Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1954/18.6T8LRA-K.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: VENDA EXECUTIVA JUDICIAL
NOTIFICAÇÃO DO PROPONENTE
PUBLICAÇÃO DO RESULTADO DO LEILÃO
DEPÓSITO DO PREÇO
RECORRIBILIDADE
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 825.º, N.º 1, AL.ªS A), B) E C), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário:
I – O que se pretende com a impugnação de uma decisão é que se profira uma decisão sobre uma decisão, sendo esta o objeto da decisão recorrida: o objeto do recurso é distinto do objeto da decisão recorrida, não podendo o Apelante limitar-se a pedir ao tribunal ad quem que se pronuncie sobre as questões por si formuladas em primeira instancia, sem atacar o que a tal respeito foi decidido na decisão recorrida.

II – Na venda executiva judicial, a notificação do proponente nos termos gerais é meramente facultativa: a forma processualmente prevista para a sua notificação é a publicação do resultado do leilão na plataforma www.e-leiloes.pt., sendo a partir desta que se determina o momento em que tal notificação produz efeitos.

III – No caso de falta de depósito do respetivo preço, a decisão do administrador de optar por uma das alternativas que lhe são facultadas por cada uma das alíneas a), b) e c), do nº1 do artigo 825º, CPC, caracterizada pela sua discricionariedade, não é sindicável mediante a interposição de recurso.


(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo nº 1954/18.6T8LRA-K.C1 – Apelação

Relator: Maria João Areias
1º Adjunto: Arlindo Oliveira
2º Adjunto: José Avelino Gonçalves
                                                                                               
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I – RELATÓRIO
Nos presentes autos em que foi declarada a insolvência de AA,
o Administrador de Insolvência (A.I.) veio, a 25/11/2022, requerer a junção aos autos da ata de leilão eletrónico, que terminara nesse mesmo dia, pelas 12 horas, informando a sua intenção de adjudicar o bem ao licitante de valor mais elevado, a sociedade A..., que licitou pelo valor de 72.500,00 €.
Posteriormente, a 22/03/2023, o A.I. veio comunicar que, na sequência do leilão eletrónico que terminara a 25 de novembro e designada escritura do imóvel apreendido sob a verba nº1 (½ da fração autónoma designada sob as letras “AS”), para o dia 2 de fevereiro, a licitante A..., adjudicatária no leilão, não logrou cumprir com as condições do leilão, não tendo procedido ao pagamento do sinal, nem comparecido à escritura; pelo que a venda ficou sem efeito, dando-se de imediato início a nova venda.
Por requerimento de 03/04/2023, um dos proponentes, B..., Lda., alegando ter apresentado proposta de valor superior ao mínimo indicado como valor da venda, vem requerer que se informe do estado da venda, na medida em que continua a ter interesse na proposta apresentada, e, pelo silencio de qualquer resposta, antecipando a existência de alguma irregularidade, desde já vem invocar o direito de requerer a anulação da venda judicial, por não terem sido seguidos os procedimentos legais.
A Administradora de insolvência, vem, a 19/04/2023, comunicar aos autos ter obtido autorização do agente da execução e da co-proprietária da outra metade para promover à venda da fração na sua totalidade; não tendo nenhum dos proponentes do leilão vindo fazer a adjudicação da metade, efetuando o pagamento do respetivo preço, foi deliberado com o agente de execução e com o credor hipotecário proceder a nova venda, agora pela totalidade, encontrando-se a correr novo leilão eletrónico.
