Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ARLINDO OLIVEIRA | ||
Descritores: | SUB-ROGAÇÃO REPÚDIO DA HERANÇA ACÇÃO CÍVEL CREDOR DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA SENTENÇA TRÂNSITO EM JULGADO EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE | ||
Data do Acordão: | 01/24/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE VISEU, VISEU, INSTÂNCIA CENTRAL – SECÇÃO CÍVEL | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 2067.º, N.º 3 DO CC E ARTIGO 85º, Nº 1, CIRE | ||
Jurisprudência Nacional: | AUJ, N.º 1/2014 | ||
Sumário: | 1. A acção em a autora requer o reconhecimento do seu crédito sobre os réus e que se considerem aceites as heranças por eles repudiadas, a fim a de aquela poder executar o peticionado crédito pelo valor das heranças que lhe caberiam, não fora os aludidos repúdios, deve prosseguir os seus ulteriores termos em face de sentença que declara a insolvência dos réus, transitada em julgado, por não caber na previsão do AUJ, n.º 1/2014. 2. A acção não perdeu utilidade, dado que, no âmbito dos autos de insolvência, a autora não pode ver satisfeito o seu crédito sobre os réus repudiantes à custa dos bens que constituem a herança repudiada, uma vez que, por força de tais repúdios, tais bens não integram a massa insolvente, ao invés, serão adjudicados aos herdeiros imediatos, nos termos do artigo 2067.º, n.º 3 do CC. 3. Só sub-rogando-se ao devedor repudiante, através de acção sub-rogatória, poderá a autora vir a ser ressarcida do seu crédito sobre o devedor repudiante, à custa dos bens que constituem as heranças repudiadas, sob pena de assim não sendo, tais bens nunca integrarem a massa insolvente e, por consequência, não virem a constituir meio de pagamento dos créditos do declarado insolvente, mesmo no decurso do processo de insolvência. | ||
Decisão Texto Integral: |
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
A A... , CRL, deduziu a presente ação declarativa, então, sob a forma de processo ordinário, contra B... e esposa C... , D... , E... , e F... , já todos identificados nos autos, alegando ser titular de um crédito de € 93.599,24, e respetivos juros, sobre os réus B... e esposa C... , derivado de contratos de mútuo e de depósito bancário com eles celebrados, e do vencimento de uma letra de câmbio em que são avalistas. Revelando-se o património dos referidos réus B... e esposa C... insuficiente para pagamento desse montante em dívida, o dito réu repudiou, por escritura pública, e com o consentimento da esposa, agindo ambos de má fé, as heranças abertas por óbito de seus pais G... e H... , indicando como única descendência sucessível as suas filhas, as rés D... e E... . Repúdio este que, sendo ato gratuito, ocorreu em momento posterior à constituição do aludido crédito da autora, e do qual resulta, na perspetiva desta, a diminuição da garantia patrimonial desse crédito. Por outro lado, as rés D... , E... e F... procederam já, mediante procedimento de habilitação e partilha, e agindo de má fé, à partilha da referida herança, sendo adjudicados à ré F... todos os bens relacionados, e às restantes rés apenas tornas. Ora, segundo a autora, desta partilha resulta também a diminuição da garantia patrimonial do seu mencionado crédito, sendo ainda certo que nela foi omitido um prédio urbano pertencente aos autores da herança. Desse modo, pretende a autora, com a presente ação, aceitar as referidas heranças em nome do réu B... , impugnar a partilha efetuada, realizar partilha adicional, e assim executar contra os bens dessa herança, na medida do quinhão do réu B... , a sentença a proferir nestes autos. Por isso, peticiona a autora, a final: - A condenação dos réus B... e C... no pagamento da quantia de € 93.599,24, e respetivos juros; - Que se considere a herança aberta por óbito dos pais do réu B... aceite pela autora, para que esta execute o seu crédito pelo valor do quinhão deste réu; - A declaração de ineficácia da partilha efetuada relativamente a si; - A inclusão na referida herança do prédio urbano nela omitido, de modo a que possa executar o seu crédito também contra esse bem.
