Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
89/13.2TBCLB-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO URBANO
DENÚNCIA PELO SENHORIO
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
ARTICULADO SUPERVENIENTE
Data do Acordão: 04/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA – CELORICO DA BEIRA – INST. LOCAL – SEC. COMP. GENÉRICA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 7º, Nº 4, 410º, 411º, 436º, Nº 1, E 644º, NºS 2 E 3 DO NCPC.
Sumário: I – O regime de recurso da decisão sobre a reclamação de bens, proferida após a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho (1/9/2013), em autos de inventário instaurados em 07/01/2013, é o estabelecido pelo novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela citada Lei.

II - A decisão em causa, não cabendo no âmbito da previsão nem das alíneas do nº 1 do Artº 644º do NCPC - designadamente da alínea a)) -, nem de qualquer uma das alíneas do nº 2 desse artigo (v.g., na alínea h)), não poderá ser objecto de recurso autónomo, apenas podendo ser impugnada na ocasião a que se alude no nº 3 do artigo, ou seja, em princípio, “in casu”, com o recurso da sentença proferida quanto à partilha.

III - Uma decisão que admitiu e recusou provas é uma decisão recorrível autonomamente, nos termos do artº 644º, nº 2, alínea d), do NCPC.

IV - Situações há que, não obstante atinentes a bens e direitos já em poder de um herdeiro do “de cujus” (ou mesmo de um terceiro) à data do respectivo óbito, devem ser fielmente retratadas no inventário, já que susceptíveis de influenciar a partilha.

V - É o caso de bens doados, designadamente, nas situações em que se apure a inoficiosidade dessas liberalidades, caso em que estas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (art.º 2169º do CC; art.ºs. 2168º e 2162º, nº 1, do mesmo Código).

VI - De outra banda, haverá a considerar, também, o específico caso dos bens sonegados, com repercussões na partilha em virtude da sanção prevista no art.º 2096º, n.º 1, do CC.

VII - Tendo que se admitir que seja ao Tribunal que caiba aferir, fundamentadamente, da necessidade ou utilidade de lançar mão, ainda que a requerimento da parte, dos seus poderes oficiosos (v.g., ao abrigo dos artºs 7º, nº 4, 410º, 411º e 436º, nº 1, todos do NCPC), compreende-se que haja uma ampla latitude na apreciação do Tribunal desse requerimento, de modo a que este possa ser recusado se o Tribunal não estiver de acordo com a pertinência ou utilidade do que lhe é pedido, ou, se não estiver já no propósito do Tribunal proceder “ex officio” às diligências requeridas, se a parte não fornecer elementos concretos, objectivos, que habilitem ao Tribunal proceder à referida aferição.

VIII - O “providenciar pela remoção do obstáculo” a que se refere o artº 7º, nº 4, do NCPC, não está apenas dependente da alegação justificada da dificuldade séria da parte em oferecer documento ou informação, tendo como pressuposto, também, que esse documento ou informação se assumam, em concreto, ao menos em termos plausíveis, como relevantes para o eficaz exercício de uma faculdade ou do cumprimento de um ónus ou dever processual, de modo a que a sua falta seja idónea a condicionar esse “eficaz exercício”.

Decisão Texto Integral:



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A) - 1) - No processo de inventário, a correr termos em Celorico da Beira, na Instância Local - Secção de Competência Genérica (J1), da Comarca da Guarda, para partilha dos bens deixados por óbito de F... e por óbito de M..., em que é cabeça-de-casal I..., veio a interessada C... reclamar da relação de bens, terminando assim:

«A aqui interessada desconhece a instituição bancária, bem como a conta bancária de França na qual foram efectuadas durante os primeiros anos os depósitos das pensões que os inventariados percebiam da Caixa de Aposentações, nem tem forma de conseguir obter tal informação.

Para prova do alegado no Capitulo IV desta peça processual requer-se que seja notificada a cabeça de casal para vir aos autos prestar tal informação e juntar extractos dessa conta bancária desde 01/01/2002 a 31/12/2006.

Para prova desta mesma materialidade requer-se que seja notificada a Caixa de Aposentações que liquidava mensalmente aos inventariados a sua pensão de reforma, e que se julga ser La Caisse Nationale D'Assurance Vieillesse com sede em 110, Avenue de Flandres, 75 951 Paris Cedex 19 e a Klesia- Protectrion e Innovatíon Sociales com sede em 5 à 9 Rue Van Gogh, 75591 Paris Cedex 12, para vir aos autos identificar a instituição bancária e a conta bancária na qual procediam ao pagamento das pensões de reforma dos inventariados no período compreendido entre 01/01/2002 e 31/12/2006.

Ainda para prova dessa mesma materialidade, obtido a informação requer-se que seja notificada a Instituição Bancária para fornecer os respectivos extractos de conta relativos a este período».

2) - Em momento processual posterior, com fundamento no disposto no artº 1349º, nº 3, do CPC e o anunciado propósito de responder aos requerimentos da cabeça de casal, veio a aludida C..., agora acompanhada da interessada M..., oferecer articulado que terminaram assim:

«Para prova do alegado no Capitulo IV requer-se, nos termos do artº 7º nº 4 do NCPC, que Vª. Exª. se digne mandar notificar o Banco Central Francês para que este junto das demais instituições bancárias desse país indague da existência de contas bancárias de que fossem titulares os inventariados, dos movimentos bancários verificados nessas eventuais contas bancárias desde 1997 e até ao dia de hoje, da identificação das pessoas que efectuaram os movimentos e da existência de procuração outorgada por aquele e pela sua esposa à aqui cabeça de casal e marido.