O insolvente, por requerimento de 24/04/2023, veio deduzir Incidente de Nulidade de Venda Judicial, alegando, em síntese:
existindo quatro licitações, a A.I. informa que é sua intenção adjudicar a venda à sociedade A... Lda., vindo depois a indicar que a licitante não logrou cumprir com as condições do leilão e que, por essa razão, ficou o leilão sem efeito;
veio requerer-se que o douto Tribunal se dignasse oficiar a Exma. Sra. AI, para que a mesma viesse aos autos, DOCUMENTALMENTE DEMONSTRAR, que procedeu à comunicação da sociedade A... Lda. da adjudicação da venda e a dar conhecimento de quais as condições alegadamente por esta última incumpridas;
até que A.I, venha demonstrar nos autos, documentalmente provando e não apenas alegando, NÃO PODE a venda judicial manter-se ativa.
havendo, como há, omissão de tal notificação, estamos perante a omissão de um ato considerado essencial à ulterior tramitação processual dos autos, que não pode deixar de determinar a nulidade do ato omitido,
o que, determina a nulidade de todo o processado subsequente, onde se insere a venda judicial ora controvertida, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais.
 veio ainda requerer-se, que a Exma. Sra. AI viesse justificar aos autos, o porquê de ter determinado que o leilão ficaria sem efeito, dando de imediato inicio a nova venda, se na verdade, TODAS as QUATRO propostas eram superiores ao valor de venda indicado;
uma vez mais, a Exma. Sra. AI primou pelo silêncio, juridicamente, primou pela OMISSÃO DE RESPOSTA, que também não poderá deixar de conduzir à nulidade do ato omitido, bem como de todo o processado subsequente, o que desde já se requer para todos os devidos efeitos legais:
mesmo que a licitante A..., Lda.. tenha incumprido as condições – que carecem de ser alegadas e documentalmente provadas – existiam TRÊS outras licitações, de VALOR SUPERIOR ao valor de venda indicado, a quem deveria ter sido, por ordem de valor, adjudicada a venda;
caracteriza-se assim a decisão a Exma. Sra. AI por uma CENSURÁVEL OMISSÃO, sobretudo de fundamentação das suas decisões, o que não podem deixar de ser caracterizadas como um véu sinuoso e translucido de atuação, que importa, em primeiro lugar,
em segundo lugar importa, que se oficie a Exma. Sra. AI para que a mesma venha aos autos esclarecer, fundamentar e documentalmente provar quer o seu comportamento, quer ainda, as suas sucessivas e reiteradas OMISSÕES.
tal decisão da Exma. Sra. AI é questionável e apresenta-se como prejudicial ao interesse dos credores e do próprio insolvente,
perante todo o supra exposto e tendo já o insolvente alegado em requerimento que antecede o presente incidente, que caso viesse a ser entendimento da Exma. Sra. AI prosseguir a venda judicial nova em detrimento de TRÊS PROPOSTAS de VALOR SUPERIOR ao indicado, promoveria de forma oportuna e tempestiva, pelo INCIDENTE DE NULIDADE DE VENDA JUDICIAL, assim se apresenta a fazê-lo.
mais acresce que, a referida verba que se encontra a ser objeto de venda judicial, corresponde apenas a ½ da fração, isto é, nos presentes autos, apenas ½ da fração se encontrava apreendido;
vem alegar a AI que obteve a concordância da Exma. Sra. AE para proceder à venda judicial, da restante ½ da fração que se encontrava penhorada ao abrigo de um processo judicial.
na verdade, tal venda não é sequer legalmente admissível;
entende a nossa jurisprudência que: “Ora, conforme acima exposto e vem justamente censurado pelo recorrente, é evidente a ausência de correspondência entre o que foi apreendido para a massa insolvente e o que foi objeto das diligências para venda.” In Ac. TRL, Proc. 3627/18.0T8LSB-D.L1;
conclui, encontrar-se assim inquinado todo o alegado processo de venda judicial, com vício de violação de lei, que deverá então ser reconduzido ao desvalor de nulidade, quer do acto quer de todo o processado ulterior, o que requer, para todos os devidos efeitos legais.
Pelo juiz a quo foi proferido Despacho, que, pronunciando-se sobre a invocada omissão de notificação do proponente, conclui com a seguinte decisão:
“Por todo o exposto, somos a concluir que não há fundamento para a anulação da segunda venda efetuada na modalidade de leilão eletrónico, termos em que se indefere a requerida anulação.
Notifique.”
*
Não se conformando com tal decisão, a Insolvente, dela vem interpor recurso de Apelação, o qual concluiu com as seguintes conclusões:
(…).
