Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1150/09.3GCVIS-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: RECLAMAÇÃO – ARTIGO 405.º
LIMITES DO SEU OBJETO
Data do Acordão: 09/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso:
TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU - VISEU - JC CRIMINAL - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: RECLAMAÇÃO – ARTIGO 405.º
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ART. 399.º CPP
ARTIGO 425.º, N.º 6, DO CPP)
Sumário: O objeto da «Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso» – artigo 405.º do CPP – incide apenas sobre a legalidade do despacho que não admitiu o recurso, tendo apenas em consideração o teor da decisão recorrida e as normas processuais sobre a admissibilidade dos recursos, não fazendo parte do objeto cognoscível da «Reclamação» o conhecimento e decisão sobre outras matérias, como, por exemplo, a apreciação e decisão de eventuais nulidades, como, no caso, a falta de notificação ao arguido do acórdão do tribunal da Relação que manteve a decisão proferida em 1.ª instância.
Decisão Texto Integral:
Reclamação – artigo 405.º do Código de Processo Penal
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Reclamante/arguido/ …………………AA

Reclamado……………………………...Ministério Público

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Sumário
O objeto da «Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso» – artigo 405.º do CPP – incide apenas sobre a legalidade do despacho que não admitiu o recurso, tendo apenas em consideração o teor da decisão recorrida e as normas processuais sobre a admissibilidade dos recursos, não fazendo parte do objeto cognoscível da «Reclamação» o conhecimento e decisão sobre outras matérias, como, por exemplo, a apreciação e decisão de eventuais nulidades, como, no caso, a falta de notificação ao arguido do acórdão do tribunal da Relação que manteve a decisão proferida em 1.ª instância.
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I. Relatório

a) A presente reclamação, dirigida ao despacho de 6 de agosto de 2022, que não recebeu o recurso interposto pelo arguido AA, insere-se num processo comum singular.
O despacho reclamado tem o seguinte teor:
«Requerimento datado de 27.07.2022:

O arguido AA, notificado do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão que lhe foi aplicada, não se conformando com o mesmo, vem, através do requerimento em referência, interpor recurso de tal despacho.

Nos termos do disposto no artigo 399.º, do Código de Processo Penal, é permitido recorrer dos acórdãos, sentenças e despachos cuja irrecorribilidade não esteja prevista na lei, elencando o artigo 400.º, do mesmo diploma legal, as decisões que não admitem recurso.

Contudo, naturalmente, apenas se poderá recorrer de uma decisão que ainda não tenha transitado em julgado.

Conforme dispõe o artigo 628.º, do Código de Processo Civil, aplicável por força do disposto no artigo 4.º, do Código de Processo Penal, a decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação.

Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade da decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.

No caso em apreço, conforme resulta expressamente do seu requerimento de interposição de recurso, o arguido pretende interpor recurso do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão, alegando que tal despacho ainda não transitou em julgado por não ter sido dele pessoalmente notificado, o que, no seu entender, configura uma nulidade insanável (à semelhança do que alega ter ocorrido também com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 28.01.2015, por não lhe ter sido pessoalmente notificado, que, no seu entender, padecerá do mesmo vício).

A decisão que revogou a suspensão da pena de prisão foi proferida em 26.09.2017 – conforme despacho constante do citius com a mesma data.
Essa decisão foi notificada ao arguido, na sua pessoa, por notificação simples, com prova depósito para a morada do termo de identidade e residência – notificação datada de 02.11.2017 -, atento o teor do AUJ n.º 6/20101, que uniformizou jurisprudência no sentido de “a notificação ao condenado do (Publicado no DR, 1ª Série de 21/05/2010) despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de contacto pessoal como a via postal registada, por meio de carta ou aviso registados ou, mesmo, a via postal simples, por meio de carta ou aviso (artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Penal)”.

Assim, em obediência a tal jurisprudência uniformizada, o despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão foi-lhe notificado por notificação simples, com prova depósito, para a morada do termo de identidade e residência, prestado a 05.07.2013.

Nesse termo de identidade e residência constam, além do mais, as advertências que as posteriores notificações seriam efectuadas para tal morada, excepto se comunicar outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento, e que, em caso de condenação, tal termo de identidade e residência apenas se extinguiria com a extinção da pena.

