Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
54/11.4PTLRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: CONFISSÃO
Data do Acordão: 04/18/2012
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: 2º JUÍZO CRIMINAL DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 344º CPP
Sumário: Quando o arguido nas suas declarações, embora reconhecendo os factos objetivos, invoca para a sua prática uma causa de exclusão da ilicitude e da culpa e, por conseguinte não confessa o facto subjetivo imputado, não podem ter-se por confessados integralmente os factos da acusação que integram a prática do crime.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:
A..., residente na Rua …, Leiria.
Sendo decidido condenar o arguido:
a) Pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo Art. 348, n.º 1 b) do Código Penal, na pena de 5 ( cinco) meses de prisão;
b) Pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art. 3/1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 12 (doze) meses de prisão;
c) Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 14 (catorze) meses de prisão;
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Inconformado, da sentença interpôs recurso o arguido formulando as seguintes conclusões na motivação do mesmo e, que delimitam o objeto:
1. O arguido veio acusado pelo Ministério Público pela prática, de um crime de condução sem carta, p. e p. pelo art. 3, nº's 1 e 2 do D.L. 2/98 de 3 de Janeiro e de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348, n.º 1, al. b), do Código Penal;
2. O Tribunal decidiu condenar o arguido A..., pela prática de um crime de desobediência, previsto e punido pelo Art. 348, n.º 1 b) do Código Penal, na pena de 5 (cinco) meses de prisão; Pela prática de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo Art. 3/1 e 2 do DL n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 12 (doze) meses de prisão; Em cúmulo jurídico destas penas parcelares, na pena única de 14 (catorze) meses de prisão; No pagamento das custas do processo, com 1 Unidade de Conta de taxa de justiça, reduzida a metade por via da confissão e demais encargos com o processo;
3. O recorrente não concorda com a douta sentença por ter havido um julgamento incorreto quanto à matéria de facto, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável na fundamentação e erro notório na apreciação da prova (vide artigos 410 n.º 2, e 412 n.º 3, do Código de Processo Penal);
4. Embora a sentença diga expressamente que "o Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, designadamente: nas declarações do arguido, que confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado ..." tal confissão integral e sem reservas não aconteceu durante o julgamento, como se pode constatar pelas declarações do arguido, gravadas e acima transcritas;
5. O arguido disse e afirmou que a prática dos factos que constam da acusação tinha sido justificada na circunstância de uma vizinha, cigana, lhe ter solicitado ajuda para levar o filho - uma criança de um ano de idade, que tinha estado a vomitar (gomitar na expressão do arguido) durante toda a noite - ao hospital;
6. Só o arguido é que estava em reais condições de a poder levar ao hospital, já que sabia por experiência própria que mais ninguém a ajudaria, por ser cigana;
7. A confissão em que foi fundamentada a condenação não pode ser considerada integral e sem reservas;
8. A situação descrita pelo arguido/recorrente pode e deveria ser considerada e enquadrada como causa de exclusão da ilicitude ou da culpa;
9. O arguido agiu, ao conduzir o veículo, embora sabendo não o poder fazer, no sentido de procurar afastar um perigo atual, ao prontificar-se para transportar a criança, que se encontrava doente, ao hospital;
10. Estão reunidos os demais requisitos previstos no artigo 34 do Código Penal para se qualificar a ação do arguido/recorrente como agindo em direito de necessidade, ou em estado de necessidade desculpante, nos termos previstos no artigo 35 do Código Penal;
11. Nunca o arguido agindo em qualquer destas situações poderia ser condenado, mas sim absolvido da acusação formulada;
12. A sentença violou assim o disposto no artigo 34 e 35 do Código Penal e ainda o disposto nos artigos 13, 20, 29 e 32 da Constituição da República Portuguesa (CRP)
13. A confissão dita "integral e sem reservas" não poderá valer como prova validamente obtida;
14. A sentença viola o disposto no artigo 344° do Código de Processo Penal;
15. Os factos dados como provados pelo Meritíssimo Juiz a quo não poderão ser considerados validamente como provados em face de os mesmos não resultarem de uma válida confissão integral e sem reservas, como resulta das declarações do arguido gravadas e acima transcritas;
16. Existe insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, contradição insanável na fundamentação e erro notório na apreciação da prova (vide artigo 410 n.º 2 do Código de Processo Penal);
17. A sentença de que se recorre foi baseada em factos errada e invalidamente dados como provados, pelo que a mesma é nula, nulidade que aqui se invoca para todos os efeitos legais;
18. É necessário que se proceda a uma nova fundamentação jurídica, a um novo enquadramento jurídico-civil, a um novo julgamento que atenda aos factos que deveriam ter sido considerados provados, ou não provados, com repercussão na qualificação jurídica dos factos.
