Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JACINTO MECA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE PRAZO REQUERIMENTO | ||
Data do Acordão: | 03/24/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE VISEU – VISEU – SEC. COMÉRCIO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 236º, Nº 1 DO CIRE. | ||
Sumário: | I – Fora dos prazos mencionados na primeira parte do nº 1 do artigo 236º do CIRE – pedido de insolvência pelo devedor ou por um legitimado/ artigo 20º - sempre a lei permite ao devedor fazer tal pedido no chamado período intermédio que começa após a petição inicial – para as situações em que é o devedor que se apresenta à insolvência - e termina no final da assembleia de credores para apreciação de relatório. II - O devedor/insolvente que requereu o pedido de exoneração do passivo, quer por pedido ditado para a acta, quer através da junção de requerimento autónomo, antes de finalizar a assembleia de credores para apreciação de relatório, está em prazo para tal efeito. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes que integram a 3ª Secção Cível do Tribunal, da Relação de Coimbra. 1. RELATÓRIO H... veio apresentar-se e requerer o processo de insolvência alegando no essencial que se encontra separado de facto há 4 anos e que o seu passivo ascende a €27.121,32, encontrando-se desempregado, sobrevivendo de uma bolsa mensal no valor de €177,78. O passivo encontra-se vencido e não consegue crédito junto das instituições financeiras ou bancárias. Concluiu pela sua declaração de insolvência. Por sentença de folhas 10 a 11vº foi julgada procedente a acção especial de insolvência e consequentemente foi declarado insolvente. Em sede de assembleia de credores, pelo ilustre mandatário do insolvente foi pedida a palavra, e no uso da mesma disse: O insolvente vem requerer que lhe seja concedida a exoneração do passivo restante, nos termos do disposto no artigo 236º do CIRE, porquanto só após a notificação do relatório apresentado pelo Sr. Administrador tomou conhecimento de factos de que até esta data não dispunha. Pede deferimento. Concedida a palavra à Digna Magistrada do Ministério Público, no uso da mesma disse: Nos termos do disposto no artigo 236º do CIRE, o pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência, ou no prazo de dez dias, posteriores à citação. No caso em apreço foi o próprio insolvente que se apresentou, pelo que não funciona aqui o disposto no nº 2 do mesmo normativo, pelo que teremos que concluir que o pedido de exoneração do passivo, de acordo com o nº1 não foi feito no momento próprio, sendo certo que também já resultava do pedido inicial que o insolvente já se encontrava desempregado, pelo que não existe, quanto a nós, qualquer circunstância nova que permita apreciar, neste momento, qualquer pedido de exoneração do passivo, acrescendo ainda que o requerimento nesta data efetuado não cumpre o disposto no nº 3 do já citado artigo. Assim, pelo exposto somos de entendimento que o pedido é extemporâneo. Concedida a palavra ao Sr. Administrador da Insolvência para se pronunciar sobre o requerido quanto à exoneração do passivo restante, no uso da mesma disse que nada tem a opor ao deferimento, caso se conclua que o pedido foi apresentado em tempo. De seguida, a Sra. Dra. Juiz proferiu o seguinte despacho: Na presente hipótese em que o devedor se apresentou à insolvência, julgamos que deveria ter solicitado a exoneração do passivo restante no requerimento de apresentação. De facto afigura-se que o artigo 236º, nº 1 do CIRE, a tal propósito, consagra um prazo peremptório cuja inobservância determina o indeferimento liminar de tal requerimento. A este propósito deixa-se ainda exarado que o disposto no artigo 236º, nº 1 parte final, relativo à livre decisão do Juiz sobre a admissão ou rejeição do pedido apresentado em período intermédio se aplica às hipóteses em que a insolvência não foi requerida pelo próprio devedor. Assim, de harmonia com o disposto no artigo 236º, nº 1 e 238º, nº 1 alínea a), indefiro liminarmente tal pedido. Em face do exposto e interpretando o requerimento apresentado na presente data, com base no regime da exoneração do passivo, conclui-se que a sua apreciação ficou prejudicada com a decisão que antecede. - Notifique. - * Foram os presentes notificados do despacho acabado de proferir. Notificado da decisão, o insolvente apresentou as suas doutas alegações que a final sintetizou nas seguintes conclusões: ... Por despacho de folhas 25, o recurso foi admitido como