Caso tal não seja admitido, requer-se que Vª. Exª. se digne mandar notificar a Caisse d'Epargne, e a Caisse de Crédit Mutuel de Le Mans Centre com sede em 1 Place des Comtes du Maine, 72000 Le Mans, para vir aos autos, juntar extracto de conta desde 1997 e até aos dias de hoje, ou até à data do encerramento das contas, bem como para vir aos autos juntar procuração/autorização outorgada pelos inventariados a favor da cabeça de casal e/ ou seu marido para estes poderem movimentar tais contas, e para identificar as pessoas que efectuaram tais movimentos.

Tal meio probatório destina-se a prova do artº 20º da presente peça processual, e artº 82º da Reclamação de falta de bens.

As aqui interessadas não conseguem a obtenção de tal documentação por as instituições bancárias se recusarem a entregar-lhas, por estas não serem os titulares, não possuírem qualquer autorização nas contas, e não serem cabeça de casal».

Nesse requerimento, as interessadas, alegaram, entre o mais:

“11º

A cabeça casal, na sequência do julgamento do incidente de impugnação de competência da mesma, veio admitir que agora, e só agora, descobriu a existência de um depósito bancário na conta nº ... que o inventariado possuía na Caisse d'Epargne em França.

12º

Junta para o efeito um extracto de conta, que inicia apenas e tão só no ano de 2003, e do qual resulta que foi efectuado, já após o óbito do inventariado verificado em 5 de Junho de 2003, um levantamento de 200 em 27 de Julho de 2004, e uma transferência bancária para essa conta em 15 de Julho de 2004.

13º

Desse documento resulta ainda que foram feitas para essa conta transferências bancárias da Caisse Primaire d'assurance Maladie de Le Mans, organismo mais vocacionado para reembolso de despesas médicas e medicamentosas.

14º

De sublinhar, como já foi anteriormente referido, que os inventariados outorgaram à cabeça de casal e seu marido procuração por forma a que estes pudessem movimentar as contas bancárias por eles abertas em França, onde eram depositados mensalmente pensões de reforma que a Caixa de Aposentações de França lhes pagava, e de que eram titulares e

15º

Pese embora, a cabeça de casal e o seu marido terem sido instados a prestar contas relativamente aos valores aí depositados, certo é, que até à presente data não o fizeram.

16º

Por requerimentos com a refª. ... apresentados pela cabeça de casal no incidente de impugnação da sua competência para desempenhar tal cargo, esta veio referir que as contas bancárias dos inventários relativamente às quais possivelmente possuiria procuração estavam sediadas na Caisse de Crédit Mutuel de Le Mans Centre com sede em 1 Place des Comtes du Maine, 72000 Le Mans, tendo-as identificado com os nºs ...

17º

Já na audiência de discussão e julgamento da causa desse incidente, o marido da cabeça de casal, A..., veio referir que uma das contas teria sido cancelada no final dos anos noventa pelos próprios inventariados aquando de uma deslocação deles a França para participar no casamento de um dos seus netos, e a outra teria sido cancelada por ele e pela cabeça de casal, no ano de 2000, mediante entrega de documento subscritos pelos próprios inventariados,

18º

Sem contudo explicar o destino dado ao saldo bancário existente à data do cancelamento.

19º

Também referiu que o inventariado ainda assim continuou a perceber uma das pensões em Instituição bancária sediada em França.

20º

Por outro lado, o A..., inquirido em audiência de julgamento desse incidente, confessou que apesar de ter sido instado pela inventariada a entregar as cadernetas referentes a essas contas sediadas em França, não o fez, nem prestou contas.

21º

As aqui interessadas estão convictas que os pais possuíam mais valores depositados em contas bancárias francesas, para além dos 417,07 que a cabeça de casal agora indica.

22º

De sublinhar que o levantamento de 200,00 efectuados em 27 de Julho de 2004, não o foi pela inventariada.

23º

Assim sendo, e caso se verifique existência de contas e dinheiro nas mesmas, e caso se apure que o mesmo foi percebido ou levantado pela cabeça de casal e seu marido o valor dos levantamentos deverão ser devolvidos a herança

24º

Tendo presente as contradições da cabeça de casal e do seu marido a este respeito e para dilucidar toda e qualquer dúvida acerca da existência de possíveis movimentos bancários de contas dos inventariados por eles efectuados em proveito próprio, requer-se a Vª. Exª. que se digne mandar notificar o Banco Central Francês para que este junto das demais instituições bancárias desse país indague da existência de contas bancárias de que fossem titulares os inventariados, dos movimentos bancários verificados nessas eventuais contas bancárias desde 1997 e até ao dia de hoje, da identificação das pessoas que efectuaram os movimentos e da existência de procuração outorgada por aquele e pela sua esposa à aqui cabeça de casal e marido.

25º

Caso tal não seja admitido, requer-se que sejam notificadas a Caisse d'Epargne, e a Caisse de Crédit Mutuel de Le Mans Centre com sede em 1 Place des Comtes du Maine, 72000 Le Mans, para vir aos autos, juntar extracto de conta desde 1997 e até aos dias de hoje, ou até à data do encerramento das contas, bem como para vir aos autos juntar procuração/autorização outorgada pelos inventariados a favor da cabeça de casal e/ ou seu marido para estes poderem movimentar tais contas, e para identificar as pessoas que efectuaram tais movimentos.“.

