Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
728/13.5TBSCD-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO
LISTA PROVISÓRIA DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO
INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 06/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: SANTA COMBA DÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 17-D, E, F, 128 CIRE
Sumário: 1.- O processo de listagem de créditos, previsto no art.17º-D do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, diferencia-se do processo de verificação e graduação de créditos, previsto nos arts.128º e seguintes desta lei, por razões da celeridade do Processo Especial de Revitalização e do objectivo daquela listagem, essencialmente a definição do quórum deliberativo neste processo.

2.- O processo do PER tem limitações processuais e, no caso dos créditos impugnados e da conversão dele em processo de insolvência, nada obstaculiza a que se siga depois o processo dos arts.128º e seguintes referido, na fase de saneamento, instrução e julgamento, para a decisão, mais aprofundada e suportada em adequadas garantias das partes, daquelas impugnações.

Decisão Texto Integral: Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Nos autos de processo especial de revitalização foi proferido despacho inicial em 21.10.2013.

Pela senhora administradora provisória foi apresentada a lista provisória de créditos, nos termos do artigo 17.º-D, n.º 3 do CIRE, em 30.04.2013.

Em 27.2.2014, a requerente U (…)Lda, apresentou impugnação contra os créditos do Centro Social (…) IPSS e da Massa Insolvente de F (…) Lda.

Estes reclamantes foram notificados das impugnações.

Tendo como pressuposto que a decisão sobre as impugnações não implica qualquer efeito futuro sobre os créditos em causa, limitada à verificação do quórum deliberativo no PER, considerando apenas a prova documental, o tribunal decidiu admitir aqueles créditos, o da IPSS de forma limitada e converter a lista provisória de créditos, com tais modificações, em lista definitiva de créditos.


*


                Inconformada, a requerente U (…) recorreu e apresenta as seguintes conlusões:

1. Nos presentes autos de processo especial de revitalização foram reclamados créditos pelos credores Centro Social (…), IPSS e Massa Insolvente de F (…) S. A.

2. O crédito da primeira reclamante funda-se num alegado incumprimento por parte da requerente do prazo de execução de uma empreitada relativa à construção de creches, lar de idosos e apoio domiciliário da mesma, verificando-se um atraso na execução da mesma no devido prazo, o que resultaria na aplicação de sanções pecuniárias, perda de depósitos e prejuízos causados no montante total de 837.416, 28 €.

3. O crédito da segunda reclamante funda-se num alegado não pagamento de faturas resultantes de um contrato de subempreitada de diversos trabalhos a executar na referida obra do Centro Social (…), e que não teriam sido pagas, encontrando-se em falta o montante total de 32.120, 90 €.

4. Os referidos créditos foram reconhecidos na lista provisória elaborada pela Senhora Administradora Provisória, na totalidade dos valores reclamados.

5. A requerente deduziu impugnação, invocando, no que respeita ao primeiro crédito, que não lhe são imputáveis os atrasos na conclusão da obra dentro do prazo prorrogado até 31 de Julho de 2011, nem posteriormente, mas sim à reclamante, que não pagou como devia os trabalhos que iam sendo executados e os créditos cedidos à Rodtec e Vismec (créditos esses que ainda hoje se mantêm em débito, conforme decorre da reclamação apresentada por tais credores nos presentes autos), tendo a devedora entre junho e até 10 de agosto de 2011 continuado a executar trabalhos.

6. Ocorrendo que qualquer penalidade apenas poderia ascender a € 82.187,52, sendo ainda assim a mesma destituída de fundamento, porquanto a requerente é credora da reclamante em montante muito superior.

7. Resultando tal crédito de faturas emitidas pela recorrente respeitantes a trabalhos executados na obra da reclamante, pelo que operaria a compensação de créditos.

8. Em face da recusa da reclamante em aceitar a compensação de créditos, a requerente intentou no Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, ação com vista ao recebimento de tais valores (além de outros), que corre termos sob o n.º 235/13.6BEVIS.

9. Não sendo, nos mesmos termos, devidos quaisquer valores a título de

indemnização por incumprimento.

