Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MARIA JOÃO AREIAS | ||
Descritores: | SUSPENSÃO DE DELIBERAÇÕES SOCIAIS ANULAÇÃO DE DELIBERAÇÃO RENOVAÇÃO DA DELIBERAÇÃO SANABILIDADE DO VÍCIO DIREITO DE AMORTIZAÇÃO INTERRUPÇÃO DA CADUCIDADE ABUSO DO DIREITO INVERSÃO DO CONTENCIOSO EM RECURSO | ||
Data do Acordão: | 12/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 58.º, 62.º, 95.º, 105.º E 347.º DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS, 329.º, 331.º, 332.º E 334.º DO CÓDIGO CIVIL, 380.º, N.º 1, 381.º E 370.º, N.ºS 1 E 2, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
Sumário: | I – A circunstância de a anterior deliberação ter sido declarada anulada por decisão com trânsito em julgado, não obsta, por si, à emissão de nova deliberação renovando ou reproduzindo o conteúdo da anterior mas, agora, sem os vícios de que a mesma se viu afetada e que levaram à declaração de anulação.
II – As deliberações anuláveis, são passíveis de renovação sem qualquer restrição quanto às eventuais causas da anulabilidade, exigindo-se, tão só, que a deliberação renovatória “não enferme do vício precedente”. III – Em princípio, só um ato válido tem potencialidade para interromper a caducidade. IV – A deliberação anulável produz os efeitos para que tende até ser decretada anulada ou venha a ser revogada, nomeadamente o de interromper a caducidade. V – Decretada a anulação da deliberação social de amortização das ações com base no arresto tomada na assembleia geral de 15-05-2019, extinguiram-se retroativamente todos os efeitos pela mesma até aí produzidos, inclusivamente, o de impedir a caducidade do direito que aí se pretendeu exercitar. VI – À data das deliberações renovatórias de 22 de janeiro de 2021 e de 16 de março de 2022, decorrido mais de um ano desde a ocorrência do ato que fundamenta a amortização – 2 de julho de 2019 – o direito de amortização com tal fundamento encontrava-se extinto por caducidade. VII – No caso de amortização compulsiva de ações a que se reporta o artigo 347º do CSC, o efeito próprio e direto da deliberação de amortização das ações é a extinção das ações, do qual deriva a constituição de um direito de crédito destinado a compensar o acionista pela sua perda, sendo esta contrapartida um elemento externo à deliberação de amortização. VIII – A circunstância de não ter sido facultado ao acionista o relatório do ROC previsto no art. 105º do CSC, em data prévia à assembleia onde se delibera a amortização das respetivas ações, não acarreta a anulabilidade desta. IX – O dano que, para o titular da quota ou ação amortizada, deriva do retardamento da sentença de anulação da deliberação que a aprovou, é o dano resultante da negação ao respetivo titular, do exercício dos direitos sociais até ao momento da sentença, dano este que é de ter-se por considerável. X – Não se pode sustentar a existência de abuso de direito na invocação da caducidade do direito de amortizar as ações, uma vez que se pode afirmar a existência de negligência da sociedade na tomada dos procedimentos necessários à emissão de nova deliberação, a partir da data em que o direito à amortização se constituiu. XI – Não se podendo afirmar um princípio geral de proibição de comportamento contraditório, só será de considerar ilegítimo se for suscetível de fundar uma situação objetiva de confiança. XII – A ponderação de interesses entre o prejuízo derivado para o requerente – com a execução da deliberação de amortização da totalidade das suas ações na sociedade requerida, com fundamento no facto de as mesmas terem sido objeto de arresto –, e o prejuízo que da suspensão de tal deliberação possa acarretar à sociedade, terá de se mover dentro do ato fundamentador do direito que se exerceu com a deliberação impugnada, ou seja, relevariam eventuais danos derivados da circunstância de 50% das ações da sociedade terem sido objeto de arresto. XIII – A concessão de prazo pelo tribunal, para a tomada de uma nova deliberação sem os vícios imputados à anterior, pressupõe a sanabilidade do vício que afeta a deliberação, ou seja, a sua “renovabilidade”. XIV – Sob pena de se eliminar um grau de recurso, a inversão do contencioso não pode ser decretada em sede de recurso. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | Processo n° 1279/22.2T8LRA.C1 – Apelação
Relator: Maria João Areias 1° Adjunto: Paulo Correia 2° Adjunto: Helena Melo
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra: I - RELATÓRIO AA intenta o presente Procedimento Cautelar de Suspensão de Deliberações Sociais, contra C... SGPS., S.A., pedindo que: Se declare a suspensão de todas as deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral de 16 de março de 2022, com inversão do contencioso, declarando as deliberações sociais tomadas na referida assembleia nulas/anuláveis. Alegando, em síntese, o requerente é titular de 50% do capital social da Requerida, sendo a parte restante detida pela sociedade A..., SGPS, S.A.; por deliberação de 15 de abril de 2019, foi promovida a amortização das ações do requerente com base no respetivo arresto, a troco de 0 €, bem como a subsequente deliberação de redução e aumento do capital social; o requerente intentou Ação de Anulação das Deliberações Sociais que haviam sido tomadas naquela assembleia, na sequência da qual aquelas vieram a ser declaradas anuladas e nulas, por decisão que veio a transitar em julgado a 23.09.2021; ainda antes de tal processo terminar, em Assembleia Geral de 22 de janeiro de 2021, é renovada a deliberação adotada a 15-04-2019 de amortização das ações do requerente com base no arresto, bem como a consequente redução de capital, alteração do pacto social, deliberando ainda sobre a contrapartida da amortização e criação de uma reserva legal; mais uma vez, voltou o requerente a impugnar tais deliberações, mediante a interposição de Procedimento Cautelar de Suspensão das Deliberações Sociais com inversão do contencioso, pretensão que obteve vencimento, tendo as deliberações adotadas na assembleia geral extraordinária de 22-01-2021, sido declaradas suspensas e anuladas, nos termos do art. 58º, nº1 al. a) e 347º, nº1 do CSC, e decretada a inversão do contencioso, decisão que transitou em julgado; da declaração de inversão do contencioso, resultou a propositura pela Ré do proc. nº 2187/21...., que corre no ...; a 16/03/2022, veio a realizar-se nova Assembleia Geral, deliberando a renovação da deliberação de 22.01.2021, de amortização das ações do Requerente na Requerida, bem como a consequente redução de capital, alteração do pacto social, deliberação sobre a contrapartida e criação de uma reserva legal; também esta deliberação de 16 de 03-2022 é ilegal, porquanto, o direito de amortizar as ações do Requerente já havia caducado aquando da realização da assembleia geral de 22 de janeiro de 2021; não prevendo os Estatutos qualquer prazo para a deliberação de amortização, seria aplicável o prazo supletivo de seis meses previsto no artigo 347º, nº6 do CSC; havendo decorrido o prazo de 6 meses contado da data do trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto (prazo supletivo previsto no artigo 347º, nº6 do CSC), há muito se encontra caducado o eventual direito de amortização das ações do Requerente, com a consequente anulabilidade da deliberação, por violação dos estatutos da Requerida (cfr. artigo 58.º, n. º1, al. a) e 347.º, do CSC); a deliberação de 16.03.202 estaria a renovar deliberações, não só, anuláveis mas, já anuladas, o que reforça a impossibilidade da sua renovação; existiu violação do direito às informações preparatórias da assembleia geral, uma vez que o Requerente não teve acesso a qualquer relatório de avaliação alegadamente feito por ROC independente, e que deveria acompanhar a deliberação, por estar em causa amortização das ações do Requerente, relativamente às quais deve ser calculada a respetiva contrapartida, nos termos do disposto no artigo 7.º, n. º6, dos Estatutos e artigo 105.º, n. º2, do CSC; a convocatória padece de vícios de convocatória, geradores de nulidade nos termos do art. 56º, nº2 do CSC; não se verificando qualquer das exceções previstas no artigo 347º, nº7 do CSC, aplica-se o disposto no artigo 95., nº1 do CSC, sendo que, sem que se mostre determinada a contrapartida a pagar, não poderá a deliberação ser deliberada, existindo violação do disposto no artigo 95.º, n. º1, do C.S.C; por último, a deliberação de amortização das ações do Requerido é abusiva, servindo apenas o propósito da acionista A..., SGPS, S.A. de amortizar e extinguir as ações do Requerente sem qualquer contrapartida, afastando-o compulsivamente da sociedade, assim assegurando para a A..., SGPS, S.A. o domínio total da C... SGPS., S.A.; quanto ao dano apreciável, invocou que, com a deliberação, o Requerente deixa de poder exercer os seus direitos enquanto acionista, prejudicando ainda a Requerida, que se vê na situação de ter de repetir todas as deliberações, o que implicará para a sociedade Requerida perda de credibilidade no mercado, provocando igualmente dano apreciável à sociedade Requerida. Mais requereu que, a ser julgado totalmente procedente o procedimento cautelar, seja decretada a inversão do contencioso, ao abrigo do disposto nos artigos 369.º e 376.º, n. º4, do C.P.C., A sociedade Requerida apresenta Contestação, sustentando, em síntese: não se verifica a caducidade do direito de amortização, porque o prazo de caducidade se extingue com o seu exercício, o que ocorreu logo aquando da deliberação de amortização de 15-04-2019; pelo que, aquando das deliberações renovatórias já não se encontrava a correr qualquer prazo de caducidade mas unicamente os prazos de gerais prescrição; regulando o artigo 7º dos Estatutos Sociais os prazos para o exercício do direito de amortização, apenas se pode aplicar o prazo injuntivo que constitui o limite da liberdade de estatuição estatutária, o que significa que o direito de amortização deve ser exercido no prazo de 60 dias contados do prazo de 90 dias concedido ao acionista para sanar o ilícito estatutário – mas sempre com o prazo máximo de um ano a contar do direito à amortização – prazo legal injuntivo (artigo 347, nº6 CSC); o requerente age em abuso de direito nas modalidades de tu quoque e de venire, ao impugnar a deliberação de 16.03.2022 com fundamento na caducidade: criou através de expedientes dilatórios, a situação do decurso do tempo – suposta caducidade – que vem invocar como sendo fonte da invalidade da deliberação; não foi disponibilizado ao requerente o Relatório de avaliação das ações elaborado por um ROC, porquanto, o ROC independente, nomeado pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, ainda não elaborou tal relatório, estando em curso a sua elaboração; o processo estatutário de amortização foi integralmente observado, inexistindo qualquer violação do direito à informação e do artigo 95.º, n.º1, do CSC; o único interesse que procurou acautelar com a Deliberação de 16.03.2022 foi o interesse da Requerida e da sua continuidade, sendo a deliberação o resultado do cumprimento das obrigações legais impostas à Requerida e aos seus órgãos sociais, razão pela qual inexiste qualquer abuso de direito; o dano causado à Requerida e ao interesse social é muito superior ao dano que a renovação da amortização possa, eventualmente, causar ao Requerente. Conclui pela improcedência do presente procedimento cautelar e pela improcedência do pedido de inversão do contencioso, por não estarem verificados os respetivos pressupostos legais. Dado cumprimento ao disposto no artigo 567.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, pelo juiz a quo foi proferido Saneador/Sentença, o qual conclui com a seguinte: IV - Decisão Nestes termos, julgo o presente procedimento cautelar totalmente improcedente, por não provado, e em consequência: 1. Não decreto a providência requerida de suspensão das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida realizada no passado dia 16.03.2022. 2. Condeno o Requerente no pagamento das custas. 3. Fixo o valor da causa em € 30.000,01. * Inconformado com tal decisão, o Requerente dela interpôs recurso de apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões: 1. O presente recurso é interposto da Sentença datada de 08.07.2022, nos termos da qual o Tribunal a quo declarou improcedente a providência requerida de suspensão das deliberações sociais tomadas na assembleia geral da sociedade Requerida, ora Recorrida, realizada no dia 16.03.2022 e, em consequência, declarou a Deliberação de 16.03.2022 válida. 2. Com o devido respeito, o Recorrente não se pode conformar com a Sentença Recorrida, sobretudo com os pontos 2.1, 2.2 e 2.3 da mesma, impondo-se a sua revogação por forma a evitar que o Recorrente sofra um prejuízo considerável, perdendo a qualidade de acionista, com todas as consequências que daí advêm, sem qualquer fundamento e legitimidade. 3. O Recorrente vê o seu direito de propriedade brutalmente – e ilegalmente - ameaçado, podendo, caso a Sentença proferida pelo tribunal a quo não venha a ser revogada, perder definitivamente a titularidade das suas ações representativas de 50% da Recorrida e, consequentemente, de todas as sociedades participadas. 4. A Sentença Recorrida interpretou de forma errónea, no que diz respeito à caducidade, a norma prevista no artigo 331.º do Código Civil e o caso concreto, o que implicou considerar não se encontrar o direito a amortizar as ações do Recorrente, caducado. 5. Considerando ter a Requerida, ora Recorrida, impedido definitivamente a caducidade do direito a amortizar as ações do Recorrente com fundamento em arresto, por manifestação da vontade de exercer o mesmo com a Deliberação de 15.04.2019. 6. E que, por tal, enquanto “direito reconhecido” para efeitos do artigo 331.º do CC, segundo o Tribunal a quo, quando a Requerida, ora Recorrida, renovou a deliberação de 22.01.2021 através da deliberação de 16.03.2022, já não se encontrava a correr prazo de caducidade, mas tão só o prazo geral de prescrição, que não se encontra decorrido. 7. Andou também mal a Sentença Recorrida ao considerar que a Deliberação de 16.03.2022 não padece do mesmo vício de conteúdo que a Deliberação de 22.01.2021 e, consequentemente, que é passível de renovação, interpretando de forma errónea a norma do artigo 62.º CSC – como também veremos. 8. E que, no caso concreto, o cálculo da contrapartida pela amortização e relatório do ROC que a avalia, não são necessários à amortização das ações do Recorrente. DA INVALIDADE DA DELIBERAÇÃO DE 16.03.2022; 9. Considerou o Tribunal a quo que para que o direito de amortização possa ser legitimamente exercido é necessário o trânsito em julgado da decisão do arresto, as comunicações previstas nos n.ºs 1 e 6 do artigo 7.º dos estatutos da Recorrida e que o arresto se mantenha durante 90 dias depois da comunicação ao acionista. 10. Concluindo que a deliberação de 16.03.2022, por respeitar os requisitos supra, não se encontra afetada do mesmo vício de conteúdo de que padeciam as anteriores (15.04.2019 e 22.01.2021). 11. Não obstante, não pode o Recorrente conformar-se com tal entendimento. 12. Os estatutos da Recorrida, para a legitima amortização das ações, exigem: (1) Uma das situações previstas no n.º 1 do artigo 7.º dos referidos estatutos – in casu, o arresto, por decisão transitada em julgado; (2) Comunicação ao acionista da situação que fundamente a amortização; (3) Que a situação que fundamente a amortização se mantenha 90 dias após essa comunicação; (4) Comunicação ao acionista no sentido de designação de ROC para proceder à avaliação das ações; (5) Cálculo do valor da amortização nos termos do artigo 105.º, n.º 2 CSC; e (6) nos termos do artigo 347.º, n.º 6 do CSC, o prazo de 6 meses para o fazer. 13. No caso concreto, nem todas estavam reunidas. DO VÍCIO DE CONTEÚDO E DA CADUCIDADE; 14. Defendeu o Requerente, ora Recorrente, no Requerimento Inicial, que a Deliberação de 16.03.2022 é inválida porquanto padece de vício de conteúdo, por inexistir, à data, direito a amortizar e, consequentemente, ser impossível a renovação da deliberação de 22.01.2021 que, por sua vez, pretendeu renovar a deliberação de 15.04.2019. 15. Contudo, veio o Tribunal a quo considerar que a Deliberação de 16.03.2022 sanou os vícios das anteriores – de 15.04.2019 e 22.01.2021 -, apoiando-se no facto de se terem realizado as comunicações a que diz respeito o artigo 7.º/1 e 6 do contrato social. 16. Referindo que a lei não impede a renovação de deliberações anuláveis por vício de conteúdo, desde que a mesma não fique afetada pelo mesmo vício de conteúdo. 17. No entanto, a este propósito, incorreu a Sentença Recorrida em erro de julgamento. 18. O artigo 62.º do CSC prevê a possibilidade de renovação de deliberações nulas por vício de procedimento, nada referindo quanto a deliberações anuláveis por vícios de conteúdo. 19. Ora, em primeiro lugar, cumpre referir que o objetivo da lei com o referido preceito, é permitir à Sociedade evitar a anulação da deliberação. 20. O que significa, portanto, que só pode haver renovação de uma deliberação que é anulável, que padece de anulabilidade, mas não de uma deliberação que já foi anulada. 21. No caso concreto, a deliberação de 16.03.2022 pretende renovar a deliberação de 22.01.2021 que por sua vez pretendeu renovar a de 15.04.2019, ambas já anuladas pelos tribunais no âmbito do processo n.º 2319/19.... e 424/21...., respetivamente. 22. Assim, não é possível cessar a anulabilidade de uma deliberação que o tribunal já anulou (n.º 2 do art.62.º CSC). 23. Uma deliberação já anulada por sentença transitada em julgado – como é o caso das deliberações de 15.04.2019 e 22.01.2021 -, escapa em absoluto ao poder da assembleia geral, na medida em que a Sociedade não pode renovar a deliberação extirpada do mundo jurídico (art.289.º do Código Civil). 24. Logo, a deliberação de 16.03.2022, que pretendeu renovar a de 22.01.2021, tendo ocorrido depois do trânsito em julgado da decisão que anulou a deliberação de 22.01.2021, não é qualquer renovação e não produz qualquer feito sobre a deliberação de 22.01.2021. 25. Ademais, nos termos do art.62.º CSC, apenas são passíveis de renovação as Deliberações fundadas em vícios procedimentais, tanto no caso de deliberações nulas, como no caso de deliberações anuláveis. 26. Acontece que os vícios de que padeciam as Deliberações de 15/04/2019 e de 22/01/2021, que a Deliberação de 16/03/2022 pretende renovar, não são vícios procedimentais, mas sim vícios de conteúdo, como, aliás, reconhece a Sentença Recorrida. 27. A Deliberação de 15.04.2019 e 22.01.2021 foram anuladas uma vez que não existia direito e legitimidade para amortizar em ambos os casos. 28. Sendo que, já a propósito da deliberação de 22.01.2021, havia o Recorrente invocado, em sede própria, a caducidade do direito a amortizar, sobre o qual o Tribunal não se pronunciou. 29. Ora, a deliberação de 16.03.2022 tem o mesmo conteúdo que as anteriores – a amortização das ações do Recorrente, padecendo, também ela – ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo -, de vício de conteúdo. 30. Desde logo, à data da deliberação de 16.03.2022, já há muito havia sido ultrapassado o prazo de caducidade de 6 meses a contar do facto que fundamente a amortização (no caso, o arresto transitado em julgado, em 02.07.2019), para aprovar a deliberação de amortização (artigo 347.º, n.º 6 CSC). 