Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE JACOB | ||
Descritores: | ACÓRDÃO PROFERIDO EM RECURSO PELA RELAÇÃO QUE NÃO CONHECEU DO OBJECTO DO PROCESSO RECURSO PARA O STJ | ||
Data do Acordão: | 10/17/2024 | ||
Votação: | DESPACHO | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - JUÍZO CENTRAL CRIMINAL DE VISEU - JUIZ 4 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL - DESPACHO | ||
Decisão: | ADMISSÃO DOS RECURSOS INTERPOSTOS PARA O S.T.J. DE ACÓRDÃO PROFERIDO, EM RECURSO, PELA RELAÇÃO QUE NÃO CONHECEU, A FINAL, DO OBJETO DO PROCESSO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 400.º, N.º 1, ALÍNEA C), DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
Sumário: | I - Numa situação em que todos os arguidos foram absolvidos na 1ª instância e o tribunal da relação, no conhecimento dos recursos interpostos pelo Ministério Público e assistente, introduziu profundas alterações à decisão da matéria de facto, abrindo portas a um enquadramento jurídico gerador de responsabilidade criminal de alguns arguidos, supriu vícios, declarou a omissão de pronúncia sobre os factos que não podia conhecer por não terem sido objecto de decisão prévia da 1ª instância, terminando por conceder provimento aos recursos relativamente ao erro de julgamento, procedendo à alteração da matéria de facto impugnada, revogando a decisão absolutória e julgando verificado o vício de omissão de pronúncia, determinando a prolação de nova decisão pelo tribunal recorrido, não obstante não se tratar de decisão final, é de admitir os recursos interpostos para o S.T.J. desta decisão da relação, a subir com aqueles que vierem a ser interpostos da decisão final, porque, se assim não fosse, a decisão da relação que alterou a matéria de facto transitaria em julgado sem que os prejudicados por ela pudessem reagir, numa situação em que, em condições normais, teriam a garantia de recurso. | ||
Decisão Texto Integral: | *
Tribunal da Relação de Coimbra 4ª Secção (criminal) Proc. nº 2121/13.0TACBR.C1 _________________________
Os arguidos …, interpuseram recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em requerimentos que, entre outros traços comuns, desde logo aprofundadamente se pronunciam sobre a admissibilidade do recurso, pretendendo os recorrentes que se pronunciaram sobre o momento de subida a sua subida imediata e com efeito suspensivo.
O Código de Processo Penal (diploma a que se reportam todas as disposições legais seguidamente citadas sem menção de origem) regula a admissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça no art. 432º, nos seguintes termos: 1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça: a) De decisões das relações proferidas em 1.ª instância, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º; b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º; c) De acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri ou pelo tribunal coletivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, visando exclusivamente o reexame da matéria de direito ou com os fundamentos previstos nos n.os 2 e 3 do artigo 410.º; d) De decisões interlocutórias que devam subir com os recursos referidos nas alíneas anteriores. 2 - Nos casos da alínea c) do número anterior não é admissível recurso prévio para a relação, sem prejuízo do disposto no n.º 8 do artigo 414.º
Por seu turno, o art. 400º, estatuindo sobre as decisões que não admitem recurso, prescreve: 1 - Não é admissível recurso: a) De despachos de mero expediente; b) De decisões que ordenam actos dependentes da livre resolução do tribunal; c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo, exceto nos casos em que, inovadoramente, apliquem medidas de coação ou de garantia patrimonial, quando em 1.ª instância tenha sido decidido não aplicar qualquer medida para além da prevista no artigo 196.º; d) De acórdãos absolutórios proferidos, em recurso, pelas relações, exceto no caso de decisão condenatória em 1.ª instância em pena de prisão superior a 5 anos; e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que apliquem pena não privativa da liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos, exceto no caso de decisão absolutória em 1.ª instância; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos; g) Nos demais casos previstos na lei. 2 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 427.º e 432.º, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil só é admissível desde que o valor do pedido seja superior à alçada do tribunal recorrido e a decisão impugnada seja desfavorável para o recorrente em valor superior a metade desta alçada. 3 - Mesmo que não seja admissível recurso quanto à matéria penal, pode ser interposto recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil. Balizando em traços gerais o quadro processual subjacente, a situação é a seguinte: - A 1ª instância proferiu decisão absolutória relativamente a todos os arguidos, com a qual se não conformaram o M.P. e o assistente; - Em recurso, o Tribunal da Relação conheceu da matéria de facto introduzindo-lhe profundas alterações, essencialmente à luz da vastíssima documentação constante dos autos (parte significativa disponível apenas em suporte digital, distribuída por diversos CD`s constantes dos autos), abrindo portas a um diverso enquadramento jurídico, a implicar a responsabilidade criminal de alguns dos arguidos; - Para decidir os recursos, além de conhecer da matéria de facto, o Tribunal da Relação supriu até onde lhe foi possível os vícios de que enfermava a decisão recorrida, em cumprimento, aliás, do previsto no art. 379º, nº 2; - Deparou-se, porém, com a total omissão de pronúncia relativamente aos factos alegados no pedido de indemnização civil formulado pelo assistente, daí resultando a nulidade prevista no art. 379º, nº 1, al. a), por referência ao art. 374º, nº 2. Com efeito, tendo o assistente deduzido pedido cível por danos patrimoniais que fundamentou e quantificou, alegando factos manifestamente relevantes para a decisão, arrolando testemunhas e oferecendo prova documental, o tribunal a quo omitiu em absoluto o seu