3) - A Mma. Juiz do Tribunal “a quo”, por despacho de 27/01/2015, epigrafado “Reclamação à Relação de Bens”, decidiu das matérias respeitantes a:

- Dívidas Relacionadas;

- Bens em falta;

- Contas Bancárias;

- Nulidade do aditamento à relação de bens.

Por outro lado, referindo carecer de prova a produzir, relegou para momento posterior a decisão quanto «...à demais matéria objecto do presente incidente de reclamação à relação de bens que se encontra em discussão - "dívida activa" relacionada a fls. 376 sob a verba n°l da relação de bens adicional de fls. 374 a 376.».

Na parte respeitante à matéria das contas bancárias foi esta a decisão proferida:

«No que respeita à existência de contas bancárias em França (cfr. Título IV da Reclamação, artigos 76° a 81°) importa notar, antes de mais, que em sede de Sentença proferida nos autos a 21 de Agosto de 2014 no âmbito do incidente de remoção de cabeça de casal (cfr. fls. 359 a 366) consta dos factos provados, entre o mais, que os Inventariados tinham três contas em Instituições Bancárias em França, duas das quais já se encontravam encerradas à data do óbito dos Inventariados - que resulta da conjugação dos factos elencados em 24, 25 e 26 dos factos provados (cfr. factos 22 a 26) e que, de resto, a própria Reclamante expressamente admite terem sido encerradas em data anterior doa morte dos inventariados [cfr. fls. 406]; pelo que, considerando os factos provados no referido incidente, quanto a duas das contas bancárias cuja existência havia sido assacada pela Reclamante, nada mais há a decidir, ficando, pois, desprovido de qualquer efeito útil a determinação de quaisquer diligências (muito concretamente as requeridas pela Reclamante a fls. 406 e 407 dos autos).

Ademais, no que respeita à [única] conta existente em França que se mantinha, ainda, aberta à data dos Inventariados, veio a Cabeça de Casal admitir a existência da mesma, atribuindo-lhe o saldo de 417,07 (juntando, para o efeito, o saldo bancário de fls. 378) e sendo certo que a Reclamante apenas invocou "estar convicta que os pais possuíam mais valores depositados em contas bancárias francesas para além dos 417,076, que a cabeça de casal indica" (cfr. fls. 406 verso, artigo 21°) - referindo mesmo, no artigo 23° "caso se verifique a existência de contas e dinheiro nas mesmas" - resulta com clareza que a Cabeça de Casal aceitou o saldo bancário relativo à única conta existente em França que se mantinha, ainda, aberta à data dos Inventariados e cuja existência foi expressamente aceite pela Cabeça de Casal (subsistindo as dúvidas da Reclamante apenas quanto às duas outras contas existentes Instituições Bancárias em França cujo encerramento foi dado já como provado pelo Tribunal, nos termos referidos).

Pelo exposto, encontrando-se dirimidas todas as questões objecto de reclamação relativas às contas bancárias francesas, nada mais há a determinar no que a esta matéria concerne.

No que tange, por seu turno, ao saldo bancário da conta bancária relacionada sob a verba n°l da Relação de Bens de fls. 94 a 100 importa, tal como requerido pela própria Cabeça de Casal, oficiar à Caixa Geral de Depósitos para, no prazo de 20 dias, juntar aos autos os extractos da conta bancária em apreço desde a data do óbito do Inventariado, o que se determina.»;

4) - Inconformada com tal despacho, veio a aludida interessada C..., em 16/02/2015, apresentar requerimento de interposição de recurso com a respectiva alegação, recurso esse que pediu fosse recebido como apelação, com subida imediata, em separado e com efeito suspensivo, referindo que esse efeito se justificava “uma vez que a retenção do recurso tornará os seus efeitos inúteis”;

5) - Em 26/12/2015 foi proferido despacho, não admitindo o recurso em causa, com a justificação de que respeitando a decisão sobre a reclamação de bens não poderia ser objecto de impugnação autónoma.

6) - Desse despacho veio a recorrente reclamar para este Tribunal da Relação, nos termos do art.º 643º do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/6[1], invocando a violação, pelo despacho reclamado, do disposto no artº 644º, nº 2, d), do NCPC e referindo, entre o mais, que:

«...o recurso interposto pela aqui recorrente assentou na circunstância do Tribunal "a quo" ter admitido os meios probatórios requeridos pela cabeça de casal e nesta sequência ter determinado que se oficiasse junto da Caixa Geral de Depósitos para esta, no prazo de 20 dias, juntar aos autos os extractos da conta bancária cujo saldo já tinha sido relacionado sob a verba nº 1 da Relação de bens junta aos autos, e não questionado por nenhum dos interessados,

(...)

e ainda na circunstância desse mesmo Tribunal ter indeferido os meios probatórios requeridos pela aqui recorrente que tinham por objectivo indagar da existência de saldos bancários dos inventariados à data da morte do inventariado F..., e até em momento anterior por forma a que a aqui cabeça de casal prestasse contas do dinheiro dos inventariados por ela movimentado, e o relacionasse no presente inventário (...)”.