*
Pelo Ministério público foram apresentadas contra-alegações no sentido da improcedência do recurso.
Dispensados os vistos legais, ao abrigo do artigo 657º, nº4, do CPC, há que decidir.
*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., arts. 684º, nº3 e 685º-A, do antigo CPC e 635º e 639º, do Código de Processo Civil, as questões a decidir são as seguintes:
1. Nulidade decorrente de o tribunal recorrido ter omitido a notificação do A.I. para que viesse aos autos demonstrar documentalmente que procedeu à licitante A... da adjudicação da venda e a dar conhecimento de quais as condições alegadamente por estas incumpridas;
2. Se a existência de mais três propostas de valor superior ao valor da venda indicado, implicaria que lhes deveria ter sido, por ordem de valor, adjudicada a venda;
3. Se não pode haver lugar à venda judicial da totalidade do imóvel, quer por inexistência de concordância do Agente de Execução para proceder à venda do outro ½, quer por ser processualmente admissível.
4. Se nos encontramos perante uma decisão surpresa, pelo facto de ter sido proferida sem que tenha sido ouvida a prova testemunhal por si indicada no  incidente de nulidade da venda.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O Insolvente veio deduzir Incidente de Nulidade da Venda Judicial (numa altura em que não se tinha ainda procedido à venda do bem apreendido), com os seguintes fundamentos:
1. por omissão por parte da A.I. da comunicação à sociedade A..., Lda, da adjudicação da venda e a dar conhecimento de quais as condições alegadamente por esta incumpridas;
2. mesmo que a licitante A... tenha incumprido as condições, existiam três outras licitações de valor superior ao valor da venda indicado, a quem deveria ter sido, por ordem de valor, adjudicada a venda;
3. a venda da totalidade da fração, quando apenas o direito a ½ da mesma se encontra apreendido nos presentes autos, não é legalmente permitida.
Para apreciação da nulidade invocada pelo Insolvente, a decisão recorrida tem por demonstrados os seguintes factos, que aqui não são objeto de impugnação:
Dos Factos
- No âmbito dos presentes autos foi apreendido, para além do mais, ½ da fração autónoma designada pela letra “AS”, descrita na CRP ... sob o n.º ...13... e inscrito na matriz predial sob o artigo ...25, da freguesia ...;
- A outra metade do identificado imóvel encontra-se penhorada à ordem dos autos de execução a correr termos sob o n.º 2127/14....;
- A Sra. Administradora promoveu à venda, em leilão eletrónico, da ½ apreendida no âmbito dos presentes autos de insolvência, tendo sido anunciado o valor para a venda de € 36.615,00.
- Foram apresentadas as seguintes licitações e pelos seguintes valores:
- A..., Lda., pelo valor de € 72.500,00;
- B..., Lda., pelo valor de € 47.000,00;
- BB, pelo valor de € 40.500,00;
- CC, pelo valor de € 40.000,00.
- Em resultado das licitações ocorridas em sede de leilão, a Sra. Administradora transmitiu nos autos ter intenção de diligenciar pela adjudicação ao licitante de valor mais elevado – a sociedade “A..., Lda.”.
- Nenhum dos proponentes do leilão procedeu ao depósito do preço.
- A Sra. Administradora da Insolvência foi posteriormente notificada pela a Sra. Agente de execução nomeada nos autos de execução n.º 2127/14.... para diligenciarem pela venda conjunta do imóvel.
- A Sra. Administradora da Insolvência procedeu à publicitação de nova venda do imóvel, agora pela totalidade, por leilão eletrónico.
- Nos termos da Ata do novo leilão eletrónico verificou-se a existência de 35 licitações, tendo o imóvel sido adjudicado à sociedade C..., Lda., pelo valor de € 150.001,00, cabendo à massa insolvente o valor de € 75.000,00.
- A sociedade C..., Lda. já procedeu ao depósito de 20% do preço.
A partir de tais factos, o tribunal a quo proferiu despacho a indeferir a pretensão do insolvente à anulação da venda, com os seguintes fundamentos:
“Nos termos do disposto no art.164.º n.º 1 do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o Administrador da Insolvência escolhe a modalidade da alienação dos bens, podendo optar por qualquer uma das previstas em processo executivo.