19. A sentença recorrida, não contém os requisitos exigidos no artigo 374 do Código do Processo Penal;
20. A sentença recorrida é omissa quanto aos motivos de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com a indicação das provas (válidas) que serviram para formar a convicção do Tribunal;
21. A falta destes requisitos leva a que, nos termos do artigo 379 do Código do Processo Penal, a mesma sofra do vício de nulidade, que aqui se invoca para todos os devidos efeitos legais.
22. A sentença recorrida, sofre também do vício da falta de fundamentação, dado que, conforme já se disse, não enumerou nem indicou as provas, ou pelo menos julgou incorretamente as mesmas, nem indicou os normativos legais com base nos quais decidiu;
23. Não se tendo enumerado as provas - ou enumerando-as e valorizando-as de forma incorreta - que serviram de base à decisão recorrida, não indicou os motivos e os fundamentos de facto e de direito que fundamentam a decisão, violando assim o disposto no artigo 374 do Código de Processo Penal;
24. A sentença recorrida, viola ainda o disposto no artigo 205 da CRP, uma vez que segundo esta disposição Constitucional, "As decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na Lei";
25. A sentença recorrida viola os princípios da igualdade, do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, da aplicação da lei criminal e das garantias do processo criminal, consignados respetivamente nos artigos 13, 20, 29 e 32 da CRP;
26. A sentença recorrida viola o disposto no artigo 202 da C.R.P., nomeadamente o n.º 2, uma vez que: "Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos ... e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados". O que manifestamente não foi assegurado;
27. A sentença recorrida tem de ser REVOGADA, e considerando os fundamentos expostos, substituída por outra que absolva o arguido dos crimes de que vem acusado, ou que se proceda à anulação do julgamento e à realização de novo julgamento sobre a matéria da acusação.
Respondeu o Magistrado do Mº Pº, concluindo:
1- Efetuado o julgamento foi proferida sentença que condenou o arguido A... pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de um crime de desobediência, previsto e punido, pelo art.348, n l , al. b) do Código Penal, na pena de 5 meses de prisão e de um crime de condução de veiculo sem habilitação legal, previsto e punido, pelo art.3, nº l e 2 do DL nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 12 meses de prisão. Em cúmulo jurídico foi condenado na pena única de 14 meses de prisão. Não se conformando, o arguido veio interpor recurso da sentença.
2- Em nosso entender, o M mo Juiz apreciou corretamente a prova produzida em audiência, retirando as conclusões lógicas que a matéria dada como provada impunha, fazendo apelo ao principio consagrado no artigo 127 do CPP, sem olvidar que a audiência de julgamento obedece também ao princípio da imediação e encontra-se estreitamente ligado ao principio da oralidade, não se verificando pois erro na apreciação da prova.
3- De facto, é nosso parecer, tendo em atenção as declarações prestadas em audiência pelo arguido, que bem andou o M mo Juiz ao condenar este nos termos acima assinalados, sendo certo que o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados, havendo pois dispensa de prova. Note-se que o arguido confessou a prática dos factos; o arguido não tem que confessar o ilícito criminal em si, dado que a subsunção dos factos ao direito cabe ao Juiz "a quo".
Podemos assim concluir ter tido razão o M mo Juiz ao dar como provados os factos subsumíveis aos crimes supramencionados.
4- Acresce referir que em harmonia com o art.410, nº 2, al c) do Código Processo Penal, o erro notório na apreciação da prova, tem que resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, ou seja, está vedada a possibilidade de consulta de outros elementos constantes do processo.
Ora, no caso vertente, não se verifica a existência do erro notório da apreciação da prova, tendo o recorrente apenas se manifestado contra o modo como o tribunal fixou a matéria de facto.
5- Não se verifica também contradição insanável de fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, sendo certo que para que esta esteja presente têm de constar do texto da decisão recorrida, sobre a mesma questão, posições antagónicas e inconciliáveis, como por exemplo dar o mesmo facto como provado e como não provado, em situações que não possam ser ultrapassadas pelo tribunal de recurso, o que de forma nítida não ocorre na sentença recorrida.
6- Verifica-se o vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto no arte 410, nº 2, al. a), do C.P.P, quando da factualidade vertida na decisão se colhe faltarem dados e elementos que, podendo e devendo ser indagados, são necessários para que se possa formular um juízo seguro de condenação (e da medida desta) ou de absolvição. Cremos porém não restar qualquer dúvida que o enquadramento jurídico não merece a mínima censura, sendo certo que a sentença fornece a indicação de todo os elementos devidos, nomeadamente de todos os elementos objetivos e subjetivos constitutivos dos crimes em referência e dos necessários à determinação da medida da pena.