Terminou assim pedindo que, deferindo-se a reclamação, o recurso em causa fosse admitido e “...julgado procedente por provado, seguindo-se os demais termos em conformidade».


*

B) - a) - Por decisão do Relator, de 10/11/2015, deu-se deferimento à reclamação, revogando-se o despacho reclamado e admitindo-se o recurso interposto por C..., como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse mesmo despacho solicitou-se à 1ª Instância, para além da remessa dos autos, o envio de certidão de onde constasse “…O requerimento da cabeça-de-casal que deu azo a que, no despacho de 27/01/2015, se determinasse que se oficiasse à CGD, solicitando os elementos que nesse despacho se referem; - a decisão de 21/08/2014, também referida do despacho de 27/01/2015, proferida no âmbito do incidente de remoção da cabeça-de-casal, com nota do respectivo trânsito em julgado e da identidade de quem suscitou tal incidente.”

b) - Por decisão de 21/08/2014, proferida no âmbito do incidente de remoção da cabeça de casal suscitado pela interessada C..., decisão essa que transitou em julgado em 01/10/2014, foi julgado improcedente tal incidente e, em consequência, foi mantida como cabeça de casal a interessada inicialmente nomeada para o cargo, I...;

c) - No âmbito desse incidente foram dados como provados, entre outros, os seguintes factos:

...

C) - As conclusões que a Apelante ofereceu no termo da sua alegação de recurso foram as seguintes:

...

Rematou assim, após as respectivas conclusões, a sua alegação de recurso:

«...deve ser deferido o pedido de notificação do Banco Central Francês para que este junto das demais instituições bancárias desse país indague da existência de contas bancárias de que fossem titulares os inventariados, dos movimentos bancários verificados nessas eventuais contas bancárias desde 1997 e até ao dia de hoje, da identificação das pessoas que efectuaram os movimentos e da existência de procuração outorgada por aquele e pela sua esposa à aqui cabeça de casal e marido, ou caso não seja admitido, deve ser deferida a notificação a Caisse d'Epargne, e a Caisse de Crédit Mutuel de Le Mans Centre com sede em 1 Place des Comtes du Maine, 72000 Le Mans, para vir aos autos, juntar extracto de conta desde 1997 e até aos dias de hoje, ou até à data do encerramento das contas, bem como para vir aos autos juntar procuração/autorização outorgada pelos inventariados a favor da cabeça de casal e/ ou seu marido para estes poderem movimentar tais contas, e para identificar as pessoas que efectuaram tais movimentos.

Em todo o caso deverá ser indeferido o pedido da cabeça de casal segundo o qual deveria ser oficiada Caixa Geral de Depósitos para, no prazo de 20 dias, juntar aos autos os extractos da conta bancária nº ... desde a data do óbito do Inventariado F...».

II - As questões:
Em face do disposto nos art.ºs 635º, nºs 3 e 4, e 639º, nº 1, ambos NCPC, o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 608º, n.º 2, “ex vi” do art.º 663º, nº 2, do mesmo diploma legal.

Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, “questões”, para efeito do disposto no n.º 2 do artº 608º do NCPC, são apenas as que se reconduzem aos pedidos deduzidos, às causas de pedir, às excepções invocadas e às excepções de que oficiosamente cumpra conhecer, não podendo merecer tal classificação o que meramente são invocações, “considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes”[2] e que o Tribunal, embora possa abordar para um maior esclarecimento das partes, não está obrigado a apreciar.
Assim, importa aqui saber se à Mma. Juiz do Tribunal “a quo” era lícito não deferir as diligências para obtenção de informações/elementos bancários que recusou à ora Apelante e, por outro lado, se se lhe impunha recusar o que deferiu à cabeça de casal com respeito a oficiar à Caixa Geral de Depósitos para, no prazo de 20 dias, juntar aos autos os extractos da conta bancária nº ...

III - A) - O circunstancialismo processual e a factualidade provada que importa ponderar para a decisão do presente recurso estão elencados em I “supra”.

