Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO
1.1.- O Autor – A... – instaurou acção declarativa, com forma de processo comum, contra os Réus
M...
E..., Lda.
Alegou, em resumo:
O Autor tem um crédito de €60.000,00 sobre a Ré M..., pois esta em 5/6/2005 subscreveu uma confissão de dívida.
Em 21/1/2016 a Ré M... vendeu à Ré E..., Lda, gerida pelo marido, os prédios rústicos descritos na petição, com o propósito de subtrair o património à penhora, e resultou de concluiu com o marido, sendo o negócio simulado.
Pediu cumulativamente:
«1 – Reconhecer-se que o autor dispõe de um crédito no valor de €60.000,00 (sessenta mil euros) sobre a primeira ré e que o mesmo é anterior à alienação a que se alude no item 35º desta peça;
2 – Que a alienação dos imóveis identificados no item 35º desta peça operada pelo Título de Compra e Venda outorgado na Conservatória do Registo Predial da ... em 21-01-2016, causou prejuízo ao ora autor consubstanciado na impossibilidade de o autor executar os bens que foram objeto dessa transmissão.
3 – Reconhecer-se que tal ato de alienação patrimonial foi realizado de máfé. Em consequência;
4 - Na total procedência da presente ação deverá declarar-se ineficaz em relação ao autor o ato de alienação Título de Compra e Venda (vulgo procedimento casa pronta) outorgado no dia 21-01-2016 na Conservatória do Registo Predial da ... e identificado em 35º desta peça e com referência a todos os imóveis identificados em tal item, reconhecendo-se ao A. o direito de executar e penhorar todos os imóveis identificados em 35º na esfera jurídica patrimonial da aqui segunda ré e adquirente E..., Lda. até ao limite do seu crédito.»
A Ré E..., Lda contestou.
1.2.- Por sentença de 14/10/2019 decidiu-se: “nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, declara-se extinta a presente instância, por impossibilidade da lide quanto ao primeiro pedido do autor e por inutilidade superveniente da lide relativamente aos restantes pedidos.”
A sentença contem a seguinte fundamentação:
“A presente ação deu entrada em juízo em 19.03.2019 e o crédito que o aqui autor invoca, na sua versão dos factos, existe desde 05.06.2005 (vide a petição inicial, nomeadamente, o seu artigo 11º). De harmonia com a teor da certidão datada de 03.07.2019, a aqui primeira ré, no âmbito do processo nº..., que corre termos pelo Juízo de Comércio de Leiria, J3, foi declarada insolvente, por sentença transitada em julgado em 14.02.2019, não tendo o aqui autor ali reclamado o seu alegado crédito sobre aquela. As partes foram notificadas para se pronunciarem acerca da influência dessa situação nos termos desta causa, nada tendo dito. Facultado que está o exercício do direito ao contraditório, cumpre decidir.
Para o efeito, os factos provados a ter em consideração são aqueles que se acabaram de deixar consignados.
De harmonia com o entendimento vertido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº1/2014, de 08.05.2013 (in DR I Série de 25/02/2014), “Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência. A partir daí, os direitos / créditos que a autora pretendeu exercitar com a instauração da ação declarativa só podem ser exercidos durante a pendência do processo de insolvência e em conformidade com os preceitos do CIRE.”
Com fundamento em tal ordem de considerações, esse aresto fixou a seguinte jurisprudência obrigatória: “Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do artigo 287º do Código de Processo Civil”.
Aplicando tal entendimento jurisprudencial ao caso dos autos, há que concluir pela impossibilidade de, no âmbito desta ação, se conhecer do primeiro pedido do autor, uma vez que, declarada a insolvência da primeira ré, apenas nesse processo de insolvência é que pode (ou poderia) ser (ter sido) exercitado o direito de crédito sobre a insolvente.