Na situação em apreço, pela Sra. Administradora foi eleita a venda em estabelecimento de leilão (cfr. art.811.º nº 1, al. e) do Código de Processo Civil), sendo que, no caso do Administrador da Insolvência cabe-lhe a ele determinar as particularidades da venda previstas no art.812.º do Código de Processo Civil, ouvida a Comissão de Credores e os credores com garantia real – art.164.º, 161.º e 162.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
No caso dos presentes autos, não podemos deixar de assinalar que a Sra. Administradora, antes de ter diligenciado pela venda da ½ do imóvel em leilão eletrónico, deveria ter, em primeira linha, providenciado por articular com a Sra. Agente de Execução para diligenciarem pela venda do imóvel na sua totalidade – cfr. artigo 743.º, do CPC, com as devidas adaptações.
Não obstante, e relativamente à questão suscitada quanto à pretensa nulidade da venda ocorrida, entendemos não assistir razão aos requerentes pelas razões que passamos a expor.
Como consignamos em sede de factualidade assente, em resultado das licitações ocorridas em sede de leilão, a Sra. Administradora transmitiu nos autos ter intenção de diligenciar pela adjudicação ao licitante de valor mais elevado – a sociedade “A..., Lda.”.
A sociedade “A..., Lda.” não procedeu ao depósito do preço.
Nos termos do disposto no artigo 825.º, perante a falta de depósito do preço da proponente vencedora “A..., Lda.”, e na consideração da primeira alternativa legalmente conferida pelo n. º1, do artigo 825.º, do CPC, a Sra. Administradora da Insolvência podia optar pelo cumprimento coativo, nos termos inscritos na al.c), do mesmo normativo, ou antes dar a venda sem efeito (cfr. al. a) e b), do mesmo normativo) como fez.
Nada impunha à Sra. Administradora aceitar a proposta imediatamente inferior, in casu, da B..., Lda., com evidente prejuízo para a massa insolvente.
Nos termos da lei, estava na disponibilidade da Sra. Administradora dar a venda sem efeito, como fez, e diligenciar de novo pela vendado bem, optando pela via mais adequada.
Assim, somos a concluir que as regras procedimentais foram observadas.”.
Ao interpor recurso, ao recorrente não basta exprimir a sua discordância com o decidido, formulando a sua pretensão à revogação e substituição da decisão recorrida, incumbindo-lhe ainda explicitar os fundamentos do recurso, ou seja, indicar quais os motivos pelos quais, no seu entender, o tribunal errou, tal como lhe é imposto pelo artigo 639º do CPC.
O objeto do recurso é composto não só por um pedido, mas também por uma causa de pedir consistente na ilegalidade por violação de norma material ou processual (erro de direito) ou a injustiça em matéria de facto (erro de facto)[1].
O que se pretende com a impugnação de uma decisão é que se profira uma decisão sobre uma decisão, sendo esta o objeto da decisão recorrida: o objeto do recurso é distinto do objeto da decisão recorrida: o pedido e a causa de pedir formulados perante o tribunal ad quem não coincidem com o pedido e a causa de pedir formulados na petição inicial ou na contestação, na 1ª instância, ou no requerimento submetido à apreciação desta.
No caso em apreço, o Apelante, na exposição contida nas suas alegações de recurso, em vez de criticar a decisão recorrida, explicitando porque motivos o tribunal a quo devia ter decidido em sentido diferente, limita-se a colocar, novamente, agora perante o tribunal ad quem, as questões anteriormente por si formuladas perante o tribunal de 1ª instância e que, em seu entender, determinariam a nulidade da venda:
- a Sra. AI não veio aos autos demonstrar documentalmente ter procedido à comunicação à A..., Lda., proponente que apresentou a maior proposta, da adjudicação da venda e a dar conhecimento de quais as condições alegadamente por esta incumpridas;  
- existiam mais três propostas de valor superior ao valor da venda indicado, a quem deveria ter sido, por ordem de valor, adjudicada a venda, o que não ocorreu;
- a venda da totalidade do bem não é legalmente admissível.
