Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1772/09.2TBPMS-F.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: PRIVILÉGIO IMOBILIÁRIO ESPECIAL
CRÉDITO LABORAL
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
Data do Acordão: 07/08/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA - ALCOBAÇA - INST. CENTRAL - 2ª SEC.COMÉRCIO - J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTS. 333 Nº1 B) CT, 342 CC, 11 CIRE, 5, 7, 411, 412, 413 CPC
Sumário: 1. Os créditos do trabalhador, emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam de privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade (artº 333°, n° 1, al. b) do Código do Trabalho (Lei 7/2009 de 12/2).

2.A lei exige uma especial ligação funcional do trabalhador ao imóvel. Este deverá fazer parte integrante da empresa, de forma estável, encarada como complexo organizacional do empregador.

3. Nos termos do artº 342º, nº 1, do Código Civil, enquanto facto constitutivo do privilégio referido, é ao trabalhador que cabe o ónus de alegação e prova de que tem aquela especial ligação ao imóvel sobre o qual quer incidir o privilégio.

4. Apesar disso, em função do preceituado no artº 11º do CIRE e arts.5º, 7º, nº2, 411º, 412º, nº2, e 413º do Código de Processo Civil, o julgador deve considerar todos os dados do processo principal e apensos e determinar as diligências instrutórias adequadas para apurar aquela ligação.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Em 26.11.2009 foi decretada a insolvência de C (…) S.A.

O administrador da insolvência apresentou a lista dos créditos reconhecidos.

Não foram deduzidas impugnações.

A sentença considerou, em decorrência do disposto no art.130º, nº3, do CIRE, ter como reconhecidos os créditos que não foram impugnados.

A sentença reconheceu os seguintes créditos:

1) (…)

A sentença graduou os créditos nos seguintes termos:

1) No que se refere ao produto da venda da fracção autónoma designada pela letra F, integrante de prédio urbano sito na freguesia de (...) , descrita na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o n.º 1 (...) -F e inscrita na matriz sob o artigo 2 (...) e da fracção autónoma designada pela letra E, integrante de prédio urbano sito na freguesia de (...) , descrita na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o n.º 26 (...) -E e inscrita na matriz sob o artigo 7 (...) :

(i) Em primeiro lugar, o crédito privilegiado de IMI da FAZENDA PÚBLICA; (ii) Em segundo lugar, os créditos hipotecários do BANCO COMERCIAL PORTUGUÊS, S.A.; (iii) Em terceiro lugar, em rateio proporcional, os créditos privilegiados da FAZENDA PÚBLICA e do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.; (iv) Em quarto lugar, proporcionalmente, os créditos comuns; (v) Em quinto lugar, os créditos subordinados.

2) No que concerne ao produto da venda dos prédios sitos na freguesia de (...) , descritos na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob os n.ºs 812, 813, 3406 e 1145:

(i) Em primeiro lugar, o crédito privilegiado de IMI da FAZENDA PÚBLICA; (ii) Em segundo lugar, os créditos hipotecários do BANCO ESPÍRITO SANTO, S.A.; (iii) Em terceiro lugar, em rateio proporcional, os créditos privilegiados da FAZENDA PÚBLICA e do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.; (iv) Em quarto lugar, proporcionalmente, os créditos comuns; (v) Em quinto lugar, os créditos subordinados.

3) No que tange ao produto da venda do prédio urbano sito na freguesia de (...) , descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o n.º 8 (...) e inscrito na matriz sob o artigo 8 (...) :

(i) Em primeiro lugar, o crédito privilegiado de IMI da FAZENDA PÚBLICA; (ii) Em segundo lugar, os créditos hipotecários do B.P.I.,S.A.; (iii) Em terceiro lugar, em rateio proporcional, os créditos privilegiados da FAZENDA PÚBLICA e do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.; (iv) Em quarto lugar, proporcionalmente, os créditos comuns; (v) Em quinto lugar, os créditos subordinados.