31. Por decurso do prazo de caducidade, extingue-se o direito a amortizar findo o referido prazo. 32. Consequentemente, inexistindo direito a amortizar no caso concreto, tal como nas deliberações anteriores (15.04.2019 e 22.01.2021), continua a deliberação de 16.03.2022 a padecer de vício de conteúdo. 33. Não tem a Requerida, ora Recorrida, qualquer legitimidade para amortizar as ações do Recorrente, tal como nas deliberações anteriores que a Deliberação de 16.03.2022 pretende renovar, pelo que também esta renovação não será possível. 34. É impossível a renovação e, por conseguinte, a deliberação de amortização no caso concreto, porquanto a renovação só pode produzir o efeito a que tende – sanar o vicio da deliberação anterior – se a deliberação a renovar, à data da renovação, ainda pudesse ser tomada, i.é, desde logo, se não estivesse esgotado o prazo de caducidade. 35. De outra forma, a renovação seria um instrumento fácil para defraudar a lei: tomar-se-ia uma primeira deliberação dentro do prazo, ainda que com vícios, e a renovação permitiria vir a tomá-la a todo o tempo, a bel-prazer do infrator, sendo a extirpação de vícios feita fora do prazo previsto para a deliberação inicial. 36. Assim, também no caso de renovação de deliberações sociais, estando em causa a amortização das ações, sujeita a prazo de caducidade de 6 meses, tem ela própria de respeitar o prazo de caducidade previsto para o próprio ato que é renovado. 37. Em face de tudo o exposto, também a Deliberação de 16/03/2022 é anulável, por violação dos estatutos da Recorrida, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, alínea a) do CSC. 38. Tendo o Tribunal a quo interpretado o artigo 62.º do CSC incorretamente, ao julgar admissível a renovação de deliberações anuláveis por vícios de conteúdo, no caso concreto. 39. Por outro lado, a Sentença Recorrida, além de entender ser possível a renovação (por considerar que os vícios, na presente deliberação, foram sanados), considerou ainda não estar caducado o direito a amortizar. 40. Apoiando-se no artigo 331.º do Código Civil, considerando que através da deliberação de 15.04.2019, a Recorrida manifestou a vontade de exercer o direito a amortizar e, por tal, o prazo de caducidade foi impedido, aplicando-se o prazo de prescrição. 41. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu, mais uma vez, em erro de julgamento. 42. Nos termos do artigo 329.º do Código Civil, o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido. 43. E, nos termos do artigo 347.º, n.º 6 do CSC, a lei fixa o prazo de 6 meses a contar do facto que fundamenta a amortização – arresto transitado em julgado – para aprovar a deliberação de amortização. 44. No caso concreto, o direito a amortizar as ações do Recorrente com base em arresto transitado em julgado constituiu-se em 02.07.2019. 45. Assim, com base no artigo 329.º do Código Civil e 347.º, n.º 6 do CSC, o prazo de 6 meses começa a correr a partir de 02.07.2019. 46. Terminando em 03.01.2020. 47. Consequentemente, não faz qualquer sentido considerar-se que, pela deliberação de 15.04.2019 – quando não existia qualquer direito a amortizar! – se impediu o prazo de caducidade. 48. Prazo esse que, nessa data, nem sequer se tinha iniciado (segundo art.329.º CC). 49. Por outro lado, com base no n.º 1 do art.331.º do CC, apenas a prática dentro do prazo legal (no caso concreto, 6 meses a contar do arresto transitado em julgado), do ato impeditivo – neste caso, a deliberação de amortização com todos os requisitos estatutariamente exigidos para tal, já expostos – impediria a caducidade. 50. Com base no n.º 2, estando em causa um direito disponível, o reconhecimento desse direito por aquele contra quem deve ser exercido, impede a caducidade. 51. O sentido do artigo 331.º do Código Civil é o de que só impedem a caducidade os atos significativos, que são os que como tal são estabelecidos na lei ou convenção ou o reconhecimento qualificado do direito, que equivale, sob o ponto de vista da segurança, à prática do ato. Só nesses casos tem sentido submeter a questão ao regime geral da prescrição. 52. No caso concreto, no regime da amortização, a lei só atribui efeito impeditivo à prática do ato – que é a deliberação legal e estatutariamente válida -, dentro do prazo estabelecido que, no caso sub judice, é de 6 meses a contar de 02.07.2019. 53. Apenas a prática, no período de 02.07.2019 a 03.01.2020, do direito a amortizar através de deliberação social, cumpridos todos os requisitos estatutariamente exigidos, poderia impedir o prazo de caducidade. 54. O que não se verificou no caso concreto, sendo a Deliberação de 15.04.2019, uma deliberação inválida, anulada, inapta a cumprir a exigência de segurança, consolidação e esclarecimento que se exige no artigo 331.º do Código Civil para impedir a caducidade. 55. Nem mesmo a renovação a que se pretende agora proceder, através da deliberação de 16.03.2022, é ato impeditivo, pois que, como já vimos, (1) a renovação ocorreu depois de a deliberação que se pretende renovar estar já anulada e (2) a própria renovação ocorreu depois de decorrido o prazo de caducidade de 6 meses. 56. Sendo que, mesmo que se entenda ser possível a renovação – por mera cautela de patrocínio -, esta tem de respeitar, ela própria, os requisitos da amortização e, em especial, o prazo em que a deliberação de amortização produziria o efeito impeditivo. 57. Por outro lado, entendendo-se o direito a amortizar como direito disponível, apenas impediria a caducidade o reconhecimento de tal direito por parte daquele contra quem deve ser exercido, isto é, o Recorrente, que nunca reconheceu tal direito! 58. Assim, incorreu, sem sombra de dúvidas, a Sentença Recorrida, em erro de julgamento, ao considerar a deliberação de 15.04.2019 como ato impeditivo de caducidade, interpretando erroneamente o artigo 331.º CC no caso concreto. 59. Caducidade essa cujo prazo, à data, ainda nem sequer se tinha iniciado. 60. Não produzindo tal deliberação quaisquer efeitos – muito menos como ato impeditivo de caducidade. 61. Um ato viciado, que não era, por si só, apto a produzir o efeito a que tendia (a amortização), como sucedeu com a deliberação de 15.04.2019, não pode produzir efeitos como causa impeditiva da caducidade. 62. E mesmo que assim fosse, isto é, mesmo que se considerasse a deliberação de 15.04.2019 como ato impeditivo de caducidade – o que por mera cautela de patrocínio se equaciona -, ela não teria por efeito deixar a amortização sujeita ao prazo geral de prescrição. 63. Segundo a douta Sentença Recorrida, tomada a primeira deliberação (de 15.04.2019), deixa de haver prazo de caducidade e a renovação – que teria por efeito permitir a válida amortização – poderia ser tomada dentro do prazo geral de prescrição, que é de… 20 anos! 64. Tal constitui, salvo o devido respeito, um resultado praticamente insensato e absurdo, ignorando o sentido geral do direito societário, que é o de tutelar a estabilidade e segurança das situações. 65. A fixação de prazos de caducidade, como se verifica no caso concreto, prende-se com razões de segurança e certeza, evitando que o estado de incerteza quanto ao destino das participações sociais suscetíveis de amortização, perdure durante muito tempo. 66. Pelo que seria absolutamente contrário ao espírito da lei, permitir que, já ultrapassado o prazo para amortizar, fosse ainda possível a deliberação ou renovação com base num alegado direito a amortizar que já se encontra extinto por caducidade. 67. Salvo o devido respeito, que é muito, prevalecendo o entendimento e interpretação errónea do Tribunal a quo relativamente ao artigo 331.º do Código Civil aplicado ao caso concreto, o lesado, ora Recorrente, protegido pela caducidade, pela segurança e certeza jurídica que a mesma exige, veria o seu património (in casu, as suas ações) suscetível de ser “atacado” ad eternum, por se considerar como ato impeditivo da caducidade, a ilegal manifestação de vontade da Recorrida, mediante a deliberação de 15.04.2019, quando não tinha qualquer legitimidade e direito para o fazer. 68. Assim, não se pode considerar que a vontade de amortizar estava expressa na deliberação de 15.04.2019, pois a vontade de amortizar só poderia produzir efeitos se for tomada validamente ou se tiver sido renovada também validamente – o que, no caso concreto, não se verifica. 69. Com efeito, dúvidas não existem que, na deliberação de 16.03.2022, não estavam reunidas todas as condições que permitiam a Requerida, ora Recorrida, amortizar legitimamente. 70. Tendo o Tribunal a quo incorrido em erro de julgamento, interpretando erroneamente o artigo 62.º do CSC e 331.º do Código Civil, que tem o sentido já exposto, e atendendo ao caso concreto. DO VÍCIO DE CONTEÚDO POR VIOLAÇÃO DO DIREITO A INFORMAÇÕES PREPARATÓRIAS DA ASSEMBLEIA GERAL; 71. Veio ainda o Tribunal a quo considerar não ser necessário o cálculo da contrapartida pela amortização e respetivo relatório do ROC, para a deliberação de amortização. 72. E que, aquando da deliberação de 16.03.2022, as condições essenciais da operação (cálculo da contrapartida e condições de pagamento) se encontravam fixadas no pacto social, não estando a Requerida, ora Recorrida, obrigada a facultar em momento prévio o relatório do ROC. 73. Concluindo, mais uma vez, pela validade da deliberação. 74. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo incorreu, mais uma vez, em erro de julgamento, ao considerar, erroneamente, cumprido o n.º 6 do artigo 7.º do contrato social e a desnecessidade de relatório do ROC e respetivo cálculo da contrapartida, no caso concreto. 75. O artigo Sétimo, n.º 6 dos Estatutos da Recorrida prevê que, salvo o acordo das partes em contrário – que não existe no caso concreto –, a amortização das ações é calculada nos termos do n.º 2 do artigo 105.º CSC. 76. Segundo o artigo 105.º, n.º 2 do CSC, deve a Recorrida promover o cálculo da contrapartida pela amortização, através de um Revisor Oficial de Contas independente. 77. Acontece que, à data da deliberação de 16.03.2022 – e até à data de hoje, mais de 4 meses depois - não existe qualquer relatório de avaliação de Revisor Oficial de Contas (ROC) independente, nem foi definida qualquer contrapartida, em violação do supra exposto. 78. Aliás, até à data, o Recorrente desconhece quem foi o ROC alegadamente designado pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, como refere a Requerida, ora Recorrida. 79. O relatório do ROC e respetivo cálculo da contrapartida constituem documentos necessários para consulta dos sócios, designadamente do Recorrente, por forma a avaliar se as deliberações são ou não válidas, designadamente quanto à contrapartida da amortização, neste caso, que deveria ter sido determinada em conformidade com o artigo 7.º, n.º 6 dos Estatutos da Recorrida e art.105.º, n.º 2 do CSC. 80. Sem o referido relatório, o Recorrente viu-se privado de consulta de documentos preparatórios da Assembleia Geral (artigo 289.º, n.º 1, al. c) do CSC) 81. Não tendo sido proporcionada a consulta do Relatório do ROC antes da Assembleia Geral da deliberação de 16/03/2022 que ora se impugna, tal deliberação é anulável, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. c) e n.º 4, al. b) do CSC. 82. Como referiu o Tribunal a quo, não está a Recorrida “desonerada de cumprir todos os procedimentos conducentes à amortização das ações, mormente, o disposto nos artigos 7.º, n.º 1 e n.º 6 dos Estatutos e artigo 105.º, n.º 2 do CSC.”. 83. Da leitura dos referidos preceitos, facilmente se compreende que o que se exige é o (1) cálculo da contrapartida da amortização, e (2) respetivo relatório de ROC designado por mútuo acordo ou pela Ordem dos Revisores Oficiais de Contas, (3) à data da amortização, sendo que a designação de ROC pressupõe a (4) comunicação à parte contrária nesse sentido. 84. No entanto, tal comunicação é apenas uma parte daquilo que se exige para a amortização neste caso concreto. 85. O n.º 7 do artigo 7.º dos estatutos estipula que o valor fixado para a amortização será pago pela sociedade em três prestações iguais, vencendo-se a primeira 30 dias após a realização da amortização e as segunda e terceira, respetivamente, 6 meses e 1 ano depois do vencimento daquela. 86. Ora, se a primeira prestação se vence 30 dias após a realização da amortização – i.é, através da deliberação de amortização – tal pressupõe, necessariamente, que à data da deliberação de amortização esteja fixado o valor da amortização. 87. No caso concreto, tal não se verificou. 88. Da mesma forma que no artigo 7.º/1 do contrato social se exige, além de comunicação, o decurso de 90 dias, porquanto só se pode amortizar caso o fundamento ainda se verifique, também no artigo 7.º/6 do contrato social, remetendo para o n.º 7 e 105.º, n.º 2 do CSC, exige não só a comunicação para designação de ROC, mas o respetivo relatório e cálculo da contrapartida. 89. Sendo que, a falta do respeito pelo artigo 7.º/1 e 6 do contrato social, origina não um vício de procedimento, mas sim de conteúdo, porquanto do conteúdo das mesmas depende a legitimidade para amortizar, a consolidação do direito para tal. 90. Consequentemente, não se tendo verificado, à data da deliberação de 16.03.2022, designação do ROC, respetivo relatório e cálculo da contrapartida da amortização, não estão cumpridos os requisitos para amortizar as ações do Recorrente, sendo a deliberação anulável nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al a) do CSC, por vício de conteúdo. 91. Ademais, por mera cautela de patrocínio, ainda que se entenda – como referiu a Sentença Recorrida - que, em regra, segundo a doutrina e jurisprudência, o cálculo do valor da amortização seja um elemento externo à amortização, a verdade é que não podemos ignorar o que foi estipulado no caso concreto nos estatutos da Recorrida – dos quais decorre precisamente o contrário (artigo 7.º/6 e 7). 92. Assim, em face do que acabou de se expor é a deliberação de 16.03.2022 anulável nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. a) do CSC, por vício de conteúdo, designadamente por violação do direito a informações preparatórias da Assembleia Geral (289.º CSC), por falta do relatório do ROC, e violação do artigo 7.º/6 e 7 dos estatutos e 105.º, n.º 2 do CSC, por falta de cálculo da contrapartida - sendo impossível a renovação por vício de conteúdo. 93. Com efeito, deve a Sentença Recorrida ser revogada e substituída por decisão em sentido inverso, determinando a suspensão das deliberações tomadas em 16.03.2022. Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado integral provimento ao presente recurso, e consequentemente, revogar-se a Sentença a quo, substituindo por decisão a determinar a suspensão de todas as deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral extraordinária de 16 de março de 2022, tudo com as demais consequências legais. O Apelante junta um parecer jurídico da autoria de BB. * A Requerida apresentou contra-alegações no sentido da improcedência do recurso: (…). A Apelada junta um Parecer jurídico da autoria de BB. Por sua vez, também o Apelante vem juntar um Parecer jurídico da autoria de CC. A Apelada vem juntar Requerimento, peticionando que, caso o tribunal venha a concluir pela invalidade da deliberação de 16.03.2022, lhe conceda prazo, ao abrigo do disposto no art. 62º, nº3, do CSC, para que a recorrida renove a deliberação social em apreço e, desse modo, sane qualquer invalidade que seja imputada à mesma. Junta mais dois Pareceres jurídicos, um da autoria de António Menezes Cordeiro e outro de DD, e um acórdão do Tribunal constitucional. O Apelante vem-se opor à junção do Acórdão do TC, requerendo o seu desentranhamento, por inadmissível. * II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, as questões sob apreciação são as seguintes: 1. Questão prévia: admissibilidade da junção de um acórdão do Tribunal constitucional. 2. Se o tribunal errou ao julgar improcedente o pedido de suspensão da deliberação renovatória de 16 de março de 2022: a. As deliberações de 15 de abril de 2019 e de 22 de janeiro de 20021 não podiam ser objeto de deliberações renovatórias: i. Só pode haver renovação de uma deliberação que é anulável e não de uma deliberação que já foi anulada; ii. Apenas são passíveis de renovação as deliberações fundadas em vícios procedimentais; iii. À data da deliberação renovatória há muito havia caducado o prazo para a deliberação de amortização das ações – seis meses a contar do trânsito em julgado do arresto que fundamentaria a decisão. b. Vício de conteúdo por violação do direito a informações preparatórias da assembleia geral: i. À data da deliberação não se encontram reunidos os requisitos necessários para decretar a amortização: não existia qualquer relatório de avaliação de ROC independente, nem foi definida qualquer contrapartida para a amortização; 3. No caso de procedência das alegações do recorrente, apreciação das questões consideradas prejudicadas pelo tribunal a quo: a. Se a execução da deliberação é causadora de dano apreciável; b. Remessa dos autos à 1ª instância, para a instrução de factos essenciais à decisão de: i. Abuso de direito na invocação da caducidade ii. Proporcionalidade entre o dano causado ao autor e o dano causado à sociedade requerida c. Inversão do contencioso 4. Se é de conceder um prazo à sociedade para a emissão de deliberação renovatória. III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO 1. Questão prévia – admissibilidade da junção de um acórdão do Tribunal Constitucional Não configurando um acórdão do tribunal constitucional, a existência de qualquer “parecer” (independentemente dos méritos académicos do respetivo relator), que permitisse a respetiva apresentação ao abrigo do nº2 do artigo 651º, do CPC (até ao início do prazo para elaboração do projeto de acórdão), a sua junção aos autos, por parte da Apelada, depois de findo o prazo para as contra-alegações, é perfeitamente extemporânea. Como tal, não se admite a junção do acórdão id. como doc. ..., com o requerimento de 02.09.2022. * A. Matéria de Facto Em face da prova documental apresentada e posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, o tribunal deu como provados os seguintes factos, que aqui se reproduzem parcialmente, na parte com relevo para a apreciação do objeto do recurso: 1. A Requerida é uma sociedade anónima, cujo objeto social é a gestão de participações sociais noutras sociedades (cfr. certidão da matrícula comercial da Requerida junta como documento ...3, que acompanhou o Requerimento Inicial). 2. Em 15 de abril de 2019 tinha o capital social de € 23.885.510,00, correspondente a 4.777.102 ações, com o valor nominal de €5,00 cada, e era detido da seguinte forma: O Requerente era titular de 2.388.551 ações; e a sociedade A..., SGPS, S.A. era titular de 2.388.551 ações (cfr. certidão da matrícula comercial da Requerida junta como documento ...3, que acompanhou o Requerimento Inicial) 3. A Requerida detém 100% do capital nas seguintes sociedades operacionais do Grupo C...C...: a. MM..., S.A. b. M...II..., S.A. c. F..., S.A. d. MP.., S.A. e. M..., S.A. f. M-S.. 4. A Requeria é ainda titular de uma participação social, correspondente a 71,12% do capital social da sociedade A..., S.A. 5. E é, também, por via da A..., S.A., acionista indireta das sociedades: a. A..MC., S.A., a qual é detida a 100% pela A..., S.A.; b. C..., S.A., a qual é detida em 25% pela A..., S.A. e c. A...