Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS CRAVO | ||
Descritores: | RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL PRAZO DE PRESCRIÇÃO ALEGAÇÃO IMPLÍCITA DE FACTOS COM VISTA A DETERMINAR A DATA DO EFETIVO CONHECIMENTO PELO AUTOR DE QUE DISPÕE DO DIREITO À INDEMNIZAÇÃO ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 11/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 298.º, 1; 342.º, 2 E 498.º, 1 E 3, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 3.º, 3; 425.º; 547.º; 574.º; 593.º, 2, A); 595.º; 615.º, 1, D); 651.º E 665.º, 1, DO CPC | ||
Sumário: | I – Em ação sustentada em situação de responsabilidade civil extracontratual, o prazo de prescrição é, em regra, de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do respetivo direito (artigo 498º, nº 1, do Código Civil).
II – Estando em causa para a apreciação e decisão sobre a exceção de prescrição, determinar a data do efetivo conhecimento pelo Autor de que dispõe do direito à indemnização, pode ser tida em conta a alegação implícita de factos sobre a data desse conhecimento. III – Relativamente à questão do “Ónus de impugnação” e consequências do respetivo (in)cumprimento à luz do regime estatuído no art. 574º do n.C.P.Civil, tendo em conta que impugnar significa contrariar, refutar ou negar a veracidade de certos factos, o cumprimento do ónus de impugnação, consubstanciado na tomada de posição definida sobre os factos articulados, exige que o impugnante assuma uma posição clara, frontal e concludente sobre eles, não bastando para o efeito a negação genérica do articulado. | ||
Decisão Texto Integral: |
Apelações em processo comum e especial (2013) * Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO AA, de nacionalidade brasileira, nascido a ../../1983, portador do passaporte n.º ...43, com o CPF n.º ...8, c.f. n.º ...55, residente na Rua ..., ..., Quinta ..., ... ..., instaurou ação declarativa de condenação, com processo comum, contra “A... INC.”, com sede em ..., ..., E.U.A., Alegou, em síntese, que é um jogador de futebol brasileiro, nascido em 1983, em ..., Brasil, já retirado das competições, e a ré é uma empresa líder global em entretenimento digital interativo através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais; que teve uma longa carreira como jogador de futebol profissional em vários clubes em Portugal e no estrangeiro; que teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados FIFA (também com as designações FIFA Football ou FIFA Soccer), pelo menos nas edições 2007, 2008, 2010 e 2013; FIFA MANAGER, pelo menos nas edições de 2007, 2008, 2010, 2011, 2012 e 2013; e FIFA ULTIMATE TEAM – FUT, pelo menos na edição de 2013, todos propriedade da ré; que não concedeu à ré autorização expressa ou tácita, nem a quem quer que fosse para ser incluído nos supra identificados jogos eletrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, i.e., FIFA, FIFA MANAGER e FIFA ULTIMATE TEAM – FUT; nem conferiu poderes aos clubes onde jogou para que estes negociassem a licença para o uso da sua imagem e do seu nome, especificamente para jogos eletrónicos, jogos de vídeo, aplicativos, ou quaisquer outros jogos online ou offline, em qualquer tipo de plataforma; que viu a sua imagem ser retratada e o seu nome divulgado, sem o seu consentimento, em milhões de jogos de vídeo; que os jogos eletrónicos FIFA, FIFA MANAGER e FUT são lançados anualmente, pelo que novas versões são lançadas no mercado todos os anos, permitindo atualizações semanais via internet, fazendo com que o público consumidor de tais produtos seja levado a adquirir as novas versões dos jogos; que o dano por si sofrido é renovado a cada ano, paralelamente ao facto de que a ré, com as novas versões, aufere rendimentos, com um consequente crescimento da sua faturação; pelo que a exploração indevida da sua imagem e do seu nome como jogador é renovada todos os anos por via do lançamento de novas versões dos jogos; que a ré está a utilizar indevidamente a imagem e o nome do autor, pelo menos, desde Outubro de 2006 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA Soccer 2007); que tais jogos, mesmo de anos anteriores, continuam a ser difundidos e vendidos, em Portugal e em todo o mundo, sendo que as versões mais antigas dos jogos FIFA, FIFA MANAGER e FIFA ULTIMATE TEAM – FUT continuam a ser vendidas em 2019 e continuam no mercado; antecipando-se à eventual defesa por excepção, alegou que inexiste prescrição, porquanto o dano por si suportado é continuado, na medida em que novas versões dos jogos são lançadas anualmente, bem como pelo facto de a ré continuar a vender as versões antigas dos seus jogos, sendo que os jogos FIFA, FIFA MANAGER e FUT ainda hoje estão disponíveis no mercado para compra. Conclui, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade, pela utilização indevida da sua imagem e do seu nome, a quantia de €66.000,00, acrescida dos juros vencidos, no montante já calculado de €28.126,68, num total de €94.126,68 e dos que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal; e ainda na condenação da ré a pagar-lhe o montante não inferior e €5.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescido de juros vencidos, no montante já calculado de €2.767,67, tudo no total de €7.766,03, e dos que se vencerem até integral pagamento, à taxa legal. * A ré contestou, alegando, para além da incompetência internacional dos tribunais portugueses, já definitivamente decidida, entretanto, pelo STJ, a prescrição do direito de indemnização, concluindo pela improcedência da ação e pela sua absolvição do pedido, sendo que, relativamente à dita exceção de prescrição, em síntese, afirma que era de concluir que o conhecimento do Autor quanto ao jogo FIFA 2007, teria ocorrido em 2006, isto com base num conjunto de razões e argumentos racionais e lógicos (que explicita). * O autor, em contraditório que lhe foi facultado por despacho datado de 14.05.2021 [cf. «ao abrigo do disposto nos arts. 3.º, n. 3, 4.º e 6.º, n. 1, do CPC»], e para o que ora releva, sustentou que não se mostra verificada a prescrição do crédito à indemnização cujo pagamento reclama na presente ação, continuando a opor a relevância do dano continuado para afirmar que o seu direito não prescreveu, termos em que renovou o pedido de condenação da ré. * De referir que já em sede de petição inicial o Autor, prevenindo que viesse a ser suscitada nos autos a prescrição do seu direito, logo cuidou de antecipar o seu contraditório, afirmando, em síntese, que «[N]ão há que se falar em prescrição, in casu, por dois motivos: o dano suportado pelo autor é continuado, na medida em que novas versões dos jogos são lançadas anualmente; bem como pelo facto de a ré continuar a vender as versões antigas dos seus jogos», para além de que, estando em causa direitos de personalidade, não estariam os mesmos sujeitos à prescrição para fins do seu exercício através da presente ação. * De seguida, sem realização da audiência prévia, e sem despacho a dispensá-la, mas consignando que «[O] estado dos autos permite proferir decisão final, com conhecimento da matéria de prescrição, sem necessidade de produção de outras provas, sendo certo que quanto a esta matéria de excepção as partes já a debateram, com suficiência, nos articulados - cf. CPC: art. 595º-1-b)», passou o Exmo. Juiz de 1ª instância a apreciar e decidir a dita exceção de prescrição em sede de “SANEADOR-SENTENÇA”, no contexto do que, em síntese, considerou ter tido o autor conhecimento do seu direito à indemnização pelo menos desde 2006, pelo que, na medida em que se estava em presença de um ilícito civil de carácter instantâneo, e porque o começo do prazo da prescrição deve contar-se a partir do momento em que o lesado sabe que dispõe do direito à indemnização (não sendo indispensável conhecer a extensão integral do dano), era de concluir que o direito de crédito invocado pelo autor nos presentes autos já se encontrava, à data da citação da ré, extinto, por efeito da prescrição, termos em que se finalizou pela seguinte forma: «Atento o exposto, decide-se:---- I – Julgar procedente a excepção de prescrição invocada e, em consequência, absolver a ré, A... Inc., de todos os pedidos contra si deduzidos por AA, com as legais consequências.