10. Quanto ao segundo crédito, a requerente alega que as faturas emitidas

referem-se a trabalhos que a sociedade F (…), SA não executou e a outros que a mesma executou de forma deficiente e que tiveram que ser executados por terceiros, dada a impossibilidade da mesma em executar os mesmos pelo facto de estar insolvente, porquanto abandonou a obra antes de tal trabalho ter sido concluído.

11. Por esses motivos, a requerente devolveu as referidas faturas à reclamante, na pessoa do Sr. Administrador, e deduziu inclusive oposição à injunção intentada pela mesma, que corre termos no 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, sob o n.º178152/12.6YIPRT, que juntou à impugnação como Documento n.º26.

12. Deduzida a impugnação a M. Juiz do Tribunal recorrido ordenou a notificação dos credores em causa para responderem.

13. Todavia, tal ato é um ato não previsto por lei, e que influi ou pode influir na decisão da causa, sendo por isso um ato nulo, nulidade que expressamente se invoca.

14. Devendo por isso as respostas à impugnação ser declaradas nulas.

15. Apresentadas as referidas respostas á impugnação, foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a impugnação no que respeita ao crédito reclamado pelo Centro Social (…), reconhecendo-lhe um crédito de € 418.708,14 (correspondente a 50% do crédito reclamado), e mantendo os restantes créditos em apreço nos termos em que foram reconhecidos na lista apresentada pela Sr.ª Administradora.

16. A requerente não se conforma com tal decisão, daí o presente recurso,

cujo âmbito se restringe, por aplicação do artigo 635.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, à decisão que julgou parcialmente improcedente a impugnação do crédito do Centro Social (…), e à decisão que julgou totalmente improcedente a impugnação do crédito da Massa Insolvente de F (…), SA.

17. Em sede de considerações gerais sobre a impugnação de créditos, a sentença objeto do presente recurso, considera que a impugnação da lista provisória de créditos em processo de revitalização e a decisão que se lhe segue pouco têm que ver com a impugnação e decisão do processo de insolvência.

18. Considera ainda que tal decisão não impediria a reclamação de créditos num futuro processo de insolvência, sendo principalmente para formação e apreciação do quórum deliberativo, e não impedindo que as questões que eventualmente não tenham sido adequadamente discutidas no PER venham a ser novamente suscitadas, com recurso a outras garantias processuais e meios probatórios, no processo de insolvência.

19. E considera, por fim, que a decisão de homologação, por sua vez, não

determina o valor dos créditos a pagar e não declara a existência ou inexistência de qualquer crédito.

20. Não havendo qualquer outro efeito da mesma.

21. Todavia, a recorrente não se conforma com tal entendimento.

22. Porquanto o mesmo evidencia uma interpretação manifestamente desconforme com o regime legal do processo de insolvência, e com a natureza do mesmo.

23. Contrariamente ao que refere o Tribunal recorrido, a impugnação a que se refere o artigo 17.º-D, n.º 3, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas tem íntima relação com a impugnação e decisão do processo de insolvência, tendo as mesmas fundamentos e regime comuns.

24. Com efeito, o referido Código não prevê no artigo 17.º-D qualquer regime específico da impugnação da lista provisória de créditos, pelo que, contrariamente ao que entende o Tribunal recorrido, na falta de regulamentação própria, a impugnação da lista provisória deve processar-se segundo as regras previstas para a impugnação dos créditos no processo de insolvência, designadamente as dos artigos 130º e 131º do CIRE., aplicando-se o regime da impugnação do processo de insolvência, em termos de tramitação e de meios de

prova.

25. Donde decorre a admissibilidade da produção de prova testemunhal pela lei, dado que, sendo aplicável, à impugnação de créditos no âmbito do processo de revitalização o regime da impugnação de créditos em processo de insolvência, aplica-se no caso dos presentes autos o artigo 134.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, que considera aplicável às impugnações o n.º 2 do artigo 25.º do mesmo diploma, segundo o qual o requerente deve oferecer todos os meios de prova de que disponha, ficando obrigado a apresentar as testemunhas arroladas.

26. Pelo que, contrariamente ao que refere o Tribunal recorrido, tem todo o cabimento nos presentes autos a produção de prova testemunhal.