&F..., Lda., que é detida em 15% pela A..., S.A.. (…) 8. O artigo sétimo do contrato de sociedade da Requerida, intitulado “amortização de ações”, tem o seguinte teor: “1. É admitida a amortização compulsiva de ações pela sociedade, sem consentimento do respetivo titular, nos casos que se seguem, sempre que a situação que origine o direito à amortização se mantenha após noventa dias a contar da comunicação pelo Conselho de Administração dessa mesma situação ao acionista em causa: a) Por acordo com o titular das ações; b) Se o acionista for declarado insolvente, interdito, inabilitado ou incapaz; c) Se uma sociedade acionista for dissolvida ou for declarada insolvente; d) Se as ações forem penhoradas, arrestadas ou, por qualquer outra forma, sujeitas a apreensão judicial; e) Se, em caso de divórcio ou de separação judicial do acionista, as respetivas ações forem adjudicadas ao seu cônjuge; f) Se um acionista violar qualquer disposição do contrato social, com relevo para o preceituado no artigo sexto; g) Nos demais casos previstos na lei. 2. O exercício do direito de amortização de ações pela sociedade é da competência da Assembleia Geral. 3. A deliberação sobre o exercício do direito de amortização deve ser tomada por maioria dos votos emitidos, não cabendo direito de voto às ações objeto de decisão. 4. A Assembleia Geral deverá exercer aquele direito no prazo de sessenta dias contados do final do prazo referido no número 1 do presente artigo. 5. A amortização considera-se efetuada mediante a comunicação da deliberação respetiva ao acionista ou ao terceiro por ela afetado. 6. Salvo o caso de acordo das partes em contrário, o valor da amortização de ações é calculado nos termos das regras estabelecidas no n.º 2 do artigo 105.º do Código das Sociedades Comerciais. 7. O valor fixado para a amortização das ações será pago pela sociedade em três prestações iguais, vencendo-se a primeira trinta dias após a realização da amortização e as segunda e terceira, respetivamente, seis meses e um ano depois do vencimento daquela”. (documento ...2 junto com o requerimento inicial) (…). 10. A..., S.A.; F..., S.A.; MM..., S.A., M...II..., S.A. e MP.., S.A. instauraram neste Juízo de Comércio, contra o aqui requerido, procedimento cautelar de arresto, autuado sob o n.º 432/18..... (doc. ... junto com a oposição) 11. Por decisão proferida no identificado processo n.º 432/18...., em 20 de fevereiro de 2018, foi determinado o arresto dos seguintes bens: (…) - Ações representativas de 50% do capital social da C... SGPS., S.A. detidas pelo requerido; - Ações representativas de 30,45% do capital social da S..., S.A. detidas pelo Requerido; e - Ações representativas da totalidade do capital social da Á..., S.A. detidas pelo Requerido. (cfr. documento ... junto com a oposição). 12. Citado o Requerido (Requerente nos presentes autos de procedimento cautelar) apresentou oposição, pedindo, a título principal a revogação da decisão que decretou o arresto e, subsidiariamente, a redução do arresto apenas para garantia de alegado crédito não superior a €860.000,00, com levantamento do arresto efetuado sobre a participação social da ora Requerida e o levantamento do arresto dos imóveis, mantendo-se o arresto da participação da Á..., S.A. e arrestando-se a participação social da C..., Lda., ambas com um valor contabilístico de €2.686.898,22. (cfr. documento ... junto com a oposição) 13. Tendo aquele processo sido apensado aos autos n.º 1281/18...., do Juízo de Comércio ..., Juiz ..., procedeu-se à inquirição de testemunhas e em 6 de agosto de 2018, no apenso A daqueles autos, foi proferida decisão que julgou parcialmente procedente a oposição deduzida e consequentemente determinou o levantamento do arresto que incidiu sobre a participação social do ora Requerente nas sociedades C..., Lda. e Á..., S.A., mantendo-se quanto ao demais o arresto já decretado. (cfr. doc. ... junto com a oposição) 14. Inconformados com a decisão mencionada no artigo 13.º, apelaram os aí requerentes e o aí requerido. (cfr. documento ... junto com a oposição) 15. O ora Requerente concluiu o seu recurso, pedindo a revogação da sentença recorrida e o levantamento do arresto que incidia sobre os seus bens. (cfr. documento ... junto com a oposição). 16. Datada de 7 de novembro de 2018, EE, FF e GG, na qualidade de administradores e em representação da Requerida, remeteram ao Requerido a carta, que o mesmo recebeu em 16 de novembro de 2018, com o seguinte teor: “Na sequência da decisão proferida no âmbito do Processo n.º 432/18...., a correr termos no Juízo de Comércio do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juiz ..., nos termos da qual foi decretada em definitivo, entre outros, o arresto das participações sociais por si detidas na sociedade C...SGPS, S.A. vimos, na qualidade de membros do Conselho de Administração, por este meio comunicar nos termos e para os efeitos do Artigo Sétimo, número 1, alínea d), dos Estatutos da C... SGPS., S.A. que o arresto definitivo das ações da C... SGPS., S.A. determina a sua amortização compulsiva e que o prazo de noventa dias previsto nesta cláusula se inicia com a presente comunicação. O arresto foi decretado com fundamento na responsabilidade civil de V. Exa., por violação do dever fiduciário de lealdade enquanto administrador das Sociedades Participadas da C... SGPS., S.A., causando danos superiores a dois milhões de euros (cf. Cópia da Sentença de Decretamento Inicial do Arresto e da Sentença de Decretamento Definitivo de Arresto, proferidas no âmbito do Processo n.º 432/18...., que se anexam à presente comunicação como Documentos n.º ... e ... e cujo teor aqui se dá por reproduzido). No âmbito deste processo julgou-se provada a existência de um conjunto de empresas concorrentes com o Grupo C...C..., administradas de facto e controladas por V. Exa., para onde são desviadas matérias-primas, segredos comerciais, fluxos financeiros e oportunidades de negócio. Também neste processo se julgou provada a imputação às Sociedades do Grupo C...C... das duas despesas pessoais – obras em habitação pessoal, despesas de dois casamentos, viagens particulares, ordenado do jardineiro particular – e a prática de atos fraudulentos de desvio de dinheiro para contas pessoais, frequentemente com falsificação de documentos. (…). Estes factos demonstram um comportamento sistemático e reiterado de violação do dever fiduciário de lealdade por parte de V. Exa., tornando inexigível – e inclusivamente insustentável – a permanência de V. Exa. enquanto acionista da C... SGPS., S.A.. Damos nota de que, findo o prazo de noventa dias previsto no Artigo Sétimo, número 1, alínea d), dos Estatutos da C... SGPS., S.A., reunirá a assembleia geral da C... SGPS., S.A. para que os acionistas deliberem a amortização das ações detidas por V. Exa. no capital social da C... SGPS., S.A. e que o Conselho de Administração proporá o voto favorável à amortização.” (cfr. documento ... junto com a oposição) 17. Datada de 21 de dezembro de 2018, EE, FF e GG, na qualidade de administradores e em representação da Requerida, remeteram ao autor a carta que constitui o doc. ... junto com a oposição, recebida em 27 de dezembro de 2018, com o seguinte teor: “Na sequência da comunicação enviada a V. Exa. por este Conselho de Administração, por email e carta no dia 7 de novembro de 2018, para sanar, no prazo de noventa dias, a causa que permite a amortização das ações da C...SGPS, S.A., vimos por este meio, na qualidade de membros do Conselho de Administração e em cumprimento do disposto no n.º 2 do art.º 105.° do Código das Sociedades Comerciais, aplicável ex.vi. artigo sétimo, n.º 6, dos Estatutos da C... SGPS., S.A., solicitar que V. Exa. indique, no prazo de dez dias a contar da receção da presente carta, um Revisor Oficial de Contas para o cálculo da contrapartida a pagar pela C... SGPS., S.A. na sequência da amortização das ações detidas por V. Exa.”. 18. O autor não respondeu às comunicações mencionadas nos artigos 16.º e 17.º. 19. Em 20 de fevereiro de 2019 o Tribunal da Relação de Coimbra julgou os recursos referidos no artigo 14.º improcedentes e confirmou a decisão recorrida. (cfr. documento ... junto com o requerimento inicial) 20. Notificado do Acórdão do Tribunal da Relação ..., o ora Requerente apresentou, em 12 de março de 2019, reclamação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, ex vi do art. 666.º, n.º 1, do mesmo diploma (…). (cfr. documento ... junto com a oposição) 21. Em 28 de março de 2019 foi indeferido o pedido de levantamento do arresto sobre a participação social do Requerente, bem como a substituição do arresto, sobre essa participação, pelo arresto da quota nas sociedades C..., Lda. e Á..., S.A.. (cfr. documento ... junto com a petição inicial) 22. Em 11 de junho de 2019 o Tribunal da Relação de Coimbra considerou que não havia omissão de pronúncia e indeferiu a reclamação mencionada, tendo esta decisão transitado em julgado em 02-07-2019. (cfr. documento ... junto com a petição inicial) 23. No dia 15 de abril de 2019 teve lugar a Assembleia Geral da ré, presidida por HH, “no exercício interino das funções de Presidente da Mesa da Assembleia Geral”, onde se encontravam presentes ou representados ambos os acionistas, encontravam-se ainda presentes GG na qualidade de membro do Conselho de Administração, e II, em representação do Fiscal único da Sociedade. (cfr. ata juta como doc.... com o requerimento inicial) 24. Nessa assembleia, com o voto favorável da acionista A..., SGPS, S.A., com a menção de que o acionista AA estava impedido de votar, foi deliberado o seguinte: i. (Ponto um da ordem de trabalhos) A amortização das ações representativas do capital social da sociedade de que o acionista AA é titular, com fundamento no seu arresto, com a consequente redução do capital social da sociedade – redução de finalidade especial – de EUR 23.885.510 (vinte e três milhões oitocentos e oitenta e cinco mil quinhentos e dez euros) para EUR 11.942.755 (onze milhões novecentos e quarenta e dois mil setecentos e cinquenta e cinco euros) nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC e do artigo 7.º dos Estatutos da Sociedade, nos termos seguintes: a) Modalidade: Redução resultante da amortização de ações por deliberação da Assembleia Geral; b) Montante de redução: EUR. 11.942.755; c) Número total de ações extintas na sequência da amortização: 2.388.551 ações; d) Novo montante nominal do capital social e das ações: EUR. 11.942.755, representadas por 2.388.551 ações com valor nominal de EUR. 5 cada uma. ii. (Ponto dois da ordem de trabalhos) A alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, que passará a ter a seguinte redação “O capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 11.942.755, e encontra-se dividido em 2.388.511 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma”. iii. (Ponto três da ordem de trabalhos) Não pagar contrapartida ao acionista AA pela amortização das ações deliberada no ponto um da ordem de trabalhos. iv. (Ponto quatro da ordem de trabalhos) A alocação do capital reduzido à rubrica de “Outras Variações no Capital Próprio”. (cfr. documento n.º..., junto com o requerimento inicial) 25. No dia 15 de abril de 2019, pelas dezassete horas, a sociedade A..., SGPS, S.A., representada pelos seus administradores, na qualidade de única acionista da Requerida, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 54.º do Código das Sociedades Comerciais deliberou o seguinte: (…). (cfr. doc. ..., junto com o requerimento inicial) 26. No dia 15 de abril de 2019, pelas dezassete horas e trinta minutos, a sociedade A..., SGPS, S.A., representada pelos seus administradores, na qualidade de única acionista da ré, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 54.º do Código das Sociedades Comerciais, deliberou o seguinte: (…) (cfr. doc. ..., junto com o requerimento incial) 27. Em 17 de abril de 2019 foi requerido o registo das deliberações de amortização das ações, redução e aumento do capital social e eleição dos órgãos sociais mencionadas nos artigos 23.º a 26.º. (cfr. certidão da matrícula comercial da Requerida) 28. Por ação entrada em juízo a 15.05.2019, que correu termos no Juízo de Comércio ..., Juiz ..., sob o n.º 2319/19...., o aqui Requerente pediu, para além do mais, a anulação das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 15 de abril de 2019. (cfr. documento ... junto com o requerimento inicial) 29. Por sentença proferida a 11.02.2020, foi decidido julgar a ação procedente. (cfr. sentença junta como doc...., junto com o requerimento inicial) 30. Inconformada com a sentença veio a Ré (aqui Requerida) interpor recurso de apelação da sentença proferida (cfr. acórdãos juntos como doc. ... e doc...., juntos com o requerimento inicial) 31. Na sequência dos recursos interpostos, por acórdãos proferidos a 10.12.2020(TRC) e de 08.09.2021 (STJ) foi confirmada a decisão recorrida, que transitou em julgado a 23.09.2021. (cfr. acórdãos juntos como doc. ... e doc...., juntos com o requerimento inicial) 32. Por deliberação ocorrida a 13.07.2020 foi deliberado um novo aumento do capital social da Requerida, no valor de € 17.000.000,00, o qual foi impugnado pelo Requerente, sem que exista ainda decisão transitada em julgado (cfr. doc. ...0 e ...1, juntos com a oposição) 33. Em 22 de dezembro de 2020, por anúncio publicado no sítio oficial do Ministério da Justiça, a Requerida diligenciou pela publicação de convocatória para a realização de nova Assembleia Geral, a ter lugar exclusivamente por meios telemáticos (atendendo às recomendações da Direção Geral de Saúde no contexto da pandemia de Covid-19), no dia 22 de janeiro de 2021, pelas dez horas, com a seguinte ordem de trabalhos: “Ponto Um: Deliberar sobre a amortização de ações representativas do capital social da Sociedade de que o acionista AA é titular, com fundamento no seu arresto, e sobre a consequente redução do capital social da Sociedade – redução de finalidade especial – de EUR. 23.885.510,00 para EUR. 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC e do artigo 7.º dos Estatutos da Sociedade; Ponto Dois: Deliberar sobre a alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, que passará a ter a seguinte redação: “O capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 11.942.755,00, e encontra-se dividido em 2.388.511 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma”; Ponto Três: Deliberar sobre a contrapartida da amortização de ações representativas do capital social da Sociedade de que o acionista AA é titular; Ponto Quatro: Deliberar sobre a criação de uma reserva sujeita ao regime da reserva legal, no montante equivalente a EUR 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC". (…) – (cfr. documento ..., junto com o requerimento inicial) 34. No dia 22 de janeiro de 2021, pelas 10h00m, reunida exclusivamente por meios telemáticos, teve lugar a Assembleia Geral da ré, presidida por HH e secretariada por JJ, onde se encontrava presente Sr. GG, enquanto membro do Conselho de Administração da Sociedade; a acionista A..., SGPS, S.A., representada pelo Sr. Dr. KK (cfr. ata da assembleia geral, apresentada como documento ..., junta com o requerimento inicial) 35. Nessa assembleia, com o voto favorável da acionista A..., SGPS, S.A., foi deliberada a renovação, com efeitos retroativos à data do trânsito em julgado do arresto, das deliberações sociais adotadas na assembleia geral realizada no dia 15 de abril de 2019, no sentido de amortizar as ações representativas do capital social da sociedade de que o acionista AA é titular, com fundamento no seu arresto, com a consequente redução do capital social da sociedade -redução de finalidade especial – no valor correspondente ao valor das ações amortizadas, ou seja, € 11.942.755, nos termos e para os efeitos do arti go 347.º do CSC e do artigo 7.º dos Estatutos da Sociedade, nos termos seguintes: a) Modalidade: Redução resultante da amortização de ações por deliberação da Assembleia Geral; b) Montante de redução: EUR. 11.942.755; c) Número total de ações extintas na sequência da amortização: 2.388.551 ações; d) Novo montante nominal do capital social e das ações: EUR. 11.942.755, representadas por 2.388.551 ações com valor nominal de EUR. 5 cada uma (cfr. ata da assembleia geral, apresentada como documento ..., junta com o requerimento inicial). 55. Mais foi deliberada com o voto favorável da acionista A..., SGPS, S.A. a alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, para passar a ter a seguinte redação “O capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 28.942.755, e encontra-se dividido em 5.788.551 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma” (cfr. ata da assembleia geral, apresentada como documento ..., junta com o requerimento inicial). 56. Relativamente ao ponto três da ordem de trabalhos, com o voto favorável da acionista A... SGPS, mais foi deliberada renovar a deliberação de não pagar uma contrapartida ao acionista AA pela amortização das ações deliberada no ponto um da ordem de trabalhos (cfr. ata da assembleia geral, apresentada como documento ..., junta com o requerimento inicial). 57. Por último, e quanto ao ponto quatro da ordem de trabalhos, com o voto favorável da acionista A... SGPS, mais foi deliberada a alocação do capital reduzido à rubrica de “Outras Variações no Capital Próprio” (cfr. ata da assembleia geral, apresentada como documento ..., junta com o requerimento inicial). 58. Em 01.02.2022 o aqui Requerente intentou providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, com pedido de inversão do contencioso, que correu termos neste Juiz e Juízo de Comércio, sob o n.º 424/21...., tendo o aqui Requerente pedido a suspensão das deliberações tomadas na Assembleia Geral de 22.01.2021, com inversão do contencioso e invalidade das mesmas (cfr. documento ..., junto com o requerimento inicial). 59. Por sentença proferida nos identificados autos de providência cautelar, já transitada em julgado, foi decidido declarar a suspensão da execução das deliberações sociais tomadas na assembleia geral extraordinária da Requerida realizada a 22.01.2021. Mais foi decidido deferir a requerida inversão do contencioso e, em consequência, dispensar o Requerente do ónus de propor a ação principal, declarando que as deliberações adotadas na assembleia geral extraordinária da Ré de 22.01.2021 são anuláveis, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 58.º, n. º1, al. a) e 347, n.º1, do CSC (cfr. decisões juntas como documentos ..., ...0 e ...1, juntas com o requerimento inicial). (…) 67. Por carta datada de 14.10.2021, recebida pelo Requerente a 19.10.2021, a Requerida notificou o Requerente a conceder-lhe o prazo de noventa dias para sanação da situação de arresto das ações, nos termos e para os efeitos do artigo 7.º, n.º1, do Contrato de Sociedade da Requerida (cfr. documento ...7, junto com o requerimento inicial). 68. Por carta datada de 22.12.2021, recebida pelo Requerente, a Requerida comunicou ao Requerente o seguinte: “Na sequência da comunicação enviada a V.Ex.ª por este Conselho de Administração, por carta datada de 14 de outubro de 2021, para sanar, no prazo de noventa dias, a arresto que permite a amortização das ações da C...SGPS, S.A., vimos por este meio, na qualidade de membros do Conselho de Administração e em cumprimento do disposto no n.