Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
360/16.1GASEI-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: BUSCA DOMICILIÁRIA
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 02/08/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA (JUÍZO LOCAL DE SEIA J2)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 18.º, 26.º, 32.º E 34.º DA CRP; ART. 174.º DO CPP
Sumário: I - A busca é um meio de obtenção de prova tipificado no CPP, que visa a detenção do arguido ou de outra pessoa, ou a descoberta de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova no processo.

II - A busca só deve ser autorizada quando se revele estritamente necessária para que o Estado assegure o direito à administração da justiça, com respeito pelo princípio da proporcionalidade.

III - Indício não é sinónimo de mera suspeita, tem que ser algo mais que esta, sob pena de não se conseguir evitar a proibição do excesso.

Decisão Texto Integral:






Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra

I. RELATÓRIO

No inquérito nº 360/16.1GASEI, que corre termos na Comarca da Guarda – Seia – Procuradoria da Instância Local – Secção de Inquéritos, a Digna Magistrada do Ministério Público, por despacho de 17 de Outubro de 2016, considerando estar em causa no inquérito a prática de crime de furto, p. e p. pelo art. 207º, nº 1 do C. Penal, tendo por objecto uma bicicleta, e existirem suspeitas, pelas diligências já efectuadas, de ser seu autor o cidadão A... , visando a recuperação do velocípede subtraído, promoveu, ao abrigo do disposto nos arts. 17º, 174º, nºs 2 e 3, 177º, nº 1, 267º e 269º, nº 1, c), todos do C. Processo Penal, a emissão de mandados de busca domiciliária à residência do suspeito.


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            Em 20 de Outubro de 2016 a Mma. Juíza de instrução proferiu o seguinte despacho:

            “ (…).

            Veio O Ministério Público promover que seja autorizada a realização de busca domiciliária à residência do suspeito A... , sita na Rua x..., em Sameice, incluindo todos os anexos que, eventualmente, possam existir na mesma e armazéns, com vista à apreensão de quaisquer objectos relacionados com a prática do ilícito em investigação nos presentes autos que aí sejam encontrados.

Invocou para o efeito, em síntese, existirem nos autos indícios da prática pelo suspeito da prática de um crime de furto previsto e punido pelo artigo 203, nº 1, do Código Penal, nos termos constantes da promoção de fls. 26 e 27, que, por razões de economia e celeridade processual, aqui se dão por integralmente reproduzidos.


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Dispõe o nº 1 do artigo 34.º da Constituição da República Portuguesa que "o domicílio e o sigilo da correspondência e dos outros meios de comunicação privada são invioláveis."

Mais dispõe o n° 2 do mesmo preceito constitucional que "a entrada no domicílio dos cidadãos contra a sua vontade só pode ser ordenada pela autoridade judicial competente, nos casos e segundo as formas previstos na lei."

Todavia, tal restrição tem de ser limitada pelos princípios da proporcionalidade, e da necessidade previstos no artigo 18º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa.

Os "direitos fundamentais correspondentes aos bens jurídicos pessoais valem como direitos de defesa (Abwehrrechte) e proibições de intromissão ou agressão (Eingriffsverbote) por parte dos poderes públicos. Só comportando as restrições consentidas por lei (reserva de lei) e preordenadas à salvaguarda de outros valores ou interesses constitucionalmente tutelados e contidas nas exigências da necessidade, idoneidade e proporcionalidade. E ressalvada sempre a intangibilidade do seu núcleo essencial" (Costa Andrade, in Liberdade de Imprensa e Inviolabilidade Pessoal, Uma perspectiva Jurídico-Criminal, Coimbra, Editora, pág. 33, nota 4).

Resulta do disposto nos números 1 e 2 do artigo 174.º do Código de Processo Penal que as buscas, enquanto meio de obtenção de prova, podem ser ordenadas quando houver indícios de que quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, como é o domicílio.

Mais resulta das disposições conjugadas do nº 1 do artigo 177º e do 269º, nº 1, alínea c), ambos do Código de Processo Penal, que, salvo casos expressa e excepcionalmente previstos na lei, durante o Inquérito a busca em casa habitada ou numa dependência fechada só pode ser ordenada ou autorizada pelo juiz de instrução e efectuada entre as 7 e as 21 horas, sob pena de nulidade.

"O regime próprio estabelecido para as buscas domiciliárias foi determinado pela existência de normas constitucionais que lhes impõem limitações e também por se entender que, em casos específicos muito ponderosos (…) a demora na realização poderia traduzir-se em grave risco para bens jurídicos de grande valor e constitucionalmente protegidos" (Maia Gonçalves, Código de Processo Penal, anotado e comentado, 12a edição, 2001, p. 411, nota 3).

Desta forma, atendendo ao princípio da ponderação de interesses, ao abrigo e face à teleologia das referidas disposições legais, apenas devem ser autorizadas as buscas que se revelem idóneas, proporcionais e adequadas aos fins de protecção da norma.

