Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | SÍLVIA PIRES | ||
Descritores: | COMPRA E VENDA PASTAGEM CONSENTIMENTO SENHORIO ARRENDAMENTO RURAL INDEMNIZAÇÃO BENFEITORIAS ÚTEIS | ||
Data do Acordão: | 02/10/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DA GUARDA - SEIA – SECÇÃO COMP. GENÉRICA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTº 13º, Nº 2, 14º, 15º E 21º, AL. E), DA LAR (DL 358/88, DE 25.10). | ||
Sumário: | I – Tendo presente o disposto no art.º 595º, n.º1, a), e 3, do Novo C. P. Civil, bem como o facto da ilegitimidade ser uma excepção dilatória de conhecimento oficioso – art.º 577º, e), e 578º, do mesmo diploma legal – o facto da mesma não ter sido invocada na 1ª instância não preclude o direito de ser invocada em recurso, desde que não tenha sido concretamente apreciada no despacho saneador. II - A permissão pelo arrendatário rural a terceiro do gozo das pastagens do arrendado, permitindo a esse terceiro o pastoreio do seu rebanho no arrendado durante parte do ano, contra o pagamento de determinada quantia, integra a figura da “compra e venda de pastagem”. III - Este contrato, apesar da sua denominação, traduz-se num sub-tipo de arrendamento, tendo em consideração que a prestação do cedente, mais do que a transmissão da propriedade das pastagens, envolve uma cedência do gozo do prédio onde se encontram as pastagens. IV - O legislador determinou que o arrendatário rural apenas poderia celebrar este tipo de contrato com consentimento escrito do senhorio, considerando-o um subarrendamento (art.º 13.º, n.º 2, da LAR). V - O arrendatário rural só tem direito a indemnização por benfeitorias úteis, terminado o contrato de arrendamento, por resolução do senhorio, desde que essas benfeitorias tenham sido realizadas como o consentimento escrito do senhorio. VI – A formalidade do consentimento escrito não pode ser substituído pela prova do conhecimento e não oposição do senhorio à realização das benfeitorias úteis. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra J…, invocando a qualidade de herdeiro de … instaurou a presente acção declarativa, sob a forma de processo sumário, contra os Réus, formulando os seguintes pedidos de condenação destes a: a) Reconhecerem que é filho e legitimo herdeiro dos falecidos …; b) Reconhecerem que dos bens das heranças abertas por óbito daqueles faz parte o prédio rústico composto de terra de cultura e pastagem, sito …; c) Reconhecerem que o contrato de arrendamento datado e outorgado em 1 de Janeiro de 1999, relativo ao prédio rústico sito …, caducou em 25 de Maio de 2009; d) Entregarem imediatamente ao A. o referido prédio livre e desocupado; Subsidiariamente, para a hipótese da invocada caducidade não ser reconhecida, pede a condenação dos Réus a: e) Reconhecer que não procederam ao pagamento das rendas relativas aos anos de 2009 e 2010, as quais se encontram em divida; f) Reconhecer que pelo menos nos anos 2008, 2009 e 2010 procederam ao subarrendamento do prédio permitindo que, mediante retribuição, o mesmo fosse usado e fruído por terceiro; g) Consequentemente, condenados a reconhecer a resolução do contrato de arrendamento; h) Entregarem imediatamente o prédio livre e desocupado ao Autor. Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese: - Foi celebrado contrato de arrendamento rural entre o falecido … (na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito da sua esposa …) e os Réus referente ao prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ... - Tal prédio fazia e faz parte da herança aberta por óbito de …, bem sabendo os Réus que tal era assim, sabendo igualmente que o falecido … era o cabeça de casal da herança e que nessa condição intervinha no arrendamento. - … faleceu em 25 de Maio de 2009, terminando, consequentemente, nessa data os poderes com base nos quais foi celebrado o referido contrato de arrendamento, pelo que o referido contrato de arrendamento caducou. - Os Réus não pagam as rendas desde o ano de 2009. - Os Réus deram de subarrendamento o prédio nos anos de 2008, 2009 e 