Desta feita, atenta o teor da jurisprudência uniformizada, a notificação que lhe foi efectuada, a data da prova depósito da notificação simples na morada do termo de identidade e residência, no qual consta a advertência acima referida, na ausência de recurso interposto no respectivo prazo legal – 30 dias –, o despacho de revogação da suspensão da pena de prisão transitou em julgado em 12.12.2017. 

Uma vez que a decisão de que o arguido pretende recorrer já transitou em julgado, não pode ser interposto recurso sobre a mesma, por ser insusceptível de ser modificada ou substituída, por este ou outro Tribunal, tendo formado caso julgado, não sendo, assim, admissível o recurso interposto.

Face ao exposto, ao abrigo do disposto no artigo 414.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não se admite o recurso interposto pelo arguido do despacho que revogou a suspensão da execução da pena de prisão. Notifique.»

b) A reclamação, como se disse, incide sobre esta decisão, sendo os respetivos fundamentos os seguintes:
«1. O douto despacho ora reclamado, parte do pressuposto de que todos os atos recorridos transitaram já em julgado, louvando-se no que afirma o AUJ 6/2010, de 21/05/2010

2.Salvo o devido respeito, o douto acórdão, proferido em 2ª instância, constitui nos termos do disposto do artigo 97º números 1 a) e 2 do CPP uma sentença.

3.Nessa medida, deveria ter sido notificada ao recorrente e ao seu defensor e, in casu, é forçoso reconhecer-se que não o foi!

4. E, ao contrario do que tem sido decidido pelos Tribunais Portugueses, inexistem quaisquer razões para que se diga que «a lei processual penal (artigo 425.º, n.º 6, do CPP) não impõe que o arguido seja pessoalmente notificado do acórdão proferido, em recurso, pelo tribunal superior, bastando-se com a notificação do respetivo defensor.»

[Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo 280/06.8TASRT.C1, de 19-12-2018, em que é relator o Exmo. Desembargador JOSÉ EDUARDO MARTINS que cita, em abono da sua tese e entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11/12/2014, Processo n.º 1049/12.6JAPRT-C.S1, relatado pela Exma. Conselheira Isabel São Marcos (ambos disponiveis in www.dgsi.pt) e os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 59/99, 512/04, 275/06, 399/09, 234/10, 667/14, e 31/17]

5. Ambas devem, por imperativo constitucional, alicerçado no disposto no artigo 32º n.º 1 da CRP ser conhecidas pelos sujeitos que podem ser afetados pelas decisões, para serem asseguradas «todas as garantias de defesa, incluindo o recurso».

6. No caso da decisão de primeira instância, é expresso que deve ser notificada ao recorrente (pelos meios legalmente admitidos no artigo 113º n.º 1 do CPP), por força do disposto no artigo 113º n.º 10 do CPP in fine.

7. Já no caso do acórdão em segunda instância pese embora a lei (artigo 475º n.º 6 do CPP) não tenha expressamente afirmado que deve ser notificada pessoalmente ao arguido, também não o afasta.

8. Na verdade, diz mesmo que deve ser notificada aos recorridos, expressão que, salvo o devido respeito, não se confunde, nem pode confundir com a de defensores.

9. Afinal, como acontece in casu, foi o arguido – e não o seu defensor - o recorrido e é ele – e não o seu defensor – quem é afetado pessoalmente com a decisão em segunda instância.

10. E se que o legislador tivesse, efetivamente, querido que os acórdãos em segunda instância só fossem notificados aos defensores, na realidade teriam-no dito expressamente, como ocorre no artigo 113º n.º 10 do CPP quanto a todos os actos que não a acusação, a decisão instrutória, a contestação, a designação de dia para julgamento e a sentença, bem como as relativas à aplicação de medidas de coação e de garantia patrimonial e a dedução do pedido de indemnização civil.

11. Em bom rigor e correndo o risco de repetir os argumentos que atrás deixamos quanto à própria imposição legal de necessidade de notificação pessoal do acórdão em segunda instância, é essa a melhor interpretação legal dos artigos 97º números 1, b) e 2, 113º n.º 10 e 425º n.º 6 do CPP.

12. E, salvo o devido, é a única interpretação consentânea com a CRP, nomeadamente com as normas constantes dos artigos 32º n.º 1, 202º n.º 2, 204º e 208º.

13. Na verdade, é aos tribunais (e não a outras entidades) a quem pertence a obrigação de «assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos», entre os quais a garantia de «todas as garantias de defesa, incluindo o recurso» no respeito pela lei e pela Constituição.