Por fim, nos termos do disposto nos números 1, 2 e 3 do artigo 178º do Código de Processo Penal, as apreensões (de objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir a prática de um crime, ou que constituem o seu produto, lucro, preço recompensa, e bem assim, todos os objectos que tiverem sido deixados pelo agente no local do crime ou quaisquer outros susceptíveis de servir de prova) são autorizadas, ordenadas ou validadas por despacho de autoridade judiciária, podendo os órgãos de polícia criminal efectuar apreensões no decurso de buscas.


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Concretizando, compulsados os autos verificamos que, pelo menos por ora, os autos não contêm elementos que permitam concluir que sobre A... recai uma fundada suspeita da prática de um crime de furto.

Com efeito, se é certo que a testemunha B.... referiu que, no mês de Setembro de 2016, em dia que não consegue precisar, entre as 19h00 e as 20h00, viu um individuou conhecido por "o AA... " e chamado A... , a circular na Rua x... , Sameice, conduzindo uma bicicleta de cor verde, do tipo pasteleira (cfr. auto de fls. 19), também é certo que, ouvido o suspeito A... , não lhe foi, sequer, perguntado se ele próprio tem uma bicicleta com tais características ou se, na data em apreço nos autos, conduziu uma bicicleta como a descrita.

Nestes termos, não contendo os autos elementos que permitam concluir que sobre A... recai uma fundada suspeita da prática de um crime de furto, e por ora, importa indeferir o promovido, não se autorizando a emissão de mandados de busca domiciliária à residência do suspeito A... .


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Pelo exposto, e sem prejuízo de, futuramente e após recolha de prova adequada e suficiente, as mesmas poderem vir a ser autorizadas, nos termos das disposições legais citadas, indefiro o promovido a fls. 26 e 27 e não autorizo a emissão de mandados de busca domiciliária à residência do suspeito A... .

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Remeta os autos ao Ministério Público.

(…)”.


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            Inconformada com a decisão, recorreu a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

            1. Nos presentes autos o Ministério Público promoveu a emissão de mandados de busca para a residência do suspeito A... , por ter considerado que existiam no inquérito indícios de que o mesmo ocultava no interior da sua residência o objeto furtado (bicicleta tipo “pasteleira”).

                2. Todavia, a M.ma Juiz indeferiu o promovido, por considerar que os autos não contêm elementos que permitam concluir que sobre A... recai fundada suspeita da prática do crime de furto em investigação nos presentes autos.

3. Ora, salvo o devido respeito, não podemos perfilhar de tal solução.

                4. O artigo 174.º, n.º 1, do Código do Processo Penal consagra que “quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objetos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada revista.”. Por sua vez, dispõe o n.º 2 do mesmo preceito legal que “quando houver indícios de que os objetos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.”

5. Não impondo o citado art. 174º a verificação de suspeita da prática de crime incidente sobre o visado pela medida, o conceito de “indícios” a que se refere o n.º 2, do mesmo preceito legal, deve ser interpretado como sendo a mera possibilidade, ainda que séria, a fundada possibilidade de que os objetos referidos nas circunstâncias do n.º 1 do mesmo artigo “se encontrem em lugar reservado ou não livremente acessível ao público”.

6. Assim, a busca, como meio de obtenção de provas que é, não pode estar dependente da prévia existência das provas que visa alcançar, sob pena de retirar qualquer efeito útil relevante a este instrumento de obtenção de prova.

                7. In casu, sopesando devidamente todos os elementos colhidos nos autos, assentes nas declarações do denunciante e da testemunha B... , temos para nós que existem indícios de que A... possa ter consigo, na sua habitação, a bicicleta furtada e de que sobre o mesmo recai já uma fundada suspeita da prática do crime em investigação nos presentes autos.

                8. O pedido de emissão de mandados de busca domiciliária para a residência do suspeito foi fundamentado com base nos elementos probatórios até então colhidos nos autos, sendo que existe a referida testemunha, que merece credibilidade, que referiu ter visto o suspeito a conduzir uma bicicleta com as mesmas características da bicicleta furtada.

                9. É certo que o suspeito, quando inquirido nos autos, não assumiu a prática dos factos nem lhe foi perguntado se tinha uma bicicleta com as mesmas características da furtada, mas a verdade é que o mesmo também não referiu, em momento algum, que possuía um bicicleta com tais características, a que acresce o facto de ter alegado que na hora e data dos factos se encontrava a trabalhar, sendo que quando questionado acerca da identificação completa e morada do seu patrão, referiu desconhecer tais elementos.    10. Tais elementos probatórios traduzem um conjunto de indícios a que se não pode ser processualmente alheio, que deverão ser interpretados de forma articulada e conjugada com a realidade e com as regras da experiência, sob pena de se sacrificar irremediavelmente o direito coletivo à boa e rápida investigação criminal que deve sempre acontecer num Estado de Direito.