2010, contratando mediante pagamento de preço por parte do subarrendatário, pastor, a utilização e aproveitamento dos pastos e forragens ali produzidos, os quais eram, geralmente, no próprio prédio consumidos pelas ovelhas que ali pastoreavam, mas também colhidos pelo subarrendatário que os transportava para os seus estábulos onde eram consumidos. Os Réus contestaram, pugnando pela improcedência da acção, com excepção dos pedidos formulados sob as alíneas a) e b), tendo alegado, em síntese: - No contrato de arrendamento rural celebrado não sabiam então que … intervinha como cabeça de casal da herança aberta por óbito de sua mulher, …, estando convencidos que o senhorio … era efectivamente o dono do prédio. - O contrato de arrendamento não caducou por óbito de …, pois que o arrendamento não caduca por morte do senhorio nem pela transmissão do prédio – art.º 22º nº 1 do D.L. 385/88 e art.º 20º nº 1 do D.L. 294/2009, para além de que a cessação dos poderes de administração do senhorio, cabeça de casal, só se dará após processamento de liquidação e partilha dos bens da herança em que se integra o prédio arrendado, operação essa que ainda se não deu. - Pagaram a renda referente ao ano de 2009, recebida pelo Autor, e não pagaram por recusa de recebimento pelo Autor a do ano de 2010, tendo o Réu procedido ao depósito autónomo no IGFIJ desse valor da renda. - Não subarrendaram o prédio, apenas permitiram, ocasionalmente e tão só na época do Outono, de forma gratuita, que um pastor pudesse aproveitar para o seu gado o pastoreio dos “barbeitos” – ervas espontâneas, ramos e folhas secas que restavam das plantações após as colheitas, em pleno pousio da cultivação e recolha dos frutos. Os Réus deduziram pedido reconvencional de condenação dos Autores e também intervenientes principais qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de …, a reconhecer a existência do seu crédito sobre aquela herança, no montante de € 6.190,00, a título de indemnização/ compensação das benfeitorias por si efectuadas no prédio arrendado, e ainda a condenação do Autor e intervenientes a pagar-lhes aquele montante à custa do património hereditário deixado pelos falecidos, quando vier a cessar, por qualquer forma, o contrato de arrendamento que se mantém em vigor. Para fundamentar o pedido reconvencional alegaram, que realizaram no prédio obras e no valor de € 6.190,00, obras essas umas essenciais para conservação e recuperação da capacidade produtiva do prédio e outras para melhoria dessa capacidade sendo, pois, benfeitorias necessárias e úteis, que não podem ser levantada sem causar detrimento e prejuízo para o prédio. Pediram, ainda, a condenação do Autor como litigante de má fé, em multa e indemnização a seu favor em montante não inferior a € 500,00. O Autor respondeu, mantendo que as rendas relativas aos anos de 2009 e 2010 se encontram em dívida, pugnando pela procedência da acção e improcedência da reconvenção e ainda pugnando pela improcedência do pedido de condenação em litigância de má-fé. Foi proferido despacho pré-saneador nos termos constantes de fls. 73 a 78. Nessa sequência, os Réus-Reconvintes deduziram pedido de intervenção principal provocada dos demais herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de …, intervenção que foi admitida por despacho de fls. 89 a 95. Veio a ser proferida sentença que julgou a causa nos seguintes termos: Nestes termos: • julgo a presente ação parcialmente procedente e, em consequência: - condeno os réus a reconhecer que o A. é filho e legitimo herdeiro dos falecidos …; bem como a reconhecer que dos bens das heranças abertas por óbito daqueles faz parte o prédio rústico composto de terra de cultura e pastagem, sito …; - condeno os réus a reconhecer que pelo menos nos anos de 2008, 2009 e 2010, entre os meses de Outubro a Fevereiro, os réus cederam o gozo dos pastos, ervas, feno e forragens produzidos no prédio identificado em B) a um pastor, mediante o pagamento de um preço, declarando-se resolvido o contrato de arrendamento em causa nos autos