B) - Recordemos que, na decisão do relator, que deferiu a reclamação que determinou a admissão do presente recurso, se salientou:
- «a reclamação prevista no artº 643º do CPC visa modificar o despacho em que se julgue que o recurso não pode ser admitido, pelo que o seu deferimento não assegura a procedência do recurso.»;
- «…diremos ser também nosso entendimento que o recurso da decisão sobre a reclamação de bens não pode ser admitido como tendo subida autónoma e imediata.
Efectivamente, o ora Relator já expressou esse entendimento na decisão singular de 19/12/2014, proferida nos autos de recurso de Apelação nº 279/07.7TBSAT-C.C1, onde, entre o mais, escreveu:
«O regime de recurso da decisão sobre a reclamação de bens, proferida em 07/07/2014 - proferida, portanto, após a entrada em vigor da Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho (1/9/2013), em autos de inventário instaurados em 07/01/2013 -, é o estabelecido pelo novo Código de Processo Civil (NCPC), aprovado pela citada Lei; 
- A decisão em causa, não cabendo no âmbito da previsão, nem das alíneas do nº 1 do Artº 644º do NCPC - designadamente, da alínea a)) - nem de qualquer uma das alíneas do nº 2 desse artigo (v.g., na alínea h)), não poderá ser objecto de recurso autónomo, apenas podendo ser impugnada na ocasião a que se alude no nº 3 do artigo, ou seja, em princípio, “in casu”, com o recurso da sentença proferida quanto à partilha…».
- «…o recurso versa uma decisão - embora que tomada no âmbito de despacho que solucionou outras questões relativas ao incidente de acusação de falta de relacionação de bens - que admitiu (quanto à cabeça-de-casal) e recusou (quanto à interessada, ora Reclamante), requerimentos em que se solicitava que o Tribunal colhesse informações ou elementos sobre contas bancárias (incluindo, desde logo, informações susceptíveis de confirmar a respectiva existência), com vista à prova de factualidade alegada, o que quer dizer, que essa decisão admitiu e recusou provas e, assim, que se trata de decisão recorrível autonomamente, nos termos do artº 644º, nº 2, alínea d), do NCPC.».
Não está aqui em causa, pois, o concreto dever do cabeça de casal relacionar determinados saldos das contas bancárias que a Apelante refere - sob pena de se estar a conhecer de matéria que directamente respeitaria à decisão da reclamação de bens e cuja impugnação, como se defendeu na decisão do relator, não cabe fazer em apelação autónoma, havendo que decidir no presente recurso, reafirma-se, se à Mma. Juiz do Tribunal “a quo” era lícito não deferir as diligências para obtenção de informações/elementos bancários, que recusou à ora Apelante, e, por outro lado, se se lhe impunha recusar o que deferiu à cabeça de casal com respeito a oficiar à Caixa Geral de Depósitos para, no prazo de 20 dias, juntar aos autos os extractos da conta bancária nº ...
Para atingir tal escopo, porém, importa apurar, em face dos elementos disponíveis, da utilidade das informações/junção de elementos que a Apelante pretendia que o Tribunal obtivesse e da relevância do motivo que a leva a pugnar pelo indeferimento do pedido da cabeça de casal no sentido de ser oficiado à Caixa Geral de Depósitos para, no prazo de 20 dias, juntar aos autos os extractos da conta bancária nº ...
O inventário tem como escopo conseguir a distribuição fiel e equitativa de uma herança, nele interessando, assim, para que a partilha seja efectuada com igualdade e justiça, apurar toda a verdade respeitante aos factos com repercussão naquela.
É certo que a sucessão se abre na data do óbito do inventariado (art.º 2031º, n.º 1 do Código Civil) e que é essa a data atendível para aferir dos bens existentes no património do autor da sucessão e do valor desses bens para efeitos do cálculo da porção legitimária (cfr. art.º 2162º, do CC).
Todavia, casos haverá em que os bens que se detectaram e assim se referiram no inventário como sendo os existentes no património do “de cujus”, não esgotam o leque de todos aqueles que nesse património se devem considerar englobados.
Por outro lado, situações há que, não obstante atinentes a bens e direitos já em poder de um herdeiro do “de cujus” (ou mesmo de um terceiro) à data do respectivo óbito, devem ser fielmente retratadas no inventário, já que susceptíveis de influenciar a partilha.
É o caso de bens doados, designadamente, nas situações em que se apure a inoficiosidade dessas liberalidades, caso em que estas são redutíveis, a requerimento dos herdeiros legitimários ou dos seus sucessores, em tanto quanto for necessário para que a legítima seja preenchida (art.º 2169º do CC, cfr., tb., art.ºs. 2168 e 2162, n.º 1, do mesmo Código).
De outra banda, haverá a considerar, também, o específico caso dos bens sonegados, com repercussões na partilha em virtude da sanção prevista no art.º 2096, n.º 1, do CC.
Ora, tendo em conta o decidido, com trânsito em julgado, no incidente em que se requereu a remoção da cabeça de casal, bem assim como os restantes elementos que os autos fornecem, não podemos afirmar, nem que tenha sido suscitada, com concretização suficiente, qualquer questão de sonegação de bens, nem que, por outro lado, haja sido levantada questão atinente à inoficiosidade de alguma doação (cfr. v.g., a expressão “…sem que estes lhos tivessem doado em vida ou à sua morte…”, constante da conclusão 6ª da Apelação).
Assim, o ponto em que de deve assentar é que as data atendíveis para aferir dos bens existentes no património dos aqui inventariados F... e M... são as datas dos seus óbitos, que ocorrerem, respectivamente, em 05 de Junho de 2003 e 21 de Dezembro de 2012.
Resulta assente no despacho ora recorrido que os Inventariados tinham três contas em Instituições Bancárias em França, duas das quais já se encontravam encerradas à data do óbito daqueles, sendo que, quanto à “[única] conta existente em França que se mantinha ainda aberta” à data do óbito daqueles, “…veio a Cabeça de Casal admitir a existência da mesma, atribuindo-lhe o saldo de 417,07€” e que a Reclamante[3] “…aceitou o saldo bancário relativo à única conta existente em França que se mantinha ainda aberta à data dos óbitos dos inventariados e cuja existência foi expressamente aceite pela Cabeça de Casal”.