Ou seja, nesta parte, ao objeto do recurso faltaria a causa de pedir, uma vez que as discordâncias com o decidido não se mostram minimamente fundamentadas – não alega quais as normas jurídicas violadas, o sentido em que as normas aplicadas deveriam ter sido interpretadas ou qual a norma que deveria ter sido aplicada e não foi – o que obstaria ao conhecimento do mesmo.
De qualquer modo, sempre adiantamos não ser de dar razão ao recorrente.
Antes de mais, cumpre salientar que, à data em que foi formulado o “Incidente de nulidade da venda”, não se podia falar em nulidade “da venda” uma vez que a mesma não se havia ainda concretizado. Como tal, o que se poderia ser invocado eram as irregularidades no procedimento de venda, com a consequente anulação do leilão eletrónico realizado.
Por outro lado, ao insolvente sempre faltaria legitimidade – por falta de interesse em agir – para requerer a anulação da venda com fundamento na falta de notificação ao proponente A..., Lda., de que a sua proposta fora aceite. Só o próprio proponente preterido, no caso de ainda se mostrar interessado na venda e procedendo de imediato ao depósito em falta, poderia invocar tal falta de notificação, sendo a tutela deste que a imposição da sua notificação visa proteger.
Segundo o artigo 837º do CPC, a venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita preferencialmente em leilão eletrónico, encontrando-se a venda em leilão eletrónico regulamentada nos arts. 20º a 26º da Portaria nº 282/2013, de 29/8, e no Despacho 12624/15, de 9-11, do Ministro da Justiça.
A publicitação do leilão eletrónico rege-se pelos ns. 2 a 4 do artigo 817º e pelo art. 19º da Portaria nº 282/2013, sendo o resultado do leilão eletrónico disponibilizado no sítio da Internet https://www.e-leilões.pt., nos termos do art. 24º da citada Portaria.
Dispõe ainda o artigo 8º do Despacho 12624/2015, de 09 de novembro, quanto às formalidades da “conclusão do leilão eletrónico”:
“10 - No prazo de 10 dias contados da certificação da conclusão do leilão, o agente de execução titular do processo deve dar cumprimento a toda a tramitação necessária para que a proposta se considere aceite e o bem seja adjudicado ao proponente, nos termos previstos para a venda por proposta em carta fechada.
11 - Sem prejuízo de o agente de execução titular do processo poder notificar o proponente nos termos gerais, incumbe-lhe ainda publicar a notificação na plataforma www.e-leiloes.pt, considerando-se o proponente notificado no terceiro dia seguinte ao da referida publicação.
Daqui se extrai que a notificação nos termos gerais é meramente facultativa, sendo que a forma processualmente prevista para a notificação do proponente é a publicação do resultado do leilão na plataforma www.e-leiloes.pt., sendo a partir desta que se determina o momento em que tal notificação produz efeitos[2].
Cabe ao proponente vencedor proceder ao pagamento por depósito do preço líquido em instituição de crédito no prazo de 5 dias após a realização da venda (arts.837, nº3 e 834º, nº4).
Concluindo, ainda que o Administrador da Insolvência não tenha procedido à notificação do maior proponente nos termos gerais, sempre o mesmo se teria por notificado, nos termos do nº11 do art. 8 do citado Despacho.
Passando à questão de saber se, na falta de depósito do preço pelo maior proponente, o A.I. deveria ter procedido à adjudicação do bem a um dos proponentes seguintes, o tribunal a quo, considerou que nos termos do disposto no nº1 do artigo 825º, o administrador podia optar pelo cumprimento coativo [al. c)], ou antes dar a venda sem efeito [als. a) e b)], o que fez.
Ora, o Apelante não questiona a asserção do tribunal a quo de que se trata de uma opção deixada ao juízo de oportunidade do Administrador de Insolvência, a quem cabe “determinar as particularidades da venda previstas no art. 812º do Código de Processo Civil ouvida a comissão de credores e os credores com garantia real – arts. 164º, 161º e 162º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas”.