---- II – Condenar o autor no pagamento das custas.---- III – Valor: já indicado.---- IV - Notifique e registe.---- » * Inconformado com um tal despacho, apresentou o Autor recurso de apelação contra o mesmo, cujas alegações finalizou com as seguintes conclusões: « a) A decisão recorrida é, salvo o devido respeito, que aliás é muito, injusta e precipitada, tendo partido de pressupostos errados. b) Entende o Recorrente que as suas legítimas pretensões saem manifestamente prejudicadas pela manutenção da decisão recorrida. c) O ora Recorrente não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, entendendo que a mesma padece de vícios, no que à decisão proferida sobre a excepção de prescrição aduzida pela ré na contestação diz respeito, já que não restam dúvidas, desde logo, que a mesma é nula. d) Com efeito, no caso dos autos, o saneador-sentença foi proferido não tendo sido precedido de despacho designando data para a audiência prévia e sem que tenha sido feita menção à discussão de facto e de direito do mérito da causa, seja este por escrito ou oralmente. e) Assim, tendo o tribunal recorrido optado por proferir a decisão de mérito em causa nos autos sem essa discussão de facto e de direito e sem ter consultado previamente as partes quanto a essa possibilidade, estamos perante uma nulidade processual. f) O facto de o despacho recorrido ter sido proferido sem a consulta das partes e sem a discussão oral dos factos e direito aplicáveis aos autos, leva a que a sentença constante de tal despacho peque por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC e, seja, por conseguinte, nula, não sendo possível a sua sanação, nulidade que aqui se argui para os devidos e legais efeitos. g) Deve, pois, ser declarada a nulidade da sentença recorrida, determinando-se a consequente remessa do processo ao tribunal a quo, para que aí seja facultada às partes a discussão de facto e de direito do mérito da causa, nos termos e para os efeitos do artigo 591.º, nº 1, al. b) do CPC e sejam, subsequentemente, seguidos os trâmites processuais decorrentes. h) O tribunal a quo incorre ainda em três manifestos erros de julgamento quanto à matéria de facto e quanto às questões de direito esgrimidas nos autos, pelas partes. i) Desde logo, o Tribunal a quo não podia, “…ter por assente que pelo menos desde 2006 o autor, alegando lesão do seu direito de personalidade, adquiriu, formalmente, o direito que se propõe exercer…”. j) Essa matéria factual dada como assente nunca poderia ter ocorrido, uma vez que nenhuma prova foi produzida nos autos que a suporte, havendo uma clara violação do preceituado nos artigos 410.º e 607.º, n.ºs 4 e 5, do C.P.C. k) Isto porque em momento algum da petição inicial se mostra alegado pelo Autor que o mesmo teve conhecimento, em 2006, da inclusão da sua imagem, do seu nome e das suas características pessoais e profissionais nos jogos da ré, designadamente, no jogo FIFA 2007. l) O que o Autor alega (vide artigos 10.º, 24.º e 149.º da petição inicial) é que a ré está a utilizar indevidamente a imagem e o nome do autor, pelo menos, desde Outubro de 2006 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA Soccer 2007), tal como aliás o próprio Tribunal refere no ponto 11 da pág. 5 da decisão recorrida. m) Ou seja, o Tribunal a quo incorre num erro grosseiro de julgamento ao assumir que o momento em que a imagem, o nome e as características pessoais e profissionais do Autor foram introduzidas pela ré pela primeira vez nos seus jogos, e isto terá acontecido em 2006, coincide com o momento em que o Autor terá tido conhecimento que a ré se encontrava a utilizar essa imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais nos seus jogos. n) Essa interpretação/conclusão pelo Tribunal a quo é absolutamente desprovida de qualquer sentido e não encontra nenhum respaldo naquilo que se mostra alegado pelo Autor na petição inicial. o) A ré pode ter introduzido a imagem, o nome e as características pessoais e profissionais do Autor nos seus jogos pela primeira vez em 2006 e o Autor apenas ter tido conhecimento dessa utilização 5, 10 ou 15 anos depois. p) Com efeito, o momento em que o lesado tem conhecimento do direito à indemnização, pode ou não coincidir com o momento de ocorrência do facto ilícito. q) O mesmo se pode afirmar quanto ao conhecimento que o Autor teve, enquanto lesado, do direito à indemnização. r) Acresce ainda que, o facto do Autor ou qualquer outra pessoa ter conhecimento da existência de algum dos jogos da ré, não significa que, consideradas a sua imensa diversidade e as suas respectivas edições, tenha necessariamente de conhecer todos os jogadores que estão incluídos nos mesmos. s) Cabe, pois, à ré que alegou a prescrição a prova dos factos que a produzem – cfr. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil. t) Por outro lado, e, também, ao contrário do que o Tribunal a quo entendeu, o conhecimento do mérito no despacho saneador apenas deve ter lugar se o processo possibilitar esse conhecimento, o que não ocorre se existirem factos controvertidos que possam ser relevantes, segundo outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito, ou seja, não há que antecipar qualquer solução jurídica e desconsiderar factos que sejam relevantes segundo outros enquadramentos possíveis do objecto da acção. u) No caso dos autos, está alegado na petição inicial e é admitido na contestação que os jogos em causa foram comercializados a partir do seu lançamento e surgiram até, entretanto, novas versões, ou seja, há factos novos, consubstanciados nos múltiplos atos de comercialização dos jogos, os quais se prolongaram no tempo, sublinhando-se que as últimas versões lançadas datam de 2019, tendo a citação da ré ocorrido em 2021. v) Está contestada a existência de facto ilícito, porquanto se invoca a autorização para a utilização da imagem do jogador, assim como está contestada a existência e a quantificação do dano, sendo essencial a delimitação destes aspetos factuais para se apreciar a exceção da prescrição, atentas as diversas orientações possíveis acima expostas. w) Tal delimitação apenas poderá resultar da prova produzida em audiência de julgamento, cabendo, tal como já referido anteriormente, à ré que alegou a prescrição a prova dos factos que a produzem – cfr. artigo 342.º, n.º 2 do Código Civil. x) Deste modo, não poderia o Tribunal a quo ter deixado de concluir, à luz das alegações vertidas na petição inicial e admitidas na contestação, que os jogos em causa continuaram a ser vendidos após o seu lançamento e foram até feitas novas versões, datando as últimas de 2019, que a questão de direito consubstanciada na prescrição deveria sempre ser relegada para final, por existirem várias soluções plausíveis para a mesma e por ser essencial a produção de prova dos factos alegados pelo Autor e pela ré para apreciar essa excepção. y) Devia, pois e ao contrário do que o Tribunal a quo decidiu, ter sido relegada para final o conhecimento da excepção de prescrição, porque é desta que se trata neste momento, por manifesta falta de elementos, e, nesse sentido, ordenado o prosseguimento dos autos para julgamento, proferindo despacho destinado a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova, conforme previsto no artigo 596.º, n.º 2 do CPC. z) E ainda tendo por referência, que a questão de direito consubstanciada na prescrição deveria sempre ser relegada para final, por existirem várias soluções plausíveis para a mesma, chegamos ao terceiro aspecto que o tribunal a quo ignorou ostensivamente, com a decisão agora proferida e de que se recorre. aa) Conforme resulta dos autos, a pretensão do Autor radica na violação ilícita do direito de personalidade, concretamente no direito ao nome e à imagem, e ainda no enriquecimento sem causa (enriquecimento por intervenção). bb) O instituto do enriquecimento sem causa, no qual o Autor fundamenta o seu pedido subsidiário vem regulado nos artigos 473.º ss. do C. Civil e não podemos deixar de ter em conta que o artigo 474.º do C.Civil vem consagrar a natureza subsidiária do enriquecimento sem causa. cc) E, atenta a natureza subsidiária do instituto do enriquecimento sem causa, o prazo da prescrição previsto no artigo 482.