Citados para o efeito, todos os réus contestaram, solicitando a improcedência da ação, impugnando alguns dos factos alegados e que o repúdio da herança não teve como motivação o crédito a que se arroga a autora, bem como que a partilha se destinou a regularizar uma dívida do 1.º réu marido para com a herança, no montante de 248.000,00 €, razão pela qual, aqueles se obrigaram a pagar metade desta quantia à ré F... .
No que aqui interessa, já depois de designada data para realização da audiência de julgamento, veio entretanto a apurar-se que os réus B... e esposa C... foram declarados insolventes, por sentença proferida em 01 de Fevereiro de 2016 e transitada em julgado em 22 desse mesmo mês e ano – cfr. fls. 334 e certidão de fl.s 338 a 344. Notificadas as partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de extinção dos autos por inutilidade superveniente da lide, apenas a autora veio requerer o prosseguimento do processo, cf. fl.s 346 v.º e 347, defendendo não ser de aplicar a jurisprudência uniformizada fixada no AUJ n.º 1/2014, com o fundamento em os efeitos da presente acção serem idênticos aos da impugnação pauliana, não se resumindo a mesma a apreciar questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, pretendendo aceitar em nome do réu as heranças por este renunciadas, executando contra os seus bens a sentença a proferir nos presentes autos. Invoca, ainda, o facto de nos termos do disposto no artigo 127.º, n.º 2, do CIRE, de acordo com o qual, a presente acção deve prosseguir os seus termos, excepto se o A.I. resolver o acto impugnado, caso em que a acção deve ficar suspensa até à decisão definitiva dessa resolução. Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, foi por esta proferida a decisão de fl.s 360 a 364 (aqui recorrida), nos termos que, se passam a transcrever: “Cumpre apreciar e decidir a questão suscitada, tendo designadamente em perspetiva a jurisprudência uniformizada fixada no AC STJ nº 1/2014 (DR 1ª série, de 25/2/2014). Dispõe o artigo 85º, nº 1, CIRE: “Declarada a insolvência, todas as ações pendentes em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa (…) são apensadas ao processo de insolvência (…)”. Tal apensação deve ser interpretada à luz dos fins do processo de insolvência, nos termos em que estes se mostram, designadamente, consagrados no artigo 1º CIRE. E o certo é que, sendo a insolvência um processo de execução universal que visa liquidar o património insolvente e repartir o produto obtido pelos credores, vinha sendo questionado se a declaração judicial de insolvência é ou não compatível com a prossecução de ação em que o credor pretende ver reconhecido um crédito sobre o devedor/insolvente. Sobre esta questão, a jurisprudência mostrava-se dividida, defendendo uma parte que a decisão que declara a insolvência, transitada em julgado, torna inútil a lide da ação declarativa e outra que tal inutilidade apenas ocorre a partir do momento em que é proferida sentença de verificação de créditos. Tal questão veio a ser decidida no acórdão de fixação de jurisprudência nº 1/2014 que fixou jurisprudência no sentido de que: “Transitada em julgado a sentença que declare a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e), do art. 287º do C.P.C”. Consideramos que o acórdão em questão resolveu com acerto a divergência existente, pelo que, por força da sua ponderação haverá que declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. De facto, haverá que ponderar que a inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide determina a extinção da instância nos termos do disposto no artigo 277º e), CPC quando se verifique a existência de circunstâncias anormais na sua pendência, que levam a que a pretensão que o demandante quer fazer valer no processo não possam manter-se, ou porque não é possível à mesma dar satisfação, ou porque o fim visado foi alcançado por outro meio. Assim, como se alcança do disposto no artigo 90º CIRE, durante o processo de insolvência, os credores só podem exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do CIRE. E assim é por a insolvência ser um processo de execução universal (artigo 1º CIRE), devendo os credores do insolvente, no próprio processo de insolvência, exercer os direitos que lhe assistem, designadamente o de aí reclamarem os seus créditos. Tal