Não havendo elementos que permitam a esta Relação a modificar a factualidade assim dada como assente no despacho recorrido (alguma dela assente também, diga-se, na própria decisão que pôs termo ao incidente em que se suscitara a remoção da cabeça e casal), não se podem aceitar como úteis ao inventário e, em particular, à decisão da reclamação respeitante à relação de bens, as diligências de recolha de informações, quer sobre “eventuais contas bancárias”[4] que os inventariados aí possuíssem, que reportando-se a períodos de tempo tão espaçados (…desde 1997 e até aos dias de hoje, ou até à data do encerramento das contas…) a ora Apelante pretende que o Tribunal leve a cabo junto das instituições bancárias de França (que, em sede de pedido principal, são todas instituições bancárias desse país), mediante a notificação do Banco Central Francês (quando está provado que só possuíam as duas que já encerradas à data do seu óbito e que aceitou “…o saldo bancário relativo à única conta existente em França que se mantinha”-, quer às notificações peticionadas, subsidiariamente, relativamente à Caisse d'Epargne e à Caisse de Crédit Mutuel de Le Mans Centre com sede em 1 Place des Comtes du Maine, 72000 Le Mans, para que estas, com reporte aos mesmos períodos temporais, virem aos autos, juntar extracto de conta, bem assim como (tal como se requereu que fosse informado na sequência da notificação ao Banco Central Francês), “…juntar procuração/autorização outorgada pelos inventariados a favor da cabeça de casal e/ ou seu marido para estes poderem movimentar tais contas, e para identificar as pessoas que efectuaram tais movimentos”.
Estas solicitações de intervenção do Tribunal não só, como se disse, se revelam inúteis face à materialidade provada, como, ainda que assim não fosse, não se mostram alicerçadas em argumentação minimamente sólida que levasse o Tribunal a antever uma possibilidade séria de as diligências cuja realização se lhe pedia serem relevantes para o inventário.
Tendo que se admitir que seja ao Tribunal que caiba aferir, fundamentadamente, da necessidade ou utilidade de lançar mão, ainda que a requerimento da parte, dos seus poderes oficiosos (v.g., ao abrigo dos artºs 7º, nº 4, 410º, 411º e 436º, nº 1, todos do NCPC), compreende-se que haja uma ampla latitude na apreciação do Tribunal desse requerimento, de modo a que este possa ser recusado se o Tribunal não estiver de acordo com a pertinência ou utilidade do que lhe é pedido, ou, se não estiver já no propósito do Tribunal proceder “ex officio” às diligências requeridas, se a parte não fornecer elementos concretos, objectivos, que habilitem ao Tribunal proceder à referida aferição.
Assim, o “providenciar pela remoção do obstáculo” a que se refere o artº 7º, nº 4, do NCPC, não está apenas dependente da alegação justificada da dificuldade séria da parte em oferecer documento ou informação, tendo como pressuposto, também, que esse documento ou informação se assumam, em concreto, ao menos em termos plausíveis, como relevantes para o eficaz exercício de uma faculdade ou do cumprimento de um ónus ou dever processual, de modo a que a sua falta seja idónea a condicionar esse “eficaz exercício”.
Por outro lado, o juiz pode recusar a realização de diligências que lhe forem requeridas ao abrigo do disposto no artº 411º do NCPC, caso essas diligências não se lhe revelem necessárias ao apuramento da verdade ou à justa composição do litígio.
Por último, não esquecendo que a prova tem como função demonstrar uma realidade factual processualmente relevante (cfr. artº 410º do NCPC), quando está especificamente em causa o poder de o Tribunal, a requerimento de qualquer das partes, requisitar documentos ou informações, que, designadamente, estejam na posse de terceiros - como é aqui o caso -, o tribunal pode recusar essa intervenção se entender que tais informações não se mostram necessárias (cfr. artº 436º, nº 1, do NCPC).
Ora, salvo o devido respeito, não se revela suficientemente fundado o referido pedido de intervenção do Tribunal quando - tendo presente que é a própria Apelante que refere circunstância de os inventariados terem outorgado à cabeça de casal e seu marido procuração por forma a que estes pudessem movimentar as contas -, se alicerça o mesmo, essencialmente:
- Na alegação de que a cabeça de casal e seu marido, quando instados a tal, não terem prestado contas relativamente aos valores depositados (está provado, no âmbito do incidente de remoção da cabeça de casal, que “Desde o falecimento da inventariada a cabeça de casal e o marido não foram instados a prestar contas.” (nº 27);
- Na circunstância de uma das contas ter sido cancelada pelo marido da cabeça de casal e por esta, no ano de 2000, mediante entrega de documento subscritos pelos próprios inventariados, sem que por aquele tenha sido explicado o destino dado ao saldo bancário existente à data do cancelamento;
- No suscitar da mera suspeita da ora Apelante de que a cabeça de casal e seu marido tenham “percebido” o dinheiro de levantamentos que tenham efectuado dessas contas[5] e as referências às “contradições da cabeça de casal e do seu marido”;
- No apontar, como escopo das informações e elementos que se pretendiam obter por intermédio do Tribunal, “…dilucidar toda e qualquer dúvida acerca da existência de possíveis movimentos bancários de contas dos inventariados por eles efectuados em proveito próprio…”;
- Na mera suspeita da existência de outras contas bancárias em França, sustentada na alegação de que a própria cabeça de casal só tardiamente soube da conta relativamente à qual indicou o saldo de 417,07.
“Obiter dictum” acrescentar-se-á, porém, que a hipótese de fornecimento das informações e elementos que a ora Apelante solicita seria praticamente nula.
Como se sabe as informações e os elementos em causa, em face da legislação Portuguesa, encontrar-se-iam sob a protecção do “dever de segredo” contemplado no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de Dezembro (cfr. v.g., os artºs 78º, 80º, 81-A, nº 4 “a contrario” e 84º), pelo que, a respectiva solicitação a instituições bancárias sitas em Portugal, esbarraria, numa primeira fase, com a invocação desse segredo.
É o nº 1 do aludido artº 78º que estabelece a regra de que “Os membros dos órgãos de administração ou fiscalização das instituições de crédito, os seus colaboradores, mandatários, comissários e outras pessoas que lhes prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações desta com os seus clientes cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.”, esclarecendo, exemplificativamente, no nº 2 destes artigo, estarem, designadamente, “…sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias.”.