º do C. Civil não se inicia enquanto o empobrecido tem outro meio ou fundamento que justifique a indemnização ou restituição – vd. neste sentido o Acórdão do TRG de 20 de maio de 2021 no proc. 6269.20.7T8PRT-A.G1 in www.dgsi.pt onde ainda se refere: “Por conseguinte, vários são os arestos em que se defende que o prazo de prescrição do direito à restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o empobrecido teve conhecimento do direito que lhe compete, não abarca o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado ou restituído.”. dd) Ou seja, “…o prazo de prescrição do direito de restituição por enriquecimento sem causa, porque só se conta a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete conforme dispõe o artº 482º do Cód. Civil, não abarca, o período em que, com boa fé, se utilizou, sem êxito, outro meio de ser indemnizado,…”. Neste sentido, v. ainda Ac. STJ de 27/11/2003 no processo 3 091/03 da 2ª secção; Ac. STJ de 26/02/2004 no processo 03B3798 in www.dgsi.pt ee) De tudo o que antecede resulta à saciedade que, mais uma vez ao contrário do que o Tribunal a quo decidiu, indubitavelmente, nunca poderia ter operado o prazo prescricional inerente ao pedido de ressarcimento alicerçado em enriquecimento sem causa, visto que só com o trânsito em julgado da decisão que declarou prescrito o direito do Autor com fundamento em responsabilidade civil extracontratual, é que se iniciará a contagem daquele prazo, já que, assumindo, no âmbito dos presente autos, o pedido em causa, carácter subsidiário, só após reconhecida a impossibilidade de uso de outro meio de exercício do direito é que poderá ocorrer a permissão legal para o exercício do direito com base no enriquecimento sem causa. Neste sentido, v. ainda Ac. Relação Évora de 22/01/1998 in Col. Jur. tomo 1, 260. ff) Logo, no caso dos autos ainda que se entendesse que o direito do Recorrente a ser indemnizado com base em responsabilidade civil já estivesse prescrito — o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de patrocínio — o Recorrente teria sempre direito ao ressarcimento do seu empobrecimento à luz do instituto jurídico do enriquecimento sem causa. gg) Teria, assim e relativamente ao pedido subsidiário baseado enriquecimento sem causa, sempre de ter sido, pelo Tribunal a quo, determinado o prosseguimento dos autos, com vista à fixação dos factos assentes e da base instrutória, para efeitos de apreciação da excepção de prescrição, aduzida pela ré, na contestação. hh) Por tudo o que se deixa dito, não pode, pois, o Autor acompanhar a decisão sob recurso. ii) A sentença em crise violou o disposto nos artigos 3.º, n.º 3, 195.º, n.º 1, 410.º, 591.º, n.º 1, alínea b), 592.º, 593.º, 595.º 597.º, 607.º, nº 4, parte final e 615.º, n.º 1, alínea d), todos do Código de Processo Civil e ainda os artigos 306.º, 342.º, 473.º, 474.º, 479.º e 482.º, todos do Código Civil. Termos em que deverá o presente recurso proceder, por provado, e, em consequência, ser declarada nula a decisão recorrida e determinada a consequente remessa do processo ao tribunal a quo, para que aí sejam, subsequentemente, seguidos os trâmites processuais decorrentes. Caso assim não se entenda – o que não se concede e apenas se admite por mera cautela de patrocínio – sempre deve ser revogada a decisão recorrida e, em consequência, ser determinado o prosseguimento dos autos, relegando para a decisão final a apreciação da verificação da excepção de prescrição. Assim se fazendo a costumada JUSTIÇA! » * Por sua vez, apresentou a Ré as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões: «a) Nestes autos, o autor peticiona a condenação da ré no pagamento de indemnização, pela utilização da sua imagem nos jogos FIFA desde 2006, há 18 (dezoito) anos, invocando a violação do seu direito de personalidade. b) Esta ação, tendo em conta a causa de pedir descrita na PI, o petitório e inclusive a indicação aposta no formulário de submissão da PI no Citius (“Objecto de Acção: Factos ilícitos”) foi configurada como uma ação de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, nos termos do art.º 483.º do CC. c) Tendo sido invocada, pela ré, a exceção de prescrição do direito que o autor pretende exercer e discutida pelas partes em vários articulados – desde a PI (isto porque logo aí o autor abordou a prescrição), contestação, pronúncia do autor sobre as exceções, resposta da ré a esta pronúncia –,uma vez terminados os articulados, o Tribunal a quo entendeu que podia apreciar o mérito desta exceção. d) O saneador-sentença declarou o direito do autor prescrito pelo decurso de mais de três anos desde que o autor soube, em 2006, da utilização da sua imagem nos jogos FIFA e entendeu não demandar a ré nos três anos seguintes, só o fazendo em 2020, volvidos 14 (catorze) anos. e) O autor, quer na PI, quer na sua pronúncia expressa sobre as exceções, opôs sempre e apenas a alegação de que, até aos dias de hoje, se mantém a produção de danos, por força das edições lançadas anualmente dos jogos FIFA, bem como de se manterem à venda versões anteriores dos jogos. f) O autor, tendo tido oportunidade para isso, não afastou a data de 2006, invocada pela ré como sendo a data do conhecimento do direito indemnizatório que pretende exercer nesta ação. g) A assunção desta realidade funda-se em duas razões: (i) Alegação do próprio autor na PI; (ii) Admissão por acordo, nos termos dos art.º 574.º, n.º 2 e 587.º, n.º 1, ambos do CPC, como a ré invocou na 1.ª instância. h) Sendo irrelevante a alegada natureza continuada do facto ilícito ou da produção de danos, como fixado no AUJ de 15.06.2023: –– “O termo inicial do prazo prescricional, estabelecido no art.º 498.º do Código Civil, do direito de indemnização, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual (…) deverá coincidir com o momento em que o lesado adquira conhecimento dos factos que integram os pressupostos legais do direito invocado, independentemente de, à data de início da contagem daquele prazo, ainda não ter cessado a produção dos danos que venham a ser reclamados.” – Documento n.º 1. i) Posição que já anteriormente tinha adesão unânime na nossa jurisprudência: – Acórdão do STJ de 18.04.2002, Proc. n.º 02B950; – Acórdão do STJ de 14.10.2021, Proc. n.º 1292/20.4T8FAR-A.E1.S1; – Acórdão do STJ de 21.06.2018, Proc. n.º 1006/15.0T8AGH.L1.S1; – Acórdão do STJ de 23.06.2016, Proc. n.º 54/14.2TBCMN-B.G1.S1; – Acórdão do TRL de 16.06.2011, Proc. n.º 3448/07.6TVLSB.L1-6; – Acórdão do TRL de 26.01.2016, Proc. n.º 6097/13.6TBSXL.L1-7; e – Acórdão do TCAN de 19.06.2015, Proc. n.º 00436/09.1BEMDL. j) O conhecimento do autor, em 2006, do direito que invoca, neste pleito, é por isso um facto assente que decorre do seguinte: (i) da sua própria alegação na PI (entre outros: art.º 10.º, 24.º, 35.º, 40.º, 149.º e 167.º); (ii) na invocação e suporte probatório junto pela ré na sua contestação (art.º 86.º a 153.º e doc. n.º 2 e 9 a 15); e (iii) na aplicação das cominações processuais face à não tomada de posição do autor sobre um facto pessoal seu e que é igualmente facto essencial densificador da exceção de prescrição (art.º 574.º, n.º 1 e 2 e 587.º, n.º 1, ambos do CPC). k) Mostrando-se bem fundada a conclusão do Tribunal a quo em determinar 2006 como a data em que o autor tomou conhecimento do direito que pretende exercer nestes autos. l) Sendo seguro que a alegada natureza continuada do facto ilícito ou da produção de danos não impede, nos termos do art.º 306.º, n.º 1 do CC, o início da contagem do prazo prescricional de três anos consagrado no art.º 498.º, n.º 1 do CC – tal como entendido no AUJ de 15.06.2023 e na sentença em crise. m) A inclusão da imagem do autor em edições posteriores a 2006 dos jogos FIFA é uma situação previsível para o autor, como o mesmo reconhece na PI, no art.º 22.