apelação com subida imediata e em separado e efeito devolutivo 2. DELIMITAÇÃO OBJECTIVA DO RECURSO A questão a decidir na apelação e em função da qual se fixa o objecto do recurso sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, nos termos das disposições conjugadas do nº 2 do artigo 608º e artigos 635º, nº 4 e 639º, todos do Código de Processo Civil, é a seguinte: Ø Tempestividade de apresentação do pedido de exoneração do passivo restante na assembleia-geral de credores para apreciação de relatório 3. COLHIDOS OS VISTOS, APRECIA-SE E DECIDE-SE 3.1 - Pela expressividade das palavras do Sr. Dr. Luís M. Martins[1] vamos transcrevê-las com a finalidade de se perceber em que contexto surgiu a necessidade do legislador tomar medidas específicas que alterassem o modo como as pessoas singulares respondiam pelas suas dívidas até Setembro de 2004[2]. Diz-nos o Sr. Dr. Luís M. Martins que com a entrada em vigor da nova legislação falimentar, o legislador revelou e assumiu que o problema do sobre endividamento é um fenómenos de grandes dimensões e que tem evidentes reflexos nas pessoas singulares e nas famílias afetando o tecido social[3]. (…) A exoneração do passivo restante não é mais do que a consagração no nosso ordenamento jurídico do princípio do «fresh start[4]», segundo o qual, o devedor, pessoa singular e dotado de boa-fé, tem a possibilidade de se libertar do peso do passado e recomeçar a sua vida económica de novo independentemente de ter sido declarado insolvente (vide preâmbulo do DL 53/2004, de 18 de Março. Ora, se olharmos para a sistemática do CIRE verificamos que o incidente de “exoneração do passivo restante” integra o Título XII, Capítulo I do CIRE, iniciando-se com o princípio geral mencionado no seu artigo 235º que aponta para uma situação de «créditos não totalmente pagos no processo de insolvência ou nos seus cinco anos posteriores ao seu encerramento». Se bem compreendemos a integração sistemática desta norma e das subsequentes bem como o seu conteúdo, verificamos que este incidente surge num momento posterior ao do encerramento do processo de insolvência, apontando o legislador – alíneas a) a e) do nº 1 do artigo 230º – como e quando se considera o mesmo encerrado. 3.2 – Para apreciação da questão que nos é colocada importa trazer à colação o disposto no artigo 236º do CIRE que declara: 1. O pedido de exoneração do passivo restante é feito pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência ou no prazo de 10 dias posteriores à citação, e será sempre rejeitado se for deduzido após a assembleia de apreciação do relatório; o juiz decide livremente sobre a admissão ou rejeição de pedido apresentado no período intermédio. 2. Se não tiver sido dele a iniciativa do processo de insolvência, deve constar do acto de citação do devedor pessoa singular a indicação da possibilidade de solicitar a exoneração do passivo restante, nos termos previstos no número anterior. 3. Do requerimento consta expressamente a declaração de que o devedor preenche os requisitos e se dispõe a observar todas as condições exigidas nos artigos seguintes. 4. Na assembleia de apreciação de relatório é dada aos credores e ao administrador da insolvência a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento. 5. Na assembleia de apreciação de relatório é dada aos credores e ao administrador da insolvência a possibilidade de se pronunciarem sobre o requerimento. Temos por doutrina consolidada que a solicitação da exoneração do passivo restante tem que ser efectuada pelo devedor no requerimento de apresentação à insolvência – 1ª parte do nº 1 do artigo 236º do CIRE – ou no prazo de 10 dias posteriores à citação – artigo 236º, nº 1 do CIRE e artigo 23º, nº 2, alínea a) do CIRE – (…). Apesar de o artigo 238º, nº 1, alínea a) estabelecer que o pedido de exoneração é liminarmente indeferida se for apresentado fora de prazo, a verdade é que resulta do artigo 236º, nº 1, parte final, que a rejeição do pedido apenas pode ocorrer se este for apresentado após a assembleia de apreciação do relatório, decidindo o juiz livremente sobre a admissão ou rejeição do pedido apresentado no período intermédio.