e, consequentemente, condenando-se os réus a entregarem o prédio livre e desocupado ao autor; - absolvendo os réus do demais peticionado; • julgo a reconvenção parcialmente procedente, e, em consequência: - condeno o autor e chamados, na qualidade de herdeiros da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de …, a reconhecer a existência do crédito dos réus sobre aquela herança, a título de indemnização de benfeitorias necessárias realizadas sobre o prédio descrito em B., no montante de € 2.826,00; crédito a ser satisfeito pelos bens das heranças; - absolvendo o autor e chamados do demais peticionado. Os Réus interpuseram recurso desta decisão, formulando as seguintes conclusões: … Os Autores apresentaram resposta, pugnando pela confirmação da decisão recorrida. 1. Do objecto do recurso Encontrando-se o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações dos recorrentes cumpre apreciar as seguintes questões: a) A acção devia ter sido intentada por todos os herdeiros dos falecidos? b) O facto J) deve ser alterado? c) Não há motivo para a resolução do contrato de arrendamento? c) O pedido reconvencional deve ser julgado procedente? 2. Da legitimidade activa No recurso que interpuseram os Réus vieram arguir a ilegitimidade do Autor para, desacompanhado dos demais herdeiros, intentar esta acção. Defendem os Réus que o Autor J…, alegando a qualidade de herdeiro e nunca de cabeça-de-casal, não detém legitimidade activa, a qual, no seu entendimento, pertence ao cabeça-de-casal ou a todos os herdeiros, conjuntamente. Tendo presente o disposto no art.º 595º, n.º1, a), e 3, do Novo C. P. Civil, bem como o facto da ilegitimidade ser uma excepção dilatória de conhecimento oficioso – art.º 577º, e), e 578º, do mesmo diploma legal – o facto da mesma não ter sido invocada na 1ª instância não preclude o direito de ser invocada em recurso, uma vez que não foi concretamente apreciada no despacho saneador [1]. A parte terá legitimidade como autor, se for ela quem juridicamente pode fazer valer a pretensão em face do demandado, admitindo-se que a pretensão exista; e terá legitimidade como réu se for ela a pessoa que juridicamente pode opor-se à procedência da pretensão, por ser ela a pessoa cuja esfera jurídica é directamente atingida pela providência requerida. No caso que nos ocupa o Autor, invocando a qualidade de herdeiro dos seus pais, desacompanhado dos restantes, intentou a presente acção, visando o reconhecimento da sua qualidade e a entrega de um prédio integrante da herança aberta e não partilhada por óbito daqueles que em 1999 foi dado de arrendamento rural aos Réus. Da leitura da p. inicial concluímos que estamos diante de uma acção de petição de herança por via da qual, nos termos do art.º 2075º do C. Civil, o herdeiro pode pedir judicialmente o reconhecimento da sua qualidade sucessória e a consequente restituição de todos os bens da herança ou de parte deles, contra quem os possua sem título, desacompanhado dos demais herdeiros e independentemente de ter ou não a qualidade de cabeça-de-casal. A petição de herança envolve dois pedidos: o reconhecimento da qualidade de herdeiro, que não está aqui em causa, e a restituição de bens da herança. Atendendo aos pedidos os formulados pelo Autor e ao facto da legitimidade ser aferida, conforme decorre do art.º 30º do Novo C. P. C., pela configuração que o mesmo faz da relação material controvertida, conclui-se que o Autor é parte legítima, improcedendo assim, este fundamento do recurso. 3. Os factos … 4. O direito aplicável 4.1. Da resolução do contrato de arrendamento A decisão proferida, conforme resulta da sua fundamentação, entendeu não se verificar o fundamento de resolução do contrato por falta do pagamento de rendas, tendo, no entanto, julgado verificado o fundamento de resolução do mesmo pela razão consubstanciada no facto dos Réus terem cedido o gozo das pastagens a terceiro, mediante o pagamento de um preço, integrando este fundamento na alínea e) do art.º 21º, e art.