4) No que concerne ao produto da venda dos prédios sitos na freguesia de (...) , descritos na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob os n.ºs 954, 1837 e 3607:

(i) Em primeiro lugar, o crédito privilegiado de IMI da FAZENDA PÚBLICA; (ii) Em segundo lugar, os créditos hipotecários da CAIXA GERAL DE DEPÓSITOS, S.A.; (iii) Em terceiro lugar, em rateio proporcional, os créditos privilegiados da FAZENDA PÚBLICA e do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.; (iv) Em quarto lugar, proporcionalmente, os créditos comuns; (v) Em quinto lugar, os créditos subordinados.

5) No que tange ao produto da venda do prédio sito na freguesia de (...) e descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o n.º 248-A e do prédio sito na freguesia de Mira de Aire e descrito na Conservatória do Registo Predial de Porto de Mós sob o n.º 483:

(i) Em primeiro lugar, o crédito privilegiado de IMI da FAZENDA PÚBLICA; (ii) Em segundo lugar, os créditos hipotecários do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.; (iii) Em terceiro lugar, em rateio proporcional, os créditos privilegiados da FAZENDA PÚBLICA e do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.; (iv) Em quarto lugar, proporcionalmente, os créditos comuns; (v) Em quinto lugar, os créditos subordinados.

6) No que se refere ao produto da venda dos demais bens imóveis apreendidos:

(i) Em primeiro lugar, o crédito privilegiado de IMI da FAZENDA PÚBLICA; (ii) Em segundo lugar, os créditos privilegiados da FAZENDA PÚBLICA e do INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P.; (iii) Em terceiro lugar, proporcionalmente, os créditos comuns; (iv) Em quarto lugar, os créditos subordinados.

7) No que concerne ao produto da venda dos bens móveis apreendidos:

(i) Em primeiro lugar, em rateio proporcional, os créditos privilegiados de (…) (ii) Em segundo lugar, proporcionalmente, os créditos privilegiados da Fazenda Pública e do Instituto da Segurança Social, I.P.; (iii) Em terceiro lugar, o crédito privilegiado de A (…) & Filhos, Lda; (iv) Em quarto lugar, em rateio proporcional, os créditos comuns; (v) Em quinto lugar, os créditos subordinados.


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Inconformado, o Instituto da Segurança Social recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1- Referem-se as presentes alegações ao recurso interposto da sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos supra identificados, considerando que a mesma é omissa quanto à graduação da hipoteca legal da titularidade do ISS, IP.

2- O presente recurso encontra a sua fundamentação na exclusão da sentença de graduação da hipoteca legal deste Instituto, hipoteca esta que incide sobre prédio propriedade da insolvente, descrito na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o nº 26(..) , fracção E, da freguesia de (...) - Ap 3282 de 2009/01/02, que garante o valor de € 78 482,70 (setenta e oito mil quatrocentos e oitenta e dois euros setenta cêntimos), cfr Doc 1 e 2.

3- A supracitada exclusão prejudica o ressarcimento dos créditos do ora apelante.

4- A massa insolvente é integrada por bens móveis e por bens imóveis.

5- Para garantia dos créditos reclamados foi constituída hipoteca legal a favor do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, IP, sobre prédio propriedade da insolvente, prédio esse já supra identificado.

6- A supradita hipoteca foi devidamente reclamada em sede de requerimento de reclamação de créditos, cfr Doc.1,

7- Este Instituto não foi notificado nos termos do art.º 129 nº 4 CIRE o que significa que os seus créditos foram reconhecidos pelo Sr. Administrador nos precisos termos do requerimento de reclamação de créditos apresentado, cfr Doc.1.

8- Estabelece o art.º 686º do Código Civil que “ A hipoteca confere ao credor o direito a ser pago pelo valor de certas coisa imóveis (…) pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo.”

9- A hipoteca incide sobre um bem em concreto, sendo um direito real de garantia, na medida em que há uma afetação de determinado bem, in casu bem imóvel, ao crédito que por ele é abrangido, concedendo ao credor uma situação de preferência relativamente a outros

10- O grau de prioridade consta da sua inscrição registada por averbamento à respetiva inscrição (art.º 101 nº1 alínea c) do Código do Registo Predial, cfr Doc.2.