27. Sendo por conseguinte admissível a produção de provas requerida pela recorrente.

28. Ao que acresce que, diversamente da exposição do Tribunal recorrido, a decisão sobre a impugnação de créditos tem efeitos preclusivos sobre as questões apreciadas pela mesma, não podendo as mesmas ser novamente suscitadas, no processo de insolvência, caso ocorra conversão do processo especial de impugnação em processo de insolvência.

29. Porquanto, como referem os n.ºs 3 e 4 do artigo 17.º-D do Código de

Insolvência e da Recuperação de Empresas, apresentada a lista provisória de créditos e publicada a mesma no Portal CITIUS, não sendo a mesma impugnada no prazo de cinco dias uteis, a mesma converte-se de imediato em definitiva,

operando a preclusão de qualquer direito de contestar judicialmente a referida lista.

30. Donde decorre que, não sendo julgada procedente a impugnação da lista provisória de créditos, ou não ocorrendo impugnação da mesma, é convertida a lista em definitiva e já não poderão os créditos reconhecidos pela mesma ser novamente apreciados, em sede de processo de insolvência que resulte da conversão.

31. Deste modo, a lista definitiva de créditos no âmbito do processo de revitalização opera em caso de conversão do mesmo em processo de insolvência, fixando a identificação de cada credor reclamante, o fundamento e montante dos créditos, a natureza garantida, privilegiada, comum ou subordinada dos créditos, não podendo os mesmos ser novamente reclamados no processo de insolvência, ou impugnada a lista quanto aos mesmos.

32. A lista definitiva de créditos constitui, pois, uma tutela definitiva dos

credores reconhecidos, que veem o seu crédito fixado e pecludido qualquer direito de impugnação da lista, quanto ao requerente do processo de revitalização, insolvente em caso de conversão, porquanto, não sendo admissível nova reclamação de créditos já reconhecidos em sede de processo de revitalização, por maioria de razão não será de admitir a impugnação dos mesmos créditos no processo de insolvência.

33. Pelo exposto, é particularmente relevante para o requerente, neste caso a ora recorrente, a apreciação da impugnação da lista provisória de créditos em processo de revitalização, uma vez que não sendo a mesma devidamente apreciada, na hipótese de conversão do processo de revitalização em processo de insolvência, já não poderá a mesma contestar créditos já reconhecidos, por já ter

sido proferida decisão definitiva quanto ao reconhecimento dos mesmos.

34. Não se concebendo, como refere o Tribunal recorrido que, considerando-se assentes os créditos não impugnados constantes da lista provisória, não o sejam os créditos impugnados cuja impugnação seja julgada improcedente, com evidente prejuízo para a recorrente, que veria precludido o seu direito sem que ao mesmo fosse dada a devida tutela.

35. Contrariamente ao entendimento do Tribunal recorrido a lista provisória não releva principalmente para a formação e apreciação do quórum.

36. O processo negocial a encetar não depende da decisão sobre as impugnações, nem o quórum deliberativo resulta da mesma, prevendo a lei mecanismos que visam compatibilizar o juízo sobre as impugnações com o processo negocial.

37. A decisão célere das impugnações não é necessária para efeitos de formação do quórum deliberativo, sendo o quórum deliberativo calculado com base nos créditos relacionados contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D.

38. Nestes termos, não poderia o Tribunal recorrido recusar-se a apreciar

em termos adequados a impugnação deduzida pela recorrente, com base no entendimento de que se impõe uma decisão célere para efeitos de formação do quórum deliberativo.

39. Pelo exposto, não pode deixar de improceder a fundamentação invocada na decisão objeto do presente recurso em sede de considerações gerais.

40. Aplicando o entendimento exposto supra à impugnação do crédito reclamado pelo Centro Social (…), a sentença objeto do presente recurso, considerando que a impugnação do crédito se dirige à própria fonte do mesmo e que quer a existência do crédito quer a sua inexistência dependem de prova a produzir, fixou o crédito em causa 50% dos votos ao seu

montante inicial, ou seja, valendo o credor em causa para efeitos de contagem do quórum deliberativo previsto no art. 212º nº1 um crédito de € 418.708,14.

41. E conferindo ao identificado crédito o benefício de considerar que é tão provável como improvável, reconheceu ao Centro Social (…) um crédito correspondente a 50% do valor reclamado, ou seja, 418.708,14€.