conhecimento, não se pronunciando sobre os factos correspondentes, seja considerando-os como provados, seja como não provados, apesar de estar obrigado a tomar posição sobre essa matéria mesmo que se inclinasse para a absolvição dos arguidos; - Assim como se deparou com a ausência de pronúncia em primeira instância sobre a restituição das quantias indevidamente recebidas e sobre a correspondente responsabilidade dos arguidos, obrigatória para o tribunal de julgamento mesmo em caso de absolvição; - Deparou-se ainda com outros obstáculos à imediata decisão da causa, a saber, a total desactualização dos relatórios sociais para determinação de sanção e dos certificados de registo criminal, elementos que contavam já com quase quatro anos, circunstância em parte imputável ao próprio Tribunal da Relação, onde os autos se arrastaram por largo período de tempo sem decisão[1]. - E depois de tudo analisado, decidiu nos seguintes termos: (…) Pelo exposto, acordam na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra: - Em dar provimento aos recursos concernentes ao erro de julgamento por via da reapreciação da matéria de facto impugnada, procedendo à alteração da matéria de facto nos termos suprarreferidos; - Em revogar, consequentemente, a decisão absolutória quanto aos arguidos … - Em julgar verificado o vício de omissão de pronúncia quanto ao pedido cível formulado e quanto à obrigação de restituição das quantias indevidamente recebidas, devendo o tribunal a quo supri-lo, pronunciando-se sobre os factos do pedido cível cuja apreciação omitiu, podendo para o efeito, se necessário, reabrir a audiência, e ainda sobre a obrigação de restituir as quantias indevidamente recebidas; - Devendo o tribunal a quo, em todo o caso, e antes de proferir nova decisão, proceder à actualização dos Relatórios Sociais para Determinação de Sanção e dos Certificados de Registo Criminal. (…)
Estivesse em causa apenas a desactualização dos relatórios para determinação de sanção e dos certificados de registo criminal e nada impediria que em 2ª instância se ordenasse a junção dos elementos actualizados, facultando-se o contraditório e reabrindo-se a audiência. Não assim no que concerne à ausência de pronúncia sobre o pedido de indemnização civil formulado, na vertente da não apreciação da correspondente matéria de facto. O Tribunal da Relação pode e deve substituir-se ao tribunal de 1ª instância no conhecimento de nulidades arguidas ou que oficiosamente se suscitem, dentro dos limites que lhe são facultados pela lei processual penal e desde que daí não resulte prejuízo para os direitos processuais dos interessados[2]; pode até proceder à renovação da prova, verificados que sejam os correspondentes pressupostos; o que não pode é substituir-se ao tribunal de1ª instância, julgando ex novo matéria de que aquele não conheceu. Não o pode fazer, desde logo, porque é um tribunal de recurso, sendo a sua intervenção limitada à reapreciação de questões anteriormente decididas pelo tribunal recorrido, apenas julgando em primeira instância nos casos contados previstos na lei; e ainda porque sendo o STJ um tribunal de revista, que não conhece da matéria de facto em recursos interpostos de decisões proferidas em 2ª instância (excepção feita aos apertados limites decorrentes da revista alargada prevista no art. 410º, nº 2), não poderia o Tribunal da Relação privar os interessados da possibilidade de verem apreciada em recurso matéria susceptível de lhes causar considerável prejuízo, atento o valor do pedido cível formulado. Do mesmo modo e por razões em tudo idênticas, não pode a 2ª instância pronunciar-se sem prévia decisão do tribunal a quo sobre a restituição das quantias ilicitamente obtidas ou desviadas dos fins para que foram concedidas, tema de pronúncia obrigatória pelo tribunal de julgamento (art. 39º do DL nº 28/84, de 20 de Janeiro), mesmo em caso de absolvição, como vem sendo acentuado pela jurisprudência, o que suscita, além do mais, a determinação dos arguidos vinculados a essa obrigação, questão também não decidida. Concede-se que o caso concreto escapa à normalidade do desenvolvimento processual na fase de recurso, mas afigura-se-nos que a situação está acautelada, ainda assim, em termos que garantem a efectiva e integral tutela dos direitos dos arguidos nas regras que disciplinam a tramitação dos recursos. Na verdade, se não ocorressem as vicissitudes apontadas, a decisão naturalmente resultante das alterações introduzidas na matéria de facto, implicando a reversão da decisão de absolvição decretada em 1ª instância, admitiria recurso para o STJ à luz do preceituado no art. 400º, nº 1, al. e). Nessa medida, afigura-se-nos que os arguidos não podem ser privados desse direito, que se instalou na respectiva esfera processual por força da natureza da decisão em causa. Contudo, o processo terá que regressar ao tribunal a quo por força dos vícios de que padece a decisão recorrida, para sanação desses vícios, insupríveis pelo Tribunal da Relação; donde resulta, para além do mais, que o Tribunal da Relação não conheceu, a final, do objecto do processo, tendo proferido uma decisão meramente interlocutória. Em consequência, ponderado o problema à luz das considerações de que se deu nota, afigura-se-nos, s.m.o., dever o recurso para o STJ ser admitido, ainda que não com o regime de subida pretendido pelos recorrentes. Interpretando o regime de recursos na harmonia do sistema e à luz das considerações de que se deu nota, afigura-se-nos, s.m.o., que os recursos agora interpostos para o Supremo Tribunal de Justiça são admissíveis, devendo subir com o(s) que vier(em) a ser interposto(s) da decisão que ponha termo à causa, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, nos termos conjugados dos arts. 400º, nº, 1, al. e), parte final, 432º, nº 1, alíneas b) e d), 406º, nº 1, 407º, nº 3, e 408º a contrario sensu, atenta ainda a legitimidade e interesse em agir dos recorrentes e a tempestividade da sua interposição. Notifique. *** Coimbra, 17 de Outubro de 2024 (processei e revi)
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