                11. Com o pedido de emissão de mandados de busca domiciliária nos termos em que foi formulado, pretendia-se trazer para o inquérito um subsequente e mais fundamentado juízo de certeza quanto à autoria dos factos, capaz de reforçar a responsabilidade do suspeito mencionado, o que a recusa proferida inviabilizou, quiçá irremediavelmente.

                12. Mesmo considerando os direitos à reserva da vida privada e familiar e à inviolabilidade do domicílio, constitucionalmente consagrados, não revestindo os mesmos carácter absoluto, podem, por isso ser comprimidos em caso de colisão com outros direitos de igual valor, como seja a uma justiça eficiente e à boa e rápida investigação criminal, até porque a busca é um meio de obtenção de prova que se encontra devidamente balizado e regulado na lei, não só quanto aos seus pressupostos como quanto às suas formalidades, por forma a reduzir ao mínimo a compressão do direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar.

                13. Não nos parece, assim, que a realização da busca domiciliária, nos termos em que foi requerida – e que se apresenta, in casu, atenta a fase de investigação em que nos encontramos, como a única diligência idónea à obtenção de provas que reforçassem os indícios e as fundadas suspeitas já existentes nos autos e à descoberta da verdade material – implique uma contração desproporcionada do direito fundamental à reserva do domicílio.

                14. Face ao exposto, entendemos que o despacho recorrido violou o disposto nos art. 174º, n.º 2 e 269º, n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal.

                Nestes termos, e com os fundamentos expostos, deve ser concedido provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e determinando-se a sua substituição por outro que defira a emissão dos mandados de busca nos termos requeridos.

Porém, V. Exas. decidirão como for de JUSTIÇA!


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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que, face à inconclusiva prova recolhida até então no inquérito, é a mesma insuficiente para suportar com um mínimo de fiabilidade e rigor, a suspeita afirmada pela Digna Magistrada recorrente, e concluiu pelo não provimento do recurso.

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            Não foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal por não existirem outros intervenientes processuais.

Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.


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            II. FUNDAMENTAÇÃO

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Assim, atentas as conclusões formuladas pela Digna Magistrada recorrente, a questão a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, é a de saber se estão ou não verificados os pressupostos legais da busca domiciliária promovida.


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            Com relevo para a questão a decidir, para além do despacho recorrido, colhem-se nos autos os seguintes elementos:

            i) No auto de denúncia [fls. 4 a 5 do recurso] o ofendido Joaquim Amaral deu conhecimento à GNR que na tarde desse mesmo dia 7 de Setembro de 2016, se fez transportar no seu velocípede de cor verde cromada, marca IEE, modelo vulgarmente designado por ‘pasteleira’, com um suporte na retaguarda que continha um balde de plástico branco, até à Quinta Nunes, na Catraia de S. Romão, onde o deixou, junto à entrada e foi trabalhar no terreno e quando regressou, constatou o desaparecimento do velocípede, nada tendo visto de suspeito e desconhecendo quem o possa ter levado.

            ii) Em 21 de Setembro de 2016 o ofendido foi ouvido em declarações pela GNR [fls. 16 a 17 do recurso] tendo então informado que B... lhe tinha dito que tinha visto o ‘ AA... ’ a circular com uma bicicleta com as características da que lhe foi subtraída, e que um tal ‘K... ’ lhe disse ter visto o mesmo indivíduo, no dia do furto, a circular com a bicicleta.

            iii) Em 26 de Setembro de 2016 a testemunha B... foi ouvida em declarações pela GNR [fls. 20 a 21 do recurso] tento então dito que entre as 19h/20h de dia que não recorda de Setembro corrente, quando fechava um portão, em Sameice, viu o ‘ AA... ’ chamado A... a conduzir uma bicicleta de cor verde, tipo pasteleira.

            iv) Em 27 de Setembro de 2016 a testemunha K... foi ouvida em declarações pela GNR [fls. 22 a 23 do recurso] tento então dito que, na tarde de dia que não precisa, do inicio do corrente mês de Setembro, na EM 513, na Catraia de S. Romão, viu por duas vezes, sempre a circular a pé, um indivíduo que apenas sabe terem os sues pais estado emigrados nos EUA.

            v) Em 10 de Outubro de 2016 a testemunha A... foi ouvida em declarações pela GNR [fls. 25 a 26 do recurso] tento então dito não ser o autor do furto da bicicleta, desconhecer quem o tenha praticado, ter estado, no dia e hora dos factos a trabalhar para o seu patrão, desconhecendo o seu nome completo e residência.