42. O Tribunal Recorrido não atendeu à prova testemunhal apresentada pela ora recorrente, considerando que tal prova não se compadeceria, com a natureza do processo de revitalização, que não teria qualquer efeito sobre o crédito em causa a não ser em termos de direito de voto.

43. Tal entendimento afigura-se manifestamente insustentável à recorrente, reiterando-se as conclusões supra.

44. Sendo ainda insustentável que tenha o referido entendimento quanto ao crédito reclamado pelo Centro Social (…) e não tenha o mesmo quanto ao crédito reclamado pela Massa Insolvente F (…), SA.

45. Todavia, como se expôs, os efeitos da decisão sobre a impugnação

exorbitam do campo da atribuição do direito de voto.

46. A sentença sobre as impugnações consiste num reconhecimento da identificação de cada credor reclamante, do fundamento e montante dos créditos, e da natureza garantida, privilegiada, comum ou subordinada dos créditos, que se fixam através da mesma, sendo a lista provisória alterada em conformidade e sendo os credores, em caso de aprovação de plano de revitalização pagos apenas e tão só na medida do reconhecimento da lista.

47. Na impugnação da lista provisória discute-se não o mero direito de voto a atribuir ao crédito reclamado, mas a sua própria existência e a medida em que o mesmo deverá ser pago após a aprovação do plano, tendo toda a pertinência a produção de prova quanto à sua medida.

48. Tal entendimento é confirmado pelo artigo 73.º, n.º 4, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que refere expressamente que o juiz ponderará a probabilidade da existência, do montante e da natureza subordinada do crédito.

49. A decisão sobre a impugnação da lista provisória terá de considerar necessariamente a substância do crédito, a sua existência e a sua medida, sendo de toda a pertinência a produção de prova requerida pela recorrente.

50. Ao que acresce que, a sentença sobre as impugnações da lista provisória não consiste na mera atribuição célere de um direito de voto aos credores, de modo a formar quórum deliberativo nas assembleias de discussão do plano de recuperação.

51. O processo negocial a encetar não depende da decisão sobre as impugnações, nem o quórum deliberativo resulta da mesma, prevendo pelo contrário a lei mecanismos que visam compatibilizar o juízo sobre as impugnações com o processo negocial.

52. Afigurando-se manifestamente infundado o entendimento de que, em

face da necessidade de celeridade da decisão das impugnações da lista provisória de créditos, não poderão as mesmas ser apreciadas com recurso a todas as garantias, sob pena de se não formar atempadamente o quórum deliberativo.

53. Nestes termos, não poderia o Tribunal recorrido recusar-se a apreciar

em termos adequados a impugnação deduzida pela recorrente, com base no entendimento de que se impõe uma decisão célere para efeitos de formação do quórum deliberativo.

54. Nem admite a lei que, com base no mesmo entendimento, devido a dúvidas sobre a existência de um crédito constante da lista provisória objeto de impugnação, concretamente o Centro Social (…), que o mesmo seja reconhecido em 50%, por se considerar tão provável como improvável a sua existência.

55. Tal decisão, de recusa de apreciação da impugnação deduzida e da prova junta com a mesma, nomeadamente testemunhal, constitui uma errada aplicação das leis processuais.

56. Decorrendo da correta interpretação do regime do processo de revitalização que o juiz não pode furtar-se a apreciar as impugnações e a prova que as fundamentam, sendo as mesmas deduzidas, nos termos da lei, o que manifestamente ocorre com a recorrente.

57. Reiterando-se que a prova testemunhal tem pleno cabimento nos presentes autos, face à aplicabilidade nos presentes autos do artigo 134.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas, que considera aplicável às impugnações o n.º 2 do artigo 25.º do mesmo diploma.

58. Nestes termos, a decisão objeto do presente recurso, ao não apreciar a prova apresentada pela recorrente e ao não analisar cuidadamente a impugnação deduzida pela recorrente quanto ao crédito do referido Centro Social, reconhecendo o mesmo em 50%, não se pronunciou sobre questões que deveria necessariamente apreciar, sendo por isso nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.

59. A apreciação da impugnação e da prova junta com a mesma não levaria em hipótese alguma ao reconhecimento do crédito impugnado em 50%.