regime legal determina que os credores do insolvente exerçam os seus direitos em conformidade com o CIRE, tornando inútil a ação declarativa autonomamente instaurada para o efeito. Ora, e ao contrário do que foi afirmado pela autora no seu requerimento que antecede, a presente ação é de condenação, e não de impugnação pauliana, pretendendo com a sua pendência a autora não apenas a declaração do seu direito de crédito (sendo esse o primeiro pedido formulado), mas ainda o reconhecimento da possibilidade de executar o património dos réus B... e C... , na medida em que nele venham a ser integrados os bens ou quinhão na herança dos pais do primeiro réu. A própria autora o declara no seu requerimento que antecede, nele afirmando que pretende executar contra os seus bens a sentença a proferir nestes autos – cfr. fls. 347. Sucede que, tendo os aludidos réus sido declarados insolventes, qualquer reclamação de créditos e consequente diligência executiva deverão forçosamente ser exercidas no processo de insolvência, não podendo a autora valer-se da presente ação para obter o reconhecimento do seu direito de crédito sobre os insolventes, nem para garantir a exequibilidade forçada do mesmo. Por isso, tem aqui plena aplicabilidade a doutrina do acima aludido Acórdão do STJ. E é certo que a inutilidade da lide repercute-se não apenas na esfera jurídica dos primeiros réus, abrangendo todos os réus, dado que as demais são demandadas apenas e só na medida em que pudessem ser afetadas pelos pedidos formulados contra os réus declarados insolventes. Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 277º, e), CPC, julgo supervenientemente inútil a presente ação declarativa, por na mesma serem demandados B... e esposa C... , declarados insolventes por decisão transitada em julgado. Custas da ação em partes iguais por autora e réus”.
Inconformada com a mesma, interpôs recurso a autora A... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo – (cf. despacho de fl.s 376), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: 1 - Vem a presente acção intentada pela autora com a finalidade de aceitar em nome do réu B... as heranças abertas por óbito dos seus pais e que aquele repudiou, pretendendo a autora executar os bens de tais heranças para pagamento de dívidas dos réus B... e C... , assim como requer seja declarada ineficaz perante a autora a partilha daquelas heranças efectuada pelas rés D... , E... e F... após os sobreditos repúdios e ainda a inclusão na herança dos falecidos de um bem imóvel omitido naquela partilha. 2 - A acção foi proposta pela autora, já no decorrer de acções executivas propostas contra os devedores, após ter conhecimento que, em 20 de Dezembro de 2011, o réu B... havia repudiado às heranças abertas por óbito de seus pais, o que fez nos termos e para os efeitos do disposto no art. 1.041.º do CPC, e arts, 2.067.º e 606.º do CC, pretendendo a autora aceitar as heranças em nome do repudiante, com o fito de, obtendo sentença favorável, executá-la contra os bens das heranças. 3 - Em cumprimento do estipulado no referido artigo 1.041.º do CPC, a autora formulou o pedido relativo ao seu direito de crédito e deduziu a pretensão de aceitar as heranças repudiadas pelo devedor, sendo que, para que a sentença a proferir possa constituir título executivo bastante para executar os bens das heranças, formulou tais pedidos contra todos os réus, devedores e herdeiros das heranças repudiadas. 4 - Tendo dado cumprimento aos requisitos processuais que lhe são impostos para o tipo de acção em causa, ficou a autora em condições de, fazendo prova dos factos alegados, obter uma decisão que a habilite a executar os bens das heranças repudiadas. 5 - Tendo os devedores B... e C... sido declarados insolventes por sentença proferida em 2 de Fevereiro de 2016, ou seja, na pendência da presente acção, decidiu o tribunal a quo, pela sentença aqui recorrida, declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide. 6 - Entende o Tribunal recorrido ser de aplicar nos presentes autos a doutrina plasmada no Acórdão do STJ n.