7- Em nosso entender não se verifica o preenchimento dos requisitos enunciados no art.34 ou no art.35, do C. PenaI.
Com efeito, cremos que não se fez prova que o arguido praticou os factos sendo estes um meio adequado para afastar um perigo atual que estivesse a ameaçar interesses juridicamente protegidos de terceiro ou que fosse adequado a afastar um perigo atual, e não removível de outro modo, que estivesse a ameaçar a vida ou integridade física de terceiro.
8- Assim sendo, em nosso entender, deve pois o presente recurso improceder, mantendo-se a sentença proferida pelo M mo Juiz "a quo", salientando-se que não foram violados quaisquer princípios ou preceitos legais, nomeadamente os referenciados pelo recorrente.
Nesta Relação, a Ex.mª PGA emitiu parecer concordante com a resposta na 1ª Instância, no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o art. 417 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir:
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São os seguintes os factos que o Tribunal recorrido deu como provados e sua motivação:
2 - FUNDAMENTAÇÃO
1. Matéria de facto provada
Mostram-se provados, com relevância para a decisão da causa, os seguintes factos:
1. No dia 17 de Fevereiro de 2011, pelas 15h15m, na Rua da …, em Leiria, o arguido conduzia o ligeiro de passageiros de matrícula …, sem que fosse titular de carta de condução, o que bem sabia.
2. O arguido sabia que não lhe era permitido conduzir na via pública, sem para tanto estar habilitado, tendo agido sabendo que incorria em prática de crime.
3. Tal veículo encontra-se apreendido desde 16/12/2010 pela PSP de Leiria, por transitar sem seguro de responsabilidade civil obrigatório.
4. O arguido foi constituído fiel depositário do veículo, tendo ficado ciente que não podia circular com o mesmo, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência.
5. Ao circular com o veículo em tais circunstâncias, o arguido sabia que violava uma ordem que lhe havia sido dada por órgão de polícia criminal, no exercício das suas funções.
6. Agiu o arguido livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
7. O arguido encontra-se reformado, vive em casa própria, recebendo cerca de € 246 mensais.
8. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal na pena de 100 dias de multa, por factos praticados em 16/01/01.
9. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e condução sob o efeito de álcool na pena única de 120 dias de multa, por factos praticados em 23/08/2001.
10. O arguido foi condenado pela prática de um crime condução sob o efeito de álcool, na pena de 100 dias de prisão, suspensa na sua execução, por factos praticados em 27/06/2002.
11. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sob o efeito de álcool, na pena de 10 meses de prisão e inibição de conduzir pelo período de um ano, por factos praticados em 18/0912002.
12. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e condução sob o efeito de álcool, na pena única de 7 meses de prisão, suspensa na sua execução, por factos praticados em 09/02/2001.
13. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sob o efeito de álcool, na pena de 1 ano de prisão, por factos praticados em 31/10/2002.
14. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e desobediência, na pena única de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução, por factos praticados em 29/04/2001.
15. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 150 dias de multa, por factos praticados em 21107/2000.
16. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, por factos praticados em 21/06/2000.
17. O arguido foi condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal e condução sob o efeito do álcool, na pena única de 12 meses de prisão e inibição de conduzir pelo período de 6 meses, por factos praticados em 31/05/2004.
2. Motivação da decisão de facto
O Tribunal alicerçou a sua convicção na análise crítica do conjunto da prova produzida, designadamente:
. nas declarações do arguido, que confessou integralmente e sem reservas os factos de que vinha acusado, tendo igualmente esclarecido o Tribunal quanto à sua situação económica e social, de uma forma que o Tribunal reputou de fidedigna .
. no C.R.C. do arguido junto aos autos a fls. 19 e ss., no que respeita aos seus antecedentes criminais e auto de apreensão de fls. 6.
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Conhecendo:
Questões suscitadas pelo recorrente:
- Julgamento incorreto da matéria de facto;
- Existência dos vícios enunciados no art. 410 nº 2 do CPP;
- Nulidade da sentença por omissão dos motivos de facto e de direito que a fundamentam;
- Violação dos princípios constitucionais da igualdade, acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, da aplicação da lei criminal e das garantias do processo criminal.
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Matéria de facto:
A matéria de facto encontra-se devidamente fundamentada, como supra se transcreveu, resultando a motivação da confissão integral e sem reservas.
Por isso não se verifica a nulidade de falta de fundamentação.
Conforme consta da ata de fls. 14 e 15, “o arguido confessou integralmente e sem reservas os factos que lhe são imputados”, sendo-lhe perguntado pelo Juiz se era “de livre vontade e sem qualquer coação que o faz, pelo mesmo foi dito que sim”, sendo prescindida a prestação de depoimento pela testemunha.