14. Aos advogados a CRP consagra que «a lei assegura aos advogados as imunidades necessárias ao exercício do mandato e regula o patrocínio forense como elemento essencial à administração da justiça».

15. Não lhes impõe qualquer dever de comunicação aos seus representados de comunicação de atos, cuja notificação a lei reserva para os TRIBUNAIS.

16. Dito isto, impõe-se dizer que o douto acórdão não foi notificado pessoalmente ao recorrente, nos termos da norma que resulta da conjugação do disposto nos artigos 97º números 1 b) e 2, 113º n.º 10º e 425º n.º 6 todos do CPP, segundo a qual «o acórdão proferido em sede de recurso, constitui uma sentença penal que deve ser notificada ao defensor e arguido recorrido, o prazo para a prática de ato processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efetuada em último lugar.»

17. Sendo que a falta de notificação ao arguido se trata de uma nulidade insanável nos termos do disposto no artigo 119º alínea d) do CPP que o digno Tribunal a quo deveria conhecer oficiosamente e não fez.

18. E impede o transito em julgado da decisão que aplica a pena ao recorrente, bem como a pratica por este das condições de suspensão da mesma.
19. Sem prejuízo do que atrás se disse, sobre a ausência de trânsito do douto acórdão proferido em sede de recurso e que confirma a decisão em primeira instância, também a decisão que revoga a suspensão da pena ao recorrente, padece de nulidade insanável, nos termos do disposto no 119º do CPP.

20. É um facto que entre a data do acórdão proferido em segunda instância e o despacho que revoga a suspensão da pena decorreram quase 3 anos sem que o Tribunal tivesse provado cumprimento das condições da suspensão.

21. Mas é mister reconhecer-se que tal se deve a um conjunto de circunstâncias que, em grande parte escapam ao controlo e comportamento do arguido.

22. A sua não notificação do acórdão que confirma a decisão de primeira instância pelo Tribunal, legalmente obrigatória, não resulta de um ato seu, mas de uma omissão do órgão de Justiça.

23. A não informação aos autos de que havia emigrado não é inteiramente da sua responsabilidade, porque disso deu conta ao seu defensor.

24. A não comparência aos actos da DGRS deve-se à sua não notificação para o efeito, daquela entidade, que não comprova sequer o contrario nos autos.

25. A não comparência na audiência para a revisão da suspensão ocorre por não ter sido notificado para o efeito, nem disso ter sido avisado pelo Tribunal.

26. A sua não notificação na Alemanha resulta do envio da notificação por via postal registada com AR para uma morada insuficiente e incorrecta.

27. E o Tribunal, tendo podido requerer a notificação do recorrente por carta rogatória na Alemanha, tanto do acórdão que este não conhecida, como para obtenção de outros elementos sobre as suas condutas e omissões, decidiu sem o ouvir.

28. Sendo certo que tal decisão foi proferida sem ter ouvido o recorrente, em clara violação do disposto nos artigos 56º do CP e 495º do CPP.

29. Além de que, tendo o Tribunal a informação de que, não obstante o TIR prestado, o recorrente não era notificado na morada que nessa sede indicou, ainda assim ordenou que fosse notificado ali daquela decisão.

30. Ou seja, também este despacho padece de nulidade insanável, nos termos do artigo 119º alíneas c) e d) do CPP, cuja declaração se requereu em tempo, sem que o digno Tribunal a quo se tivesse pronunciado sobre a mesma.

Termos que se requer a Vossa Excelência que se dignem julgar procedente, por provada, a presente reclamação e consequentemente admitir o recurso interposto.»

II. Objeto da reclamação
A presente reclamação coloca várias questões, que se sintetizam deste modo:

1 – Em primeiro lugar cumpre verificar se as nulidades invocadas relativamente a atos processuais anteriores ao despacho reclamado, como é o caso relativo à notificação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, podem ser apreciadas nesta reclamação, por outras palavras, se tais atos relativos ao passado processual podem integrar o objeto da presente reclamação.

2 – Em segundo lugar, se a resposta for positiva, apreciar-se-ão essas alegadas nulidades; sendo a resposta negativa, cumpre verificar se efetivamente o despacho reclamado não transitou em julgado devido ao facto do arguido não ter sido notificado do mesmo.