º: – “…os jogos electrónicos FIFA, FIFA MANAGER e FUT são lançados anualmente, pelo que novas versões são lançadas no mercado todos os anos…” n) E enquanto situação previsível, não constitui um dano novo, como se refere na sentença: – “Uma coisa é o conhecimento dos danos pelo autor, bem como o conhecimento por ele da ilicitude da conduta levada a cabo pela ré. Tal ocorreu em Outubro de 2006 com o primeiro jogo comercializado. De sorte que o que posteriormente veio a ocorrer mais não é do que o desenvolvimento, a continuação e, provavelmente, o aumento da extensão dos danos já verificados naqueles anos, com tais ocorrências.” o) Entendimento totalmente alinhado com o sentido jurisprudencial dos Tribunais Superiores: – “…para que seja admitida a invocação de danos para além do prazo de três anos em que o facto danoso foi conhecido (danos novos) não é suficiente a demonstração de que os danos se produziram em momento posterior; os novos danos são apenas aqueles que constituem uma consequência do ato lesivo não conhecida ou cognoscível por um homem médio (pessoa razoável e diligente). Se os danos, embora ocorrendo em momento posterior ao ato lesivo, constituírem um mero desenvolvimento normal e objetivamente previsível da lesão inicial não estaremos perante danos novos.” (acórdão do TCAN de 19.06.2015, Proc. n.º 00436/09.1BEMDL). p) Destarte, as conclusões alcançadas na sentença para declarar prescrito o direito do autor não padecem de qualquer erro de facto ou de direito, mostrando-se de acordo com a lei aplicável e harmonizadas com o sentido jurisprudencial praticamente unânime neste âmbito. q) Quanto à invocação do autor, em sede de recurso, de uma nova e surpreendente tese – não ocorrência de prescrição à luz do instituto do enriquecimento sem causa – a improcedência decorre de duas razões fundamentais: (i) Não há trânsito em julgado sobre a improcedência do direito do autor à luz da responsabilidade extracontratual; (ii) Não foram alegados os factos essenciais típicos do regime do enriquecimento sem causa para preencherem, em abstrato, os quatro requisitos cumulativos deste instituto: – Existência de um enriquecimento e sua medida; – Ausência de causa justificativa para este enriquecimento; – Enriquecimento obtido à custa do empobrecimento do autor; e – Inexistência legal de outro instituto jurídico que permita ao autor ser indemnizado. r) A invocação do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária perante todos os demais institutos jurídicos existentes, sendo seu pressuposto primeiro, neste caso, a solução definitiva da apreciação do direito do autor ao abrigo do instituto da responsabilidade civil extracontratual, para lhe ser lícito lançar mão do instituto do enriquecimento sem causa. s) Mantendo-se em aberto, nestes autos recursivos – e sempre se manterá mesmo após a prolação de acórdão já que o mesmo não transitará prontamente –, a prescrição ao abrigo do art.º 498.º, n.º 1 do CC, quer ao Tribunal de 1.ª instância, quer a este Tribunal sempre estaria vedado abordar a prescrição do direito do autor, à luz do regime do enriquecimento sem causa. t) Quanto à segunda ordem de razões, verifica-se uma verdadeira situação de ineptidão da PI e manifesta improcedência do petitório à luz do instituto do enriquecimento sem causa: o autor não alegou que a ré obteve um enriquecimento pela inclusão da sua imagem e muito menos o quantificou ou invocou qualquer critério para esse efeito. u) Não consta da PI a alegação de ausência de causa justificativa na esfera de titularidade da ré, limitando-se o autor a afirmar que não licenciou, o que é frontalmente diverso de invocar que a ré não tinha causa, não tinha razão para utilizar a imagem do autor. v) Não foi alegado na PI qualquer facto para demonstrar que, na exata medida de um eventual enriquecimento a favor da ré, existiu um empobrecimento na esfera do autor. w) Basta, de resto, verificar que o pedido do autor é manifestamente desligado de qualquer valor que traduza o seu eventual empobrecimento ou enriquecimento da ré. O autor pretende, sim, uma indemnização, invocando a violação do seu direito de personalidade. x) Como decorre de toda a PI e respetivos fundamentos de facto e de direito, o autor exerce a sua pretensão indemnizatória à luz do instituto da responsabilidade civil extracontratual, pelo que não pode socorrer-se do enriquecimento sem causa que refere apenas como conclusão jurídica. y) Estes institutos jurídicos em confronto são bastante diversos, com os seus pressupostos fácticos e jurídicos específicos: – “São de outro tipo os factos que constituem o direito à restituição fundada no enriquecimento sem causa. A questão não é agora a violação ilícita dum direito ou interesse alheio, ou o incumprimento duma obrigação contratual, mas uma deslocação patrimonial, que aumenta um património à custa de outrem e se pode traduzir na poupança duma despesa, caso em que “consiste na subtração a um encargo que outrem indevidamente teve de suportar”. Para que de enriquecimento sem causa se possa falar, é preciso que hajam ocorrido factos que integrem os seus três requisitos: o enriquecimento de alguém, isto é, a obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial; a falta de causa justificativa do enriquecimento, que, tratando-se duma prestação, se traduzirá na falta de relação jurídica em que ela se funde; a sua obtenção à custa de quem requer a restituição, que por via dela empobrece (art. 473-1 CC).” (acórdão do STJ de 13.10.2020, Proc. n.º 995/16.2T8AVR.P1.S1 – destaque nosso). z) Não é suficiente, com base nos mesmos factos, causa de pedir e petitório, invocar os institutos da responsabilidade civil extracontratual e, subsidiariamente, o enriquecimento sem causa, afiançando singelamente que também este segundo instituto se mostra verificado, sendo imperativo alegar os pressupostos fácticos e jurídicos próprios do enriquecimento sem causa: – “O facto de os recorrentes terem qualificado juridicamente os factos alegados, invocando o enriquecimento sem causa, de forma diferente da qualificação jurídica efetuada na anterior ação (responsabilidade contratual), não faz alterar a causa de pedir nem afasta a exceção do caso julgado, porquanto a causa de pedir é o ato ou facto jurídico donde o autor pretende ter derivado o direito a tutelar e não a valoração jurídica que ele entende atribuir-lhe.” (acórdão do TRE de 27.01.2022, Proc. n.º 341/20.0T8ELV.E1). aa) Quando ambos os institutos são convocados pelo autor, a partir da mesma alegação factual, determinando-se a improcedência à luz da responsabilidade extracontratual, não haverá de proceder a ação com base no enriquecimento sem causa se os factos invocados são os mesmos: – “I – Julgado improcedente pedido reconvencional onde se pedia a condenação dos Autores/reconvindos no pagamento de uma quanta a título de responsabilidade contratual, os factos que sustentavam esse pedido não podem voltar a ser discutidos entre as mesmas partes. II - Se depois da decisão referida em 1), com base nos mesmos factos, os outrora Réus/reconvintes intentam nova ação em que formulam igual pedido, agora sustentado no seu empobrecimento e enriquecimento injustificado dos Réus, existe caso julgado que impede a apreciação desse pedido.” (acórdão do TRP de 05.11.2020, Proc. n.º 1169/19.6T8PVZ.P1). bb) A alusão na PI ao instituto do enriquecimento sem causa está desgarrada de qualquer suporte fáctico próprio específico, traduzindo um caso de verdadeira ineptidão da PI por ausência de factos, matéria de conhecimento oficioso – art.º 186.º, n.º 1 e 2, alínea a) e b) do CPC. cc) Sem uma causa de pedir autónoma e respetivos factos essenciais densificadores do instituto do enriquecimento sem causa, não há qualquer viabilidade na pretensão do autor neste âmbito, devendo por isso improceder também este segmento do recurso. dd) Refira-se, por fim, ser de rejeitar a nulidade assacada pelo autor à sentença, não existindo qualquer excesso de pronúncia, nem violação do princípio do contraditório ou decisão-surpresa. ee) Os autos são particularmente ilustrativos do exercício do direito de discussão de facto e de direito sobre a prescrição: (i) 16.12.2020: Petição inicial, onde o autor abordou antecipadamente a prescrição à luz do art.º 498.º, n.º 1 do CC – art.º 35.º a 50.º, 85.º, 88.º e 167.º; (ii) 25.02.2021: Contestação, onde a ré invocou que o direito do autor estava prescrito – art.º 86.º a 153.º; (iii) 26.02.2021: Notificação ao autor da contestação e respetivos documentos, alguns dos quais relativos ao conhecimento do autor logo em 2006 (doc. n.º 2 e 9 a 15; (iv) 27.05.2021: Pronúncia do autor sobre as exceções – art.º 7.º a 19.