º 13º, da LAR, qualificando essa cedência como uma espécie de arrendamento de campanha ou compra e venda de pastagem. Os Recorrentes insurgem-se com a qualificação jurídica da situação fáctica, defendendo que não existiu entre o terceiro e o Réu qualquer subarrendamento na modalidade de “arrendamento de campanha” nem na modalidade de “compra e venda de pastagens”, não havendo, por isso, motivo para a resolução do contrato. Dispõe o art.º 21º, e), da LAR: [2] O senhorio só pode pedir a resolução do contrato no decurso do prazo do mesmo se o arrendatário subarrendar ou ceder por comodato, total ou parcialmente, os prédios arrendados ou ainda ceder a sua posição contratual nos casos não permitidos ou sem o cumprimento das obrigações legais. No caso que nos ocupa os Réus cederam a terceiro as pastagens do arrendado, permitindo-lhe o pastoreio do seu rebanho, mediante o pagamento de um preço, no período compreendido entre Outubro e Fevereiro dos anos de 2009 a 2011, inclusive. O subarrendamento e o comodato, totais ou parciais dos prédios arrendados encontra-se proibido, exceptuando o acordo escrito do senhorio. No art.º 13º da LAR, consta do seu n.º 2 que essa proibição é extensiva aos arrendamentos de campanha e ao contrato de compra e venda de pastagem, sendo a sua violação fundamento, como atrás dissemos, de resolução do contrato, nos termos do art.º 21º, e), da LAR. A sentença sob recurso não qualificou de forma inequívoca a relação contratual existente entre os rendeiros e o pastor, optando pelo seu enquadramento como uma espécie de arrendamento de campanha ou compra e venda de pastagem. Cumpre, assim, apurar se o mesmo se pode catalogar numa das duas categorias mencionadas. O “arrendamento de campanha” é o contrato pelo qual uma parte, mediante retribuição, transfere para outra, chamada "campanheiro" ou "seareiro", a exploração de culturas num ou mais prédios rústicos ou parte deles, por um ou mais anos, até ao limite máximo de um ano agrícola por cada folha de cultura. [3] O seareiro ou campanheiro é o agricultor autónomo ou trabalhador rural eventual que viva exclusiva ou predominantemente da agricultura e explore a terra nas condições previstas na noção do contrato de campanha. Ora, da matéria de facto que ficou apurada não se descortina que os Réus tenham transferido para o terceiro a exploração de quaisquer culturas no arrendado. Aqueles limitaram-se a ceder-lhe, mediante retribuição, o gozo dos pastos, ervas, feno e forragens produzidos no prédio, não contribuindo o cessionário para a produção dos mesmos, limitando a sua actividade no arrendado a pastorear as ovelhas com aquilo que lá houvesse, ocorrendo esse gozo do prédio no período compreendido entre Outubro e Fevereiro de cada ano. Assim, da actividade realizada pelo terceiro no prédio arrendado não resulta que o mesmo o explorasse, produzindo nele o que quer que fosse. Não pode pois qualificar-se o acordo celebrado como arrendamento de campanha, o que exigiria, como se disse a exploração de uma cultura, o que não se verifica no caso em análise. Já no que respeita à qualificação do contrato celebrado entre os Réus e o terceiro, como de “compra e venda de pastagem”, entendido este como aquele em que alguém, mediante retribuição, permite que outrem, pastoreie gado num ou mais prédios rústicos ou parte deles, alimentando os animais com as pastagens aí existentes [4], consideramos que os factos provados são suficientes para enquadrar a relação estabelecida entre os Réus e o terceiro neste tipo legal. Não será o facto do terceiro apascentar as suas ovelhas no arrendado apenas durante 3 meses por ano que obstará a esta qualificação, pois não é exigível para a verificação deste tipo contratual que a transferência das pastagens ocorra num período mais dilatado, tanto que não faria sentido a sua transferência em período temporal em que as mesmas não existissem. A transferência do gozo dessas pastagens concretiza-se com a possibilidade que é concedida ao terceiro – “comprador” da pastagem –, na sequência do acordo celebrado, de utilizar as pastagens que existam no prédio, para alimentação do