III. Fundamentação

(a) Matéria de facto processual
A matéria a considerar é a que consta do relatório que antecede. b) Apreciação

1 – Vejamos se as nulidades insanáveis invocadas relativamente a atos processuais anteriores ao despacho reclamado, como é o caso relativo à notificação do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de janeiro de 2015, podem ser apreciadas nesta reclamação, por outras palavras, se tais atos relativos ao passado processual integram o objeto da presente reclamação.
A resposta é negativa pelas seguintes razões:

Como resulta do disposto no n.º 3 do artigo 405.º do CPP, «No requerimento o reclamante expõe as razões que justificam a admissão ou a subida imediata do recurso e indica os elementos com que pretende instruir a reclamação.».

O artigo 643.º do Código Processo Civil (suscetível de aplicação ao processo penal – artigo 4.º do CPP) é mais explícito e diz que a reclamação é dirigida ao tribunal superior instruída com o requerimento de interposição de recurso e as alegações, a decisão recorrida e o despacho objeto de reclamação, a qual deve ser decidida em 10 dias.

Verifica-se face a estas normas que a «Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso» é, de um processado de baixa complexidade cujo objeto de conhecimento é delimitado pela decisão recorrida, alegações de recurso, despacho de não admissão do recurso, petição da reclamação e eventual resposta da outra parte.

Ou seja, a reclamação é decidida pela análise do processado que se inicia com a decisão recorrida e termina, se existir, na resposta da parte contrária à reclamação apresentada pelo recorrente.

No essencial, o mérito ou questão jurídica colocada pela reclamação confina-se à decisão (e fundamentos) contida no despacho reclamado.

Ora a decisão reclamada tem a ver apenas com a admissibilidade ou não do recurso, considerando, claro está, a situação processual existente nesse momento e não qualquer outra situação que possa resultar, por hipótese, da procedência de recursos já interpostos ou a interpor, ou nulidades arguidas ou arguíveis, mas ainda não decididas ou arguidas.

As nulidades processuais são arguidas nos termos previstos nos artigos 119.º e 120.º do CPP.

Ou seja, o interessado dirige ao tribunal um pedido expresso de pronúncia para que o tribunal declare a nulidade de certo ato ou omissão de um dado ato que devia ter sido executado e não o foi.
Depois, o tribunal decide sobre o pedido e, sendo caso disso, anula os atos processuais posteriores afetados pela nulidade [«1. As nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar. 2. A declaração de nulidade determina quais os atos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respetivas a cargo do arguido, do assistente do CPP], podendo ou não existir recurso da decisão que seja tomada.

Ou seja, a reclamação contra a não admissão do recurso não é um meio processual destinado, concebido, ou apropriado para apreciar e declarar nulidades processuais e a tramitação dos eventuais recursos sobre a matéria; ou, quando procedentes tais nulidades, à subsequente declaração de anulação dos termos posteriores do processo por ela afetados. 

O que significa que enquanto não for declarada a nulidade, os atos processuais existentes no processo mantêm-se em vigor, produzindo no processo os efeitos que lhe são assinalados na lei.

No caso dos autos, os efeitos relativos ao início e termo do prazo para arguição de nulidades e do trânsito em julgado da decisão.

No caso presente, o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de janeiro de 2015 foi notificado apenas ao defensor do arguido, por se ter entendido, certamente, que a notificação desse acórdão, feita desse modo, ficava realizada de modo completo, isto é, sem necessidade de qualquer outro ato processual adicional como, por exemplo, uma segunda notificação pessoal agora dirigida ao arguido.

Por conseguinte, enquanto tal ato, isto é, o modo como a notificação desse acórdão foi realizada, não for objeto de arguição de nulidade, o que é feito através de um pedido expresso de pronúncia dirigido ao tribunal, tal situação processual mantém-se em vigor, produzindo no processo os efeitos que lhe são assinalados na lei, no caso, os efeitos relativos ao início e termo do prazo para arguição de nulidades e trânsito em julgado da decisão.

Concluindo: o objeto da «Reclamação contra despacho que não admitir ou que retiver o recurso» – artigo 405.º do CPP – incide apenas sobre a legalidade do despacho que não admitiu o recurso, tendo apenas em consideração o teor da decisão recorrida e as normas processuais sobre a admissibilidade dos recursos, não fazendo parte do objeto cognoscível da «Reclamação» o conhecimento e decisão sobre outras matérias, como, por exemplo, a apreciação e decisão de eventuais nulidades, como, no caso, a falta de notificação ao arguido do acórdão do tribunal da Relação que manteve a decisão proferida em 1.ª instância.