º 1/2014, considerando verificada a inutilidade superveniente da lide uma vez que: “a presente acção é de condenação (…) pretendendo com a sua pendência a autora não apenas a declaração do seu direito de crédito (sendo esse o primeiro pedido formulado), mas ainda o reconhecimento da possibilidade de executar o património dos réus B... e C... na medida em que nele venham a ser integrados os bens ou quinhão na herança dos pais do primeiro réu”, devendo qualquer reclamação de créditos e consequente diligência executiva ser exercida no processo de insolvência. 7 - Salvo o devido respeito, não assiste razão à meritíssima Juíz a quo na medida em que: a) a autora não pretende pela presente acção executar o património dos devedores insolventes; b) o efeito útil da presente acção não pode ser alcançado no âmbito da insolvência c) não tem aplicação no caso concreto a doutrina plasmada no dito acórdão. 8 - Não pretende nem nunca poderia a autora com uma eventual sentença a proferir nos presentes autos vir a executar os bens dos réus insolventes mas antes, como decorre da petição inicial, dos pedidos aí formulados e do n.º 2 do art. 1.041.º, exercer o seu direito sobre os bens das heranças. 9 - Pela via da presente acção, o património hereditário não será acrescentado ao património dos réus insolventes, sendo a eventual acção executiva que se seguisse proposta contra os réus herdeiros, sendo que, pago o crédito da autora, o remanescente do património da herança não aproveitará ao devedor repudiante, mas aos herdeiros imediatos, como resulta do n.º 3 do art. 2.067.º do CC. 10 - Pela acção em causa não pretende a autora fugir à obrigação de reclamar os créditos no processo de insolvência, onde, aliás, os mesmos foram reclamados e reconhecidos, sendo certo que em tal acção não poderá a autora ou qualquer outro dos credores fazer-se valer do património das heranças repudiadas para pagamento dos créditos uma vez que, tratando-se de repúdios praticados pelo insolvente há mais de 2 anos contados da data da declaração de insolvência, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE, não pode o Administrador de Insolvência proceder à sua resolução. 11 - É manifestamente simplista e redutor a comparação da acção em causa à situação tratada no Ac. do STJ invocado, no qual está em causa uma mera acção destinada a obter o reconhecimento de um crédito peticionado por um trabalhador, quando o objecto dos presentes autos é manifestamente mais complexo, sendo o pedido de reconhecimento do crédito apenas uma das várias exigências processualmente exigidas para uma acção sub-rogatória como a aquela que aqui se nos depara. 12 - Os pedidos formulados pela autora na presente acção encontram-se juridicamente fundamentados e, não obstante a declaração de insolvência dos réus devedores, o seu efeito útil mantém-se possível, não tendo o fim visado sido alcançado por outro meio. 13 - A presente acção, visando a possibilidade de obter o pagamento da dívida através da execução de bens que os devedores procuraram afastar do seu património em prejuízo dos credores, é o único meio processualmente admissível e ao alcance da autora para, sem prejuízo dos demais, evitar as consequências de um acto praticado pelos réus devedores com o intuito de lesar os seus credores. 14 - Decidindo de forma distinta, declarando a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide por na mesma serem demandados os insolventes B... e C... , o tribunal a quo aplicou erroneamente o disposto nos art. 277.º e) e 1041.º, n.º 2 do CPC, 2.067.º e 606.º do CC e 121.º, n.º 1 b) do CIRE. 15 – Da aplicação dos referidos dispositivos legais resulta a manutenção da utilidade e viabilidade da lide, não existindo motivo para a declaração da extinção da instância nos termos constantes da sentença recorrida, devendo os autos prosseguir os seus demais termos até final. Termos em que Deve ser revogada a sentença recorrida e substituída por decisão que dê provimento à posição da recorrente, determinando o prosseguimento dos autos.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados os vistos legais, há que decidir. Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se, em face de sentença, transitada em julgado, que declarou a insolvência dos réus B... e mulher C... , deve na presente acção, ser decretada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e), do CPC e tendo em vista a jurisprudência fixada no AUJ n.º 1/2014 ou se; ao invés, a mesma deve prosseguir os seus ulteriores termos.
A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.