11- A prevalência do pagamento afere-se pela aplicação da regra prior in tempore potior in jure.

12- Nesta senda, deverá ser graduada a hipoteca de que é titular a ora apelante que incide sobre o imóvel sito na freguesia de Mira de Aire e descrito na Conservatória do Registo Predial Alcanena sob o nº 26 (...) ...) -E., no lugar que lhe compete, sem prejuízo do disposto no art.º 17...) 2º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), sendo efetuado o pagamento ao ora credor garantido pela prioridade que lhe cabe, nos termos e para os efeitos do art.º 174 nº1 CIRE.

13- Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou a Lei, e em particular art.º 686º do Código Civil, conjugado com o art.º 174ºCIRE.


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Também inconformado, Adelino Vieira Silva recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1. A sentença de graduação de créditos não fez uma correcta interpretação dos factos nem uma correcta aplicação dos dispositivos legais, mal tendo andado na parte em que não atribuiu o privilégio creditório especial aos créditos do ora recorrente e dos restantes extrabalhadores sobre os imóveis que integram o estabelecimento/organização empresarial da insolvente e nem sequer os gradou, em qualquer lugar, relativamente aos imóveis.

2. A sentença considerou reconhecidos os créditos que não foram impugnados e que haviam já sido reconhecidos pelo Administrador de Insolvência, sendo certo que, quanto à sua natureza, este deixou bem esclarecido que eram “Privilegiados nos termos do artigo 333º do Código do Trabalho”

3. Em momento algum o Administrador de Insolvência hesitou quanto à natureza dos créditos dos trabalhadores, tendo considerado sempre, em todos os

seus relatórios ou documentos, tal natureza privilegiada – quanto aos móveis e imóveis - nos termos do artigo 333º do Código do Trabalho;

4. A sentença considera que são reconhecidos os créditos que não foram impugnados – designadamente o do recorrente e dos restantes trabalhadores - mas por outro lado não toma em consideração a qualificação dos citados créditos atribuída pelo Administrador de Insolvência, e devia fazê-lo;

5. A sentença violou o disposto no artigo 130º do CIRE pois os créditos do recorrente e dos restantes ex-trabalhadores não foram impugnados, pelo que a sentença de graduação de créditos deveria ter homologado a lista de créditos reconhecidos elaborada pelo Administrador de Insolvência e graduado os créditos em atenção ao que consta dessa lista;

6. Em obediência ao artigo 130º do CIRE, a sentença deveria ter atribuído aos créditos dos ex-trabalhadores o privilégio imobiliário especial relativamente aos imóveis, como, claramente, o Administrador de Insolvência deixou consignado;

7. Considerou também a sentença que os ex-trabalhadores não alegaram nem demonstraram que tenham prestado a sua actividade nos imóveis arrolados, não sendo tal entendimento aceitável pois os trabalhadores alegaram na sua Reclamação de Créditos, artigo 17º do requerimento, o seguinte “Os ora credores sempre prestaram trabalho nas instalações da insolvente – prédios urbanos de sua propriedade – utilizando máquinas, veículos, equipamentos e instrumentos de trabalho também de sua propriedade”;

8. Estes factos foram alegados na Relação de Créditos apresentada ao Administrador Judicial em 11.01.10, sendo certo que nunca tal alegação foi questionada por qualquer credor, pelo Administrador de Insolvência, pela Comissão de Credores ou pelo Mmo. Juiz;

9. Havendo qualquer dúvida sobre esta matéria, qualquer destas entidades, mas com mais pertinência o Mmo. Juiz, poderia e deveria ter colocado em causa tal alegação antes de proferir a sentença de graduação;