60. A ora recorrente alegou circunstâncias extintivas do mesmo, nomeadamente a compensação de créditos que detém sobre o sobre o Centro Social Professora Elisa Barros, bem como a própria fonte dos mesmos, juntando prova documental de que os créditos reclamados e a compensação se encontram a ser apreciados noutra ação, sendo por conseguinte os mesmos litigiosos, o que, por si só, levanta sérias dúvidas sobre a sua existência.

61. Por conseguinte, não foi demonstrada a existência e a medida do crédito reclamado.

62. Nestes termos, o crédito reclamado não poderia ser total ou parcialmente reconhecido, uma vez que, nem tal decisão se afigura essencial para a determinação do direito de voto dos mesmos, nem dos elementos probatórios apresentados resulta demonstrada a existência do crédito reclamado.

63. Ao que acresce que o mesmo foi contestado em juízo.

64. Do exposto resulta que de forma alguma se encontra demonstrada a existência do crédito reclamado, antes resulta da prova documental junta e da produção prova testemunhal requerida, a existência de fundadas dúvidas sobre a existência do mesmo, pelo que, demonstrada a inexistência do crédito, ou pelo menos sérias dúvidas sobre a sua existência, não poderia o mesmo ser reconhecido em medida alguma, nomeadamente por aplicação da regra geral do

artigo 414.º do Código de Processo Civil vigente.

65. Afigurando-se demonstrada a inexistência do crédito reclamado pelo Centro Social (…), não poderia a impugnação do mesmo ser julgada apenas parcialmente procedente, mas sim totalmente procedente.

66. No que respeita à impugnação da reclamação de créditos da Massa Insolvente de F (…), SA., o Tribunal recorrido considerou verificada a existência dos créditos reclamados, com base no entendimento de que a recorrente não juntou qualquer meio de prova que sustentasse as suas alegações.

67. Todavia, a recorrente não se conforma com tal entendimento.

68. Na verdade, a recorrente alega que as faturas emitidas referem-se a trabalhos que a sociedade F (…) SA não executou e a outros que a mesma executou de forma deficiente e que tiveram que ser executados por terceiros, dada a impossibilidade da mesma em executar os mesmos pelo facto de

estar insolvente, tendo a mesma abandonado os trabalhos.

69. Acrescentando que se viu forçada a efetuar reparações nos mesmos por esses motivos.

70. E, em face da inexistência de valores devidos, a recorrente deduziu oposição à injunção intentada pela massa insolvente, que corre termos pelo 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Viseu, sob o n.º178152/12.6YIPRT, conforme documento anexo.

71. Não tendo em momento algum a recorrente reconhecido a existência

do referido crédito, tendo procedido à devolução das faturas à reclamante, na pessoa do seu administrador.

72. A recorrente juntou meios de prova que comprovam as respetivas alegações, nomeadamente requerendo notificação da referida sociedade E (…)Lda. para juntar aos autos cópia das faturas comprovativas dos trabalhos realizados na empreitada do Centro Social (…), em (...), Carregal do Sal, destinando-se tais documentos a comprovar os factos alegados na impugnação.

73. A referida notificação permite a junção de faturas respeitantes a trabalhos executados na referida obra, cujo conteúdo permite verificar a existência de trabalhos não executados ou defeituosamente executados pela reclamante, o que levou à execução dos mesmos por terceiros, concretamente a sociedade E (…) Lda., demonstrando-se a inexistência do crédito reclamado.

74. Ao que acresce que a recorrente requereu o depoimento de (…) Administrador de Insolvência da reclamante, quanto ao facto constante do artigo 99.º da impugnação, nomeadamente sobre a devolução das faturas emitidas pela reclamante.

75. A prestação do depoimento da testemunha confirma a devolução das

faturas, demonstrando que a requerente sempre considerou indevido o montante constante das mesmas.

76. Ao que acresce a dedução de oposição ao processo de injunção instaurado para cobrança do crédito reclamado, junta à impugnação e cujo teor se considera parte da mesma, que por si só demonstra a natureza litigiosa do crédito reclamado e lança fundadas dúvidas sobre a existência do mesmo.