Se, em face de sentença, transitada em julgado, que declarou a insolvência dos réus B... e mulher C... , deve na presente acção, ser decretada a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos do disposto no artigo 277.º, al. e), do CPC e tendo em vista a jurisprudência fixada no AUJ n.º 1/2014 ou se; ao invés, a mesma deve prosseguir os seus ulteriores termos. Como resulta do teor das conclusões da apelante, o dissídio que manifesta, relativamente à decisão recorrida, reside na utilidade da presente acção, o que defende, não obstante a declaração de insolvência dos primitivos devedores. Como decorre da decisão recorrida, julgou-se extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, com o fundamento em que o crédito a que se arroga a autora terá de ser, necessariamente, reclamado nos autos de insolvência, em face do que, passou, a presente acção a carecer de utilidade. Efectivamente, dispõe-se no artigo 85º, nº 1, CIRE que: “Declarada a insolvência, todas as ações pendentes em que se apreciem questões relativas a bens compreendidos na massa insolvente, intentadas contra o devedor, ou mesmo contra terceiros, mas cujo resultado possa influenciar o valor da massa (…) são apensadas ao processo de insolvência (…)”. Esta norma é o corolário do que se dispõe no artigo 1.º, n.º 1, do CIRE, que preconiza a natureza do processo de insolvência como um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista no plano de insolvência, visando, prima facie, a recuperação do insolvente ou, não sendo isso possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos seus credores. Na senda do que, se determina no seu artigo 90.º, que os credores da insolvência apenas poderão exercer os seus direitos em conformidade com os preceitos do presente Código (CIRE), durante a pendência do processo de insolvência. Um de tais termos (obrigações dos credores) é o de reclamarem os seus créditos, nos termos fixados no artigo 128.º e seg.s do CIRE. Atenta a divisão jurisprudencial acerca da abrangência do disposto no supra referido artigo 85.º, designadamente, se o mesmo se aplicava às acções declarativas, em que se peticionava o reconhecimento de um crédito sobre o insolvente, foi, cf. AUJ, n.º 1/2014, de 08 de Maio de 2013, in DR, I.ª Série, de 25/02/2014, fixada a jurisprudência no sentido de que: “Transitada em julgado a sentença que declare a insolvência, fica impossibilitada de alcançar o seu efeito útil normal a ação declarativa proposta pelo credor contra o devedor, destinada a obter o reconhecimento do crédito peticionado, pelo que cumpre decretar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos da alínea e), do art. 287º do C.P.C”. Do que decorre que, em termos gerais, se deve determinar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, nos termos ali fixados, das acções declarativas, intentadas com vista a obter o reconhecimento de um crédito sobre o devedor, insolvente. Como no referido AUJ se refere: “A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, enquanto causas determinantes da extinção da instância (…) resultarão de circunstâncias acidentais/anormais que, na sua pendência, precipitam o desinteresse na solução do litígio, induzindo a que a pretensão do autor não possa ou não deva manter-se: seja, naqueles casos, pelo desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, seja, nestes, pela sua alcançada satisfação fora do esquema da providência pretendida. A inutilidade do prosseguimento da lide verificar-se-á, pois, quando seja patente, objectivamente, a insubsistência de qualquer interesse, benefício ou vantagem, juridicamente consistentes, dos incluídos na tutela que visou atingir ou assegurar com a acção judicial intentada. (…) a inutilidade superveniente da lide verifica-se quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque já não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo, ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio.”.