E, na sequência foi proferido o despacho constante dessa ata de fls. 15, do seguinte teor: ”tendo em conta a confissão integral e sem reservas do arguido e com o teor do disposto no art. 344, nº 2 als. a) e b) do CPP, dispensa-se a demais produção de prova”, constando ainda que todos os presentes foram devidamente notificados, sendo que presentes estavam o arguido e o seu defensor.
Nos termos da parte final da alínea a) do nº 2 do art. 344 do CPP, a confissão nos termos em que o foi implica que se considerem como provados os factos imputados.
Mas ouvida a gravação da prova resulta que o arguido confessa os factos objetivos, mas diz algo mais, argumentando que ao atuar como atuou o fez para “socorrer” um miúdo de raça cigana e que não havia mais quem o pudesse socorrer, isto é, causa de exclusão da ilicitude e da culpa e, por conseguinte não confessa o facto subjetivo imputado, nomeadamente o dado como provado no ponto 6.
Sendo esta matéria, de justificação, convincente, ou não, a ela deveria fazer-se referência na sentença, para admiti-la ou, afastá-la.
Temos é que, com a invocação de causa de justificação, não deveria ter-se considerado confissão integral e sem reservas, com as consequências referidas no art. 344 do CPP.
Sobre esta matéria entendemos como no acórdão desta Relação, de 15-12-2010, proferido no processo 44/10.4EALSB.C1, em que fomos adjunto e, que aborda situação igual.
O recorrente discorda da decisão de facto naquilo em que a mesma o compromete com a prática do crime, negando que as declarações que fez no julgamento configurem uma “confissão integral e sem reservas” da matéria da acusação.
Neste sentido transcreve passagens das declarações que prestou donde retira a falta duma “confissão integral e sem reservas”.
Ouvida a gravação das declarações do arguido, fica-nos a perceção que as consequências jurídicas de a uma confissão integral e sem reservas não foi compreendida pelo mesmo, tanto que este declara que apenas conduziu para socorrer uma criança que tinha passado mal a noite, sendo intercetado quando se dirigia ao hospital.
Justificação que voltou a referir na segunda sessão da audiência.
Perante estas declarações, que o arguido não retirou nem delas se retratou, não se compreende como possa ter ficado consignado em ata uma confissão dos factos “que lhe são imputados”.
Estamos convictos que o arguido/recorrente não teve a consciência do exato significado do que lhe era perguntado pelo que não podem ter-se por confessados os factos que integram a prática do crime, nomeadamente o elemento subjetivo tido por provado –, o dolo do arguido/recorrente.
É isto que nos parece corresponder àquilo que o arguido validamente declarou na audiência.
Ao considerar provados todos os factos que integram a prática dos crimes com base numa pretensa “confissão integral e sem reservas”, o tribunal violou o art. 344 do Código de Processo Penal.
Consequentemente haverá de repetir-se o julgamento por falta de prova bastante para todos os factos havidos como provados.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto tida por provada tem, em princípio, de surpreender-se da leitura da decisão recorrida, por si só ou enquanto conjugada com as regras da experiência comum, isto é, sem o lançar de mão doutros elementos constantes dos autos exceção feita quanto à prova tarifada.
Tem-se comummente entendido que constitui “prova tarifada” a constante de documento autêntico ou autenticado, a prova pericial e a prova por confissão integral e sem reservas nas condições definidas pelo art.º 344 do Código de Processo Penal.
Ora, já vimos que no caso, contrariamente ao referido na sentença e na ata de julgamento, não cremos que o arguido tivesse confessado integralmente os factos da acusação, pelo que se poderá afirmar com o recorrente estar presente o referido vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito, o que determinará a anulação do julgamento com o reenvio do processo, para novo julgamento sobre a matéria da acusação.
Sendo procedente a questão da falta de integral confissão do arguido/recorrente com a consequente necessidade de repetição do julgamento, fica prejudicada a apreciação aqui das demais questões suscitadas.
Decisão:
Acordam no Tribunal da relação de Coimbra e Secção Criminal em, julgar procedente o recurso do arguido A... e, em consequência, anular o julgamento e ordenar o reenvio do processo para novo julgamento sobre toda a matéria da acusação.
Sem custas.

Jorge Dias (Relator)
Brízida Martins


Não podem ter-se por confessados integralmente os factos da acusação que integram a prática do crime, o arguido que nas suas declarações, embora reconhecendo os factos objetivos, invoca para a sua prática uma causa de exclusão da ilicitude e da culpa e, por conseguinte não confessa o facto subjetivo imputado.