10.A alegação formulada pelos trabalhadores – e naturalmente também pelo recorrente – não podia ser efectuada de outro modo, uma vez que estes, à data da Reclamação de Créditos, nem sequer tinham conhecimento de quais os bens móveis ou imóveis arrolados, pois só mais tarde tiveram conhecimento do Relatório (entregue em Tribunal em 15.02.10) e do Inventário (entregue em Tribunal em 14.02.10);

11.Caso o Mmº Juiz tivesse alguma dúvida sobre se os trabalhadores prestavam trabalho nos imóveis da insolvente, ou sobre a identificação destes, ou sobre a destrinça entre imóveis para venda e imóveis que integram o estabelecimento/organização da insolvente devia ter diligenciado para o esclarecimento das eventuais dúvidas, pedindo esclarecimentos ao Administrador de Insolvência, à Comissão de Credores ou aos trabalhadores, uma vez que estes tinham efectuado a citada alegação;

12.E devia tê-lo feito, em obediência ao princípio do inquisitório (previsto no artigo 11º do CIRE) ao princípio do dispositivo (artigo 5º do CPC) e ao disposto nos artigos 6º e 547º do CPC, pelo que , ao não o fazer, violou tais normativos legais;

13.Assim, partindo do princípio que os factos, que permitem a atribuição do privilégio imobiliário especial, foram alegados pelos trabalhadores/reclamantes, então a sentença deveria ter graduado os créditos dos trabalhadores (incluindo o do recorrente) no 1º lugar, isto é, à frente de todos os restantes créditos;

14.Mas mesmo que se parta do princípio que a citada alegação é escassa e que o Mmº Juiz não dispunha de elementos suficientes para atribuir tal privilégio aos créditos dos trabalhadores, o que se admite mas sem prescindir, então sempre deveria ter promovido as diligências necessárias de molde a dotar o processo de todos os dados e elementos indispensáveis para uma decisão própria da justiça material;

15.A sentença violou o disposto no artigo 130º do CIRE; artigo 333º do Código do Trabalho; artigo 11º do CIRE e artigos 5, 6 e 547º do CPC, pelo que deve ser revogada.


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(…) apresentaram requerimento de adesão ao recurso de A (…), nos termos do art.634º, nº2, a) e b), do Código de Processo Civil.

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            Também inconformado, o Fundo de Garantia Salarial recorreu e apresenta as seguintes conclusões:

1. Referem-se as presentes alegações ao recurso interposto da sentença de verificação e graduação de créditos proferida nos autos supra identificados, considerando que a mesma é omissa quanto ao reconhecimento do crédito peticionado no requerimento de sub-rogação apresentado pelo FGS em 14 de

agosto de 2011, no montante de € 320.167,44 (trezentos e vinte mil, cento e sessenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos);

2. É igualmente fundamento da presente peça processual a falta de graduação dos créditos do FGS no que respeita aos bens imóveis;

3. Alicerçam-se ainda no facto de não ter sido devidamente reconhecido o privilégio imobiliário especial sobre os imóveis que integravam o estabelecimento/organização empresarial do empregador/insolvente nos quais os ex-trabalhadores prestaram a sua atividade;

4. O presente recurso é sustentado na sub-rogação legal decorrente do previsto no artigo 322º do Regulamento do Código do Trabalho;

5. Na sequência dos pagamentos efetuados aos trabalhadores da insolvente, a requerimento destes, o FGS apresentou dois requerimentos de sub-rogação;

6. O primeiro dos requerimentos em 14 de agosto de 2011, relativamente a 46 (quarenta e seis) trabalhadores da insolvente, no montante de € 320.167,44 (trezentos e vinte mil, cento e sessenta e sete euros e quarenta e quatro cêntimos);

7. Um segundo requerimento de sub-rogação em 26 de janeiro de 2012, relativamente a 1 (um) trabalhador da insolvente, no montante de € 3.268,80 (três mil, duzentos e sessenta e oito euros e oitenta cêntimos);

8. Sucede, porém, que a sentença recorrida apenas reconhece o montante peticionado no segundo requerimento, no valor de, tão somente, € 3.268,80 (três mil, duzentos e sessenta e oito euros e oitenta cêntimos);