[5] Se bem compreendemos estes ensinamentos o decurso do prazo de 10 dias não preclude a possibilidade do insolvente apresentar mais tarde o requerimento de exoneração do passivo restante desde que o juiz por sua «livre decisão» o admita desde que o requerimento não tenha sido apresentado depois da assembleia de apreciação do relatório – artigo 236º, nº 1, 2ª parte[6] O despacho recorrido defende que nos casos em que no pedido de insolvência tenha sido requerido por um legitimado nos termos do artigo 20º do CIRE, o devedor deve apresentar o pedido no prazo de 10 dias após a citação e no caso de tal pedido – de declaração de insolvência – ter sido por si formulado então o pedido de exoneração do pedido restante deve ser formulado no requerimento inicial. Em anotação ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, escrevem Ana Prata, Jorge Morais Carvalho e Rui Simões[7] que: fora destes prazos[8], deve entender-se que ainda é possível o devedor fazer o pedido de exoneração do passivo restante, numa segunda fase, no período a que se refere o nº 1. O período intermédio começa após a petição inicial, se tiver sido o devedor a apresentar-se à insolvência, ou decorridos 10 dias desde a citação do devedor (…) e termina no final da assembleia de apreciação do relatório (…) decidindo neste caso livremente sobre a sua admissibilidade a do pedido e não sobre a exoneração que será declarada mais tarde no processo. No caso em apreço temos que a causa do indeferimento assenta num pressuposto que, salvo melhor opinião, não tem suporte legal já que a lei possibilita ao devedor no período situado entre o início do processo e o fim da apreciação da assembleia do relatório – nº 1 do artigo 236º do CIRE - que requeira autonomamente o pedido de exoneração do passivo restante. Com efeito, não deve confundir-se o prazo de apresentação da exoneração do passivo restante que pode ser apresentado pelo devedor até à assembleia de apreciação do relatório do administrador da insolvência – o que ocorreu no caso em apreço – com a liberdade de decisão de admissão ou rejeição por parte do juiz, raciocínio este a ser formulado com base nos elementos existentes no processo, de tal sorte que emirjam de tal despacho os fundamentos que levam o Tribunal a sustentar a partir de juízos de prognose de que o requerente tem ou não capacidade e vontade para cumprir com as exigências legais. No caso em apreço, o Tribunal a quo sustenta que o artigo 236º, nº 1 estabelece um prazo peremptório que, por não ter sido observado pelo requerente, leva ao indeferimento liminar – alínea a) do nº 1 do artigo 238º do CIRE. Estamos em crer que o fundamento para o indeferimento encontra apoio na 1ª parte do nº 1 do artigo 236º do CIRE, fazendo o Tribunal o seguinte raciocínio; como foi o devedor/requerente a apresentar-se à insolvência impunha-se a dedução do pedido no requerimento de apresentação à insolvência; ora como não o fez precludiu a possibilidade de o fazer em momento posterior. Entendemos que fora dos prazos mencionados na primeira parte do nº 1 do artigo 236º do CIRE – pedido de insolvência pelo devedor ou por um legitimado/ artigo 20º - sempre a lei permite ao devedor fazer tal pedido no chamado período intermédio que começa após a petição inicial – para as situações em que é o devedor que se apresenta à insolvência[9] - e termina no final da assembleia de credores para apreciação de relatório. O devedor/insolvente requereu o pedido de exoneração do passivo quer por pedido ditado para a acta quer através da junção de requerimento autónomo e antes de finalizar a mencionada assembleia de credores para apreciação de relatório –cf. folhas 19vº e 20 – pelo que não podemos deixar de concluir que, pese o facto de ter sido o devedor a apresentar-se à insolvência sem que tenha formulado o pedido de exoneração do passivo restante no requerimento inicial, a lei sempre lhe permite no chamado período intermédio que requeira a concessão de tal benefício e daí que discordemos do Tribunal a quo quando defende o indeferimento a partir do princípio que não tendo formulado o pedido de exoneração no requerimento inicial em que formulou o pedido da sua declaração de insolvente, lhe está vedada a possibilidade de no período intermédio de formular tal pedido. DECISÃO Nos termos e com os fundamentos expostos, acorda-se em revogar a decisão recorrida que deverá ser substituída por outra que admita liminarmente o pedido de exoneração do passivo restante sem prejuízo da verificação dos fundamentos enunciados nas alíneas b) a g) do nº 1 do artigo 238º do CIRE, cumprindo-se, em caso de indeferimento escudado em fundamento diverso, e se for caso disso o disposto no nº 2 do artigo 238º do CIRE. Sem custas. Notifique. Coimbra, 24/03/2015
Jacinto Meca (Relator) Adjuntos: 1º - Falcão de Magalhães 2º - Silvia Pires
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