Isto posto, importa analisar a pretensão aqui formulada pela autora e ver se a mesma ainda tem qualquer efeito útil, não obstante a sentença que declarou os 1.os réus insolventes, caso em que se impõe a prossecução dos termos da acção a fim de aquilatar da sua justeza ou se; pelo contrário, já não é possível dar-lhe satisfação, devendo a mesma ser deduzida e apreciada no âmbito do processo de insolvência, caso em que, então, é de manter a decisão recorrida. O pedido formulado pela autora, consiste no reconhecimento do seu crédito sobre os réus B... e mulher C... e que se considerem aceites as heranças por eles repudiadas, a fim a de aquela poder executar o peticionado crédito pelo valor das heranças que lhe caberiam, não fora os aludidos repúdios. Nos termos do disposto no artigo 2062.º do Código Civil, os efeitos do repúdio retrotraem-se ao momento da abertura da sucessão, considerando-se como não chamado o sucessível que a repudia. Do que resulta, pois, que os bens que caberiam ao sucessível que a repudia, nunca chegam a ingressar na sua esfera jurídica, ficando a pertencer aos demais herdeiros, que aceitem a herança em causa. Em face do que, cf. disposto no artigo 2067.º, n.º 3, do Código Civil, em caso de sub-rogação dos credores do repudiante, exercida através de acção destinada a poderem aceitar a herança em seu nome, pagos tais credores, o remanescente da herança não aproveita ao repudiante, mas aos herdeiros imediatos. E, como se estipula no artigo 1041.º, n.º 2, do CPC, no caso de o credor do repudiante obter vencimento na acção sub-rogatória, a sentença favorável é exercida contra a herança e não contra o devedor repudiante. De tudo isto, importa retirar a conclusão de que a presente acção, não obstante a existência da supra referida sentença de insolvência, não perdeu utilidade, dado que no âmbito dos autos de insolvência não será possível à aqui autora poder ver satisfeito o seu crédito sobre os réus repudiantes, à custa dos bens que constituem a herança repudiada, uma vez que, por força de tais repúdios, tais bens não integram a massa insolvente, ao invés, serão adjudicados aos herdeiros imediatos, nos termos do já citado artigo 2067.º, n.º 3. Só sub-rogando-se ao devedor repudiante, nos termos expostos, poderá a autora vir a ser ressarcida do seu crédito sobre o devedor repudiante, à custa dos bens que constituem as heranças repudiadas, sob pena de assim não sendo, tais bens nunca integrarem a massa insolvente e, por consequência, reitera-se, não virem a constituir meio de pagamento dos créditos do declarado insolvente, mesmo no decurso do processo de insolvência. Pelo que, não será caso de se declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, por a situação sub judice não caber na previsão do AUJ, n.º 1/2014, devendo, ao invés, os autos prosseguir os seus ulteriores termos. Conclusão que mais se reforça, se atentarmos em que a sentença de insolvência foi proferida em 01 de Fevereiro de 2016 e transitou em julgado no dia 22 desse mês e ano, sendo os repúdios de Dezembro de 2011, o que impede que o administrador da insolvência lance mão da resolução a favor da massa insolvente, nos termos do disposto no artigo 121.º, n.º 1, al. b), do CIRE, por já terem decorrido mais de dois anos. Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, Lisboa, 2013, a pág. 531, a articulação entre a possibilidade concedida aos credores de devedor repudiante, de afastarem as consequências negativas do repúdio, acarreta que no “caso de, ao ser declarada a insolvência, os credores terem já exercido a faculdade prevista no artigo 2067.º. Fica, então, excluída a resolução, pois tudo se passa como se tivesse havido aceitação. Mas, se tal não tiver acontecido, mesmo que já tenha decorrido o prazo estabelecido no n.º 2 do artigo 2067.º, a declaração de insolvência do repudiante abre caminho à resolução, se se verificarem os requisitos da al. b) do n.º 1 do art.º 121.º”. Ora, dado que in casu, já decorreram mais de dois anos por referência ao início do processo de insolvência, não se verificam os requisitos previstos na al. b), do n.º 1, do artigo 121.º do CIRE, para se poder recorrer à resolução a favor da massa insolvente, relativamente ao repúdio das heranças em causa. Assim, como defende a recorrente, a presente acção constitui o único meio de que dispõe para tentar cobrar o seu crédito, o que impõe que não se possa manter a decisão recorrida, devendo, em conformidade com o exposto, os presentes autos prosseguir os seus ulteriores termos. Consequentemente, tem o presente recurso de proceder.
Nestes termos se decide: Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida e se determina o prosseguimento dos autos. Custas, a fixar a final. Coimbra, 24 de Janeiro de 2017.
Relator: Arlindo Oliveira |