Quanto ao regime fixado pelo nº1 do artigo 164º do CIRE, inserido num quadro geral de reforço dos poderes de administrador, Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, pronunciam-se nos seguintes termos:
“A decisão quanto à escolha é cometida, em exclusivo, ao administrador de insolvência, segundo o seu critério e tendo em conta o que entenda ser mais conveniente para os interesses dos credores (…).
Há a este propósito, duas considerações complementares que se justificam.
Uma, para sublinhar a circunstância de, cabendo a escolha da modalidade de alienação ao administrador, ele não estar vinculado a seguir deliberações que, sobre a matéria, tenham sido tomadas por outros órgãos de insolvência, mesmo que se trate da assembleia de credores. Outra, para advertir do facto de a decisão não ser censurável através de qualquer tipo de impugnação, perante outros órgãos e perante o juiz[3]”.
Se o nº 2 do art. 164º acolhe, no processo de insolvência, o que já está consagrado no processo executivo comum, pelo nº1 do art. 812º do CPC – o administrador deve sempre ouvir previamente os credores que tenham garantia real sobre os bens a alienar acerca do meio pelo qual devem ser vendidos –, a pronúncia de tais credores não é vinculativa, afastando a necessidade de auscultar o devedor insolvente[4].
Concluindo, deparando-se com a falta de depósito do preço por parte do proponente adjudicatário, a decisão do administrador de optar por uma das alternativas que lhe são facultadas por cada uma das alíneas a), b) e c), caracterizada pela sua discricionariedade, não era sindicável mediante a interposição de recurso.
Quanto à alegação do Apelante, de que a venda do restante ½ da fração penhorada na execução “não podia ser legalmente efetuada” no apenso da liquidação da insolvência em que o outro ½ se encontra apreendido, o Apelante não explicita onde vai buscar tal impedimento quando, na decisão recorrida se afirma, não só, a sua possibilidade, mas que tal venda conjunta se imporia, logo desde o início, ao abrigo do disposto no artigo 743º, nº2 do CPC.
E o nº2 do artigo 743º não deixa margem para dúvidas: “Quando em execuções diversas, sejam penhorados todos os quinhões no património autónomo ou todos os direitos sobre o bem indiviso, realiza-se uma única venda, no âmbito do processo em que tenha sido efetuado a primeira penhora, com posterior divisão do produto obtido”.
Quanto à alegação de que quanto à concordância do Agente de Execução para proceder à venda do outro ½, “não mais existe tal concordância, antes pelo contrário”, desacompanhada de qualquer contexto factual concretizador de tal conclusão, não é suscetível de apreciação por este tribunal.
O Apelante invoca ainda como fundamento do recurso o facto, tendo sido indicada prova testemunhal no seu requerimento de nulidade da venda, requerimento que foi tacitamente indeferido, não ter havido lugar a produção de prova, pelo que a decisão recorrida constituiu uma decisão surpresa.
É certo que, em tal requerimento, o insolvente indicou duas testemunhas, tendo o tribunal decidido, sem as ouvir, provavelmente por entender que nenhum dos factos relevantes se encontraria dependente de qualquer prova a produzir.
Contudo, o Apelante também não concretiza relativamente a que factos as queria ouvir – que factos, de entre os por si alegados, se encontrariam carecidos de prova –, assim como, não retira qualquer pretensão da invocação de tal omissão, pelo que, também nesta parte, a Apelação é de improceder.
*
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas a suportar pelo Apelante.
                                                                                                23 de janeiro de 2024

V – Sumário elaborado nos termos do artigo 663º, nº7 do CPC.
(…).




[1] Rui Pinto, “Manual do Recurso Civil”, Vol. I, AAFDL Editora, pp. 349 e 201.
[2] Como se afirma no Acórdão do TRP de 08-03-2019, é obrigatória a publicitação da venda em leilão eletrónico na plataforma eletrónica, sendo as outras formas de publicidade empreendidas pelo agente de execução meramente facultativas.
[3] “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed., QUID JURIS, pp. 650.
[4] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, obra citada, pp. 650-651.