º; (v) 15.06.2021: Resposta da ré à pronúncia do autor sobre as exceções e na qual se requereu a prolação de saneador-sentença sobre a exceção de prescrição – art.º 1.º a 12.º; (vi) 18 a 28.06.2021: Ao autor era possível responder e contraditar o pedido de emissão de saneador-sentença sobre a prescrição, tendo entendido não o fazer e conformando-se com essa possibilidade. ff) A sentença limitou-se a decidir uma exceção invocada pela ré e que expressamente se requereu que fosse conhecida em sede de saneador, possibilidade que o autor pôde representar, senão antes, quando foi notificado do requerimento da ré de 15.06.2021; não reagindo, o autor conformou-se com essa possibilidade. gg) As partes discutiram esta questão em sede de articulados, tendo sido o próprio autor a “dar o pontapé de saída” quando abordou, logo na PI, a prescrição e a procurou afastar com base na tese do dano continuado, não se verificando qualquer nulidade hh) Em conclusão, todos os fundamentos do recurso de apelação deverão ser rejeitados in totum. Nestes termos, requer-se a Vossas Exas., face a tudo o que foi adrede expendido, que se dignem considerar improcedente o recurso, confirmando a decisão do Tribunal a quo.». * Cumprida a formalidade dos vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: - junção de documentos na fase do recurso (como questão prévia); - nulidade [por ter sido proferida a decisão de mérito em causa nos autos sem discussão de facto e de direito e sem ter consultado previamente as partes quanto a essa possibilidade]; - (des)acerto do julgamento quer em termos de facto, quer de direito [porque não podia ter-se concluído que o Autor tinha conhecimento da violação dos seus direitos desde 2006; porque o conhecimento e decisão sobre a exceção de prescrição devia ter sido relegado para final; porque a pretensão do Autor radicava na violação ilícita do direito de personalidade e porque existia um pedido subsidiário baseado no enriquecimento sem causa, sempre teria que ter sido determinado o prosseguimento dos autos]. * 3 – QUESTÃO PRÉVIA Cabe apreciar se devem ser admitidos os documentos junto pela Ré/recorrida na fase do recurso, também atenta a inadmissibilidade da junção suscitada pelo Autor. Temos mais concretamente que já depois dos autos terem dado entrada neste tribunal de recurso e quando já se encontravam conclusos para elaboração de projeto de acórdão pelo relator, a Ré/recorrida, por 3 vezes, provocou a “cobrança” dos autos ao «(…) proceder à junção de sentença judicial que, em ação idêntica à presente, declarou procedente a exceção de prescrição em sede de saneador», sendo certo que, em resposta ao requerimento da contraparte no sentido de que a admissão dos “documentos”/sentenças não fosse permitida sustentou que «(…) se os pareceres jurídicos são admissíveis até à fase de elaboração do projeto de acórdão, por maioria de razão, a junção de decisões judiciais deverá ser igualmente admissível até essa fase». Quid iuris? Estabelece o art. 651º do n.C.P.Civil, com a epígrafe de “Junção de documentos e de pareceres”, sobre esta questão o seguinte: «1- As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excecionais a que se refere o artigo 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância 2- As partes podem juntar pareceres de jurisconsultos até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão». Por sua vez, prescreve o art. 425º: «Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento». Entendemos que é de desconsiderar liminarmente a aplicação do estatuído nesta segunda norma, porquanto a Ré invoca unicamente o regime aplicável aos “pareceres”, isto é, o que consta do nº2 do art. 651º citado. Ora se assim é, cremos que está encontrada a resposta para a questão em apreciação. É que mesmo admitindo que uma “sentença” de um tribunal de 1ª instância seja de equiparar a um “parecer” – posto que apenas sobre este último regula diretamente a norma legal [cf., nesse sentido, o acórdão do TRP de 06.01.2005, proferido no proc. n.º 0436773, acessível em www.dgsi.pt/jtrp] – é o regime legal invocado a expressamente retirar fundamento/razão à Ré/recorrida. Na verdade, o dito nº2 do art. 651º do n.C.P.Civil alude literalmente a que a junção tem que ter lugar «(…) até ao início do prazo para a elaboração do projeto de acórdão». [destaque da nossa autoria] Sucede que, como visto, as junções cuja validade se aprecia ocorreram todas elas em data posterior à que era possível, isto é, depois de os autos estarem conclusos para elaboração do projeto de acórdão. De referir que a justificação para um tal momento temporal de junção mais restrito reside seguramente em se evitar um retardamento na apreciação e decisão do recurso. Evitamento esse que não resultou, pois que estando os autos conclusos originariamente para elaboração de projeto de acórdão em 2024.07.08 [cf. P.E. sob a refª 239830], só o vieram a ficar agora e por último em 2024.10.10 [cf. P.E. sob a refª 11624795]. Como quer que seja, a junção dos documentos/sentenças em referência é extemporânea à luz da invocada disposição legal. Nestes termos, impõe-se recusar a junção dos ditos documentos/sentenças, devendo a Ré/recorrente ser condenada em multa, que se fixa em 1,5 UC [art. 27º nos 1 e 4 do Regulamento das Custas Processuais e art. 443º nº 1 do n.C.P.Civil]. Notifique. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Corresponde à enunciação que foi alinhada na decisão recorrida, sem olvidar que o recurso não impugna/questiona tal. Foi, então, o seguinte, o que foi consignado em termos de “Factos Provados” pelo Tribunal a quo: «1. A ré, através do desenvolvimento e fornecimento de jogos, conteúdos e serviços online para consolas com ligação à Internet, dispositivos móveis e computadores pessoais, é uma empresa líder global em entretenimento digital interactivo.---- 2. O autor é um jogador de futebol brasileiro, nascido em 1983 e actualmente encontra-se retirado das competições oficiais.---- 3. O autor conta com uma longa carreira como jogador de futebol profissional, muito conhecido no meio do futebol, tendo exercido a sua profissão, maioritariamente, em clubes portugueses, dedicando-se inteiramente à prática desportiva do futebol, com a qual sempre se sustentou a si e à sua família.---- 4. Na qualidade de jogador profissional de futebol o autor conta com a exposição pública da sua imagem, tanto nos espectáculos desportivos, como fora deles, em participações televisivas, de radiodifusão, meios virtuais, etc.---- 5. O autor actuou em mais de 200 partidas oficiais como profissional e sempre se destacou na posição de avançado, tendo actuado principalmente no União Desportiva de Leiria, CD Nacional, Clube Desportivo das Aves, GD Chaves, Leixões SC entre outros.---- 6. O autor esteve vinculado a diversos clubes em Portugal, Brasil, Coreia, Arábia Saudita, Roménia; Bulgária e participou em provas como Liga Europa e Taça UEFA, além das principais competições nacionais;---- 7. O autor teve conhecimento que a sua imagem, o seu nome e as suas características pessoais e profissionais foram e continuam a ser utilizados nos jogos denominados FIFA (também com as designações FIFA Football ou FIFA Soccer), pelo menos nas edições 2007, 2008, 2010 e 2013; FIFA MANAGER, pelo menos nas edições de 2007, 2008, 2010, 2011, 2012 e 2013; e FIFA ULTIMATE TEAM – FUT, pelo menos na edição de 2013, todos propriedade da ré.---- 8. O autor não concedeu autorização expressa ou tácita a quem quer que fosse, para ser incluído nos supra identificados jogos electrónicos, jogos de vídeo e aplicativos, i.e., FIFA, FIFA MANAGER e FIFA ULTIMATE TEAM – FUT e não conferiu poderes aos Clubes, para que estes negociassem a licença para o uso da sua imagem e do seu nome, especificamente para jogos electrónicos, jogos de vídeo, aplicativos, ou quaisquer outros jogos online ou offline, em qualquer tipo de plataforma.---- 9. O autor viu a sua imagem ser retratada e o seu nome divulgado, sem o seu consentimento, em milhões de jogos de vídeo (por exemplo o jogo FIFA 18 vendeu 24 milhões de unidades em todo o mundo).---- 10. Os jogos electrónicos FIFA, FIFA MANAGER e FUT são lançados anualmente, e novas versões são lançadas no mercado todos os anos, permitindo actualizações semanais via internet, fazendo com que o público consumidor de tais produtos seja levado a adquirir as novas versões dos jogos.