No que concerne aos restantes pedidos, próprios da ação de impugnação pauliana, o respetivo conhecimento e procedência sempre estaria dependente do reconhecimento da qualidade de credor do autor perante a primeira ré. Tal reconhecimento, como se deixou dito supra, não se pode fazer no âmbito desta ação e teria a sua sede exclusiva para ser apreciado no domínio do processo de insolvência. Ora, o aqui autor não reclamou o seu alegado crédito naquele processo, nem no momento próprio (artigo 128º do CIRE), nem mediante recurso à ação prevista no artigo 146º do CIRE, já estando integralmente decorrido o prazo para o poder fazer (cf. o nº2, alínea b), do citado artigo 146º).
Assim, aquando da instauração desta ação, a mesma já não era o meio processual próprio para o autor obter o reconhecimento do seu invocado crédito, dado a aqui primeira ré já ter sido, então, declarada insolvente.
Mas ainda poderia ter utilidade e prosseguir para conhecimento dos outros pedidos, caso o aqui autor, em tempo, tivesse pedido o reconhecimento do seu crédito no processo próprio (o que, à data, ainda lhe era possível fazer). Não o tendo feito e estando esgotado o prazo para o efeito, há que concluir pela inutilidade superveniente da lide quanto ao conhecimento da sorte da impugnação pauliana. Mais precisamente, estando prejudicado o reconhecimento da qualidade de credor do autor (mormente, a ter lugar no processo próprio), torna-se inútil o prosseguimento desta ação para aferir do preenchimento dos pressupostos da impugnação pauliana, pois fica afastada a verificação do primeiro dos seus requisitos, isto é, o do reconhecimento do crédito do autor. Na decorrência de tudo o que, de forma muito sintética, se deixou dito e julgando-se desnecessárias outras e mais desenvolvidas considerações, nos termos do artigo 277º, alínea e), do Código de Processo Civil, declara-se extinta a presente instância, por impossibilidade da lide quanto ao primeiro pedido do autor e por inutilidade superveniente da lide relativamente aos restantes pedidos.
1.3.- Inconformado, o Autor recorreu de apelação com as seguintes conclusões:
1)Após a declaração de insolvência da primeira ré, aqui recorrida, o recorrente instaurou contra a mesma e contra a segunda ré, aqui segunda recorrida, acção de impugnação pauliana, sem que, contudo, tenha reclamado os seus créditos no processo onde a primeira ré, aqui recorrida, foi declarada insolvente.
2)O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º1/2014, de 08.05.2013 (in DR I Série de 25/02/2014), não tem aplicação ao caso vertente porque se debruçou sobre uma acção onde apenas se discutia o reconhecimento da existência de um crédito do ali autor sobre o ali réu e onde a parte processual passiva era constituída por um elemento.
3)Enquanto que, nos presentes autos, para além de os sujeitos processuais passivos serem dois, o recorrente pretende, na sua essência, seja
declarada a ineficácia, em relação a si, do acto de alienação, reconhecendo-se-lhe o direito de executar e penhorar todos os imóveis, objecto daquele mesmo acto de alienação, na esfera jurídica patrimonial da aqui segunda ré, até ao limite do seu crédito.
4)A reclamação de créditos no processo de insolvência não permite que um seu credor ali deduza um pedido de ineficácia dos actos de transmissão celebrados entre o insolvente e um terceiro, em relação ao credor reclamante.
5) Do art.127 nº2 CIRE resulta que os credores do insolvente podem propor acções de impugnação pauliana, posteriormente à declaração de insolvência.
6) Não é pelo facto do recorrente não ter reclamado o seu direito de crédito sobre a primeira ré, insolvente, no respectivo processo de insolvência, que lhe cai a qualidade de credor nestes autos, como se extrai do art.58 nº5 CIRE Aliás, exemplo de que o credor não reclamante não perde o seu direito de crédito por não ter reclamado, são os casos em que o processo de insolvência encerra por homologação de um plano de insolvência. Nestes casos, o credor não reclamante, depois de extinto o processo de insolvência, tem direito a receber os seus créditos (não reclamados) a par dos credores reclamantes de igual classe e que reclamaram os seus créditos no processo de insolvência.