9. É, pois, omissa quanto ao primeiro requerimento de sub-rogação;

10. Por força daquela sub-rogação legal a insolvente constituiu-se devedora do FGS, na medida dos pagamentos por este suportados, os quais se cifram em € 323.436,24 (trezentos e vinte e três mil, quatrocentos e trinta e seis euros e vinte e quatro cêntimos), e respetivos juros de mora vincendos;

11. O pagamento de tais montantes encontra-se devidamente comprovado nos autos, por documento autêntico – artigo 371º, n.º 1 do Código Civil;

12. Inexistem quaisquer impugnações aos créditos, pelo que os mesmos deverão ser reconhecidos tal qual reclamados;

13. Verifica-se pois uma nulidade, por omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC;

14. A massa insolvente é integrada por bens móveis e imóveis;

15. Porém, pela sentença ora em crise não foram reconhecidos nem graduados os créditos do FGS quanto aos bens imóveis;

16. Também aquela não considerou o privilégio imobiliário especial de que goza o ora apelante;

17. O FGS goza de privilégio mobiliário geral e imobiliário especial sobre os imóveis que compõem o estabelecimento da insolvente, conforme disposto no artigo 333º do Código do Trabalho e no artigo 322º do Regulamento do Código do Trabalho, uma vez que fica subrogado nos direitos de crédito e respetivas garantias dos trabalhadores;

18. Privilégios já reconhecidos pelo Senhor Administrador de Insolvência, consubstanciando, por isso, violação do n.º 3 do artigo 130º do CIRE por omissão da graduação;

19. Resulta, pois, da sentença em apreço um manifesto prejuízo para o FGS, ao não atender à globalidade dos créditos resultantes dos pagamentos efetuados aos ex-trabalhadores da insolvente, ao não graduar os seus créditos quanto aos bens imóveis e ao não atender privilégio imobiliário especial de que goza;

20. Ao decidir como decidiu, a sentença recorrida violou a Lei, e em particular o artigo 322º do Regulamento do Código do Trabalho, o artigo 333º do Código do Trabalho, o n.º 3 do artigo 130º do CIRE, e a alínea d) do n.º 1 do artigo 615º do CPC.


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            Contra-alegou o Ministério Público, defendendo a decisão recorrida mas ressalvando o lapso da não consideração da hipoteca que beneficia o Instituto da Segurança Social.

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            Questões a decidir:

            1) A desconsideração da hipoteca legal sobre o prédio nº26 (...) -E, na C.R.P. de Alcanena, da titularidade do I.S.S., IP.

            2) A desconsideração do privilégio imobiliário a favor dos trabalhadores.

            3) Omissão de pronúncia sobre parte do crédito do F.G.S. e a falta da sua graduação sobre os bens imóveis.


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            Não foram assentes, de forma destacada, quaisquer factos.

            Apesar disso, é possível verificar que está provado documentalmente:

            O crédito do I.S.S. está reconhecido sob o nº101.

            Este crédito beneficia de hipoteca legal registada.

            O prédio sob o nº26 (...) -E, descrito na C.R.P. de Alcanena, tem registo de hipoteca legal a favor daquele Instituto, com data de 2.1.2009 e de hipoteca voluntária a favor do B.C.P, com data de 21.4.2009.

O Administrador da Insolvência, reconhecendo os créditos laborais, quanto à sua natureza, à exceção dos relativos a A (…) e L (…) deixou exarado que eram “Privilegiados nos termos do artigo 333º do Código do Trabalho.”

A  fls.58, o Sr. Administrador informou que os trabalhadores não indicaram quais os imóveis apreendidos que são suscetíveis de desencadear a verificação do privilégio imobiliário.

Desta informação não consta a notificação dos envolvidos.

No art.17º da sua Reclamação de Créditos, os trabalhadores alegaram: “Os ora credores sempre prestaram trabalho nas instalações da insolvente – prédios urbanos de sua propriedade – utilizando máquinas, veículos, equipamentos e instrumentos de trabalho também de sua propriedade”.