º2 do artigo 105.º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável ex vi Artigo Sétimo, n.º6, dos Estatutos da C... SGPS., S.A., solicitar que V.Ex.ª proponha, no prazo de 10 dias, a contar da receção da presente carta, um Revisor Oficial de Contas independente para o cálculo da contrapartida a pagar pela C... SGPS., S.A. na sequência da amortização das ações detidas por V.Ex.ª (cfr. documento ...8, junto com o requerimento inicial). 69. Com data de 06.01.2022 o Requerente respondeu à missiva enviada, e indicou como ROC “M...&A..., S.A.” (cfr. documento ...9, junto com o requerimento inicial). 70. Com data de 11.01.2022 a Requerida respondeu à missiva, comunicando a não aceitação do ROC indicado (por existência de conflito de interesses), mais comunicando que em cumprimento do disposto no artigo n. º2 do artigo 105.º, do CSC, aplicável ex vi Artigo Sétimo, n.º6, dos Estatutos da C... SGPS., S.A., o Conselho de Administração da C... SGPS., S.A. diligenciará por solicitar à Ordem dos Revisores Oficiais de Contas a indicação de ROC independente para o cálculo da contrapartida a pagar pela C... SGPS., S.A. na sequência da amortização das ações (cfr. documento ...0, junto com o requerimento inicial). 71. A Requerida promoveu à convocatória de Assembleia Geral, a realizar-se no dia 28.02.2022 ou em 16.02.2022, caso não se realize na primeira data, com vista a: “Ponto Um: Deliberar sobre a renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a amortização das ações representativas do capital social da Sociedade detidas por AA, com fundamento no seu arresto, e sobre a consequente redução do capital social da Sociedade – redução de finalidade especial – de EUR 23.885.510,00 para EUR 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) e do artigo 7.º dos Estatutos da Sociedade (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidasdeliberações); Ponto Dois: Deliberar sobre a renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, que passou a ter a seguinte redação: “O capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 11.942.755,00, e encontra-se dividido em 2.388.511 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma” (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidas deliberações); Ponto Três: Deliberar sobre a renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a constituição de uma reserva sujeita ao regime da reserva legal, no montante equivalente a EUR 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidas deliberações).” (cfr. documento ...1, junto com o requerimento inicial). 72. (…). 73. A referida Assembleia Geral veio a realizar-se no dia 16 de março de 2022, na qual compareceram: (…). (cfr. Ata da Assembleia Geral junta como documento ...5, da oposição). 74. Na referida Assembleia Geral da Requerida, e com o voto favorável da A..., SGPS, S.A., foi deliberado: a. A renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a amortização das ações representativas do capital social da Sociedade detidas por AA, com fundamento no seu arresto, e sobre a consequente redução do capital social da Sociedade – redução de finalidade especial – de EUR 23.885.510,00 para EUR 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do Código das Sociedades Comerciais (“CSC”) e do artigo 7.º dos Estatutos da Sociedade (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidas deliberações); b. A renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a alteração do número 1 do Artigo Quarto dos Estatutos da Sociedade, que passou a ter a seguinte redação: “O capital social integralmente subscrito e realizado é de EUR 11.942.755,00, e encontra-se dividido em 2.388.511 ações, de valor nominal de cinco euros cada uma” (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidas deliberações); c. A renovação, sem efeitos retroativos, da deliberação de 22 de janeiro de 2021 que aprovou a renovação da deliberação de 15 de abril de 2019 que, por sua vez, aprovou a constituição de uma reserva sujeita ao regime da reserva legal, no montante equivalente a EUR 11.942.755,00, nos termos e para os efeitos do artigo 347.º do CSC (excluindo quaisquer efeitos retroativos das referidas deliberações).” (cfr. Ata da Assembleia Geral junta como documento ...5, da oposição). (…) 78. Nos autos de procedimento cautelar que correu termos no Juízo de Comércio ... sob o n.º 3685/18.... e ação de processo comum que correu termos no mesmo Juízo de Comércio sob o n.º 3685/18...., foi decidido, com trânsito em julgado, que HH tinha legitimidade, enquanto Presidente da Mesa da Assembleia Geral Interino da Sociedade para exercer tais funções (cfr. documentos ...4 e ...5 juntos com a oposição). 79. Nos referidos autos de procedimento cautelar foi entendido, para além do mais, que “Assim, na falta do presidente da mesa da assembleia geral da Requerida (que havia renunciado ao cargo) e não existindo – porque não havia sido eleito – vice-presidente, cabia, efetivamente, ao secretário da mesa (eleito) assumir as funções de presidente da mesa. E cabendo ao secretário assumir e exercer as funções de presidente da mesa da assembleia geral, também tinha competência, nessa qualidade, para convocar a assembleia geral (cfr. artigo 377.º, n. º1, do C.S.C.) Assim, porque o Apelante foi convocado para a Assembleia por carta subscrita pelo secretário da mesa, na qualidade de presidente interino da mesa da assembleia geral, impõe-se concluir que o Apelante foi regularmente convocado para a aludida Assembleia (a convocatória foi subscrita por quem detinha, naquele momento, a competência para o efeito e não foi invocada qualquer outra circunstância que seja suscetível de afetar a regularidade dessa convocatória). 80. Nos autos principais de ação comum identificados em 78. foi, para além do mais, entendido que “(…) No caso em apreço, o contrato social não contém nenhuma previsão sobre a falta do presidente eleito da mesa da assembleia geral. O pacto social não prevê a existência de um vice-presidente, mas prevê a existência de um secretário da mesa. O secretário foi eleito para o triénio de 2016 a 2018 e exercia funções quando o presidente da mesa renunciou ao cargo em novembro de 2017. Aquele passou, por isso, a assumir funções de presidente interino da mesa da assembleia a partir dessa data. (…) A convocatória não tem qualquer vício que a invalide e foi emitida no uso de um poder próprio do presidente em exercício (mesmo que interinamente) da mesa da assembleia geral (artigo 377.º, n.º1)” 81. Tais ações, identificados em 78., foram intentadas pelo aqui Requerente, AA contra a aqui sociedade Requerida (cfr. documentos ...4 e ...5 juntos com a oposição). * B. Subsunção dos factos ao direito 2. Se o tribunal errou ao julgar improcedente o pedido de suspensão da deliberação renovatória de 16 de março de 2022. A decisão recorrida julgou improcedente a providência cautelar de suspensão das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral de 16 de março de 2022 – onde foi deliberada a renovação, sem efeitos retroativos, das deliberações de 22 de janeiro de 2021, que aprovaram a renovação das deliberações de 15 de abril de 2019, que aprovaram a amortização das ações representativas do capital da sociedade detidas pelo aqui autor, com fundamento no seu arresto, bem como a subsequente alteração do capital social, e que aprovou a constituição de uma reserva. Insurge-se o Apelante contra o decidido, com fundamento em que as deliberações de 15 de abril de 2019 e de 22 de janeiro de 20021 não podiam ser objeto de deliberações renovatórias, com base em argumentação já por si exposta no Requerimento inicial: questões, que passamos a analisar. * 2.i. Impossibilidade de renovação de uma deliberação já anulada pelo tribunal Segundo o Apelante, só pode haver renovação de uma deliberação que é anulável, que padece de anulabilidade, mas não, de uma deliberação que já foi anulada: a deliberação de 16.03.2022 pretende renovar a deliberação de 22.01.2021, que, por sua vez, pretendeu renovar a de 15.04.2019, ambas já anuladas pelos tribunais no âmbito do processo n.º 2319/19.... e 424/21...., respetivamente, pelo que, já não era possível cessar a anulabilidade de uma deliberação que o tribunal já anulou (n.º 2 do art. 62.º CSC). uma decisão já anulada por sentença transitada em julgado, como é o caso das deliberações de 15.04.2019 e de 22.01.2021, escapa em absoluto ao poder da assembleia geral, na medida em que a sociedade não pode renovar a deliberação extirpada do mundo jurídico (art.289º do CC). Por sua vez, a Apelante, nas suas contra-alegações de recurso, sustenta que, por um lado não se pode afirmar que a deliberação de 22.01.2021 já tenha sido anulada – à data da deliberação de 16.03.2022, assim como na presente data, ainda se encontra pendente a ação principal na qual se discute a (in)validade da Deliberação de 22.01.2021, facto alegado no art. 28º da P.I. e expressamente aceite pela requerida no artigo 288º da oposição, devendo o tribunal dá-lo como provado por acordo das partes; por outro lado, invoca a seu favor a posição assumida por Carneiro da Fraga e Lobo Xavier, no sentido de que uma deliberação nula ou anulável pode ser objeto de renovação mesmo depois de ter sido declarada judicialmente nula ou anulada por sentença. Cumpre apreciar a questão em apreço. Da análise dos autos resulta, desde logo, que: - quando são tomadas as deliberações renovatórias da assembleia geral de 21.01.2021, a declaração de anulação das deliberações tomadas a 15.04.2019 ainda não transitara em julgado (trânsito que só veio a ocorrer em 23.09.2021); - intentada providência cautelar de suspensão das deliberações sociais tomadas na Assembleia Geral de 21.01.2021, com inversão do contencioso, foi aí decidido por sentença declarar a suspensão de tais deliberações sociais, deferindo a inversão do contencioso, dispensando o Requerente de instaurar a ação principal, declarando tais deliberações anuláveis, decisão que terá, de facto, transitado em julgado (pontos 65 e 66 da matéria de facto); mas, igualmente podemos dar como provado que a Requerida veio a instaurar a respetiva ação principal de inversão do contencioso, impedindo a providência decretada de se tornar definitiva (art. 619º do CPC), pelo que, pelo menos, à data da instauração deste procedimento cautelar, a decretada anulação ainda não produzira efeitos definitivos – cfr. art. 28º da P.I. De qualquer modo, ainda que assim não fosse – e que cada uma das deliberações renovatórias tivesse tido lugar depois de a deliberação renovada ter sido declarada anulada pelo tribunal com efeitos definitivos, não podíamos dar razão à apelante na leitura que faz do nº2 do artigo 62º do Código das Sociedades Comerciais: Artigo 62ª Renovação da deliberação 1. Uma deliberação nula por força das alíneas a) e b) do nº1 do artigo 56º, pode ser renovada por outra deliberação e a esta pode ser atribuída eficácia retroativa, ressalvados os direitos de terceiros. 2. A anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vício da primeira deliberação, relativamente ao período anterior à deliberação renovatória. 3. O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação. Os argumentos da Apelante, no sentido da impossibilidade de renovação de uma deliberação já declarada anulada pelo tribunal, ignoram o próprio conceito de renovação consagrado no artigo 62º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), que se reporta, não à convalidação ou confirmação da deliberação anterior, mas à emissão de uma nova deliberação. A renovação de uma deliberação consiste, em regra, na substituição desta por outra de conteúdo idêntico, mas sem os vícios, reais ou supostos, que torna aquela inválida ou de validade duvidosa[1]. A deliberação renovatória do artigo 62.º é uma distinta e autónoma deliberação social, que se conclui ex novo na vida societária, podendo ter, ou não, eficácia retroativa, tendo por objetivo primordial sanar o vício de que padece a deliberação precedente, colocando-se no lugar dela, ou invés dela[2]. A renovação deliberativa envolverá geralmente, uma substituição, não pretendendo o código manter, purificada, a própria legitimidade da primeira liberação, ou restaurá-la, mas reconhecer a legitimidade da adoção de outra que, liberta do pecado da anterior, ocupe o lugar dela[3]. Com a renovação faz-se incidir ex novo sobre um mesmo objeto uma nova deliberação, à qual são de imputar em exclusivo os efeitos jurídicos pretendidos, tratando-se de substituir a anterior deliberação (pela posterior) enquanto fonte geradora de efeitos. Havendo renovação, os efeitos jurídicos passam a imputar-se unicamente à deliberação renovatória[4]. Não se tratando de uma deliberação confirmatória, tendente a assegurar eficácia à primeira declaração inválida, o facto de a anterior deliberação viciada já ter sido declarada nula ou anulada pelo tribunal, não obsta a que a assembleia volte a tomar nova deliberação sobre o mesmo conteúdo. Aliás, a renovação de uma deliberação coenvolve necessariamente a revogação da anterior, quando esta deliberação, por não ser nula, for apta à produção dos efeitos jurídicos por ela visados (ou seja, não há revogação quando a deliberação antecedente era nula ou sendo anulável, tenha sido proferida sentença de anulação), e a revogação seja decretada com efeitos retroativos. Quanto à possibilidade de renovação de deliberações sociais, operadas, sem repetição do vício, depois de as mesmas haverem já sido anuladas, Lobo Xavier afirma nenhum obstáculo existir a tal renovação[5]. Segundo Manuel Carneiro da Frada uma deliberação anulada por sentença é de equiparar à nulidade da deliberação, tendo-se os seus efeitos excluídos ab inicio. Nessa sequência considera admissível, não só, a renovação de uma deliberação já anulada por sentença, mas ainda a renovação de deliberação declarada nula por sentença[6]. É o que Pinto Furtado denomina de renovação corretiva ou ex post (por contraposição com a renovação preventiva) – quando a sociedade, sendo confrontada com uma decisão judicial declaratória de nulidade ou de inexistência jurídica, ou com a anulação de uma deliberação sua, “pretende ainda recuperar a anterior regulamentação de interesses, reeditando uma nova deliberação, com o mesmo conteúdo fundamental, mas corrigido do vício em que se fundou o tribunal para cassar a deliberação[7]”. Questão distinta seria definir se, em tal caso, ainda nos encontraríamos perante uma deliberação renovatória, ou se uma sucessão de deliberações[8], o que para a questão a apreciar sempre se mostraria irrelevante. O que se pode é afirmar que, a circunstância de alguma ou de algumas das anteriores deliberações ter já sido declarada anulada por decisão com trânsito em julgado, não obstaria, por si, à emissão de nova deliberação renovando ou reproduzindo o conteúdo das anteriores mas, agora, sem os vícios de que as mesmas se viram afetadas e que levaram à declaração de anulação. Concluindo, a circunstância de a primeira deliberação ter sido declarada anulada por decisão transitada em julgado e o facto de contra a deliberação renovatória se encontrar pendente ação de anulação, não obstaria à tomada de nova deliberação renovatória, com vista a sanar os vícios apontados pelo autor às anteriores deliberações. * 2.ii. Se apenas são passíveis de renovação as deliberações fundadas em vícios procedimentais Segundo o Apelante, nos termos do art. 62.º CSC, apenas são passíveis de renovação as deliberações fundadas em vícios procedimentais, tanto no caso de deliberações nulas, como no caso de deliberações anuláveis: os vícios de que padeciam as Deliberações de 15/04/2019 e de22/01/2021, que a Deliberação de 16/03/2022 pretende renovar, não são vícios procedimentais, mas sim vícios de conteúdo, como, aliás, reconhece a Sentença Recorrida. as Deliberações de 15.04.2019 e 22.01.2021 foram anuladas, uma vez que não existia direito e legitimidade para amortizar em ambos os casos. Antes de mais, a tese do apelante, de que as declarações anuláveis só são passíveis de renovação quando respeitem a vícios procedimentais e já não se contiveram vícios de conteúdo, não encontra qualquer apoio na redação do artigo 62º do CSC. Se o nº1 de tal norma restringe a possibilidade de revogação das deliberações nulas aos casos previstos nas als. a) e d), do nº1 do artigo 56º (estes sim, respeitantes a vícios procedimentais), o nº2 do art. 62º, reportando-se às deliberações anuláveis, admite a sua renovação sem qualquer restrição quanto às eventuais causas da anulabilidade, exigindo, tão só, que a deliberação renovatória “não enferme do vício precedente”. Por outro lado, se, partindo de um raciocínio formal e simplista – de que, “uma deliberação pretendendo “renovar” uma anterior anulável por vício de conteúdo, teria de aparecer, para não padecer do mesmo vício, com um conteúdo diferente”, ou seja, deixaria de ser uma deliberação renovatória – se poderá afirmar que, quer as deliberações nulas, quer as anuláveis só podem ser objeto de renovação por vícios de procedimentos, o certo é que a realidade nos demonstra que, nem sempre, assim é. E não o será, de um modo muito óbvio, no caso em apreço, relativamente ao vício que esteve na base na declaração de anulação da deliberação inicial de amortização das ações do aqui autor com fundamento no respetivo arresto e subsequente alteração do capital social – tal deliberação foi objeto de anulação por o tribunal ter considerado que o direito potestativo de amortização das ações com fundamento no arresto só se podia considerar constituído após o trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto. Tal vício, ainda que a considerar-se de conteúdo, era perfeitamente sanável, logo que tal decisão viesse a transitar em julgado, como transitou, pelo que, a partir da data em que a decisão que decretou o arresto transitou em julgado, tal “impedimento” desapareceu, podendo afirmar-se que, a partir daí, o direito a amortizar as ações com fundamento no arresto já se havia constituído, podendo vir a ser validamente exercido (desde que cumpridos os demais requisitos do Contrato da Sociedade da Requerida) O Apelante não diz, nem no requerimento inicial, nem nas alegações, quais os vícios que poderiam conter qualquer uma das anteriores deliberações, que, por serem de “conteúdo” impediriam a possibilidade de sobre elas incidir nova deliberação renovatória. De qualquer modo, se o Apelante se reporta à ausência de notificações a que se reporta o artigo 7º do Contrato de Sociedade da requerida (concessão de prazo de 90 dias para sanação da situação do arresto) e nº 2 do art. 105º do CSS (notificação para que proponha um ROC), qualquer preterição destas formalidades é suscetível de sanação, pelo que, não se afigura qualquer motivo para que, depois da deliberação de 21-01-20021, a sociedade não pudesse propor nova deliberação renovatória, depois de devidamente cumpridas tais exigências legais. Ou seja, como afirma Pinto Furtado, a impossibilidade de confirmação de uma deliberação “ferida de nulidade substancial” não pode ser feita em termos absolutos, “pois, eventualmente, poderá uma modificação normativa, ou ex natura, fazer cessar, por si só, a razão de ser do vício anterior, possibilitando que passem a aprovar deliberações com aquele mesmo conteúdo, antes ilícito ou ilegalmente impossível[9]”. Por outro lado, encontramo-nos perante situações de mera anulabilidade, e como já referimos, a tal interpretação não se opõe o nº2 do artigo 62º, quando se afirma que “a anulabilidade cessa quando os sócios renovem a deliberação anulável mediante outra deliberação, desde que esta não enferme do vicio precedente”. Tal como afirma Meneses Cordeiro, a propósito desde nº2, “desta feita não se distinguem vícios formais e vícios substantivos[10]”. Quando o vício que determina a anulabilidade é de conteúdo, apenas é necessário que a deliberação renovatória não enferme do mesmo vício, já que, se a alteração de conteúdo for significativa, não estaremos em presença de uma verdadeira renovação[11]. Por fim, a própria afirmação de que nos encontraríamos perante vícios de conteúdo pode ser discutível[12], uma vez que, as três referidas invalidades não respeitam diretamente à existência, ou não, do direito à amortização das ações na sequência do respetivo arresto, mas a requisitos necessários ao exercício de tal direito, que não se encontrariam reunidos à data da deliberação inicial, ou da deliberação renovatória de 21.01.2021, mas que poderiam vir a ser satisfeitos. Concluindo, na parte em que os vícios apontados às deliberações de 15-04-2019 e de 22-01-2021, fossem suscetíveis de serem sanados, o facto de poderem integrar vícios de conteúdo não constituiria obstáculo à renovação de tais deliberações. * 2.iii. À data da deliberação renovatória há muito havia caducado o prazo para a deliberação de amortização das ações – seis meses a contar do transito em julgado do arresto que fundamentaria a decisão O Requerente fez assentar o pedido de suspensão de deliberações sociais formulado nos presentes autos de procedimento cautelar, entre outros fundamentos, na caducidade do direito de amortizar as ações com base no arresto: constituído o facto respetivo a 02.07.2019 (data do trânsito em julgado do arresto), à data das deliberações renovatórias tomadas a 22.01.2021 e a 16.03.2022, já havia decorrido mais de 6 meses a contar da ocorrência do facto que fundamenta a amortização, o que conduz à anulabilidade da deliberação (cfr. artigo 58.