7) O credor que não reclama os seus créditos no processo de insolvência não deixa de ser credor, máxime para efeitos de propositura de acção pauliana. Não é, pois, certo que o conhecimento e a procedência do pedido da acção de impugnação pauliana dependente do reconhecimento da qualidade de credor (autor na acção de impugnação pauliana) sobre o insolvente (réu na acção de impugnação pauliana) no processo de insolvência,
8)Com o devido respeito, o Tribunal a quo andou mal ao concluir pela
inutilidade superveniente da lide quanto ao conhecimento da sorte da impugnação pauliana.
9) A decisão recorrida violou, além do mais, o disposto nos art.ºs 58, n.º 5, e 127º, n.º 2, do CIRE, por não aplicação, e bem assim o art.º 277º, al. e), do CPC, por errada aplicação.
Não houve contra-alegações.
II - FUNDAMENTAÇÃO
2.1.- O objecto do recurso
A questão essencial suscitada no recurso consiste em saber se, numa acção de impugnação pauliana instaurada por um credor contra o devedor declarado insolvente, existe fundamento legal para a declaração de extinção da instância por impossibilidade e inutilidade superveniente lide em virtude do credor não ter reclamado o seu crédito no processo de insolvência.
2.2.- O mérito do recurso
A acção de impugnação pauliana, como uma das garantias gerais das obrigações previstas no actual Código Civil, consagra uma verdadeira causa de ineficácia do acto em relação ao impugnante, assumindo natureza pessoal ou obrigacional.
Com efeito, o credor impugnante logo que prove a existência dos pressupostos da pauliana, pode executar a garantia patrimonial do seu crédito sem anular o acto de alienação que a prejudicou. Na verdade, procedendo a acção, o credor tem direito à restituição dos bens na medida do interesse, a praticar actos de conservação autorizados por lei e o direito de executar os bens no património do obrigado à restituição (art.616 C.C.).
São requisitos concorrentes da impugnação pauliana individual, no regime civilístico (art.610 CC): (a) A existência de um crédito e anterioridade desse crédito em relação à celebração do acto, ou, sendo posterior, que o acto tenha sido realizado dolosamente com vista a impedir a satisfação do crédito; (b) Resultar do acto a impossibilidade para o credor de obter a satisfação plena do seu crédito, atendendo-se à data do acto; (c) Sendo o acto oneroso, acresce a exigência da má-fé tanto por parte do devedor como do terceiro (art.612 CC).
Como facto constitutivo do direito, incumbe ao credor a prova do montante das dívidas e da anterioridade do crédito, e ao devedor ou terceiro interessado a prova de que o obrigado possui bens penhoráveis de igual ou maior valor (art.611 CC).
Problematiza-se no recurso os efeitos da declaração de insolvência numa acção de impugnação pauliana instaurada posteriormente ao trânsito em julgado da declaração de insolvência e da reclamação de créditos.
A sentença julgou extinta a instância por impossibilidade e por inutilidade superveniente da lide, aplicando a doutrina do ac. UJ do STJ nº 1/2014, com o argumento de que o Autor não reclamou o seu crédito na insolvência.
O Autor/Apelante objecta dizendo, no essencial, que a circunstância de não haver reclamado o seu crédito na insolvência não o impede de exercer a acção pauliana, pois o crédito não se extinguiu.
Sobre os efeitos da declaração de insolvência em acção pendente pelo credor a reclamar um crédito, a jurisprudência construiu duas orientações:
Uma no sentido de que a declaração de insolvência, por sentença transitada em julgado, implica a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, de acção declarativa pendente, a reclamar um crédito do devedor insolvente.
Argumenta-se, em síntese, que, com a declaração de insolvência os titulares dos créditos deixam de ser credores do insolvente para passarem a ser credores da insolvência (art.47 nº1 CIRE) e apenas podem exercer os seus direitos no processo de insolvência, conforme determina imperativamente o art.90 CIRE, como ónus imposto aos credores, sendo que os credores devem reclamar os seus créditos no processo de insolvência, mesmo que reconhecidos por decisão definitiva ( art.128 nº1 e 3 CIRE ).