Dos registos prediais juntos não é possível detetar a funcionalidade de cada um dos imóveis apreendidos. A fls.112, quanto ao prédio nº3607, é possível perceber um conjunto predial, com parte de armazém e escritórios.


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1) A desconsideração da hipoteca legal sobre o prédio nº26 (...) -E, na C.R.P. de Alcanena, da titularidade do I.S.S., IP.

Estabelece o art.º 686º do Código Civil que “ A hipoteca confere ao credor o direito a ser pago pelo valor de certas coisa imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade de registo.”

A hipoteca incide sobre um bem imóvel em concreto, sendo um direito real de garantia de um crédito, concedendo ao credor uma situação de preferência relativamente a outros.

A prioridade é aferida pelas inscrições registadas, temporalmente.

Apenas se extinguem as hipotecas legais previstas no art.97º, nº1, c), do CIRE. Considerando as datas da insolvência e do registo, a hipoteca legal que beneficia o apelante não é extinta.

Depois, considerando as datas dos registos, o crédito do ISS deve ser graduado à frente do crédito do BCP, no que respeita ao referido imóvel.

Por tudo isto, neste particular, a sentença deve ser revogada e, em sua substituição, ser feita a graduação assinalada.


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2) A desconsideração do privilégio imobiliário a favor dos trabalhadores.

            De acordo com o artº 333°, n° 1, al. b) do Código do Trabalho (Lei 7/2009 de 12/2) "os créditos do trabalhador emergentes de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação gozam dos seguintes privilégios creditórios (...) b) Privilégio imobiliário especial sobre bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade".

A interpretação da expressão “bem imóvel do empregador no qual o trabalhador presta a sua actividade”, não tem merecido tratamento uniforme por parte dos nossos tribunais, merecendo do acórdão do STJ de 13.1.2015 adequada solução, por apelar este à noção de estabelecimento comercial, enquanto “conjunto de elementos afetados pelo comerciante” (aqui, também industrial) “ao

exercício da sua empresa”, consistindo esta, na “atividade profissionalmente exercida e dispondo de organização em ordem à realização de fins de produção ou troca de bens e de serviços” (processo 1145/12, em www.dgsi.pt).

Não releva uma ligação ou conexão com um qualquer imóvel onde os trabalhadores tenham exercido funções, exigindo-se que esse imóvel faça parte integrante, de forma estável, da empresa encarada como unidade produtiva e emanação do complexo organizacional do empregador.

Tal entendimento tem a grande vantagem de eliminar diferenças de tratamento entre os créditos dos vários trabalhadores da mesma empresa, uma vez que inexistem razões objetivas que as justifiquem.

No caso, conferida a informação do Sr. Administrador, para esclarecer o fundamento do privilégio que começou por reconhecer aos trabalhadores, a sentença recorrida acabou por entender que, na situação concreta, “inexistem factos que atestem que os citados trabalhadores prestavam a sua actividade nos imóveis arrolados, os quais, enfatize-se, constituem ou prédios rústicos, ou parcelas para construção, ou meras fracções autónomas, ou prédios urbanos afectos a habitação ou a outras actividades que extravasam o objecto da insolvente inerente à construção, i.e., não se lobriga que os preditos imóveis integrem o estabelecimento/organização empresarial da insolvente.

Conforme a alegação dos apelantes, tendo o Sr. Administrador começado por reconhecer o seu privilégio, poderá perguntar-se sobre os poderes do juiz perante uma lista de créditos reconhecidos e não objeto de qualquer impugnação, face ao teor do nº3 do artigo 130º do CIRE.

Com a intenção de introduzir mecanismos tendentes a uma maior eficiência e celeridade processuais e a aligeirar o próprio controlo jurisdicional, o artigo 130º, nº3, do CIRE prevê que, não havendo impugnações, “é de imediato proferida sentença de verificação e graduação de créditos, em que, salvo o erro manifesto, se homologa a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador de insolvência e se graduam os créditos em atenção ao que conste dessa lista”.