º, n. º1, al. a) e 347.º, do CSC). Na oposição que deduz à providência, a sociedade Requerida, alega que o direito potestativo de amortização das ações foi efetivamente exercido através da deliberação de 15.04.2019, o que determinou a extinção do prazo de caducidade, nos termos do disposto no artigo 331.º do CC; de qualquer modo, o prazo aplicável à caducidade para amortizar as ações nunca seria o prazo supletivo de seis meses, mas o prazo limite de um ano, previsto no art. 347º, nº 6, do CSC para os casos em que os estatutos regulam a matéria dos prazos de amortização, ou seja, um prazo injuntivo: o direito de amortização deve ser exercido no prazo de 60 dias, contados do final do prazo de 90 dias concedido ao acionista para sanar o ilícito estatutário – mas sempre no prazo máximo de um ano previsto no artigo 347º, nº6 do CSC. A decisão recorrida, veio a negar a caducidade do direito de amortização das ações com base no arresto. Começando por enquadrar a questão em “saber se o direito potestativo que foi efetivamente exercido pela Ré através da deliberação de 15.04.2019 determinou a extinção do prazo de caducidade de seis meses, previsto no artigo 347.º, n.º6, do C.S.C. Ou, se porventura, ao ser prematuramente exercido (como veio a ser entendido nas decisões proferidas no âmbito dos autos de processo comum n.º 2319/19....) ficou o direito em causa sujeito a um novo prazo de caducidade – veio a considerar que: - a caducidade pode ser impedida, mas não interrompida ou suspensa; o impedimento da caducidade, não tem como efeito o início de novo prazo, mas o seu afastamento definitivo, passando o direito reconhecido a ficar subordinado às regras da prescrição; - com a deliberação de 15.04.2019, a aqui Requerida manifestou perante o Requerente a vontade de exercer o direito potestativo de amortização (com fundamento no arresto das ações), e, em consequência, impediu definitivamente a caducidade de tal direito; - assim, quando a Requerida renovou a deliberação de 22.01.2021 através da deliberação de 16.03.2022 já não se encontrava a correr qualquer prazo de caducidade, mas, tão só, o prazo geral de prescrição, que, claramente não se encontra decorrido. Insurge-se o Apelante contra o decidido, com a seguinte argumentação: - o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido (artigo 329º do CC); - o direito a amortizar as ações do Recorrente com base em arresto transitado em julgado constituiu-se em 02.07.2019, pelo que, o prazo de seis meses previsto no art. 347º, nº6 do CSC, terminou a 03.01.2020; - como tal, não faz qualquer sentido considerar-se que, pela deliberação de 15.04.2019 – quando não existia qualquer direito a amortizar – se impediu o prazo de caducidade, prazo esse que, nessa data, nem sequer se tinha iniciado (art.329.º CC); por outro lado, com base no n.º 1 do art.331.º do CC, apenas a prática dentro do prazo legal (no caso concreto, 6 meses a contar do arresto transitado em julgado), do ato impeditivo – neste caso, a deliberação de amortização com todos os requisitos estatutariamente exigidos para tal, já expostos – impediria a caducidade. Por sua vez, a sociedade Apelada, nas suas contra-alegações, mantém a posição anteriormente assumida, de que, uma vez interrompida a caducidade do direito de amortização das ações pela deliberação de 15.04.2019, tal direito fica sujeito às regras gerais da prescrição; mais sustenta que, estabelecendo o artigo 7º dos Estatutos da Sociedade prazos para o exercício de tal direito, não será aplicável o prazo de seis meses supletivamente previsto pelo artigo 347º do CSC, encontrando-se o prazo de caducidade, sujeito, tão só, ao limite máximo de um ano, aí previsto. Cumpre apreciar se o direito de amortização das ações com base no arresto se encontrava caducado à data da deliberação de 16 de março de 2022, cuja suspensão aqui é peticionada. As questões aqui levantadas, não pela ordem de apresentação, mas pela sua ordem lógica, residem em determinar: - se, da conjugação do disposto no artigo 347º, nº6, do CSC e no artigo 7º dos Estatutos da Requerida, o prazo de caducidade para o exercício de tal direito era o de seis meses ou o de um ano; - se a deliberação de amortização das ações com base no arresto, tomada na assembleia de 15 de abril de 2019, teve o efeito de impedir definitivamente a caducidade do direito de amortização das ações do Requerente com base no decretado arresto: i) apesar de ter sido tomada numa altura em que tal direito ainda se não tinha constituído, por a decisão do arresto só vir a transitar em julgado posteriormente; ii) apesar de ter vindo a ser anulada por decisão transitada em julgado. 2.iii.a. Prazo para a amortização das ações – artigo 7º do Contrato social e nº6 do art. 347º do CSC Prevê o artigo 347º do Código das Sociedades Comerciais, duas modalidades de amortização/extinção de ações com redução de capital – a amortização imposta pelo contrato e amortização permitida pelo contrato. Embora em ambos os casos, “a amortização seja feita sem o consentimento dos acionistas afetados, enquanto a primeira corre inexoravelmente do estatuto, sem possibilidade de ponderar a sua conveniência ou oportunidade, já a segunda depende de uma decisão atual da sociedade que, verificada a hipótese estatutariamente desenhada, determina se se vai ou não proceder à amortização das ações atingidas[13]”. Dispõe, assim, o nº 6 do artigo 347º do CSC, relativamente à amortização, quando permitida por contrato: 6. Sendo a amortização permitida pelo contrato de sociedade, pode este fixar um prazo, não superior a um ano, para a deliberação ser tomada; na falta de disposição contatual, esse prazo será de seis meses a contar da ocorrência do facto que fundamenta a amortização. No caso de amortização permitida no contrato, razões de segurança determinam a fixação de um prazo de caducidade mais dilatado para que a sociedade exerça a faculdade de amortizar: será, no silêncio do contrato, de seis meses a contar da ocorrência do facto que serve de fundamento à amortização, embora o estatuto possa estabelecer um prazo diferente, conquanto não ultrapasse a fasquia de um ano[14]. Vejamos, assim, se o contrato social estabeleceu um prazo para a deliberação ser tomada, e, nesse caso, qual o prazo fixado no contrato, sendo certo que, segundo o disposto no nº6 do artigo 347º, CSC: - se o contrato não estabelecer qualquer prazo para o exercício do direito, aplicar-se-á, supletivamente, o prazo de seis meses a contar do facto que fundamenta a amortização; - a ter-se estabelecido um prazo será esse que vigora, sendo que, prevendo o nº6 um limite máximo à liberdade de estipulação – um prazo injuntivo –, caso tal limite tenha sido ultrapassado, o prazo para o exercício do direito ter-se-á por reduzido para um ano. O artigo 7º do Contrato de Sociedade da Requerida, intitulado “amortização de ações”, apresenta o seguinte teor: “1. É admitida a amortização compulsiva de ações pela sociedade, sem consentimento do respetivo titular, nos casos que se seguem, sempre que a situação que origine o direito à amortização se mantenha após noventa dias a contar da comunicação pelo Conselho de Administração dessa mesma situação ao acionista em causa: (…); d) Se as ações forem penhoradas, arrestadas ou, por qualquer outra forma, sujeitas a apreensão judicial; (…). 4. A Assembleia Geral deverá exercer aquele direito no prazo de sessenta dias contados do final do prazo referido no número 1 do presente artigo. No caso em apreço, o contrato de sociedade optou por fixar um específico prazo para a deliberação – sessenta dias, contados a partir do momento em que tenham decorrido 90 dias desde a comunicação ao acionista de que se mostra verificado determinado facto que admite a amortização compulsiva das suas ações. Tal regulamentação especifica afastará o prazo supletivo (ou seja, apenas previsto no caso de silencio do contrato a tal respeito) de seis meses, previsto no nº6 do art. 347º CSC. Contudo, não prevendo o contrato qualquer prazo para a ocorrência da comunicação por parte da sociedade ao acionista prevista no nº1 do artigo 7º – a partir da qual se iniciará o prazo de 90 dias que permitirá ao acionista, querendo, regularizar a situação, poderá vir a suceder que o prazo de 60 dias para a tomada da deliberação previsto no contrato, venha a prolongar-se para lá de um ano desde a ocorrência da situação que originou o direito à amortização. E, é aqui que entra o limite máximo de um ano previsto no nº 6 do artigo 347º CSC. Caso, por algum motivo, a sociedade se atrase na comunicação ao acionista, e ainda que se encontre a correr o prazo de 60 dias, o direito para a tomada de deliberação de amortização das ações extingue-se, impreterivelmente, por caducidade, decorrido que seja um ano deste o facto que lhe deu origem. De qualquer modo, no caso em apreço, a opção pelo prazo supletivo de 6 meses, ou pelo prazo fixado no Contrato de Sociedade com o limite de um ano, torna-se irrelevante para a resposta a dar à questão da caducidade no caso em apreço, uma vez que, quer à data da deliberação renovatória de 22 de janeiro de 2021, quer à data da deliberação renovatória de 16 de março de 2022, há muito tais prazos se encontravam ultrapassados. Ou seja, só pelo eventual aproveitamento dos efeitos da 1ª deliberação de 15-04-2019, se poderia vir a concluir que o prazo de caducidade não se havia completado à data da deliberação renovatória aqui sob impugnação. Vejamos, então, se a deliberações tomadas a 15-04-2019, tiveram por efeito o impedimento, a titulo definitivo, da caducidade do direito de amortização das ações com fundamento no arresto, como foi afirmado na decisão recorrida. 1.iii.b. Se a deliberação de 15-04-2019 teve por efeito interromper de forma definitiva o prazo de caducidade do exercício do direito a amortizar as ações com fundamento no decretado arresto. Segundo a decisão recorrida, a deliberação de 15-04-2019, teve, sem mais, o efeito de interromper, a título definitivo, a caducidade do direito de amortização das ações com fundamento no arresto – com tal deliberação, a requerida manifestou perante o Requerente a vontade de exercer o direito potestativo de amortização, pelo que, quando a Requerida renovou a deliberou de 22.01.2021 através da deliberação de 16.03.2022, já não se encontrava a correr qualquer prazo de caducidade, encontrando-se, a partir daí sujeita às regras da prescrição[15]. Contra tal posição se insurge o Apelante, com os seguintes fundamentos: - uma vez que, nos termos do artigo 329º do CC, o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder ser legalmente exercido, o ato impeditivo só pode ter lugar após o direito se ter constituído; - tendo a decisão que decretou o arresto transitado em julgado unicamente a 02.07.2019, o direito à amortização não se havia ainda constituído à data da deliberação de amortização de 15-0-2019, pelo que, tal ato não seria apto a produzir efeitos interruptivos; - por outro lado, com base no artigo 331º, nº1, do CC, apenas a pratica dentro do prazo legal, do ato impeditivo – e neste caso, a deliberação de amortização com todos os requisitos estatutariamente exigidos – impediria a caducidade; - sendo a deliberação de 15-04-2019, uma deliberação inválida, anulada, é inapta a impedir a caducidade; - a renovação a que se pretende agora proceder, através da deliberação de 16.03.2022, não pode constituir ato impeditivo, quer por a deliberação que pretende renovar se encontrar já anulada, quer por a própria renovação ter ocorrido depois de decorrido o prazo de caducidade de seis meses. Embora algumas das asserções em que ambas as teses se suportam estejam, em princípio corretas, não se pode concordar na íntegra com as ilações que delas são retiradas. A asserção em que a decisão recorrida faz assentar o seu juízo de que a deliberação de 15.04.2019 produziu a interrupção da caducidade de forma definitiva – de que, uma vez impedida a caducidade com o ato deliberativo, não pode voltar a correr novo prazo de caducidade, encontrando-se o direito sujeito ao prazo geral de prescrição –, exige algumas reflexões. Não se discute que, ao contrário do que sucede com a prescrição em que, uma vez interrompida e cessada a causa da interrupção, volta a correr novo prazo (artigo 326º CC), tal não acontece com a caducidade, onde o prazo não se suspende nem se interrompe, a não ser nos casos em que a lei o determine (artigo 328º CC). Sendo a razão de ser da caducidade, a rápida definição da situação jurídica, e se a lei pretende que a situação se defina dentro do prazo que fixa, segundo Adriano Vaz Serra seria incompatível com esse objetivo que o titular pudesse interromper o curso do prazo pelos atos com que poderia interromper a prescrição: “O que ele pode é praticar, dentro do prazo, o acto a que a lei sujeita a caducidade. É então que o direito não se extingue. Não se trata, aí, porém, de uma verdadeira interrupção, mas antes, aquilo a que se chama «impedimento» da caducidade[16]”. A afirmação contida na sentença não nos colocaria grandes reticências se estivéssemos perante um ato interruptivo válido: em princípio, impedida a caducidade por ato válido, o direito apenas poderia ficar sujeito às regras gerais da prescrição[17]. A posição assumida na sentença de que, uma vez interrompido o prazo de caducidade pela deliberação de 15.04.209, o direito ficaria sujeito às regras da gerais prescrição[18], passando por cima da questão da posterior declaração judicial de anulação da mesma, levaria ao absurdo de que, anulada uma deliberação, e não havendo prazo legal para a sua renovação, a deliberação renovatória pudesse vir a ser tomada dentro do prazo geral de prescrição de 20 anos. Desde logo, atentaremos não ter sido essa a opção do legislador quando a caducidade se refere ao direito de propor certa ação em juízo, ao dispor no nº1 do artigo 332º, CC, que se ação tiver sido tempestivamente proposta é aplicável o disposto no nº3 do artigo 327º, segundo o qual “Se por motivo processual não imputável ao titular do direito, o réu for absolvido da instancia ou ficar sem efeito o compromisso arbitral e o prazo da prescrição tiver entretanto terminado ou terminar nos dois meses imediatos ao transito em julgado da decisão ou da verificação do facto que torna eficaz o compromisso, não se considera completada a prescrição antes de findarem estes dois meses”. Os efeitos civis da propositura da ação (impedimento da verificação da prescrição e da caducidade), só se mantêm nos dois meses seguintes ao trânsito em julgado de absolvição da instância, desde que esta absolvição da instância não seja por motivo processual imputável ao titular do direito[19]. De tal regime sobressai que, caso a ação venha a ser declarada extinta por absolvição da instância, por motivo imputável ao titular do direito, este não se pode aproveitar dos efeitos interruptivos do direito decorrentes da propositura tempestiva da primeira ação, pelo que, se, entretanto, o prazo houver já terminado, extinguiu-se o direito de propor nova ação. A tal respeito, Luís Carvalho Fernandes”[20] chama a atenção de que o artigo 332º do CC, importa um certo desvio à regra de que, na caducidade, a prática do ato interruptivo resolve, em geral, o problema, pois ele implica o exercício do direito, não mais fazendo sentido falar em caducidade do mesmo. De tal regime retiramos que, à questão de se poder pensar que o que importa não é tanto o exercício válido do seu direito pelo autor como a manifestação da sua vontade de o exercer[21], no que se reporta à caducidade a resposta terá de ser negativa – em princípio só um ato valido terá a capacidade para interromper a caducidade. Permanece, assim, o cerne da questão que aqui nos é colocada a propósito da caducidade do direito de amortizar as ações arrestadas: e se o ato, abstratamente adequado a interromper o prazo de caducidade do direito, vier a ser declarado inválido? Continua a produzir os efeitos interruptivos para que tendia? A tese assumida pelo Apelante – socorrendo-se do disposto no artigo 329º do Código Civil, segundo o qual o prazo de caducidade, se a lei não fixar outra data, começa a correr quando o direito puder ser exercido (e este direito não podia ter sido exercido à data da 1ª deliberação, 15 de abril de 2019, porque o direito não se tinha ainda constituído), para daí retirar, sem mais, que tal deliberação não pode ter tido qualquer efeito interruptivo – corre à margem dos efeitos de uma deliberação anulável. A anulabilidade é uma forma de invalidade que carece de declaração judicial, está dependente de invocação, uma vez que se considera que, não sendo tão grave como a nulidade, pode ser recuperável pelo decurso do tempo ou pela concordância superveniente de quem ficaria particularmente afetado com a subsistência do ato (cfr., art. 287º do CC)[22]. A falta de propositura da ação de anulação de uma deliberação no prazo de 30 dias, por quem tem legitimidade para tal (não sendo de conhecimento oficioso), conduzirá à sanação do vício, pelo que, a deliberação anulável será dotada desde a sua constituição, de uma validade resolúvel: nasce válida, mas, através de decisão proferida em ação de anulação que tempestivamente lhe seja oposta, cessa retroativamente a sua existência e eficácia (artigo 289º-1, CC).