seu gado. Também não obsta a esta qualificação a circunstância dos Réus continuarem a frequentar o prédio em causa simultaneamente com a sua utilização pelo terceiro, uma vez que o gozo inerente a uma relação de “compra e venda de pastagens” não exige uma utilização exclusiva do prédio onde se encontram as pastagens. Daí que tendo-se apurado que os Réus nos anos de 2009, 2010 e 2011, entre os meses de Outubro a Fevereiro, cederam o gozo dos pastos, ervas, feno e forragens produzidos no prédio em causa a …, mediante o pagamento de preço por parte deste (pastos e ervas que eram consumidos no próprio prédio pelas ovelhas que ali eram pastoreadas), deve considerar-se que estes permitiram essa utilização a terceiro nos termos de um “contrato de compra e venda de pastagens” previsto no art.º 13º, n.º 2, da LAR. Uma vez que esse contrato, apesar da denominação legal, se traduz num sub-tipo de arrendamento, tendo em consideração que a prestação do cedente, mais do que a transmissão da propriedade das pastagens, envolve uma cedência do gozo do prédio onde se encontram as pastagens [5], o legislador determinou que o arrendatário rural apenas o poderia celebrar com consentimento do senhorio, considerando-o um subarrendamento (art.º 13.º, n.º 2, da LAR). Por esse motivo a celebração de um contrato desse tipo pelo arrendatário, sem consentimento do senhorio, constitui fundamento de resolução do contrato, nos termos do art.º 21º, e), e 13º, da LAR, não sendo relevante o montante da renda cobrada, pois a proibição constante das normas citadas não tem qualquer relação com o valor da renda cobrada. Assim, improcedem os fundamentos do recurso no respeitante à resolução do contrato reconhecida pela sentença recorrida. 4.2. Do montante devido pelas benfeitorias Os Réus pediram em reconvenção a condenação do Autor e Intervenientes a pagarem-lhe a quantia de € 6.190,00, a título de indemnização/compensação das benfeitorias por si efectuadas no prédio arrendado, alegando que realizaram no prédio obras nesse valor, obras essas umas essenciais para conservação e recuperação da capacidade produtiva do prédio e outras para melhoria dessa capacidade sendo, pois, benfeitorias necessárias e úteis, que não podem ser levantadas sem causar detrimento e prejuízo para o prédio. A sentença veio a julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente, condenando os Autores a pagarem aos Réus o montante de € 2.826,00, a título de benfeitorias necessárias realizadas no locado. Os Recorrentes, discordando, não da qualificação das obras que efectuaram, pretendem que o Autor e Intervenientes sejam condenados também nas demais obras, julgadas benfeitorias úteis, que se provou terem sido realizadas, uma vez que todas foram com o conhecimento e não oposição do senhorio, apesar de não ter havido consentimento escrito. A este respeito consta da decisão recorrida: Quanto a estas benfeitorias úteis, face à necessidade de consentimento (e escrito) para que as mesmas sejam indemnizáveis (cfr. art.s 14.º e 15.º da LAR), e não tendo os réus logrado provar a existência de um consentimento expresso e escrito para que estas obras/plantações (descritas nos pontos R., S., U., 2.ª parte, da Fundamentação de Facto) fossem realizadas (cfr. ponto Y. da Fundamentação de Facto), é forçoso concluir que não assiste aos réus o direito a serem indemnizados por tais despesas. Na verdade, apenas resultou provado que essas obras foram realizadas com o conhecimento e não oposição de …, o que não integra a exigência legal de consentimento escrito. Acresce que os réus também não demonstraram a existência de qualquer plano de exploração aprovado pelo Ministério da Agricultura e das Pescas, conforme exigido no art. 14.º, n.º 1, da LAR e que substitui o consentimento escrito do senhorio. Dispõe o art.º 14º da LAR, no que respeita à realização de benfeitorias úteis pelo arrendatário: 1 - O arrendatário pode fazer no prédio ou prédios arrendados benfeitorias úteis com o consentimento escrito do senhorio ou, na falta deste, mediante um plano de exploração a aprovar pelos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação no prazo de 90 dias a contar da recepção do pedido, depois de ouvidas as partes ou seus representantes. 