---- 11. A ré está a utilizar indevidamente a imagem e o nome do autor, pelo menos, desde Outubro de 2006 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA Soccer 2007).---- 12. E tais jogos mesmo de anos anteriores, continuam a ser difundidos e vendidos, em Portugal e em todo o mundo, sendo que as versões mais antigas dos jogos FIFA, FIFA MANAGER e FIFA ULTIMATE TEAM – FUT continuam a ser vendidas em 2019 e continuam no mercado.---- 13. A ré procede ao relançamento de versões mais antigas dos jogos.---- 14. Os jogos da ré são recorrentemente utilizados para a realização de torneios a nível nacional e internacional, organizados pelas mais diversas entidades, um dos quais é designado por “FIFA Global Series”, onde participam aficionados de jogos online, provenientes de todo o mundo.---- 15. A presente acção foi instaurada em 16.12.2020.---- 16. A ré foi citada para os termos da presente acção em 13.01.2021.- * 5 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 5.1 - Por razões de precedência lógica e jurídica não pode deixar de se começar pela apreciação da questão da nulidade [por ter sido proferida a decisão de mérito em causa nos autos sem discussão de facto e de direito e sem ter consultado previamente as partes quanto a essa possibilidade]. Sustenta enfaticamente o Autor ora recorrente que, in casu, no tribunal de 1ª instância conheceu-se da exceção perentória da prescrição «(…) sem que tenha sido preferido qualquer despacho informando as partes sobre a intenção do tribunal em proceder ao conhecimento de mérito dos autos», isto é, que «(…) pretendendo conhecer do mérito da causa, o tribunal recorrido devia ter proporcionado às partes a discussão dessa decisão, bem como a possibilidade de carrear para os autos os elementos necessários para a sua efectivação ou não», em suma, que «(…) nos autos o tribunal recorrido apenas determinou o exercício do contraditório quanto à excepção deduzida, não tendo dado qualquer oportunidade às partes para se pronunciarem sobre a dispensa de audiência prévia e/ou sobre a discussão do mérito da causa.» Que dizer? Quanto a nós, que foi efetivamente cometida a nulidade arguida, o que, salvo o devido respeito, ressalta dos próprios termos em que o Autor ora recorrente suscita tal questão, mormente pela circunstância de nem sequer ter havido dispensa da audiência prévia precedida de consulta das partes. Ora a preliminar consulta das partes antes da dispensa da audiência prévia era exigência do princípio do contraditório, como decorre do art. 3º, nº 3, do n.C.P.Civil, acrescendo que in casu nem sequer houve despacho expresso a dispensar a audiência prévia. Senão vejamos. Nos autos foi proferida decisão final, com conhecimento da exceção de prescrição. É certo que quanto a esta exceção, o Exmo. Juiz de 1ª instância, por despacho datado de 14.05.2021, facultou ao A. o contraditório sobre as exceções que haviam sido deduzidas nos autos, o que fez «ao abrigo do disposto nos arts. 3.º, n. 3, 4.º e 6.º, n. 1, do CPC», aqui se incluindo naturalmente a exceção de prescrição ora diretamente em causa. Sendo que, na imediata sequência, sem realização da audiência prévia, e sem despacho a dispensá-la, mas consignando que «[O] estado dos autos permite proferir decisão final, com conhecimento da matéria de prescrição, sem necessidade de produção de outras provas, sendo certo que quanto a esta matéria de excepção as partes já a debateram, com suficiência, nos articulados - cf. CPC: art. 595º-1-b)», passou o Exmo. Juiz de 1ª instância a apreciar e decidir a dita exceção de prescrição em sede de “SANEADOR-SENTENÇA”. Ocorre que «(…) o artº 593º apenas contemplará a dispensa da audiência prévia quanto às «acções que hajam de prosseguir», o que não se aplicará às situações de «conhecimento da totalidade do mérito», na medida em que essas acções não prosseguem, terminando no despacho saneador; por outro lado, e não sendo à partida possível essa dispensa, esta ainda será concebível, mas apenas no quadro da aplicação do princípio da adequação formal, por via do artº 547º do NCPC, sendo que, nesse caso, será exigível que a questão já esteja suficientemente debatida nos articulados, e isto sem prejuízo de a dispensa ser precedida de consulta das partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do artº 3º, nº 3, do NCPC.»[2] Temos então que, quando se pretenda facultar às partes a discussão de facto e de direito, no caso em que o juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, pode haver dispensa da audiência prévia. Sucede que daqui só decorre que quando se pretenda conhecer do mérito, a dispensa pode ocorrer face ao disposto no nº 2 alínea a) do art. 593º do n.C.P.Civil, ao remeter para o art. 595º, nº 1 do mesmo n.C.P.Civil bem como a circunstancia de que neste caso a ação não irá prosseguir, pelo que não cai na ”obrigatoriedade” da sua realização. Mas tal não prescinde duma pronúncia expressa sobre a dispensa, o que terá de ser precedido da consulta das partes. Dito de outra forma: fazendo a audiência prévia parte da infraestrutura do processo comum, como processo preferencialmente a ser seguido, sempre que o juiz entenda que realiza melhor a gestão do processo, além dos casos previstos no art. 593º do n.C.P.Civil, poderá determinar tal dispensa ao abrigo do disposto no art. 547º do mesmo n.C.P.Civil, mas terá de o fazer expressamente e só após consulta prévia das partes sobre essa perspetivada determinação. Porém no caso vertente não foi isso que aconteceu – nem houve despacho expresso de dispensa, nem muito menos qualquer consulta prévia às partes sobre essa opção. Ora, há claramente, no atual (“novo”) Código de Processo Civil o reforço do contraditório, tida que é a audição das partes sobre cada questão a decidir no processo como fator indispensável da realização da justiça: é assim que o nº 3 do art. 3º expressamente dispõe que “o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Mas quando é que, afinal, se viola, frontalmente, o princípio do contraditório, plasmado no dito art. 3º, nº 3, do n.C.P.Civil? Já foi doutamente sublinhado que, modernamente, o contraditório é entendido como uma garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.[3] Donde, bem se compreende que «no plano das questões de direito, o princípio do contraditório exige que, antes da sentença, às partes seja facultada a discussão efetiva de todos os fundamentos de direito em que a decisão se baseie»[4]. Deste modo, o princípio do contraditório assume-se como corolário ou consequência do princípio do dispositivo, emergente, para além de outras disposições, do nº1 deste preceito, destinando-se a proteger o exercício do direito de ação e de defesa. Na verdade, «quer o direito de ação, quer de defesa, assentam numa determinada qualificação jurídica dos factos carreados para o processo, que as partes tiveram por pertinente e adequada quando procederam à respetiva articulação. Deste modo qualquer alteração do módulo jurídico perfilhado, designadamente quando assuma um grau particularmente relevante, é suscetível de comprometer a posição das partes…e daí a proibição imposta pelo nº3».[5] Ao assim não atuar, o Exmo. Juiz a quo violou o aludido art. 3º, nº3 do n.C.P.Civil, pois que, em tais circunstâncias a parte [leia-se, o Autor ora recorrente) é confrontada com uma decisão, sem que lhe tenha sido proporcionada a oportunidade de exercer o contraditório – sendo produzida uma decisão surpresa. Sendo certo que aquela omissão geradora de decisão-surpresa acarreta a nulidade do despacho “SANEADOR-SENTENÇA” em causa (e ora sob recurso) à luz do art. 615º, nº 1, alínea d), do n.C. P.Civil (excesso de pronúncia).