[23] “A deliberação anulável só deixará de produzir os seus efeitos caso seja anulada por decisão judicial – que tem assim, efeitos constitutivos. Até esse momento e ressalvada a hipótese de suspensão da deliberação, esta produz os efeitos para que tendia[24]”. A deliberação anulável vigora e produz os seus efeitos enquanto não for atacada (diferentemente se passam as coisas na nulidade). Se tal deliberação é renovada, ela deixa de produzir efeitos a partir desse momento, mas até lá, vigorou e produziu efeitos[25]. Vejamos a sequência dos atos relevantes para a apreciação da caducidade do direito de amortização das ações com fundamento no decretado arresto: - decretado o arresto das ações do aqui Apelante, por decisão de 20 de fevereiro de 2018, e julgada improcedente a oposição aí deduzida pelo aqui apelante, por decisão de 06.08. 2018, o autor dela interpôs recurso; - a 07.11.2018, a sociedade remeteu ao autor uma carta a comunicar-lhe a intenção de proceder à amortização das ações arrestadas, concedendo-lhe o prazo de 90 dias previsto no art. 7º, nº1, al. d), dos Estatutos da C... SGPS., S.A., para sanar a situação em causa e, a 28.12.2018, enviou-lhe nova comunicação para no prazo de 10 dias indicar revisor de contas, nos termos do art. 105º, nº 2 do CSC. - na assembleia Geral de 15 de abril de 2019, é então tomada deliberação de amortização das ações arrestadas e subsequente redução do capital social; - instaurada Ação de Anulação de deliberações sociais (Proc. nº 2139/19....), nela veio a ser proferida decisão que declarou anuladas as deliberações tomadas a 15.04.2019, decisão que transitou em julgado a 23 de setembro de 2021; - em tal ação foi decidido que o direito de amortização das ações com fundamento no arresto só se constituiu, quando o decretamento do arresto se tornou definitivo, ou seja, a 02 de julho de 2019; - posteriormente, vêm a ser tomadas novas deliberações renovatórias da amortização das ações do autor com fundamento naquele arresto, a 1ª a 22 de janeiro de 2021, e a que se encontra sob impugnação, a 28 de março de 2022. Dispondo o artigo 331º do CC, que só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do ato a que a lei atribua efeito impeditivo, tal impedimento só ocorre com o próprio ato através do qual se exerça o direito. A única forma de evitar a caducidade é praticar, dentro do prazo correspondente, o ato que tenha efeito impeditivo[26]. A deliberação da assembleia geral é o ato legalmente adequado ao exercício do direito de amortização de ações permitida pelo contrato de sociedade (artigo 347º, nº5). Sendo a deliberação de amortização tomada em 15 de abril de 2019 simplesmente anulável, o seu destino encontrava-se dependente do exercício ou não do direito de anulação, mas não deixou de surtir desde o início a eficácia que, segundo o seu teor, lhe deva corresponder. Assim sendo, e até ser decretada a sua anulação por decisão que transitou em julgado em 23 de setembro de 2021, a deliberação de amortização das ações tomada a 15-04-2019, produziu os seus efeitos, nomeadamente, o de interromper o prazo de caducidade. E, ainda antes da declaração de anulação transitar em julgado, a amortização das ações com base no arresto foi objeto de deliberação renovatória a 22 de janeiro de 2021. Estando em causa uma deliberação renovatória, o momento relevante para aferir a respetiva caducidade poderia ser o momento da deliberação renovada, caso a deliberação renovatória tivesse efeitos retroativos a essa data. Nesse caso, poder-se-ia dizer que a amortização estava a ser deliberada com referência e a produzir efeitos na data da 1.ª deliberação quando o direito ainda não havia caducado. Contudo, no caso em apreço, a deliberação renovatória de 22 de janeiro de 2021 foi emitida com “efeitos retroativos à data do trânsito em julgado do arresto”, e a deliberação renovatória de 16 de março de 2022 foi mesmo emitida sem efeitos retroativos. Quanto à questão da (in)admissibilidade de uma deliberação renovatória ser emitida com efeitos retroativos a outra data que não a da deliberação que pretende “renovar” ou “substituir”, a resposta terá de ser negativa. Nunca uma deliberação social pode ser decretada reportando os seus efeitos a data anterior à da própria deliberação (a não ser no caso de se atribuir efeitos retroativos à data de anterior deliberação), com o objetivo de interromper o prazo de caducidade do direito que através dela se pretende exercer, sob pena de se ter descoberto uma solução milagrosa para ultrapassar qualquer prazo de caducidade para o exercício de direitos que tenham de ser exercido pela via de uma deliberação. A possibilidade de atribuição de eficácia retroativa a que se reporta o artigo 62º, nº1 do CSC, respeita unicamente às deliberações renovatórias, uma vez que se destinam a emitir uma nova deliberação sobre o mesmo objeto, agora extirpada dos vícios da anterior, permitindo que esta nova deliberação possa reportar os seus próprios efeitos à data da deliberação renovada. Contudo, no caso em apreço, nenhuma das deliberações renovatórias foi emitida com efeitos ex tunc, pelo que apenas procederam à revogação e substituição da que lhe antecedeu com efeitos para o futuro. A deliberação renovatória de 22 de janeiro de 2022, não tendo sido emitida com efeitos retroativos à primeira deliberação, não só, não a revoga, como não faz reportar os respetivos efeitos à data da primeira deliberação, tratando-se de uma mera sucessão de deliberações[27]. E, uma vez que qualquer uma das deliberações renovatórias foram tomadas muito depois do prazo limite de um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto, a única hipótese de a caducidade se ter por interrompida, seria pela via do aproveitamento dos efeitos interruptivos da deliberação de 15-04-2019. Contudo, com o trânsito em julgado da Ação de Anulação da deliberação social de amortização das ações com base no arresto, tomada na assembleia geral de 15-05-2019, ao vir a ser declarada anulada, extinguiram-se retroativamente todos os efeitos pela mesma até aí produzidos, inclusivamente o de impedir a caducidade do direito de amortizar as ações com fundamento no respetivo arresto. Assim sendo, as deliberações renovatórias de 22 de janeiro de 2021 e a 16 de março de 2022, tomadas muito depois de decorrido um ano desde a data do ato que fundamenta a amortização (02 de julho de 2019), incidiram sobre o um direito já extinto por caducidade. Concluindo, é de revogar, nesta parte, a decisão recorrida, considerando que, à data da deliberação de 16 de março de 2022, aqui sob impugnação, o identificado direito de amortização das ações do Requerente, com base na ocorrência do respetivo arresto, se encontrava extinto por caducidade. * 3. Violação do direito a informações preparatórias da assembleia geral e do disposto no artigo 95º do CSC O Requerente faz igualmente assentar a anulabilidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 16 de março de 2022, no facto de não ter tido acesso a qualquer relatório de avaliação realizado por ROC independente, que, em seu entender, deveria acompanhar deliberação de amortização das ações, relativamente às quais deve ser calculada a respetiva contrapartida, nos termos do disposto no artigo 7.º, n. º6, dos Estatutos da Requerida e artigo 105.º, n. º2, do C.S.C: a) sem o referido relatório viu-se privado da consulta de documentos preparatórios da Assembleia Geral, o que conduz à anulabilidade da deliberação, nos termos das disposições conjugadas do artigo 58. º, n. º1, al. c) e n. º4, al. b), do C.S.C. b) não se verificando qualquer uma das exceções previstas no artigo 347º, nº7, do CSC, aplica-se o artigo 95º, nº1 do CSC, sendo que, sem tal relatório, não consegue o Requerente concluir se a situação líquida da sociedade Requerida fica ou não a exceder o novo capital em, pelo menos, 20% e, por conseguinte, se tal redução pode ser deliberada, com a consequente anulabilidade da deliberação social, nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º1, al. a), do C.S.C. A sentença recorrida, depois de analisar as normas envolvidas na amortização de ações – artigos 347º do CSC, artigo 7º dos Estatutos Sociais da requerida e o artigo 105º do CSC, conclui: “Em face do regime legal que se deixou transcrito, importa então aquilatar se estando em causa uma deliberação de amortização compulsiva de ações, em que é devida uma contrapartida calculada por um ROC (cfr. artigo 7.º, do PS e artigo 105.º, n.º2, do CSC) – amortização onerosa –, a falta de tal cálculo com o correspondente relatório de avaliação determina, ou não, a invalidade da deliberação como propugnando pelo Requerente. Como já referimos supra, no caso de a amortização das ações ser permitida pelo contrato de sociedade (como sucede no caso dos autos), compete à Assembleia Geral deliberar e fixar as condições necessárias à sua execução, na parte que não constar do contrato. Como vem sendo entendido pela Doutrina e Jurisprudência, a contrapartida compensatória devida, com valor calculado por um ROC, é um elemento exterior à deliberação de amortização “tout court”, não constituindo um elemento intrínseco da mesma, na medida em que não é um factor constitutivo da amortização, nem um requisito da sua existência e validade (…). Assim, concluindo-se que a fixação da contrapartida devida não faz parte integrante da deliberação de amortização, mas é elemento exterior à mesma; e considerando ainda que aquando da deliberação de amortização as condições essenciais da operação (calculo da contrapartida e condições de pagamento) se encontram expressamente fixadas no Pacto Social (cfr. artigo 7.º, n.º6 e 7, do Estatutos da Requerida), não estava a Requerida obrigada a providenciar e facultar ao Requerente em momento prévio à realização da Assembleia Geral o relatório de avaliação destinado ao calculo da respetiva contrapartida. Pelo que inexistiu qualquer violação do direito às informações preparatórias da Assembleia Geral, suscetível de conduzir à anulabilidade da deliberação social nos termos do disposto no artigo 58.º, n. º1, al. c)”. Insurge-se o Apelante, alegando que a decisão recorrida incorreu em erro de julgamento, ao considerar cumprido o nº6 do artigo 7º do contrato social e a desnecessidade do relatório do ROC e respetivo cálculo da contrapartida: - o artigo 7º, n.º 6 dos Estatutos da Recorrida prevê que, salvo o acordo das partes em contrário, a amortização das ações é calculada nos termos do n.º 2 do artigo 105.º CSC. - segundo o artigo 105.º, n.º 2 do CSC, deve a Recorrida promover o cálculo da contrapartida pela amortização, através de um ROC independente; - à data da deliberação de 16.03.2022 – e até à data de hoje, mais de 4 meses depois - não existe qualquer relatório de avaliação de Revisor Oficial de Contas (ROC) independente, nem foi definida qualquer contrapartida, em violação do supra exposto; - o relatório do ROC e respetivo cálculo da contrapartida constituem documentos necessários para consulta dos sócios, designadamente do Recorrente, por forma a avaliar se as deliberações são ou não válidas, designadamente quanto à contrapartida da amortização, neste caso, que deveria ter sido determinada em conformidade com o artigo 7.º, n.º 6 dos Estatutos da Recorrida e art.105.º, n.º 2 do CSC; - sem o referido relatório, o Recorrente viu-se privado de consulta de documentos preparatórios da Assembleia Geral (artigo 289.º, n.º 1, al. c) do CSC); - não tendo sido proporcionada a consulta do Relatório do ROC antes da Assembleia Geral da deliberação de 16/03/2022 que ora se impugna, tal deliberação é anulável, nos termos do artigo 58.º, n.º 1, al. c) e n.º 4, al. b) do CSC; - o n.º 7 do artigo 7.º dos estatutos estipula que o valor fixado para a amortização será pago pela sociedade em três prestações iguais, vencendo-se a primeira 30 dias após a realização da amortização e as segunda e terceira, respetivamente, 6 meses e 1 ano depois do vencimento daquela. - se a primeira prestação se vence 30 dias após a realização da amortização – i.é, através da deliberação de amortização – tal pressupõe, necessariamente, que à data da deliberação de amortização esteja fixado o valor da amortização. - o artigo 7.º/6 do contrato social, remetendo para o n.º 7 e 105.º, n.º 2 do CSC, exige não só a comunicação para designação de ROC, mas o respetivo relatório e cálculo da contrapartida. Desde logo, se constata que, para além do erro que imputa à decisão recorrida de ter considerado cumprido o nº6, do artigo 7º do contrato social, e desnecessário o Relatório do ROC e respetivo cálculo da contrapartida, toda a sua alegação restante constituiu uma mera reprodução do por si alegado na petição inicial. Como é doutrina e jurisprudência assente, a instância de recurso não tem por objeto uma segunda apreciação das pretensões formuladas pelas partes, mas a decisão recorrida. De qualquer modo, não podemos acompanhar a censura que o Apelante lança sobre a decisão recorrida, de que esta considerou cumprido o nº6 do artigo 7º do Contrato Social – “Salvo o caso de acordo entre as partes em contrário, o valor da amortização de ações é calculado nos termos das regras do nº2 do artigo 105º do CSC” –, e de que tenha considerado desnecessário o Relatório do ROC e respetivo cálculo da contrapartida. Em lado nenhum da sentença se afirma que tenham sido cumpridos os procedimentos necessários ao cálculo do valor das ações a amortizar. Antes pelo contrário. O que aí se sustenta, apoiado em doutrina e jurisprudência, é que a fixação da contrapartida devida pela amortização não faz parte integrante da deliberação de amortização, nem é requisito da sua existência ou validade: a deliberação tem por objeto a extinção das ações, e embora a partir de tal deliberação desencadeie na esfera jurídica do interessado o direito a ser compensado, esta contrapartida constituiu um elemento externo à deliberação de amortização das ações. Ora, relativamente a este fundamento, em que a sentença se baseou para considerar que a sociedade não se encontrava obrigada a providenciar e facultar ao Requerente em momento prévio à realização da Assembleia Geral o relatório de avaliação destinado ao cálculo da respetiva contrapartida, o Apelante nada diz. Quanto aos elementos que o Apelante afirma estarem em falta, respeitam ao processo de fixação da contrapartida a pagar pelas ações e ao respetivo método de cálculo. O nº6 do artigo 7º dos Estatutos, quanto ao cálculo do valor da amortização remete para os termos previstos nº nº2 do artigo 105º do CSC, e este reporta-se ao modo e critérios de cálculo da contrapartida das ações amortizadas. Quando aí se dispõe que “a contrapartida deve ser calculada nos termos do art. 1021º CC, com referência ao momento da deliberação de fusão, por um revisor oficial de contas designado por mutuo acordo, ou, na falta deste, por um revisor oficial de contas independente (…)”, o momento da deliberação respeita à data atendível para a fórmula de cálculo, e não, que tal valor deva ser fixado no momento da deliberação de amortização das ações. A avaliação reporta-se a uma determinada data (data relevante), sendo que, para a amortização em geral, o momento relevante é o da deliberação[28]. Aliás, mandando o nº2 do art. 105º CSC cometer a um ROC a avaliação da participação, é lícito a qualquer das partes requerer uma segunda avaliação para o cálculo da contrapartida, nos termos do CPC (art. 105º, nº3, do CSC)[29]. E, em lado algum se encontra previsto qualquer prazo para a fixação da contrapartida. Quanto à invocação que agora faz do disposto no nº7 do artigo 7º dos Estatutos Sociais – “O valor fixado para a amortização das ações será pago pela sociedade em três prestações iguais, vencendo-se a primeira trinta dias após a realização da amortização e as segunda e terceira, respetivamente, seis meses e um ano depois do vencimento daquela”, se poderia indicar que a Requerida se encontrava em mora relativamente ao cálculo do montante da contrapartida – embora com algumas dúvidas, porque se ele é calculado por referência ao momento da deliberação, diríamos que, em princípio, só depois desta, tal cálculo poderá ser efetuado (temos alguma dificuldade em conceber uma avaliação, para efeito de cálculo de tal contrapartida, reportado a um momento temporal futuro). Como sustenta Carolina Cunha[30], o artigo 347º do CSC, que prevê a “Amortização de ações com redução de capital”, nada nos diz quanto à existência ou modo de cálculo da contrapartida a satisfazer ao acionista cujas participações sociais são amortizadas; quanto ao modo de cálculo, i.e., ao valor a receber pelos acionistas afetados, é pacífico que caberá ao contrato (art. 347º para a hipótese de amortização imposta) e ou órgão deliberativo-interno (art. 347º, nº5, para a deliberação permitida) estabelecê-lo ou, pelo menos, estabelecer o critério que permita o seu concreto apuramento. Pelo menos no caso da amortização compulsiva – como o é a amortização das ações a que se reporta o artigo 347º CSC –, o efeito próprio e direto da deliberação de amortização é a extinção das ações, amortização que trará como consequência a constituição de um ulterior crédito, destinado a compensar o titular das ações da sua perda[31]. A contrapartida a fixar à amortização constituiu um elemento externo à deliberação de amortização, e é definido mediante um procedimento distinto que corre a par da deliberação de amortização – em que se discute os exatos termos do dever de indemnização decorrente da indemnização deliberada –, podendo prolongar-se para além dela. Como se afirma no Acórdão deste tribunal de 22 de novembro de 2022[32], a propósito de tal artigo 7º dos Estatutos da sociedade Requerida, “uma vez que nem o relatório do revisor oficial de contas nem a contrapartida devida pela amortização de ações é objeto de apreciação na assembleia que delibera sobre a amortização, não se vê razão para que tal relatório seja facultado antes da assembleia aos acionistas nem que a contrapartida deva estar fixada no momento da deliberação da amortização”. Não respeitando tal relatório a qualquer proposta de deliberação a apresentar à assembleia pelo órgão da administração, não se encontra dentro dos elementos que obrigatoriamente devem ser facultados à consulta dos acionistas, nos termos do artigo 289º, nº1, al. c), do CSC. Concluindo, o único vício que se reconhece afetar a deliberação em causa reside na circunstância de o direito a amortizar se encontrar extinto por caducidade. * 4. Conhecimento de questões prejudicadas pela apreciação do litígio contida na decisão recorrida. 