2 – 3 – 4 - 5 - A decisão dos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação será obrigatoriamente comunicada ao senhorio e ao arrendatário. Quanto à indemnização pela sua realização dispõe o art.º 15º do mesmo diploma legal: 1 - Quando houver cessação contratual antecipada por acordo mútuo das partes, haverá lugar a indemnização das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e consentidas pelo senhorio. 2 - A indemnização, quando a ela houver lugar, será calculada tendo em conta o valor remanescente e os resultados das benfeitorias ou demais melhoramentos no momento de cessação do contrato. 3 - Se houver resolução do contrato invocada pelo senhorio, ou quando o arrendatário ficar impossibilitado de prosseguir a exploração por razões de força maior, tem o arrendatário direito a exigir do senhorio indemnização pelas benfeitorias necessárias e pelas úteis consentidas pelo senhorio, calculadas estas segundo as regras do enriquecimento sem causa. Resulta desta norma contida no n.º 1 do art.º 14º da LAR que o arrendatário pode realizar benfeitorias úteis desde que tenha o consentimento escrito do senhorio ou, na falta deste, mediante um plano de exploração a aprovar pelos serviços regionais do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação no prazo de 90 dias a contar da recepção do pedido, depois de ouvidas as partes ou seus representantes. No que concerne à indemnização pela realização de benfeitorias úteis, no caso de resolução do contrato – como se trata do caso dos autos – impõe-se a aplicação do n.º 3 do art.º 15º daquela Lei, sendo exigido para o seu ressarcimento que as mesmas tenham sido consentidas pelo senhorio. Os recorrentes argumentam que, inexistindo no art.º 15º qualquer remissão para o art.º 14º, não é necessário o consentimento escrito aí exigido, não tendo o legislador condicionado, no caso de resolução do contrato pelo senhorio, a indemnização das benfeitorias necessárias a qualquer formalismo desse consentimento, bastando o conhecimento do senhorio e a sua não oposição. O consentimento a que esta norma se refere não se apresenta como tendo conteúdo diverso daquele que é descrito no art.º 14º, n.º 1 – consentimento escrito –, pois este é o único a que este respeito a lei menciona, como exigível para a realização de benfeitorias. Consta do Ac. do S. T. J., de 15.1.2002[6] : A questão do regime das benfeitorias no arrendamento rural tem sido objecto de alterações desde 1919 até hoje. Tendo em conta apenas as benfeitorias úteis e os aspectos dos poderes do arrendatário para as efectuar, bem como do direito que tem quando da cessação do arrendamento, verificamos a seguinte evolução. Quanto aos poderes de realização. DL 5411/19 - Sem consentimento. L. 2014/62 - Sem consentimento. C.C. 66 – Sem consentimento. L. 201/75 - Sem consentimento. L. 76/77 - Com consentimento do senhorio, expresso ou tácito. Quanto à indemnização. DL 5411/19 – Tinha direito, depois do despejo, a haver o valor das benfeitorias úteis, ainda que não fossem expressamente consentidas. L 2114/62 - Se houver consentimento escrito, findo o contrato, tinha direito ao valor. O valor será calculado pelo seu custo se não exceder o benefício à data da cessação. No caso contrário não pode exceder o benefício. C.C. 66 - Não havendo consentimento escrito, findo o contrato, apenas tem o direito de as levantar sem detrimento do prédio e não o de exigir qualquer indemnização. Havendo consentimento tem direito a indemnização segundo as regras do enriquecimento sem causa. (1046º e 1273º) L. 201/75 - Se houve consentimento escrito tem direito a exigir o valor das benfeitorias. O valor será o que tiverem à data da cessação. L. 76/77 - Se forem consentidas expressa ou tacitamente. Se se tratar de plantações ou trabalhos de melhoramento ou modificação do solo, feitos sem oposição. Será calculada tendo em conta o