[6] O que, efetivamente, se verifica e declara. Todavia porque a decisão em causa pôs termo ao processo, sempre este tribunal ad quem, por força da regra da substituição ao tribunal recorrido, terá de conhecer do objeto da apelação – art. 665º, nº1 do n.C.P.Civil. Ao que se procederá de seguida. * 5.2 – questão do (des)acerto do julgamento quer em termos de facto, quer de direito [porque não podia ter-se concluído que o Autor tinha conhecimento da violação dos seus direitos desde 2006; porque o conhecimento e decisão sobre a exceção de prescrição devia ter sido relegado para final; porque a pretensão do Autor radicava na violação ilícita do direito de personalidade e porque existia um pedido subsidiário baseado no enriquecimento sem causa, sempre teria que ter sido determinado o prosseguimento dos autos]. Vamos começar a apreciação neste particular sublinhando que se está perante ação sustentada em situação de responsabilidade civil extracontratual, em que o prazo de prescrição é, em regra, de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do respetivo direito (artigo 498º, nº 1, do Código Civil). Todavia, tendo presente o disposto no nº 3 do mesmo art. 498º, nas situações em que o facto ilícito constitua crime para o qual a lei estabeleça prazo de prescrição mais longo, será este o aplicável. Cabe, porém, ao lesado provar que os factos têm a virtualidade de integrar uma conduta criminosa, posto que se os factos podem ainda ser averiguados no processo-crime, não faz sentido que para efeitos civis se vede o recurso a juízo; ponto é que o lesado prove que o facto constitui crime sujeito a prescrição superior a três anos, donde, se o não provar será na sentença julgado prescrito o direito por aplicação do prazo normal de três anos e os Réus absolvidos do pedido. Na decisão recorrida, entendeu-se que o prazo de prescrição se iniciou no momento em que o Autor teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito, na sua perspetiva, à indemnização pelos danos que sofreu. Sendo que se situou esse conhecimento por parte do Autor do seu direito à indemnização, pelo menos desde 2006, pelo que, na medida em que se estava em presença de um ilícito civil de carácter instantâneo, e porque o começo do prazo da prescrição deve contar-se a partir do momento em que o lesado sabe que dispõe do direito à indemnização (não sendo indispensável conhecer a extensão integral do dano), era de concluir que o direito de crédito invocado pelo autor nos presentes autos já se encontrava, à data da citação da ré, extinto, por efeito da prescrição. Contrapõe o Autor/recorrente nas suas alegações recursivas que in casu não podia ter-se concluído que ele Autor tinha conhecimento da violação dos seus direitos desde 2006, isto porque o concreto momento temporal do conhecimento era/subsistia como facto controvertido após os articulados das partes. Que dizer? Quanto a nós – e releve-se o juízo antecipatório! – que não lhe assiste razão. É certo que se bem compulsarmos o que foi alegado na p.i., importa concluir que nesta o Autor alegou apenas e efetivamente (ter conhecimento) que a Ré estava a utilizar indevidamente a imagem e o nome do próprio, pelo menos, desde Outubro de 2006 (data de lançamento do jogo de vídeo FIFA Soccer 2007) [cf. arts. 10º, 24º e 149º da dita p.i.]. Aspeto diverso e distinto seria e é, naturalmente, ter tido ele conhecimento logo em Outubro de 2006 que a Ré procedia a essa utilização… Mas será que nunca foi afirmado nos autos quando é que o Autor teve conhecimento da utilização pela Ré? Temos presente que a Ré na contestação, para fundamentar a invocação da exceção de prescrição, e mais concretamente no pressuposto de ser um prazo de 3 anos com início em 2006, começou por aduzir que era de supor que o Autor teria tido conhecimento da inclusão da sua imagem, nome e demais características, nos seus jogos, no ano de 2006. Acontece que a Ré prosseguiu com uma linha argumentativa no sentido de que se podia deduzir ter tido o Autor esse conhecimento no ano de 2006. Atente-se na síntese que o mesmo verteu no art. 123º da contestação, a saber: «123. Em suma, o conhecimento do autor sobre a existência do jogo desde 2006, respetivo lançamento em cada edição e inclusão do autor, resulta assim dos seguintes factos: a) Notoriedade mundial dos jogos FIFA e de cada edição lançada anualmente; b) Integração do autor na geração que cresceu com o desenvolvimento e alargamento dos computadores e videojogos; c) O autor foi praticante de futebol desde muito jovem, estando atento ao mundo dos videojogos, onde os jogadores reais dos grandes clubes eram identificados e, a dado momento, ele próprio também; d) Referência do autor no artigo 24.º da petição inicial à data de lançamento do jogo FIFA 07 ocorrida em outubro de 2006; e e) Regras de experiência comum decorrentes dos factos supra explanados – art.º 349.º do CC.» [com destaque da nossa autoria] Salvo o devido respeito, a Ré acaba mesmo por concretizar e substanciar, de forma clara e em termos de certeza, quando é que o Autor tomou esse conhecimento, a saber, quando alude expressamente ao «conhecimento do autor sobre a existência do jogo desde 2006»… Neste quadro, entendemos que não é caso para se afirmar que a Ré não alegou o “facto” em causa mas que simplesmente teria aduzido meros considerandos/conclusivos. S.m.j., não estávamos apenas perante “suposições” e “presunções”! Questão diferente seria naturalmente como é que a Ré o ia em concreto provar, sendo disso caso. Sem embargo do vindo de dizer, sempre seria de sustentar que pelo menos a Ré havia feito uma alegação implícita dos factos essenciais em causa, que podiam e deviam ser tidos em conta pelo Tribunal. Com efeito, é de sustentar a legitimidade e validade duma tal alegação, como flui de douto aresto do nosso mais alto Tribunal[7], mais concretamente do seguinte segmento: «A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem, de forma consistente, defendido que, na apreciação da causa, deve ser tida em conta a alegação implícita de factos, não ocorrendo violação do princípio do dispositivo, na medida em que tais factos, porque implícitos, integram a causa de pedir, ou, como sucede no caso dos autos, a matéria factual em que se baseia a excepção de prescrição invocada pelos RR.. Cfr. os acórdãos de 03-07-2008 (proc. n.º 1560/08), de 19-11-2009 (proc. n.º 812/03.3TVPRT.S1), de 11-03-2010 (proc. n.º 806/05.4TBBJA.E1.S1), de 05-05-2011 (proc. n.º 3667/04.7TJVNF-S.S1), de 15-05-2013 (proc. n.º 593/2002.L2.S1), de 19-04-2012 (proc. n.º 299/05.6TBMGD.P1.S1) e de 20-04-2022 (proc. n.º 28126/17.4T8LSB.L1.S1), consultáveis em www.dgsi.pt e/ou cujos sumários estão disponíveis em www.stj.pt. Neste sentido, ver também Antunes Varela / Sampaio e Nora / Miguel Bezerra, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 676, nota 1.» A esta luz, que dizer então relativamente ao (in)cumprimento do ónus de impugnação especificada por parte do A.? Quanto a nós, claramente que o mesmo não foi cumprido pelo A.. Senão vejamos. O A., no exercício do contraditório que lhe foi facultado para responder, nomeadamente, à matéria da exceção de prescrição, limitou-se a sustentar que não se mostrava verificada a dita prescrição do crédito à indemnização cujo pagamento reclamava, nomeadamente opondo a relevância do dano continuado para afirmar que o seu direito não prescreveu. Consabidamente, decorre do art. 574º, do n.C.P.Civil, com a epígrafe de “Ónus de impugnação”, que: «1. Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor. 2. Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito; a admissão de factos instrumentais pode ser afastada por prova posterior. 3. Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário. 4...». A propósito deste regime legal, como se refere nas “Linhas Orientadoras da Reforma do Código de Processo Civil”, Ponto 1.2.2.c, o que esteve em vista foi encarar «a atenuação do excessivo rigor formal do ónus de impugnação especificada, sem que, todavia, tal implique que se dispense a parte de tomar posição clara, frontal e concludente, sobre as alegações de facto feitas pela parte contrária», em consequência do que «a impugnação não tem hoje de ser feita facto por facto, individualizadamente, podendo ser genérica»[8]. E também nada impõe, atualmente, como no domínio anterior ao da reforma de 1995, que a impugnação seja motivada, donde representa aquela, apenas, uma modalidade possível de impugnação, por contraponto à impugnação simples, ou por mera negação.