77. Do exposto resulta que a recorrente juntou meios de prova e requereu

produção de prova que demonstram a inexistência do referido crédito, meios que, por manifesto lapso, no caso da prova documental, e devido a um errado entendimento no caso da prova testemunhal, não foram apreciados pelo Tribunal recorrido.

78. Por conseguinte, não tendo a sentença objeto de recurso apreciado a

prova junta e requerida pela recorrente, é nula por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.

79. Sem prejuízo de se considerar que dos factos alegados pela recorrente

resulta demonstrada a inexistência do crédito reclamado pela referida Massa Insolvente, dado que o mesmo foi contestado em juízo.

80. Existindo elementos probatórios que afastam a sua existência, pois o mesmo nunca foi reconhecido.

81. Nem ocorreu o facto determinante da sua existência, no caso a realização adequada de trabalhos pela reclamante.

82. Nestes termos, sendo a existência do crédito reclamado absolutamente afastada pela prova requerida e pela situação jurídica do mesmo, não se poderá manter o seu total reconhecimento decidido pelo Tribunal recorrido.

83. Termos em que deve dar-se provimento ao presente recurso, declarando-se a sentença nula por omissão de pronuncia e ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para o prosseguimento dos mesmo com a análise da impugnação e produção de prova requerida, sem prejuízo deste Venerando Tribunal substituir o Tribunal recorrido e proferir decisão no seguinte sentido:

1) Declarando totalmente procedente a impugnação do crédito reclamado pelo Centro Social (…), ordenando-se a retirada do mesmo da lista de créditos;

2) Declarando totalmente procedente a impugnação do crédito reclamada pela massa insolvente de F (…), SA., ordenando-se a retirada do mesmo da lista de créditos.


*

            Contra-alegou a Massa Insolvente de F (…), SA, defendendo o entendimento da decisão recorrida.

*

            Questões a decidir:

1) A nulidade decorrente do Tribunal ter ordenado a notificação dos credores em causa para responderem, porque tal ato é um ato não previsto por lei, e que influi ou pode influir na decisão da causa.

2) A nulidade da decisão por omissão de pronúncia, estando o tribunal obrigado a instruir e julgar os créditos de acordo com toda a prova requerida.


*

            Os factos a considerar são os que resultam do relatório supra exarado.

*

1) A prática de acto indevido (cfr. conclusão 13ª do recurso).

Reclama o recorrente do facto do Tribunal ter ordenado a notificação dos credores em causa para responderem, porque tal ato é um ato não previsto por lei, e que influi ou pode influir na decisão da causa.

Ora, “a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.” (art.195º, nº1, do Código de Processo Civil.)

Por seu lado, o artigo 196º dispõe que "das nulidades mencionadas nos artigos 186.º e l87.º, na segunda parte do n.º 2 do artigo 191.º e nos artigos 193.º e 194.º pode o tribunal conhecer oficiosamente, a não ser que devam considerar-se sanadas; das restantes só pode conhecer sobre reclamação dos interessados, salvos os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso".

E por isso se diz que "dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se".

Perante uma nulidade processual, o interessado tem que contra ela reclamar e a reclamação deve, em regra, ser apresentada e julgada no "tribunal perante o qual a nulidade ocorreu, ou no tribunal a que a causa estava afecta no momento em que a nulidade se cometeu". (A. Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. II, 1945, pág. 513. Cfr. ainda artigo 205º do C.P.C.)

Ora, no caso, o recorrente não se insurgiu contra a notificação no momento em que ela ocorreu, não colocando o tribunal recorrido perante a necessidade de decidir sobre ela, consolidando-se assim o andamento do processo.

(De qualquer maneira, a audição dos credores, embora não esteja prevista (art.17º-D, nº3, do Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE), não influi, só por si, no exame ou na decisão da causa. A sua falta, sim, poderia fragilizar a decisão por falta de completo contraditório.)

Em consequência, esta Relação não conhece agora aquela pretensa nulidade.


*

2) A nulidade da decisão por omissão de pronúncia, estando o tribunal obrigado a instruir e julgar os créditos de acordo com toda a prova requerida.

Parece-nos que não.

O Processo Especial de Revitalização (PER) foi integrado no Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas (CIRE) pela Lei 16/2012, de 20.4.