Dúvidas podem levantar-se quanto ao âmbito da expressão “erro manifesto”.

C.Fernandes e J. Labareda defendem uma interpretação ampla do conceito de erro manifesto, “não podendo o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos de crédito constantes da lista que vai homologar para o que pode solicitar ao administrador os elementos que necessite ”. (CIRE Anotado, 2009, página 456.)

            Seguindo este entendimento, haverá que precisar que no nº3, do art. 130º, se encontra a referência a dois momentos decisórios distintos. No caso de falta de impugnação da lista de credores reconhecidos, refere-se aí que o juiz se limitará a 1) homologar a lista de credores reconhecidos elaborada pelo administrador de insolvência (atribuindo-se à falta de impugnações um efeito cominatório) e 2)  graduar os créditos em atenção ao que conste dessa lista.

Assim, o efeito cominatório só se encontra previsto para os elementos que, ao abrigo do nº2 do artigo 129º, deveriam constar da lista de créditos a elaborar pelo administrador.

Já a graduação de créditos é tarefa que incumbe ao juiz, embora “tendo em atenção ao que consta dessa lista”, sob pena de se permitir a violação de normas imperativas.

No nosso caso, começando o Sr.Administrador por reconhecer aos créditos o privilégio contido no artigo 333º do Código do Trabalho, garantia que não foi objeto de qualquer impugnação, o juiz não se encontrava vinculado a reconhecê-la, antes estava obrigado a conferir se os créditos de tais credores gozavam ou não do privilégio que aí lhe fora atribuído.

Porém, apesar da alegação genérica dos trabalhadores, considerando os elementos disponíveis, não é para nós seguro que nenhum dos imóveis tenha ligação funcional à empresa onde os trabalhadores pertenciam.

Se é certo que, atento o disposto no artº 342º, nº 1, do Código Civil, enquanto facto constitutivo do privilégio, é aos trabalhadores que cabe o ónus da alegação e prova de que prestam a sua actividade no imóvel sobre o qual querem

invocar o privilégio, também é certo que, em função daquilo que se preceitua nos artº 11º do CIRE e 5º, 7º, nº2, 411º, 412º, nº2 e 413º do Código de Processo Civil (por força do artº 17º do CIRE), o Juiz deve determinar os esclarecimentos e as diligências instrutórias que entender necessárias para apurar a factualidade pertinente. (Ver acórdãos do STJ, de 7.2.2013 e de 23.1.2014, respetivamente nos processos 148/09 e 1938/06, e da Relação de Coimbra, de 18.12.2013, no proc.2805/11, em www.dgsi.pt.)

A nossa dúvida (factual) assenta nas seguintes considerações:

A alegação dos trabalhadores (art.17º da reclamação);

A posição inicial do Sr.Administrador, aparentemente favorável àqueles;

A posição subsequente do Sr.Administrador, por pretensa falta de alegação concreta dos trabalhadores. Esta posição não foi notificada aos trabalhadores, não tendo estes tido a possibilidade de se pronunciarem sobre a alteração da posição e de esclarecerem a sua alegação;

Os registos prediais não são claros para a questão;

Na normalidade das situações, considerando o tipo e o nº de trabalhadores envolvidos (escriturários, engenheiros, serventes, pedreiros, motoristas e outros), haverá uma sede ou estabelecimento base, também de administração;

Por fim, a falta de fixação de factos provados pelo tribunal recorrido;

Tudo isto leva-nos à consideração de que a posição daquele tribunal assumiu carácter conclusivo, que carece de ser factualmente clarificada, informando-se nos autos em que é que consistia a concreta utilização dos prédios.

Os elementos constantes destes autos de recurso não permitem a esta Relação, por carência da matéria factual, cuja fixação deveria ter sido efetuada na 1ª Instância, proferir uma decisão definitiva sobre o reconhecimento aos créditos dos trabalhadores do dito privilégio.