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Da verificação ou não dos pressupostos legais da promovida busca domiciliária

            1. A busca é um meio de obtenção de prova tipificado no C. Processo Penal, que tem lugar quando existam indícios de que quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público (art. 174º, nº 2 do referido código). A busca visa, portanto, a detenção do arguido ou de outra pessoa, ou a descoberta de objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova no processo.

            A realização da busca briga com direitos individuais constitucionalmente tutelados, tais como, o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar (art. 26º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa) e o direito à inviolabilidade do domicílio (art. 34º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa), sendo cominadas com nulidade as provas obtidas mediante abusiva intromissão na vida privada ou no domicílio (art. 32º, nº 8 da Constituição da República Portuguesa).

            Porém, e como resulta do disposto no art. 18º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa, as normas constitucionais relativas a direitos liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas, só podendo a lei restringir direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo estas restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos. Assim, a nível infraconstitucional, as normas que disciplinam este meio de obtenção de prova, numa interpretação conforme, têm que ser entendidas no sentido de que a busca só deve ser autorizadas quando se revele estritamente necessárias para que o Estado assegure o direito à administração da justiça, com respeito pelo princípio da proporcionalidade.

            2. Tal como decorre do disposto no nº 2 do art. 174º do C. Processo Penal, é requisito do ordenamento ou da autorização da busca que existam indícios de que o arguido, outra pessoa que deva ser detida ou objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, se encontram em lugar reservado. E o que deve entender-se por indício?

            A lei do processo não define o conceito mas o sentido comum da palavra é o de indicação, sinal, vestígio (Dicionário da Língua Portuguesa, Edição Revista e Actualizada, 2014, Porto Editora, pág. 896) sendo este mesmo sentido o que lhe foi conferido no Acórdão da Relação de Coimbra de 15 de Fevereiro de 2006, in, CJ, Ano XXXI, Tomo I, pág. 48). Já no Acórdão da mesma Relação de 3 de Março de 2010, processo nº 359/09.4GBOBR-A.C1, in www.dgsi.pt, sobre o conceito, foi escrito, «a categoria de indício não corresponde a uma certeza de determinado facto, sequer à existência de prova, ainda que controversa do mesmo, podendo corresponder simplesmente a um estado de suposição a que se chegou analisando a realidade transmitida para investigação com recurso a raciocínio lógico fundado nas regras da experiência.».

            Temos para nós que indício não é sinónimo de mera suspeita, tem que ser algo mais que esta, sob pena de não se conseguir evitar a proibição do excesso. Na verdade, a suspeita tem que ser qualificada, tem que estar objectivada em indícios, em sinais que tenham um mínimo de consistência racionalmente demonstrada, de forma a suportarem a probabilidade da existência do crime que se pretende provar, a identificação do seu autor e a apreensão dos objectos com aquele relacionados.      

            Pois bem.

            3. Vejamos, in casu, os indícios disponíveis.

            Em primeiro lugar, temos a denúncia efectuada pelo ofendido, que tem por objecto o furto, em 7 de Setembro de 2016, de uma sua bicicleta, verde cromada, marca IEE, modelo vulgarmente designado por ‘pasteleira’, com um suporte na retaguarda, sem que tenha indicado qualquer suspeito da prática do facto.

            Em segundo lugar, temos o depoimento da testemunha B... que declarou ter visto o ‘ AA... ’ chamado A... a conduzir uma bicicleta de cor verde, tipo pasteleira, mas sem precisar o dia de Setembro de 2016.

            Sendo as bicicletas, modelo ‘pasteleira’, ainda frequentes nos meios rurais, não tendo a testemunha identificado a bicicleta que disse ter visto o suspeito tripular, como sendo a pertencente e subtraída ao ofendido, não tendo também precisado o dia em que ocorreu o avistamento por si relatado que, por isso, pode ter acontecido, antes, como depois, como no próprio dia do furto, e não havendo notícia de que o suspeito é pessoa relacionada com a prática de furto, o indício que constitui o depoimento da testemunha, de per si, não tem a densidade probatória mínima que permita ao julgador formular o juízo de probabilidade inerente ao decretamento da busca. Na verdade, a assim não se entender, pelas apontadas razões, qualquer cidadão que a testemunha tivesse avistado conduzindo uma bicicleta antiga seria, sem mais, suspeito e ‘candidato’ à emissão sobre si de um mandado de busca.          

            Em conclusão, o depoimento da testemunha B... não constitui indício com a densidade probatória necessária para suportar a fundada suspeita da autoria do furto da bicicleta pelo cidadão A... .

Não merece, pois, censura o despacho recorrido, ao indeferir a promovida busca domiciliária.


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III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso e, em consequência, confirmam o despacho recorrido.


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Recurso sem tributação (art. 4º, nº 1, a) do R. Custas Processuais).

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Coimbra, 8 de Fevereiro de 2017


(Heitor Vasques Osório – relator)


(Helena Bolieiro – adjunta)