O legislador, como diz, simplificando formalidades e procedimentos e instituindo o processo especial de revitalização, dispõe no artigo 17.º-A:
(Finalidade e natureza do processo especial de revitalização)
1 — O processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização. (…)

3 — O processo especial de revitalização tem caráter urgente.

Depois, na parte que releva da tramitação, dispõe o artigo 17.º-D:

(Tramitação subsequente.)

1 — Logo que seja notificado do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior, o devedor comunica, de imediato e por meio de carta registada, a todos os seus credores que não hajam subscrito a declaração mencionada no n.º 1 do mesmo preceito, que deu inicio a negociações com vista à sua revitalização, convidando-os a participar, caso assim o entendam, nas negociações em curso e informando que a documentação a que se refere o n.º 1 do artigo 24.º se encontra patente na secretaria do tribunal, para consulta.

2 — Qualquer credor dispõe de 20 dias contados da publicação no portal Citius do despacho a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo anterior para reclamar créditos, devendo as reclamações ser remetidas ao administrador judicial provisório, que, no prazo de cinco dias, elabora uma lista provisória de créditos.
3 — A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis e dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas.

4 — Não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se de imediato em lista definitiva.

5 — Findo o prazo para impugnações, os declarantes dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês, mediante acordo prévio e escrito entre o administrador judicial provisório nomeado e o devedor, devendo tal acordo ser junto aos autos e publicado no portal Citius.

Da leitura destas normas, a par dos efeitos sérios sobre os credores (art.17º-E, nº1 e 6), resulta clara a imposição de prazos curtos e de uma tramitação que se quer célere.

A lei consagrou um regime de cariz voluntário, optativo e de pendor marcadamente extrajudicial.

O quórum deliberativo para aprovação do plano de revitalização de empresa é calculado com base nos créditos relacionados, contidos na lista de créditos a que se referem os nºs 3 e 4 do artigo 17º-D.

Nos termos do art.17º-F, nº3, da lei, para esse quórum, o juiz pode computar os créditos que tenham sido impugnados se considerar que há probabilidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, caso a questão ainda não se encontre decidida.

Confrontando este regime, especificamente no que respeita às impugnações, com o previsto nos arts.128º e seguintes da lei, para o processo de insolvência, detectamos diferenças essenciais:

Não há no PER a resposta às impugnações, o saneamento, a instrução e o julgamento previstos nos arts.131º, 136º e seguintes do código.

Não há no PER uma norma que faça uma remissão para aquele regime mais complexo e o art.17º-D expressa uma tramitação própria.

E entende-se que assim seja porque, no PER, entre as impugnações e a conclusão das negociações medeiam 2 meses, no máximo três, sendo certo que para a deliberação do plano deverão estar os credores interessados.

O processo dos arts.128º e seguintes da lei mostra-se inconciliável com a natureza e limites do PER. (Se o interessado impugnasse todos os créditos de forma complexa e pretendesse que o julgamento das impugnações decorresse com todas as garantias processuais, ele negociaria nos dois meses previstos em condições precárias. É para os credores interessados, perante os quais se alega não serem credores, que é necessária uma decisão rápida, para legitimar a sua intervenção, podendo estes ter uma palavra a dizer sobre o plano que os afecta.)

Para conseguir a referida celeridade, o legislador reduziu garantias processuais. E esta redução, naturalmente, deverá implicar efeitos e âmbito reduzidos ao próprio PER, salvo pequenas excepções, como a do art.17º-G, nº7.

Diz esta norma:  “Havendo lista definitiva de créditos reclamados, e sendo o processo especial de revitalização convertido em processo de insolvência por aplicação do disposto no n.º 4, o prazo de reclamação de créditos previsto  na alínea j) do n.º 1 do artigo 36.º destina -se apenas à reclamação de créditos não reclamados nos termos do  n.º 2 do artigo 17.º -D”.

Mas uma lista de créditos reclamados não é uma lista de créditos resolvidos para o processo de insolvência. Ela não é uma sentença de verificação e graduação de créditos (art.140º da lei em análise).

