguesa a residirem, ou uma delas, fora do território português. Interpretando a referida al.c) conforme a doutrina da unilateralidade atenuada, e tendo presente as regras de competência internacional exclusiva dos tribunais portugueses fixadas no art.65º-A, não está afastada a competência doutras jurisdições em matéria de divórcio. O que significa que tem competência internacional o tribunal norte-americano que decretou o divórcio entre requerente e requerida. Consoante antes referido, na tese da requerida a sentença revienda também não pode ser revista e confirmada uma vez que é omissa quanto aos factos tidos por provados em que o tribunal assentou a sua decisão, pelo que não estaria verificada a sua adequação aos princípios da ordem pública portuguesa. Também neste ponto não lhe assiste razão. A al.f) do art.1096º estabelece como requisito necessário para a confirmação da sentença emanada por um órgão jurisdicional estrangeiro, que ela “não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português”. Está aqui em causa apenas um resultado concreto, os princípios de que se trata são os fundamentais da ordem jurídica portuguesa pública internacional e não da ordem pública interna, pois a finalidade da lei é aqui limitar, ainda que de forma indirecta, a aplicação de leis estrangeiras, e a referência à decisão vai no sentido de se dever apenas tomar em linha de conta a decisão contida na sentença estrangeira e não os respectivos fundamentos.[ cfr. António Marques dos Santos, ob.cit., pág.346] É verdade que a sentença a rever não especifica os factos concretos que o tribunal julgou verificados para fundamentar o decretado divórcio. A regra que no nosso ordenamento jurídico obriga a fundamentar a sentença mediante discriminação dos factos considerados provados e indicação, interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, é de carácter processual (art.659º/2,C.P.C.). Assim, não pode este tribunal de revisão fazer qualquer censura à sentença revienda com base em falta de motivação, por isso envolver uma questão processual. Mas ainda que a mesma estivesse motivada de facto, não se pode permitir quaisquer indagações sobre matéria de facto, havendo que aceitar como exactos os factos que a sentença estrangeira deu como provados.[ Cfr. A.dos Reis, «Processos especiais», Vol.II, pág.189] Os princípios da ordem pública internacional que estão na base da previsão legal são de natureza material, substantiva, e não meramente processuais. O que importa, portanto, ajuizar é se a sentença em causa contraria os princípios que estão na base da excepção da referida ordem pública internacional. Ora, reconhecendo a lei portuguesa o instituto do divórcio litigioso, não pode afirmar-se que a decisão constante da sentença acarrete um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem jurídica pública internacional do Estado Português. Em conclusão: estão reunidos todos os requisitos necessários para a confirmação da sentença estrangeira indicados no art.1096º # # III - DECISÃO Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a oposição deduzida pela requerida e, consequentemente, em declarar revista e confirmada a sentença em causa que decretou o divórcio entre B... e A.... Custas pela requerida. Após trânsito, remetam-se certidões à Conservatória do Registo Civil de Vagos (fls.7). ## COIMBRA, |