Ora, não obstante a atenuação delimitada que o segredo bancário conheceu com a Lei n.º 36/2010, de 2/9, e o DL n.º 157/2014, de 24/10, ainda existem restrições impostas por tal segredo, mesmo no que concerne ao solicitado pelas autoridades judiciárias, excepcionados o foro penal (nº 2, d), do artº 79º do citado DL n.º 298/92) e, em determinadas condições, noutras áreas da justiça, como, por exemplo, na acção executiva - nº 2, f), do citado artº 79º, artº 749º, nº 6, do NCPC - e na Lei de Acesso ao Direito e aos Tribunais n.º 34/2004, de 29 de Julho - artº 8º-B.

E o facto de a informação sobre as contas bancárias em nome de pessoa falecida ser solicitada a pedido de herdeiro desta, não modifica, quanto a nós, o entendimento atrás expendido, excepcionados os casos do sucessor universal devidamente habilitado, ou do herdeiro que na sequência da partilha viu o seu quinhão preenchido com tais “bens” (cfr. Acórdãos da Relação de Guimarães, de 15/11/2011, processo nº 134/09.6TBVLN-A.G1, e de 25/06/2003, processo nº2112/10.3TBVCT-A.G1)[6].

Importa, efectivamente, para além do preceituado no citado artº 78º e das condicionantes impostas quanto à utilização de informação constante na Base de dados de contas (artº 81-A), ter presente o disposto nos art.ºs. 80º, n.º 2 e 84.º do mesmo RGICSF, sendo que, no primeiro deles se preceitua que “Os fatos e elementos cobertos pelo dever de segredo só podem ser revelados mediante autorização do interessado, transmitida ao Banco de Portugal, ou nos termos previstos na lei penal e de processo penal.”.

É certo que, perante a invocação desse segredo o Tribunal tem possibilidade de, posteriormente, virem a ser fornecidas as informações em causa.

Efectivamente, embora se estabeleça - citado art.º 84º - que “...Sem prejuízo de outras sanções aplicáveis, a violação do dever de segredo é punível nos termos do Código Penal”, haverá que considerar não ser ilícito “…o facto de quem, em caso de conflito no cumprimento de deveres jurídicos ou de ordens legítimas da autoridade, satisfizer dever ou ordem de valor igual ou superior ao do dever ou ordem que sacrificar” (art.º 36º, nº 1, do CP).

O art.º 417 do NCPC, embora prevendo no seu n.º 1, como princípio, a obrigatoriedade de todos (ainda que não sejam partes na causa) terem “o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspecções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados”, excepciona no seu n.º 3, entre outras, as situações em que a obediência à cooperação solicitada importa violação do sigilo profissional ou de funcionários públicos, ou do segredo de Estado (alínea c)).

Ora, o n.º 4 do citado artº 417º refere: “Deduzida escusa com fundamento na alínea c) do número anterior, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da escusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.”.

O segredo bancário não tem, assim, carácter absoluto, não prevalecendo sempre sobre qualquer outro dever conflituante.

Destina-se o dever de sigilo a proteger os direitos pessoais, como o bom nome e reputação e a reserva da vida privada, bem como o interesse da protecção das relações de confiança entre as instituições bancárias e os seus clientes.

O dever de colaboração com a administração da justiça tem por finalidade a satisfação de um interesse público, que é o da realização da Justiça.

Assim, deduzida que seja a escusa, v.g., com fundamento na previsão do aludido 417º, n.º 3, al. c), será aplicável, “ex vi” do referido n.º 4, desse artigo, com as adaptações que a natureza dos interesses em causa impõe, o disposto no processo penal acerca da verificação da legitimidade da recusa e da dispensa do dever de sigilo invocado.