[9] A esta luz, pode ser validamente exercitada a “impugnação” quando o respondente apresenta uma contra-versão dos factos, incompatível com a que havia sido apresentada ao mesmo. Sucede que, essa contra-versão dos factos, incompatível com a que havia sido alegada, é que o Autor não formulou de todo. Atente-se que o Autor se limitou a dizer que a prescrição não se verificava (de forma generalista e conclusiva), especificando com a relevância do dano continuado para afirmar que o seu direito não prescreveu. Ocorre que isto nem era uma contra-versão dos factos alegados pela Ré, nem se mostrava incompatível com o que esta havia articulado, a saber, o conhecimento do Autor sobre a existência do jogo desde 2006. Temos contudo que, se a lei atual, no confronto com o regime imediatamente anterior, deixou de se reportar à necessidade de impugnação especificada dos factos articulados e à proibição da contestação por negação e à possibilidade de a mesma poder operar por simples menção dos números dos artigos do articulado narrativos dos factos contestados, todavia, continua a la exigir que a parte onerada com esse ónus tome posição definida perante os factos articulados, o que significa, como é natural, que a maleabilização do ónus de impugnação não a dispensa. No fundo, exige-se que o impugnante assuma uma posição clara, frontal e concludente sobre os factos, embora se não exija que o faça sob a forma especificada, facto por facto, podendo ser efetivada pela menção do número dos artigos inserentes dos factos narrados, sem necessidade de reprodução do conteúdo da alegação objeto de impugnação. O que tudo serve para dizer que «(…) tendo em conta que impugnar significa contrariar, refutar ou negar a veracidade de um facto, que a tomada de posição definida perante os factos articulados na petição implica a negação dirigida a determinada espécie factual, ou a um conjunto de factos, desde que assuma um recorte definido em função da sua densidade, heterogeneidade e extensão».[10] Termos em que se impõe concluir no sentido de que não tinha havido efetivamente na circunstância impugnação fáctica relevante por parte do Autor quanto ao particular em causa, donde nada haver que censurar à decisão recorrida na parte em que considerou assente/apurado ter tido o Autor conhecimento do seu direito à indemnização pelo menos desde 2006, sendo este ponto de facto essencial para se concluir que o direito de crédito invocado pelo Autor já se encontrava, à data da citação da Ré, extinto, por efeito da prescrição.. O que significa a improcedência deste primeiro argumento recursivo. ¨¨ Sustenta de seguida o Autor/recorrente que o conhecimento e decisão sobre a exceção de prescrição devia ter sido relegado para final. Se bem percebemos o sustentado nesta parte pelo Autor/recorrente, assentava ele a sua argumentação na procedência do aduzido em termos de censura à decisão recorrida na parte em que esta considerou assente/apurado ter tido o Autor conhecimento do seu direito à indemnização pelo menos desde 2006. Ora nessa parte, como flui da apreciação que antecede, não lhe foi dado qualquer acolhimento. Como também não o merece o que aduz complementarmente nesta base, a saber, que não se podia/devia ter conhecido da exceção de prescrição em sede de saneador-sentença porquanto alegadamente existiam outras soluções igualmente plausíveis da questão de direito. Não lhe assiste qualquer razão enquanto funda esta asserção em estar contestada a existência de facto ilícito (porquanto se invoca a autorização para a utilização da imagem do jogador) ou em que está contestada a existência e a quantificação do dano. Salvo o devido respeito, esses aspetos nada relevavam para a apreciação e decisão sobre a exceção de prescrição no quadro do estatuído no art. 498º do Código Civil… Recorde-se que, como regra, a apreciação da exceção de prescrição será feita, em face da alegação da petição inicial. Na verdade, apenas competia à Ré que alegou a prescrição a prova dos factos que a produzem [cfr. artigo 342º, nº 2 do Código Civil], relativamente ao que os ditos aspetos (controvertidos ou não) eram perfeitamente irrelevantes! ¨¨ Vejamos, de seguida, da alegação de erro da decisão recorrida porque a pretensão do Autor radicava na violação ilícita do direito de personalidade e porque existia um pedido subsidiário baseado no enriquecimento sem causa, sempre teria que ter sido determinado o prosseguimento dos autos. Começando pelo aspeto de que a pretensão do Autor radicava na violação ilícita do direito de personalidade. Na decisão recorrida sustentou-se a este propósito o seguinte: «O referido prazo de prescrição começou a correr a partir de Outubro de 2006, o que significa que, tendo por referência estas datas e verificando-se que dos autos não resultaram alegados nem provados quaisquer factos que integrem causas de suspensão (cf. CC: art.s 318º e ss.) ou de interrupção (cf. CC: art.s 323º e ss.) da prescrição, é de concluir que o direito de crédito invocado pelo autor nos presentes autos já se encontrava, à data da citação da ré (cf. CC: art. 323º-1), extinto, por efeito da prescrição. Apesar destas considerações importa, todavia, não confundir os direitos de personalidade e sua protecção dos efeitos patrimoniais dele decorrentes. Os direitos da personalidade são imprescritíveis e merecem a tutela do Estado a todo-o-tempo. Diversamente, já os efeitos patrimoniais dele gerados podem sofrer a acção do tempo e perda da exigibilidade através da prescrição. O facto de ser imprescritível não significa que os aspectos patrimoniais decorrentes da violação dos direitos da personalidade também o sejam – vd. Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, tomo IV, pp. 34-35.» Face a esta concreta linha de argumentação, o Autor/recorrente nada contrapõe em termos dogmático-jurídicos, nomeadamente em sede doutrinária ou jurisprudencial. Nem nada questiona em termos substantivos/de mérito quanto ao entendimento perfilhado, limitando-se a apresentar a sua discordância tout-court. Ora, também quanto a nós, o carácter imprescritível dos direitos de personalidade em nada se confunde com a prescrição do direito de indemnização – aquela característica o que nos diz é que o direito de personalidade não prescreve pelo seu não exercício [cfr. art. 298º, nº1, do C.Civil], isto é, que o Autor mantém intactos os seus direitos de personalidade. Dito de outra forma: o direito de indemnização, o ressarcimento pelos danos sofridos é que prescreve ou pode prescrever. Assim, se positivamente foi esta última a asserção a que se chegou nos autos, nada há que censurar. Por último, temos a questão da alegada existência de um pedido subsidiário baseado no enriquecimento sem causa (face ao que sempre teria de ter sido determinado o prosseguimento dos autos). Será assim? Sucede que – naturalmente salvaguardado que não se trata de “questão” que seja de conhecimento oficioso! – o suscitado nesta base corresponde claramente a uma “questão nova”, isto é, que apenas foi levantada em sede deste recurso. Com efeito, indubitavelmente, este fundamento não foi invocado nos autos antes da fase de recurso (vide designadamente o relatório supra), e como tal não foi objeto de contraditório pela Ré, e, por conseguinte, não foi também objeto de conhecimento e apreciação por parte do tribunal a quo na decisão recorrida. Trata-se, por isso, de questão nova posta em recurso que nunca poderia ser conhecida neste tribunal de apelação. Na verdade, como é de todos sabido, e é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência, os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a ação e a julgá-la, como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correção da decisão, proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último. Não cabe, pois, aos tribunais de recurso conhecer de questões novas (o chamado ius novarum), mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la.[11] Tratando-se, portanto, de uma questão nova, não pode, agora, ser conhecida em fase de recurso. Termos em que claramente não procede o recurso neste ponto. ¨¨ Assim, e sem necessidade de maiores considerações, improcede fatalmente o recurso. * (…) * 7 - DISPOSITIVO Pelo exposto, decide-se a final julgar improcedente o recurso, mantendo o despacho saneador-sentença recorrido nos seus precisos termos. Custas pelo A./recorrente. Coimbra, 12 de Novembro de 2024 Luís Filipe Cravo
Carlos Moreira Vítor Amaral
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