O que significa que não se apreciará nesta reclamação, por não ser matéria suscetível de ser apreciada através deste meio processual, a questão de saber se o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28 de janeiro de 2015 foi notificado e transitou em julgado ou, ao invés, há ainda uma notificação em falta e, por isso, ainda não transitou em julgado.

2 – Em segundo lugar, cumpre verificar se efetivamente o despacho reclamado não transitou em julgado devido ao facto do arguido não ter sido notificado do mesmo.
A resposta a esta questão é negativa.

E é negativa porque o arguido foi, de facto, como se vê pelo processo eletrónico, que foi notificado de tal despacho.

A decisão que revogou a suspensão da pena de prisão foi proferida em 26 de setembro de 2017 e foi notificada ao arguido através de carta, na sua pessoa, por notificação simples, com prova depósito para a morada do termo de identidade e residência.

Esta notificação foi realizada no dia 3 de novembro de 2017, como se vê pela declaração escrita lançada pelo funcionário dos CTT no respetivo documento, que consta a fls. 19 do presente processo físico relativo a esta Reclamação.

Esta notificação está feita de acordo com o disposto na al. c) do artigo 113.º do CPP onde se determina que as notificações se realizam por «c) Via postal simples, por meio de carta ou aviso, nos casos expressamente previstos», estando o caso dos autos «previsto na lei», ou seja, na al. c) do n.º 3 do artigo 196.º do mesmo Código onde se dispõe, referindo-se ao termo de identidade e residência, que após este prestado, «…as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada no n.º 2, exceto se o arguido comunicar uma outra, através de requerimento entregue ou remetido por via postal registada à secretaria onde os autos se encontrem a correr nesse momento».

Neste sentido, o AUJ n.º 6/20101 citado no despacho reclamado [«I - Nos termos do n.º 9 do artigo 113.º do Código de Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado. 

II - O condenado em pena de prisão suspensa continua afecto, até ao trânsito da revogação da pena substitutiva ou à sua extinção e, com ela, à cessação da eventualidade da sua reversão na pena de prisão substituída, às obrigações decorrentes da medida de coacção de prestação de termo de identidade e residência (nomeadamente, a de ‘as posteriores notificações serão feitas por via postal simples para a morada indicada’). 

III - A notificação ao condenado do despacho de revogação da suspensão da pena de prisão pode assumir tanto a via de ‘contacto pessoal’ como a ‘via postal registada, por meio de carta ou aviso registados’ ou, mesmo, a «via postal simples, por meio de carta ou aviso» [artigo 113.º, n.º 1, alíneas a), b) e c) e d), do CPP).»

Este modo de notificação justifica-se pelo facto de ser o modo exequível e justo de realizar a notificação.

Pois, como se refere no mencionado AUJ «…a esmagadora maioria dos arguidos que não estão dispostos a cumprir os deveres que condicionam a suspensão de execução da pena também não estão na disposição de se deixarem notificar, o que irá ter por consequência a submersão dos tribunais, e dos órgãos de policia criminal, em sucessivas e infindáveis diligências de averiguação do paradeiro de indivíduos que, mesmo após terem assumido a obrigação de informar da mudança de domicílio, e não obstante terem sido condenados em pena de multa que sabem ser seu dever pagar, votam o processo criminal aos mais absoluto desprezo.»

Conclui-se, por conseguinte, que o arguido foi, de facto, corretamente notificado, no dia 3 de novembro de 2017, da decisão que lhe revogou a suspensão da execução da pena.

Assim como foi notificado o seu defensor, através de notificação elaborada em 2 de novembro de 2017 (data da certificação CITIUS).

O arguido tinha 30 dias para interpor recurso da decisão, prazo que se esgotou ainda durante o ano de 2017.
Resulta do exposto que o recurso agora interposto, em 29 de julho de 2022, é extemporâneo, pelo que não pode ser admitido, porquanto decorreu o prazo durante o qual podia ser interposto [«O recurso não é admitido (…), quando for interposto fora de tempo, (…)» - n.º 2 do artigo 414.º do CPP].
Cumpre, face ao exposto, julgar a reclamação improcedente.

IV. Decisão
Considerando o exposto, julga-se a reclamação improcedente.
Custas pelo arguido.

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Alberto Augusto Vicente Ruço 
(Vice-Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, por competência delegada - Despacho do
Ex.mo Sr. Presidente do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18 de março de 2022)