4.a. Verificação de dano apreciável Uma vez dada por demonstrada a ilegalidade da deliberação por, através dela se pretender exercitar um direito já caducado, para a procedência da providência haverá ainda que ter-se por verificada a possibilidade de produção de dano apreciável (artigo 380º, nº1, do CPC). Fundamenta o Requerente a existência de dano apreciável, na seguinte alegação: - a concretização da amortização o afasta por completo da vida da sociedade, deixando de poder exercer os seus direitos enquanto acionista, de aprovar ou reprovar contas, de escolher os órgãos sociais da empresa, de obter informações a qualquer momento da sociedade, sendo que, sendo titular de 50% das ações representativas do capital da sociedade, o seu voto é expressivo e faz toda a diferença na vida da sociedade; - é público o interesse da O... em proceder à venda da requerida, venda que poderá ocorrer, caso se concretize a amortização, sendo que, logo que esta operação de venda esteja concluída, não mais o requerente conseguirá obter qualquer valor pela venda das suas ações ou qualquer indemnização, uma vez que a A..., SGPS, S.A. é uma sociedade veículo sem qualquer atividade e património. Na sua oposição, a sociedade requerida, não pondo em causa que a não suspensão da deliberação de 16 de março de 2022 causará ao Requerente um dano apreciável pois o impedirá de exercer os seus direitos sociais, opõe-se a que se decrete a suspensão da deliberação, e socorrendo do disposto no n2 do artigo 381º do CPC, limita-se a contrapor que “o prejuízo resultante da suspensão é superior ao que deriva da não suspensão”, Fazendo os nossos tribunais questão de realçar que o juízo de prognose do dano apreciável deve assentar em atos concretos, incisos e concisos e que se exige um juízo de certeza ou, pelo menos, de probabilidade muito forte, ao invés de uma mera probabilidade, é comummente aceite que o dano que, para o titular da quota ou ação amortizada, deriva do retardamento da sentença de anulação da deliberação que a aprovou, é o dano resultante da negação ao respetivo titular, do exercício dos direitos sociais até ao momento daquela sentença[33]. Na situação em apreço, respeitando a deliberação de amortização das ações à totalidade das ações de que o requerente era titular no capital da sociedade requerida, a sua não suspensão envolverá a extinção pura e simples das ações (nº2 do artigo 347º, do CSC), e a perda da qualidade de sócio, ficando por completo afastado da vida da sociedade. Há de ter-se, assim, por verificado o dano apreciável para o requerente. * A título subsidiário e para o caso de a alegação do Apelante vir a proceder, sustenta a sociedade Apelada nas suas contra-alegações de recurso, que houve determinados factos por si alegados na Oposição, desconsiderados pela decisão recorrida, e que seriam relevantes para o conhecimento das questões que ficaram prejudicadas: a) quanto ao abuso de direito do Requerente (artigos 121º a 135º da Oposição); b) a proporcionalidade entre o prejuízo causado pela execução da deliberação ao Requerente e o prejuízo causado pela sua suspensão à sociedade requerida (arts. 240º a 274º da Oposição). Ainda segundo a Apelada, apesar de alguns factos já se encontrarem provados por força da autoridade de caso julgado ou por documentos, outros há, relevantes e essenciais à decisão da causa que carecem ainda de prova testemunhal – factos alegados nos artigos 131º, 243º, 249º, 251º, 252º, 254º, 264º, 266º, 271º e 272º da oposição Em consequência, conclui que, não dispondo dos elementos necessários à apreciação das questões que ficaram então prejudicadas, deverá o tribunal ad quem baixar os presentes autos à 1ª instância para que se instrua a presente causa e conheça dos factos e das questões prejudicadas. Não podemos dar razão ao apelante. Desde logo porque, os factos alegados pela Apelada, ainda que viessem a ser dados como provados na sua totalidade, não seriam idóneos a deles se retirar a verificação de abuso de direito na invocação que o Requerente faz da caducidade do direito de amortização das ações com fundamento no arresto, ou a deles se concluir pela desproporção entre os danos que se pretendem prevenir com a requerida suspensão das deliberações sociais e os danos que tal suspensão possam causar à sociedade. Ou seja, em nosso entender, os autos dispõem já dos elementos necessários à apreciação dessas duas questões cujo conhecimento se entendeu prejudicado pela solução dada ao litígio pelo tribunal recorrido, questões que passamos a apreciar, ao abrigo do disposto no artigo 665º, nº2 do CPC. * 4.b. Se o Requerente age em abuso de direito ao impugnar a deliberação de 16.03.2022 com fundamento em caducidade Na oposição que deduziu nos presentes autos, a sociedade requerida defendeu-se alegando o Requerente age em abuso de direito, ao impugnar a deliberação tomada em 16 de março de 2020, com fundamento na caducidade do direito de amortização das ações: o Requerente criou, através de expedientes dilatórios, a situação de decurso do tempo – i.e., suposta caducidade – que vem invocar como sendo a fonte da invalidade da Deliberação de 16.03.2022, pelo que, ao ter impugnado esta deliberação depois de ter criado tal situação, agiu claramente em abuso de direito na modalidade de tu quoque – artigo 334.º do CC. na sequência do arresto, a Requerida promoveu a amortização de tais Ações, tendo concedido ao Requerente o prazo estatutário de 90 dias para sanar o ilícito estatutário e, posteriormente, o prazo de 10 dias para nomear um ROC para avaliar o valor de mercado das Ações - vd. Doc. n.ºs ... e ...; não tendo o Requerente respondido a estas cartas nos mencionados prazos de 90 dias e de 10 dias, não levantando qualquer questão relativamente à legitimidade da amortização com fundamento no arresto (ainda que não transitado); porém, pouco tempo antes desta assembleia geral, de forma totalmente inesperada, o Requerente apresentou uma reclamação do Acórdão do Tribunal da Relação ... que manteve o arresto totalmente destituída de fundamento, conseguindo artificialmente atrasar o seu trânsito em julgado – vd. Doc. n.º ... e .... para, de seguida, impugnar a deliberação de amortização com o argumento de que não bastava o decretamento do arresto para fundar a amortização estatutária, sendo antes necessário o trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto; mais, existe também abuso de direito, na modalidade de venire – artigo 334.º do CC. pois, na impugnação da Deliberação de 15.04.2019, o Requerente sustentou que a amortização foi adotada demasiado cedo, impedindo-o de beneficiar de mais tempo para sanar o ilícito estatutário – vd. artigos 63.º a 101.º da Petição Inicial junta como Documento n.º ... do Requerimento Inicial; para agora, depois de renovados os procedimentos estatutários, cumprindo todas as exigências reclamadas pelo Requerente, concedendo-lhe mais tempo para sanar o ilícito estatutário, vir invocar que a amortização foi adotada demasiado tarde. em resumo: aquando da Deliberação de 15.04.2019 era demasiado cedo para amortizar as Ações, pois a decisão que decretou o arresto das mesmas ainda não havia transitado em julgado por causa das atuações do Requerente com vista a atrasar tal trânsito em julgado, no entanto, aquando das Deliberações de 22.01.2021 e 16.03.2022 já era demasiado tarde para amortizar as Ações, pois a Requerida não poderia ter aguardado pelas decisões dos tribunais relativamente às deliberações a renovar para saber se era efetivamente necessário deliberar tais renovações. uma das consequências da “ilegitimidade” a que alude o artigo 334.º do CC consiste na supressão do direito exercido abusivamente, o que, in casu, determina a impossibilidade de o Requerente impugnar judicialmente a Deliberação de 16.03.2022, mantendo-se a mesma, consequentemente, plenamente válida. Em face do exposto, ao impugnar a Deliberação de 16.03.2022 com base na caducidade do direito de amortização, o Requerente excedeu manifestamente os limites impostos pela boa- fé, numa situação reconduzível ao abuso de direito, estando, por esse motivo, impedido de impugnar a validade daquela deliberação social, nos termos do artigo 334.º do CC. Não podemos dar razão à Apelada. Será abusivo – e consequentemente ilegítimo – o exercício de certa faculdade jurídica que exceda manifestamente os limites que decorrem da boa-fé, dos bens costumes ou do fim social ou económico em que assenta a permissão juridicamente tutelada (Artigo 334º do Código Civil). Entre outras hipóteses, a doutrina, distingue: i) o venire contra factum proprium, os actos emulativos, as chamadas inalegabilidades formais ou certas hipóteses em que o não exercício inerente a uma concreta posição jurídica durante um certo lapso de tempo, determinaria a paralisação do seu exercício; ii) o tu quoque, impedindo entre outras hipóteses, o benefício decorrente da violação da norma pelo seu infrator – ao determinar a inatendibilidade da pretensão com comportamento anterior do agente; corresponderá as situações em que uma pessoa que incumpriu um dever jurídico não pode vir depois prevalecer-se desse incumprimento. Não podemos acompanhar a Apelada quando afirma que tenha sido o Requerente quem, com recurso a expedientes dilatórios, tenha criado a situação do decurso do tempo – a suposta caducidade – para depois a invocar como fundamento de impugnação da deliberação de 16 de março de 2022. Desde logo, não se pode afirmar que tenha sido o Requerente quem deu azo a que a primeira deliberação tenha sido considerada intempestiva, ao “atrasar” a ocorrência do trânsito em julgado do arresto. Senão, vejamos: - a 20 de fevereiro de 2018 foi decretado o arresto das ações representativas do capital social da C... SGPS., S.A., detidas pelo Requerido; - tal arresto foi decretado a pedido de sociedades cujo capital social era detido, senão na sua totalidade, pelo menos maioritariamente, pela própria C... SGPS., S.A.; - após dedução de oposição por parte do aqui requerente, a 06 de agosto de 2018, foi proferida decisão a manter o arresto já decretado; - inconformados com esta decisão, apelaram os aí requerentes e o aí requerido, que aí requereu, na procedência do recurso, o levantamento do arresto; - a 07 de novembro de 2018, a requerida enviou ao Requerente uma carta, na qual lhe comunicam que na sequencia da decisão proferida nos autos de arresto, “nos termos da qual foi decretada em definitivo, entre outros, o arresto das participações sociais por si detidas na sociedade C... SGPS., S.A., vimos, na qualidade de membros do Conselho de Administração, por este meio comunicar nos termos e para os efeitos do Artigo Sétimo, número 1, alínea d), dos Estatutos da C... SGPS., S.A. que o arresto definitivo das ações da C... SGPS., S.A. determina a sua amortização compulsiva e que o prazo de noventa dias previsto nesta cláusula se inicia com a presente comunicação”; - por carta de 7 de novembro de 2018, comunicam-lhe que deverá indicar um Revisor Oficial de Contas no prazo de 10 dias para cálculo da contrapartida a pagar pela C... SGPS., S.A. na sequencia da amortização das ações; - o autor não respondeu às comunicações mencionadas nos artigos 16.º e 17.º. - em 20 de fevereiro de 2019 o Tribunal da Relação de Coimbra julgou os recursos referidos no artigo 14.º improcedentes e confirmou a decisão recorrida; - notificado do Acórdão do Tribunal da Relação ..., o ora Requerente apresentou, em 12 de março de 2019, reclamação, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil, ex vi do art. 666.º, n.º 1, do mesmo diploma (…); - em 28 de março de 2019 foi indeferido o pedido de levantamento do arresto sobre a participação social do Requerente, bem como a substituição do arresto, sobre essa participação, pelo arresto da quota nas sociedades C..., Lda. e Á..., S.A.; - no dia 15 de abril de 2019 teve lugar a Assembleia Geral da ré, na qual foi tomada a deliberação de amortização das quotas arrestadas; - em 11 de junho de 2019 o Tribunal da Relação de Coimbra considerou que não havia omissão de pronúncia e indeferiu a reclamação mencionada, tendo esta decisão transitado em julgado em 02-07-2019; De tal circunstancialismo factual, sobressai que, ainda que o requerente não tivesse apresentado, a 12 de março de 2019, reclamação ao acórdão do TR... de 20 de fevereiro de 2019 que confirmou o arresto das ações, sempre a deliberação de amortização das ações se teria de ter por extemporânea. Com efeito, fazendo o artigo 7º do Contrato de Sociedade depender o direito à amortização, da prévia comunicação da intenção de amortizar as ações com base no arresto, e de que tal arresto se mantenha decorrido o prazo de 90 dias a contar de tal notificação – entendendo-se tal prazo como uma oportunidade para o sócio regularizar a situação pondo termo à situação fundamentadora do direito à amortização – esta comunicação só deve ocorrer depois do trânsito em julgado da decisão que decretou o arresto. Como se afirma no Acórdão proferido a 10 12.2020, no âmbito da ação de anulação nº 2319/19...., “quando a R. deu inicio ao procedimento que levou à deliberação, tomada a 15/4/2019, de amortização das ações, o direito potestativo de amortização ainda não estava constituído”. Ora, quando, a 7 de novembro de 2018, a Requerida enviou ao requerido a comunicação de que o arresto definitivo das ações da C... SGPS., S.A. determina a sua amortização compulsiva e que o prazo de noventa dias previsto nesta cláusula se inicia com a presente comunicação”, a Requerida tinha a perfeita noção de que tal decisão que decretou o arresto (da qual ambas interpuseram recurso) ainda não havia transitado em julgado, vindo o acórdão da Relação a ser proferido somente a 20 de fevereiro de 2019. Ou seja, a reclamação apresentada pelo Requerente a tal Acórdão – e o atraso que arretou na ocorrência do trânsito em julgado do arresto – não teve qualquer interferência na apreciação que, na ação anulatória da deliberação de 15-04-2019, é feita sobre a circunstância de que, à data em que é iniciado todo o procedimento tendente à deliberação de amortização das ações, a decisão que decretara o arresto ainda não havia transitado em julgado. Por outro lado, atentar-se-á em que, a 15 de maio de 2019, é instaurada ação de anulações das deliberações sociais precisamente com fundamento em que o direito de amortização ainda se não se havia constituído, e julgada procedente tal ação por sentença de 20 de fevereiro de 2020, a sociedade requerida, em vez de (ou em simultâneo), à cautela, repetir os procedimentos previstos no contrato com vista à tomada de nova deliberação de amortização – uma vez que a esta data o arresto havia já transitado em julgado –, também ela interpõe recurso de apelação de tal decisão e, só decorrido quase um ano, a 22 de janeiro de 2021, vem a emitir nova “deliberação renovatória”. E, instaurada, contra tal deliberação, providência cautelar de suspensão de deliberações sociais a 1 de fevereiro de 2021 (que vem a ser decretada e da qual a sociedade interpõe recurso), mais uma vez, a sociedade requerida esperou mais de um ano para tomar nova deliberação renovatória de amortização das ações com base no arresto. Como tal, dado o tempo que decorreu desde que se mostraram reunidas as condições para o exercício do direito à amortização – o trânsito do arresto, ocorrido a 20 de fevereiro de 2019 – e a deliberação renovatória de 22.01.2021 e entre esta e a deliberação que aqui se encontra sob impugnação, ocorrida a 16 março de 2022, quando, desde a propositura da ação anulatória (através da qual foi alertada para os vícios da 1ª deliberação), ou, pelo menos, a partir de 20 de janeiro de 2020 (data da sentença que declarou a nulidade das deliberações tomadas a 15.042019), nada impedia a sociedade de renovar todo o procedimento com vista a emitir nova deliberação de amortização das ações, corrigindo os vícios que lhe estavam a ser apontados na ação anulatória. Não poderemos sustentar a existência de abuso na invocação da caducidade, uma vez que se pode afirmar a existência de negligência da sociedade na tomada dos procedimentos necessários à emissão de nova deliberação, a partir da data em que o direito à amortização de constituiu. Passamos a analisar a ocorrência de abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, que a Apelante fundamenta na circunstância de o Requerente impugnar a deliberação de 15 de abril de 2019, com fundamento em que foi adotada demasiado cedo, impedindo-o de beneficiar de mais tempo para sanar o ilícito estatutário, e vir, agora, depois de renovados os procedimentos estatutários, cumprindo todas as exigências reclamadas pelo reclamante, vir invocar que a amortização foi adotada demasiado tarde. Como salienta Paulo Mota Pinto[34], apesar de uma das funções fundamentais do direito seja assegurar expetativas, no plano dogmático não se poderá afirmar um princípio geral de proibição do comportamento contraditório – fora dos casos em que assumiu compromissos negociais, o individuo é livre de mudar de opinião e de conduta. A doutrina e a jurisprudência portuguesas vêm, assim, admitindo a proibição do comportamento contraditório, mas unicamente à luz da responsabilidade pela confiança. “Trata-se aqui da proibição da conduta contraditória, isto é, de impedir uma pretensão incompatível ou contraditória com a conduta anterior do pretendente. Parte-se de uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objetivamente considerada, é de molde a criar noutrem uma situação objetiva de confiança, ou seja, a convicção de que aquele sujeito jurídico se comportará, no futuro, coerentemente com aquela conduta. É necessário que, com base na situação de confiança criada, a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe resultarão danos se a sua confiança legítima vier a sair frustrada[35]”. Segundo Baptista Machado[36], os efeitos do abuso do direito nesta especial modalidade exigem a verificação dos seguintes pressupostos: 1 – Uma situação objetiva de confiança: uma conduta de alguém que de facto possa ser entendida como uma tomada de posição vinculante em relação a dada situação futura; 2 – Investimento na confiança: o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica surgem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que lhe surgirão danos se a confiança legítima vier a ser frustrada; 3 – Boa-fé da contraparte que confiou: a confiança do terceiro ou contraparte só merecerá proteção jurídica quando de boa-fé e tenha agido com cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico. À luz do ponto de vista da tutela da confiança legítima, deverá, antes mais, existir um comportamento anterior do agente – o factum proprium – que seja suscetível de fundar uma situação objetiva de confiança. E terá ainda de se poder afirmar a contrariedade direta entre o anterior e o atual comportamento. Ora, o Apelante não alega quaisquer factos dos quais possa resultar que o factum proprium – o requerente ter impugnado a deliberação inicial de amortização com base no arresto, com a alegação de que, não tendo este transitado em julgado, o direito à amortização não se havia ainda constituído – fosse suscetível de criar a confiança, objetivamente fundada, de que, uma vez ocorrido o facto que fundamenta a amortização (trânsito em julgado do arresto), e a haver a emissão de nova deliberação sobre a mesma matéria, independentemente do tempo decorrido, o requerente nunca iria invocar a extinção do direito de amortização por caducidade. Pelo contrário, a invocação da caducidade do direito de amortização das ações com fundamento no arresto, como fundamento de impugnação da deliberação renovatória de 16 de março de 2022, era perfeitamente expetável, tanto mais que, já não era a primeira vez que o requerente invocava tal caducidade, tendo constituído precisamente um dos fundamentos de impugnação da anterior deliberação renovatória de 22-01-2021. O comportamento do requerente, assim como o da requerida, apresentam, antes pelo contrário, uma total coerência – a sociedade requerida (representado pelos restantes 50% do capital social) tenta, por todos os meios ao seu dispor, excluir o requerente da CDM, primeiro afastando-o da sua administração, e agora, pela sua exclusão da qualidade de acionista, e o Requerente tenta, também, ele, por todos os meios disponíveis, obstar a que a