Reconhecida a legitimidade da escusa, será, pois, suscitada a intervenção do Tribunal Superior, para que este, de acordo com o disposto no citado artºs. 417º, nº 4, e no artº 135º, n.º 3, do CPP, procedendo à ponderação dos interesses em confronto, decida se a quebra do dever de sigilo é, no caso, mais importante do que a manutenção desse dever, o que, em caso afirmativo, permitirá que as instituições em causa forneçam as informações bancárias solicitadas.
Só que vigorando também em França, relativamente às informações que ora estão em causa, o segredo bancário (artº L511-33, nº 1, da Secção 5ª, do “Code monétaire et financier”)[7], vê-se como obstáculo praticamente intransponível, a invocação desse segredo por parte das instituições bancárias sitas nesse País.
O que se acabou de dizer têm apenas a ver com a concretização prática do escopo visado pelas solicitadas notificações das instituições bancárias sitas em França, não significando que, em regra, num inventário, os saldos das contas bancárias que o inventariado possuía, à data do óbito, no estrangeiro, não sejam de relacionar, se algum dos interessados estiver em poder dos elementos que assim o permitam, nem que não se possam sancionar os interessados que, sendo seguro possuírem tais elementos, os não fornecem quando para tal intimados pelo Tribunal.
Já quanto à decidida solicitação à CGD, as coisas têm de se ver de forma diferente.
Em primeiro lugar cabe ressalvar que, nesse caso, a invocação do segredo bancário poderá ser ultrapassada, com celeridade e alta probabilidade de êxito, mediante o incidente próprio acima descrito.
Por outro lado, a existência da conta bancária em causa, é realidade assente e não uma mera hipótese alicerçada em suspeitas sem apoio concreto idóneo.
Finalmente, a crítica que a Apelante faz ao requerimento da cabeça de casal é a de esta poderia obter, ela própria, os elementos a que se reporta a solicitação à GCD e a de que cabeça de casal, para que a intervenção do Tribunal fosse possível, teria de alegar “justificadamente dificuldade séria em obter documentação ou informação que condicione o eficaz exercício da faculdade e/ ou o cumprimento de ónus ou dever processual”.
Ora, nada havendo nos autos que nos conduza a essa conclusão, o que se referiu quanto ao sigilo bancário leva a que se considere altamente incerta a possibilidade que a ora Apelante refere ter a cabeça de casal.
Por outro lado, podendo o Tribunal, oficiosamente - ao invés daquilo que parece ser o entendimento da ora Apelante -, efectuar a solicitação dos elementos em causa à CGD (artºs 411º e 436º, nº 1, do NCPC)[8], é natural que, estando em consonância com a sua intenção (que poderia concretizar “ex officio”), possa deferir o requerimento da cabeça de casal, ainda que este seja falho na justificação da “dificuldade séria” a que alude a ora Apelante, não se vendo, aliás, que prejuízo pode advir para esta, da obtenção de tais elementos, o que torna duvidoso o interesse - para não dizer, mesmo, a legitimidade - da Recorrente em englobar esta matéria no objecto do presente recurso.
Do tudo o exposto resulta, salvo o devido respeito, que se entende que o Tribunal “a quo”, sem violação de qualquer norma legal, designadamente a do artº 2024º do CC, bem como as dos artºs 7º, nº 4, 410º e 411º, todos do NCPC, decidiu correctamente, no despacho recorrido, ao deferir o pedido de solicitação de elementos à Caixa Geral de Depósitos e ao indeferir o requerido pela Reclamante quanto ao pedido de informações/junção de elementos aos autos, com notificação destas entidades, para esses efeitos, ao Banco Central Francês, ou, subsidiariamente, à Caisse d'Epargne e à Caisse de Crédit Mutuel de Le Mans Centre, com sede em 1 Place des Comtes du Maine, 72000 Le Mans.

IV - Decisão:

Em face de tudo o exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em, julgando a Apelação improcedente, manter o decidido no despacho recorrido.

Custas pela Apelante.

Coimbra, 20/04/2016

Luiz José Falcão de Magalhães     Sílvia Maria Pereira Pires

 Maria Domingas Simões


[1] Doravante NCPC, sendo que se reportam ao código que o precedeu, as menções que, sob a sigla “CPC”, se fizeram anteriormente, ou as que se venham a fazer.
[2] Acórdão do STJ, de 06 de Julho de 2004, Revista nº 04A2070, embora versando a norma correspondente da legislação processual civil pretérita, à semelhança do que se pode constatar, entre outros, no Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e no Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586, todos estes arestos consultáveis em “http://www.dgsi.pt/jstj.nsf?OpenDatabase”.
[3] No despacho, escreveu-se, por lapso manifesto, revelado pelo contexto em que se insere, “…a Cabeça de Casal aceitou o saldo bancário….”, em lugar de “a Reclamante aceitou o saldo bancário…”.
[4] O sublinhado é nosso.
[5] “…caso se verifique existência de contas e dinheiro nas mesmas, e caso se apure que o mesmo foi percebido ou levantado pela cabeça de casal e seu marido…”.
[6] Ambos consultáveis em http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf?OpenDatabase.
[7] “Tout membre d'un conseil d'administration et, selon le cas, d'un conseil de surveillance et toute personne qui à un titre quelconque participe à la direction ou à la gestion d'un établissement de crédit, d'une société de financement ou d'un organisme mentionné aux 5 et 8 de l'article L. 511-6 ou qui est employée par l'un de ceux-ci est tenu au secret professionnel.
Outre les cas où la loi le prévoit, le secret professionnel ne peut être opposé ni à l'Autorité de contrôle prudentiel et de résolution ni à la Banque de France ni à l'Institut d'émission des départements d'outre-mer, ni à l'Institut d'émission d'outre-mer, ni à l'autorité judiciaire agissant dans le cadre d'une procédure pénale, ni aux commissions d'enquête créées en application de l'article 6 de l'ordonnance n° 58-1100 du 17 novembre 1958 relative au fonctionnement des assemblées parlementaires.”.
[8] Fernando Amâncio Ferreira, a propósito do despacho em que se proceda à requisição de informações, documentos…etc, ao abrigo do artº 535º, nº 1, do pretérito CPC, correspondente ao artº 436º, nº 1, do NCPC, considera mesmo consubstanciar um despacho “proferido no uso legal de um poder discricionário” – “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, Almedina, 2008, pág.123.