valor no momento da cessação do contrato. O DL 385/88 veio encarar de forma diferente a questão no tocante aos direitos do arrendatário aquando da cessação. Artº. 14º - Pode fazer benfeitorias úteis com consentimento escrito. A realização das benfeitorias pode implicar a alteração do prazo do contrato. Artº. 15º - Quando houver cessação contratual antecipada por ACORDO MÚTUO das partes, haverá lugar a indemnização das benfeitorias realizadas pelo arrendatário e consentidas pelo senhorio. Será calculada tendo em conta o valor remanescente e os resultados das benfeitorias no momento da cessação. Se houver RESOLUÇÃO do contrato invocado pelo senhorio, ou quando o arrendatário ficar impossibilitado de prosseguir a exploração por razões de força maior, tem direito a exigir indemnização pelas benfeitorias necessárias e úteis consentidas, calculadas segundo as regras do enriquecimento sem causa. Vemos que a lei actual se torna mais exigente, no seguimento da lei 76/77, no que toca à forma do consentimento. Cremos que a nova lei, de acordo com os novos tempos e novas formas de exploração da terra, limitou o poder do arrendatário alterar, segundo o seu juízo de melhor aproveitamento do solo, os prédios arrendados. Daí que só com consentimento escrito ou autorização dos serviços, mediante um processo contraditório, o possa fazer. Daí que, realizadas as benfeitorias, permita a imposição de uma alteração do prazo, visando uma rentabilização dos investimentos feitos. As benfeitorias não autorizadas, ainda que úteis, são ilícitas. Também a nova lei só contempla as benfeitorias, nos casos de cessação de por mútuo acordo, cessação por resolução devida a culpa do arrendatário, cessação por impossibilidade do arrendatário. Deixou de fora a cessação por denúncia no termo do contrato, bem como a cessação por resolução da iniciativa do arrendatário. Nas leis anteriores não se distinguia a causa da cessação. Cremos que, na cessação por estas duas causas, o legislador entendeu que não havia lugar a indemnização. Pois não sendo consentidas seriam ilícitas; sendo consentidas o arrendatário tinha a possibilidade de rentabilizar os investimentos no prazo de vigência do contrato ou não os devia ter feito se não tivesse tempo previsível para os rentabilizar. Da evolução legislativa referida no acórdão citado pode extrair-se, sem qualquer dúvida, que o legislador do DL 385/88 foi mais exigente quanto ao direito do arrendatário ser indemnizado pela realização de benfeitoria úteis no locado, só conferindo, no caso de resolução do contrato pelo senhorio direito à indemnização daquelas que houverem sido efectuadas na sequência do consentimento escrito do senhorio. Aliás, dificilmente se compreenderia que a realização de uma obra que a lei considerava proibida pudesse originar direito a uma indemnização. Mesmo que se admita, em abstracto, que conhecimento sem oposição possa traduzir um consentimento tácito, exigindo a lei um determinado formalismo para o consentimento – documento escrito – não é possível dali extrair tal facto, uma vez que o referido conhecimento sem oposição não obedece a esse formalismo (art.º 217º, n.º 2, do C. Civil). Daí que a formalidade exigida por lei – consentimento escrito – não pode, por constitutiva do direito do arrendatário, ser substituída pela prova do conhecimento e não oposição do senhorio à realização das benfeitorias úteis. Em conclusão, a realização de benfeitorias úteis no domínio da vigência DL 385/88, em caso de resolução do contrato pelo senhorio, só são indemnizáveis se tiverem sido realizadas com o consentimento escrito do senhorio, ainda que com o seu conhecimento e não oposição. Não tendo existido esse consentimento escrito no presente caso não há lugar a indemnização. Assim, improcedem os fundamentos do recurso. Decisão: Nos termos expostos, julgando improcedente a apelação confirma-se a decisão recorrida. Custas pelos Recorrentes. Coimbra, 10 de Fevereiro de 2015. Sílvia Pires (Relatora) Henrique Antunes Isabel Silva
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