Outra, a sustentar que a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, de acção declarativa pendente, na qual se reclama um crédito ao devedor insolvente, apenas ocorre com a sentença de verificação de créditos, em que esteja reconhecido o respectivo crédito, argumentando-se, em síntese, que o CIRE não prevê expressamente os efeitos da declaração de insolvência nas acções declarativas pendentes contra o devedor insolvente, como o fez para as acções executivas ( art.88 ), regulando tão só as hipóteses de apensação, nas situações específicas do art.85, o que significa que mesmo nelas não se dá a inutilidade das referidas acções pendentes, mas a substituição do insolvente pelo administrador.
Foi neste contexto que surgiu o ac. de uniformização de jurisprudência do STJ (AUJ nº 1/2014, publicado no DR 1ª Série de 25/2/2014) a fixar a seguinte jurisprudência:
“Transitada em julgado a sentença que declara a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a acção declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e) do art. 287.º do C.P.C.”
A inutilidade superveniente da lide (art. 287 e) CPC) dá-se quando, por qualquer causa processual ou extraprocessual, o efeito jurídico pretendido através da acção já foi plenamente alcançado, porque a pretensão do autor obteve satisfação fora do esquema da providência pretendida, tornando-se, por isso, a lide desnecessária. A impossibilidade superveniente da lide ocorre quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito, ao objecto do processo e à causa. Ou seja, é a impossibilidade da relação jurídica substancial que cessa por desaparecimento de um dos elementos essenciais, repercutindo-se na relação jurídico-processual, cessando, por isso, a matéria da contenda.
A inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide consubstancia-se naquilo a que a doutrina processualista designa por “modo anormal de extinção da instância”, visto que a causa normal é a sentença de mérito, declarando o tribunal extinta a instância, ou seja, a relação jurídica processual, sem apreciar o mérito da causa, assumindo a decisão natureza meramente declarativa.
Pois bem, partindo deste entendimento, e tendo em conta o regime legal do art.127 do CIRE, havemos de concluir que na situação dos autos não ocorre motivo de extinção a instância por inutilidade e/ou impossibilidade da lide, não tendo aqui aplicação a doutrina do acórdão de uniformização.
Na presente acção de impugnação pauliana o Autor alega um crédito (€60.000,00), constituído em 5/6/2005, sobre a Ré M..., e a ineficácia do acto de transmissão de prédios rústicos (venda de 21/1/2006) para a E..., Lda requerendo a ineficácia dessa venda, reconhecendo-se o direito de os executar na esfera jurídica da adquirente até ao limite do seu crédito.
A Ré M... foi declarada insolvente por sentença de 14/2/2019, e a presente acção de impugnação pauliana entrou em juízo em 19/3/2019, logo em data posterior à sentença declaratória de insolvência.
Como resulta desde logo do art.1º do CIRE, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência. De tal modo que o art.81 CIRE priva imediatamente o insolvente da administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente, que passam a competir ao administrador de insolvência.
O princípio da suficiência impõe que determinadas acções declarativas sejam apensadas ao processo de insolvência e a suspensão das acção executivas ( arts. 85 nº1 e 88 CIRE) e, por conseguinte, a declaração de insolvência tem efeitos processuais sobre determinadas acções pendentes.
O 127º nº1 do CIRE impede aos credores da insolvência a instauração de novas acções de impugnação pauliana de actos praticados pelo devedor cuja resolução haja sido declarada pelo administrador da insolvência.
Dispondo o seu nº2 o seguinte:
“ As acções de impugnação paulina pendentes à data da declaração de insolvência ou propostas ulteriormente não serão apensas ao processo de insolvência e, em caso de resolução do acto pelo administrador da insolvência, só prosseguirão os seus termos se tal resolução vier a ser declarada ineficaz por decisão definitiva, a qual terá força vinculativa no âmbito daquelas acções quanto às questões que tenha apreciado, desde que não ofenda caso julgado de formação anterior.”.