Apenas haverá efeitos definitivos no PER no caso de créditos não impugnados (art.17º-D, nº4, decorrente da admissão por acordo), no caso de decisões não dependentes de melhor prova e no caso de créditos que, pelos seus fundamentos, permitam uma decisão sumária e imediata. Nestes casos, a decisão não está limitada.

No caso contrário, das impugnações de relativa complexidade e prova, e porque a tramitação do art.17º-D é limitada (também para as garantias das partes), o juiz decide limitadamente ou segundo uma probalidade séria de tais créditos deverem ser reconhecidos, para os efeitos do PER. Seguindo o processo

para a insolvência, tais impugnações deverão beneficiar do regime dos arts.131º e seguintes do código. Não é admissível nova reclamação e nova impugnação mas é admissível o seu processualmente diferente julgamento.

Sendo assim, dadas as referidas limitações, no caso daquelas impugnações mais complexas, o juiz procederá de uma forma paralela à prevista no art.73º, nº4, da lei, ou seja, segundo critérios de probabilidade.

Porque a recorrente refere as duas acções pendentes em Viseu, sobre as questões que a preocupam, note-se ainda no art.17º-E, nº1, da lei: “A decisão a que se refere a alínea a) do n.º 3 do artigo 17.º -C obsta à instauração de quaisquer ações para cobrança de dívidas contra o devedor e, durante todo o tempo em que perdurarem as negociações, suspende, quanto ao devedor, as ações em curso com idêntica finalidade”…

Ora, não há, enquanto decorrem as negociações, efeitos definitivos sobre tais ações.

Tudo isto para dizer, no que respeita às preocupações da recorrente, que a lista de créditos reclamados não faz caso julgado fora do PER.

E também pelos fundamentos da decisão recorrida, como afirma: “Tratando-se a questão a ser decidida de uma questão de substância, nitidamente dependente de prova a produzir, noutra sede que não a presente, as limitações advenientes da própria estrutura, natureza e objectos do processo especial de revitalização apenas deixam como hipótese de decisão para o julgador – a tomar em cinco dias úteis, recorde-se – tomar uma decisão em tudo similar à decisão a tomar nos termos do disposto no art. 73º nº4 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.”

Ou seja, o tribunal decidiu segundo critérios de probabilidade e preocupou-se apenas com o conjunto de credores (e sua capacidade resolutiva) a intervir no PER. Esta forma de proceder é válida nos termos do enquadramento jurídico apresentado. (Neste sentido, ver C.Fernandes, J.Labareda, CIRE Anotado, 2ª edição, Quid Juris, 2013, página 159.)

Se é certo que o processo negocial não depende da decisão sobre as impugnações (art.17º-F, nº3, outra expressão da celeridade desejada), conforme esta norma, o juiz deve definir rapidamente as partes e a sua capacidade resolutiva, se necessário segundo critérios de probabilidade.

Em conclusão, não há omissão de pronúncia porque o tribunal não tinha de decidir de acordo com as normas dos arts.128º e seguintes do código e, tendo decidido limitadamente, no interesse do PER, o efeito da decisão limita-se a este processo.

Umas finais palavras sobre a substância da decisão recorrida:

A recorrente apenas atacou a decisão por razões formais (por processo incompleto), não tendo levantado qualquer questão jurídica sobre a ponderação substancialmente feita.

Esta ponderação assenta em critérios de probabilidade, em face dos elementos documentais do processo, nenhum deles aqui invocado ou analisado especificamente.

Sendo assim, e ainda como no caso paralelo do referido art.73º, nº4, da lei, por força do seu nº5, esta Relação não pode conhecer do bem fundado da valoração feita.

Portanto, deve manter-se a decisão recorrida.


*

Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e confirma-se a decisão recorrida.

            Custas conforme for decidido a final, consoante o processo siga para a insolvência (pela massa falida), para a revitalização (isento – art.4º, nº1, u), do Reg. das Custas Judiciais) ou caso seja extinto (pela requerente). (Ver, neste particular, com interesse, acórdão da R.Lisboa, de 22.5.2014, no processo 268/14.5TBCLD.L1-2, em www.dgsi.pt.)

Coimbra, 2014-6-17


Fernando de Jesus Fonseca Monteiro ( Relator )

 Luís Filipe Dias Cravo

 António Carvalho Martins