sociedade requerida alcance os seus intentos, ambas instaurando as ações e procedimentos necessários e interpondo os respetivos recursos e reclamações de decisões judiciais, sempre que as mesmas lhes são desfavoráveis e na parte em que o são. Concluindo, não se reconhece a verificação de abuso de direito na invocação da caducidade do direito de amortizar as ações com base no arresto. * 4.c. Se o dano causado pela suspensão da deliberação é superior ao dano causado pela sua execução. Segundo o disposto no nº1 do artigo 381º do CPC, “ainda que a deliberação seja contrária à lei, aos estatutos ou ao contrato, o juiz pode deixar de suspendê-la, desde que o prejuízo resultante da suspensão seja superior ao que pode derivar da suspensão”. Ao abrigo do princípio da proporcionalidade, mesmo que a deliberação social seja (aparentemente) contrária à lei, aos estatutos e ao contrato, o juiz pode decidir não suspendê-la desde que o prejuízo resultante da suspensão seja superior ao que pode derivar da sua execução. Não se exige que a desproporção seja manifesta ou considerável, pelo que o julgador goza de grande margem de discricionariedade na aplicação a esta providência cautelar do princípio da proporcionalidade[37]. Passemos, então, à análise dos prejuízos que advirão para a requerida da suspensão da deliberação de amortização de quotas, e que faz assentar, na seguinte alegação: - realizada no ano de 2017 uma auditoria forense independente, nela se apurou que o Requerente com os seus comportamentos desleais provocou danos no Grupo C...C... em valor superior a 2 milhões de euros; - alguns destes comportamentos do requerente estiveram na base da sua suspensão judicial do cargo de administrador da requerida, por sentença datada de 20.10.2017, e posterior destituição judicial do mesmo cargo; - mesmo após ter sido suspenso judicialmente das funções de administrador supra referida, o Requerente continuou a agir como administrador de facto do Grupo P... de empresas concorrentes; - caso seja permitido ao Requerente voltar a ser acionista da Requerida, o Requerente irá certamente aproveitar a situação para bloquear o funcionamento dos órgãos sociais – impedindo, portanto, a Requerida de funcionar – até que lhe seja permitido nomear novamente administradores seus testas de ferro que cumpram os seus desígnios, de forma a poder voltar a ter acesso à informação sensível comercial que durante anos partilhou com o Grupo P... (e voltar a poder partilhar esta informação com o Grupo P..., fazendo crescer este em detrimento da Requerida e do Grupo C...C...; - o Requerente continua também a prejudicar a Requerida através da impugnação dos aumentos de capital social que foram deliberados com vista a repor a situação financeira da Requerida; - sendo certo que, caso o Requerente volte ao seio da Requerida, irá impedir que a A..., SGPS, S.A. proceda a aumentos de capital, assim forçando a Requerida a ficar descapitalizada; - o retorno do Requerente irá causar profunda insegurança junto dos trabalhadores do Grupo C...C..., prejudicando o dia-a-dia da Requerida e a sua produtividade; - tem também impacto nos parceiros comerciais que trabalham com o Grupo C...C..., que vendo um grupo em constante situação de conflito interno e de impossibilidade de recuperação financeira devido às atuações do Requerente, sentir-se-ão mais relutantes em continuar as suas relações comerciais, com medo do incumprimento das suas obrigações por parte das sociedades operacionais detidas pela Requerida. Quanto aos prejuízos que o requerente causou à sociedade e que levaram à sua suspensão e destituição de administrador da requerida, respeitando a anterior atuação do Requerente, enquanto administrador de direito, situação que já não se mantém, nunca poderiam ser valorados para efeitos do nº2 do artigo 381º. Quanto aos prejuízos que a atuação do requerente lhe possa causar, enquanto administrador de facto do grupo P... de empresas concorrentes da requerida, no sentido de desviar a clientela e negócios do grupo C...C... para essas empresas concorrentes, tais prejuízos também não podem ser valorados para efeitos do nº2 do artigo 381º, pois resultam de atividade externa à por si exercida na sociedade requerida. Por fim, quanto aos comportamentos alegadamente já adotados ou que a requerida receia que venham a ser adotados pelo requerente, caso mantenha a qualidade de sócio, podendo ser fundamentadores do direito potestativo da sociedade a uma eventual exclusão de sócio por justa causa, nos termos do artigo 186º do CSC, são completamente alheios ao fundamento em que se baseia a amortização das ações em causa – a existência de arresto sobre tais ações. Ou seja, a ponderação de interesses entre o prejuízo derivado para o requerente – com a execução da deliberação de amortização da totalidade das suas ações na sociedade requerida, com fundamento no facto de as mesmas terem sido objeto de arresto –, e o prejuízo que da suspensão de tal deliberação possa acarretar à sociedade, terá de se mover dentro do ato fundamentador do direito que se exerceu com a deliberação impugnada, ou seja, no caso em apreço, relevariam eventuais danos derivados da circunstancia de 50% das ações da sociedade terem sido objeto de arresto. Como se afirma no acórdão do TR... de 10-12-2020[38], ou normais interesses em disputa, consistem em, por um lado, a situação de perigo, merecedora de tutela, que o arresto cria para o interesse social (de controlar e evitar a entrada de novos acionistas indesejados para o círculo social) e, por outro lado, a gravidade dos efeitos da amortização para a esfera jurídica do acionista, maxime (e no caso) a irreversível perda da sua qualidade de sócio. Por outro lado, como já foi igualmente afirmado no Acórdão proferido por este tribunal no âmbito do Processo n.º 1458/22...., no qual a aqui relatora foi adjunta, exigindo-se a atualidade do perigo, nunca esta superioridade do prejuízo se poderia apoiar em meras suposições de que, o requerente tudo fará para prejudicar os interesses da sociedade, nomeadamente impedindo qualquer aumento do capital social e procurando colocar na sua direção alguém da sua confiança. 5. Se é de conceder um prazo à sociedade para a emissão de deliberação renovatória Depois de decorrido o prazo das contra-alegações, veio a Apelada requerer que, caso o tribunal viesse a entender que existia alguma invalidade nas deliberações tomadas a 16 de março de 2022, lhe fosse concedido um prazo, ao abrigo do disposto no artigo 62º, nº2 do CSC, renovar as deliberações sociais sob impugnação, sanando qualquer invalidade que lhes seja imputada. A pretensão da requerida é completamente destituída de fundamento. Encontra-se em causa a faculdade atribuída pelo nº3 do artigo 62º do CSC, segundo o qual, “O tribunal em que tenha sido impugnada uma deliberação pode conceder prazo à sociedade, a requerimento desta, para renovar a deliberação”. Não necessitando a sociedade de qualquer autorização do tribunal para renovar a deliberação impugnada, esta norma tem sido entendida como atribuindo ao tribunal a possibilidade de suspensão da instância da ação judicial de declaração de nulidade ou de anulação, que se encontre pendente, para permitir que a deliberação inquinada seja renovada, agora expurgada dos vícios que lhe eram apontados[39]. Quanto ao momento adequado para a formulação de tal pretensão por parte da sociedade, se a doutrina[40] vem entendendo que, vigorando entre nós o princípio da concentração da defesa, o momento adequado é o da apresentação da contestação (artigo 573º do CPC), o STJ entendeu já que o pedido de suspensão da instância para a renovação terá sempre de ocorrer em primeira instância, até ao momento do encerramento da discussão, momento até ao qual pode ser formulado em articulado superveniente (arts. 588º, nº3 e 611º, do atual CPC). De qualquer modo, será indiscutível que o pedido formulado ao abrigo do disposto no nº3 do art. 62º do CSC sempre teria de ser efetivado durante a pendência do processo em primeira instância[41]. Ou seja, a dedução de tal pedido pela sociedade apelada, nesta fase do processo, é completamente extemporânea. Por outro lado, a concessão de prazo pelo tribunal para a tomada de uma nova deliberação sem os vícios imputados à anterior pressupõe a sanabilidade do vício que afeta a deliberação, ou seja, a sua “renovabilidade”. Ora, considerando este tribunal que, à data em que foi emitida a deliberação aqui sob impugnação, o direito de amortização das ações com base no respetivo arresto se encontrava extinto, por caducidade, a possibilidade de concessão de tal prazo mostra-se afastada. 6. Inversão do contencioso No requerimento inicial, o Requerente requer ainda que, na procedência da providência e a ser determinada a suspensão de todas as deliberações sociais tomadas na assembleia extraordinária de 16 de março de 2022, se determine a inversão do contencioso, declarando as deliberações sociais tomadas nessa assembleia anuláveis ou nulas. Julgando a providência improcedente em primeira instância, o pedido de inversão do contencioso ficou prejudicado, levantando-se a questão sobre se cabe a este tribunal proceder agora à sua apreciação, face à revogação daquela decisão, e com o deferimento da providência que agora se decreta. Segundo o disposto no artigo 370º, nº1 do CPC, a decisão que decrete a inversão do contencioso só é recorrível em conjunto com o recurso da decisão sobre a providência requerida, sendo irrecorrível a decisão que indefira a inversão do contencioso. Por sua vez, nos termos do nº2 do art. 370º, das decisões proferidas nos procedimentos cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Assim sendo, a admitir o decretamento da inversão do contencioso pela Relação, por se tratar de questão cujo conhecimento ficara prejudicado pela decisão de improcedência do procedimento tomada em primeira instância, eliminar-se-ia um grau de recurso, uma que das decisões proferidas nas providencias cautelares, incluindo a que determine a inversão do contencioso, não há recurso para o STJ (artigo 370º, CPC). Adere-se, assim, ao entendimento sustentado por Miguel Teixeira de Sousa[42] de que a inversão do contencioso nunca pode ser decretada em sede de recurso. A Apelação é de proceder. * IV. DECISÃO Pelo exposto, julgando-se procedente a apelação: 1. revoga-se a decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar. 2. declarando-se a suspensão das deliberações sociais tomadas na Assembleia geral de 16 de março de 2022; 3. não se decreta a inversão do contencioso. Custas a suportar pela Apelada Coimbra, 13 de dezembro de 2022
V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC. (…) [1] J. Coutinho de Abreu, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume I (artigos 1º a 84º), anotação ao artigo 62º, nota 1, p. 707. [2]José de Oliveira Ascensão, Direito Comercial, Sociedades Comerciais, Vol. IV, Lisboa, 1993, pp. 298 e ss., salientando o facto de a renovação ser diferente do instituto da confirmação, pois naquela existe uma nova deliberação, o título precedente é substituído, e os efeitos decorrentes são fundados na nova deliberação; Jorge Henrique da Cruz Furtado, “Deliberações de Sociedades Comerciais”, Coleção Teses Almedina, p.855. [3] Jorge Henrique da Cruz Furtado, “Deliberações de Sociedades Comerciais”, Coleção Teses Almedina, p.855. [4] Manuel A. Carneiro da Frada, “Renovação de Deliberação Sociais”, Coimbra, 1987, Separata do Vol. LXI do BFD da UC, pp. 9 e 11. [5] Vasco da Gama Lobo Xavier, “Anulação de Deliberação Social e Deliberações Conexas”, Atlântida Editora, p-464, nota 108. [6]“Renovação de Deliberações Sociais”, p. 5, nota 3. Também António Menezes Cordeiro afirma a possibilidade de uma deliberação renovatória que reproduza o conteúdo de uma outra, declarada nula com transito em julgado, mas agora sem o vício – “Manual do Direito das Sociedades, I Das Sociedades em Geral”, 2004, p. 679. [7] “Deliberações de Sociedades Comerciais”, Coleção Teses, Almedina, p. 861. [8] Cfr., a tal respeito, Jorge Henrique Pinto Furtado, “Curso de Direito das Sociedades”, 5ª ed., Almedina, p. 471. [9] “Deliberações de Sociedades Comerciais”, p. 864. [10] “Manual do Direito das Sociedades, I Das Sociedades em Geral”, 2004, p. 678. [11] António Sequeira Ribeiro, Brevíssimas Notas Acerca da Renovação de Deliberações Sociais”, pp. 659-660. E, em igual sentido, Manuel Carneiro da Fraga, artigo e local citados, p. 19. [12] Se a distinção for feita entre o conteúdo do ato e seu processo formativo, entendido este num sentido mais amplo, abrangendo a forma do ato e o respetivo procedimento, ou seja, os vícios que respeitam à sucessão de atos ordenados de certo modo em vista da produção de determinado efeito final: a deliberação – cfr., Carneiro da Frada, “Renovação de Deliberações Sociais”, p.16, nota 31, e V. G. Lobo Xavier, “Anulação de Deliberação Social (…), p. 265, nota 1. [13] Carolina Cunha, Código (…), Vol. V, p. 752. [14] Carolina Cunha, Código das Sociedades Comerciais em Comentário, Volume V (Artigos 271º a 372º-B), Coord. Coutinho de Abreu, Almedina, p. 757. [15] Tese esta também sustentada pela sociedade/Apelada. [16] “Prescrição Extintiva e Caducidade”, BMJ Ano 107 – Junho 1961, p.220. [17] Adriano Vaz Serra, artigo citado, BMJ Ao 107, p. 233. [18] Tese defendida em termos abstratos por Menezes Cordeiro e por Ana Filipa Antunes, nos Pareceres emitidos por cada um deles e juntos aos autos pela Apelada. [19] Júlio Gomes, “Comentário ao Código Civil, Parte Geral”, Universidade Católica Editora, p. 782. A remissão operada pelo nº1 para o artigo 327º, nº3, tem como propósito evidente proteger a posição do titular do direito que atuou atempadamente no sentido de o acautelar. A lógica é a seguinte: alguém recorre à tutela jurisdicional para fazer valer uma posição jurídica; por razões processuais, a ação soçobra e, com o prazo de caducidade a correr, pode já não ir a tempo de assegurar noutra ação a tutela do seu direito. Se tais razões processuais são estranhas e não imputáveis à conduta do autor, não faria sentido que ele fosse prejudicado, arcando com o risco da extinção do seu direito. Por isso a lei concede-lhe um prazo adicional, o que corresponde a uma verdadeira “dilação” dos prazos de caducidade – a Ana Filipa Morais Antunes, “Prescrição e Caducidade, Anotação aos Artigos 296º a 333º do Código Civil”, Coimbra Editora, p. 286. [20] Teoria Geral do Direito Civil, II Fontes, Conteúdo e Garantia da Relação Jurídica”, 5ª ed., Universidade Católica Editora, p. 710. [21] Adriano Vaz Serra, artigo e local citados, p. 226. [22] Paulo Olavo e Cunha, “Deliberações Sociais, Formação e Impugnação”, Almedina, p. 226. [23] Jorge H. Pinto Furtado, “Deliberações de Sociedades Comerciais”, Coleção Teses, Almedina, pp. 706-707. [24] Pedro Maia, “Deliberações dos Sócios”, in Estudos de Direito das Sociedades, 4ª ed., Almedina, p. 205. [25] António Sequeira Ribeiro, “Brevíssimas Notas Acerca a Renovação de Deliberações Sociais”, in Estudos em Homenagem ao Prof. Dr. António Castanheira Neves, Vol. II Direito Privado, Coimbra Editora, 2008, p. 662. Também Segundo Paulo Olavo e Cunha, enquanto não for colocada em causa, a deliberação inválida (nula ou anulável) produz os efeitos para que tende – “Direito das Sociedades Comerciais”, 3ª ed. Almedina, p. 649. [26] Dias Marques, Teoria Geral da Caducidade, 1953, p. 72. [27] Como sustenta Diogo Coimbra Casqueiro, regendo a nova deliberação unicamente para o futuro, não há uma verdadeira substituição de deliberações, a renovação corresponde, neste caso, a uma mera sucessão temporal de deliberações – “Da Renovação de Deliberações dos Sócios”, https://repositorio.ucp.pt/bitstream/10400.14/21309/1/1.%20Disserta%C3%A7%C3%A3o%20-%20Da%20Renova%C3%A7%C3%A3o%20de%20Delibera%C3%A7%C3%B5es%20dos%20S%C3%B3cios.pdf. , p. 104. [28] Evaristo Mendes, “Deliberações que fixam o valor das participações sociais – Impugnação I” [29] Evaristo Mendes, artigo e local citados, p. 70. [30] “Código das Sociedade Comerciais em Comentário”, vol. V, Coord. Coutinho de Abreu, p. 753. [31] Evaristo Mendes, “Deliberações que fixam o valor das participações sociais. Impugnação – I”, III Congresso, Direito das Sociedades em Revista”, Almedina, pp. 81, nota 22, 84. [32] Relatado por Emídio Santos e no qual a aqui relatora é adjunta. [33] Vasco da Gama Lobo Xavier, “O Conteúdo da Providência de Suspensão de Deliberações Sociais”, RDES, Ano XXII, p. 215, e José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Artigos 362º a 626º, p. 109. [34] “Direito Civil, Estudos”, Geslegal, pp. 414-415. [35] Cfr. Acórdão do TRL de 23.04.98, in Bases de Dados Jurídicas, Acórdãos da Relação de Lisboa – disponível em http://WWW.dgsi.pt/jtrl. (nº convencional JTRL00021291). [36] Cfr., “Tutela da confiança e venire contra factum proprium”, Obra Dispersa, Vol. I, pag. 415 a 418. Já para Menezes Cordeiro, são quatro os pressupostos da proteção da confiança, ao abrigo da figura do “venire contra factum proprium”: 1. Uma situação de confiança, traduzida na boa-fé própria da pessoa que acredite numa conduta alheia (no factum proprium); 2. Uma justificação para essa confiança, ou seja, que essa confiança na estabilidade do factum proprium seja plausível e, portanto, sem desacerto dos deveres de indagação razoáveis; 3. Um investimento de confiança, traduzido no facto de ter havido por parte do confiante o desenvolvimento de uma atividade na base do, factum proprium, de tal modo que a destruição dessa atividade (pelo venire) e o regresso à situação anterior se traduzam numa injustiça clara; 4. Uma imputação da confiança à pessoa atingida pela proteção dada ao confiante, ou seja, que essa confiança (no factum proprium) lhe seja de algum modo recondutível - “Contrato Promessa – art. 410º, nº3, do CC – Abuso de Direito – Inalegabilidade Formal”, in ROA, nº 58, Vol. II, Julho 1998, pág. 964. [37] Carlos Lopes do Rego, “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 2ª ed., 2004, p.397. [38] Acórdão relatado por Barateiro Martins no âmbito do recurso instaurado na ação de anulação da deliberação de amortização de ações tomada a 15-04-2019, disponível in www.dgsi.pt. [39] Cfr., J. Coutinho de Abreu, “Código das Sociedades Comerciais em Cometário”, Vol. I (artigos 1º a 84º), p. 710, Elisabete Assunção, “Renovação de Deliberações Sociais”, Revista do CEJ, 2ª Semestre, Nº2, p.47. Ou, como afirma Carneiro da Frada, consciente dos transtornos que a ação de impugnação acarreta ao tráfico jurídico, o legislador evita a todo o custo que as deliberações venham a ser anuladas permitindo para isso que no decurso do processo, a sociedade possa beneficiar ainda de um prazo para as renovar” – Renovação das Deliberações Sociais, pp.43-44. [40] Manuel Carneiro da Frada, chamando a atenção de que, não o fazendo, poderá ainda proceder à renovação da deliberação e, trazido este facto ao processo em articulado superveniente, ele há de ser tomado em conta na decisão final”, “Renovação de Deliberações Sociais”, p.44 e nota 85. Em igual sentido, Diogo Coimbra Casqueiro – “Da Renovação de Deliberações Sociais”, p. 117. [41] Elisabete Assunção, “Renovação de Deliberações Sociais”, Revista do CEJ, 2º semestre 2013, Nº2, p. 47. [42] “As Providências Cautelares e a Inversão do Contencioso, pp. 14-15, disponível in https://docentes.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/PCN_MA_25215.pdf- |