Daqui resulta (numa interpretação a contrario) que os credores podem impugnar actos de alienação praticados pelo devedor/insolvente que não tenham sido objecto de resolução pelo administrador ou cuja resolução tenha sido julgada ineficaz.
Como anotam Carvalho Fernandes e João Labareda (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág.445) “na sua articulação com o nº1, deste nº2 resulta que a lei dá prevalência à actuação do administrador de insolvência na resolução dos actos do insolvente sobre a impugnação dos credores; (…) esta prevalência da resolução operada pelo administrador se justifica, em face dos seus efeitos, quando confrontada com os da impugnação; na verdade, aquela aproveita a todos os credores, pois é feita em benefício da massa, enquanto a impugnação só aproveita ao impugnante”.
Sendo assim, o regime legal da insolvência apenas obsta à pendência ou à instauração da pauliana se e na medida em que possa contender com a resolução do acto (impugnado) por parte do administrador da insolvência.
É certo que o Autor não reclamou previamente o seu crédito no processo de insolvência, mas a não reclamação do crédito não obsta à instauração da acção pauliana, desde que o acto não tenha sido objecto de resolução pelo administrador.
E não obsta porque, sendo a reclamação de crédito um ónus (art.128º, nº 3 CIRE), a falta de reclamação não consubstancia uma renúncia ao crédito, não é uma causa de extinção, implicando somente a preclusão (processual) de exercer os seus direitos de credor no âmbito da insolvência, e, por isso, não pode ser pago pelos bens da massa insolvente.
Por outro lado, o legislador não enquadrou a pauliana no concurso de credores, já que abandonou a pauliana colectiva do CPEREF, beneficiando somente o credor impugnante, sem a reversão obrigatória dos bens para o acervo da insolvência, como se extrai da conjugação do art. 616 nº4 CC e do art.127 nº3 CIRE.
Rejeitando-se a doutrina expressa no AUJ n.º1/2004, em caso semelhante (impugnação pauliana sem prévia reclamação do crédito na insolvência) justificou o Ac. RE de 6/4/2017 ( proc. nº433/10), disponível em www dgsi.pt – “ Se por força do n.º 3 do artigo 127.º do CIRE, o interesse do credor impugnante é aferido sem atender às modificações introduzidas no seu crédito por um plano de insolvência ou de pagamentos que tenha sido aprovado e homologado, sendo considerado quanto à medida do respectivo direito à restituição tal qual como tenha sido reclamado e verificado no processo de insolvência, no caso em apreço, e procedendo à devida adaptação deste entendimento, não existindo reclamação no âmbito do processo de insolvência, a medida do direito à restituição decorrente da eventual procedência da impugnação pauliana, há-de ser aferida pelo valor do crédito que venha a ser demonstrado na presente acção”.
No mesmo sentido, o Ac. RG de 26/1/2017 (proc. nº 8/13), em www dgsi.pt, ao considerar inexistir fundamento para a impossibilidade e inutilidade superveniente da lide da acção de impugnação pauliana no caso de não reclamação de crédito no processo de insolvência.
2.3. Síntese conclusiva
Proposta acção de impugnação pauliana por um credor contra o devedor declarado insolvente, e não tendo o administrador de insolvência resolvido o negócio impugnado em benefício da massa insolvente, inexiste fundamento legal para a declaração de extinção da instância, por impossibilidade e inutilidade superveniente lide, em virtude do credor (autor da acção de impugnação pauliana) não haver reclamado o seu crédito no processo de insolvência.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decidem:
1)
Julgar procedente o recurso e revogar a sentença, determinando-se o prosseguimento da acção.
2)
Sem custas.
Relação de Coimbra, 11 de Maio de 2020.
Jorge Arcanjo ( Relator )
Isaías Pádua
Teresa Albuquerque