Cumpre então, nos termos do artº662º, nº2, c) e nº3, c) do Código de Processo Civil, anular a sentença impugnada, na parte em que não reconhece aos créditos dos trabalhadores o privilégio imobiliário, para que se realizem as diligências necessárias ao apuramento da factualidade acima apontada.


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3) Omissão de pronúncia sobre parte do crédito do F.G.S. (denominado primeiro requerimento da subrogação do Fundo) e a falta da sua graduação sobre os bens imóveis.

Face aos elementos apresentados neste recurso, constatamos que ocorre omissão de pronúncia relativamente ao indicado crédito.

Estando reclamado, o Sr. Administrador nada diz sobre ele na lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos.

Também nada se diz sobre ele na sentença recorrida.

Ou seja, a análise do crédito não terá merecido qualquer procedimento em primeira instância.

Os elementos constantes nestes autos de recurso não permitem desde já, a esta Relação, por carência da matéria factual e do necessário procedimento, proferir uma decisão definitiva, não tanto quanto ao reconhecimento do crédito, mas especialmente quanto à sua graduação, atentos ainda à dependência da solução a dar à posição dos trabalhadores subrogados.

Ora, aproveitando a necessária ampliação da matéria de facto relativa aos trabalhadores, aproveita-se a descida dos autos para a 1ª instância e alarga-se a mesma aos termos em que se reconhecerá e graduará o crédito do Fundo, sendo certo que ela será do mesmo nível da dos trabalhadores subrogados. (A este respeito, cfr. nosso acórdão na Apelação nº2224/09.6T2AVR-E.C1, cujo sumário diz: “Na graduação de créditos em insolvência, concorrendo os créditos salariais dos trabalhadores com o do Fundo de Garantia Salarial, este gerado pela satisfação parcial daqueles, devem ser atendidos paritariamente uns e outros, em igualdade de condições.”)

Cumpre então, nos mesmos termos do artº662º, nº2, c) e nº3, c) do Código de Processo Civil, anular a sentença impugnada, na parte em que não reconhece o crédito do Fundo de Garantia Salarial, para que, com vista ao seu reconhecimento e à sua graduação, se realizem as diligências necessárias ao apuramento da factualidade pertinente e respetiva decisão.


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            Decisão.

            Julga-se o recurso do Instituto da Segurança Social, IP, procedente, revoga-se parcialmente a decisão recorrida e, no que se refere ao produto da venda da fracção autónoma designada pela letra E, integrante de prédio urbano sito na freguesia de (...) , descrita na Conservatória do Registo Predial de Alcanena sob o n.º26 (...) -E, sem prejuízo do que vier a ser decidido quanto aos créditos laborais, respeitar-se-á a seguinte graduação:

(i) Em primeiro lugar, o crédito privilegiado de IMI da Fazenda Pública; (ii) Em segundo lugar, o crédito hipotecário do I.S.S., IP; (iii) Em terceiro lugar, os créditos hipotecários do Banco Comercial Português, S.A.; (iv) Em quarto lugar, em rateio proporcional, os créditos privilegiados da Fazenda Pública e do Instituto da Segurança Social, I.P.; (v) Em quinto lugar, proporcionalmente, os créditos comuns; (vi) Em sexto lugar, os créditos subordinados.

Quanto aos recursos dos trabalhadores e do Fundo de Garantia Salarial, decide-se anular a sentença recorrida na parte em que não reconhece aos créditos dos trabalhadores o privilégio imobiliário e na parte em que não reconhece o crédito do Fundo, relativo ao seu primeiro requerimento de subrogação, devendo tais matérias ser objecto de ulterior decisão por parte do Tribunal recorrido, após a indagação da matéria de facto pertinente, como acima se apontou, para o que fará as diligências que entender necessárias.

No recurso do ISS, custas pela massa insolvente. No que respeita aos recursos dos trabalhadores e do Fundo de Garantia, custas conforme for decidido a final.

Coimbra, 2015-7-8


 Fernando de Jesus Fonseca Monteiro( Relator )

 Luís Filipe Dias Cravo

António Carvalho Martins