Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
27/12.0JACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOSÉ EDUARDO MARTINS
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PERDA A FAVOR DO ESTADO
VEÍCULO AUTOMÓVEL
Data do Acordão: 10/22/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA FIGUEIRA DA FOZ (1.º JUÍZO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 35.º, N.º 1, DO DL 15/93, DE 22-01 (REDACÇÃO DA LEI N.º 45/96, DE 03.09)
Sumário: Não deve ser declarado perdido a favor do Estado, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 35.º do DL 15/93, de 22-01 (redacção da Lei n.º 45/96, de 03.09), o veículo automóvel - no interior do qual foi detectada substância estupefaciente destinada à venda -, que não se revele indispensável ao transporte ou ocultação da dita substância, constituindo apenas mero meio de locomoção do seu proprietário.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                                                                                                                            

I. Relatório:                                                                                     

            No âmbito do processo comum (tribunal colectivo) n.º 27/12.0JACBR que corre termos no Tribunal Judicial da Figueira da Foz, 1º Juízo, em 12/3/2014, foi proferido acórdão, cujo DISPOSITIVO é o seguinte:

IV. DECISÃO

Pelo exposto, julgando-se a acusação pública parcialmente provada e procedente:

- Absolve-se o arguido A... do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21º/n.º 1 D.L. n.º 15/93, pelo qual, como co-autor material, vem acusado nestes autos;

- Condena-se o arguido A..., como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art. 25º-a) D.L. n.º 15/93, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- Condena-se o arguido A..., como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. no art. 86º/n.º 1-c) e d), ex vi arts. 2º/n.os 1-p), q) e ae) e 3-p) e 3º/n.os 1 e 3 da Lei n.º 5/2006, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão;

- Operando-se o cúmulo jurídico pertinente, de acordo com os critérios dos arts. 30º/n.º 1 e 77º/n.os 1 e 2 C.P. (tomando-se em conta, em conjunto, os factos e a personalidade revelada pelo mesmo), condena-se o arguido A... na pena única de 3 (três) anos de prisão;

- Absolve-se a arguida B... do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21º/n.º 1 D.L. n.º 15/93, pelo qual, como co-autora material, vem acusada nestes autos;

- Absolve-se o arguido C... do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21º/n.º 1 D.L. n.º 15/93, pelo qual, como co-autor material, vem acusado nestes autos;

- Condena-se o arguido C..., como co-autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art. 25º-a) D.L. n.º 15/93, na pena de 2 (dois) anos de prisão;

- Absolve-se a arguida D... do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21º/n.º 1 D.L. n.º 15/93, pelo qual, como co-autora material, vem acusada nestes autos;

- Condena-se a arguida D..., como co-autora material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art. 25º-a) D.L. n.º 15/93, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Absolve-se o arguido I... do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21º/n.º 1 D.L. n.º 15/93, pelo qual, como co-autor material, vem acusado nestes autos;

- Condena-se o arguido I..., como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art. 25º-a) D.L. n.º 15/93, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão;

- Condenam-se também os arguidos A..., C..., D... e I... nas custas do processo, com 3 U.C.’s de taxa de justiça, e ainda os arguidos C..., D... e I... no que for determinado pelo S.I.N.O.A. a título de honorários devidos aos seus ilustres defensores oficiosos (e tudo sem prejuízo do apoio judiciário existente nos autos).
Ao abrigo do disposto nos arts. 50º e 53º C.P., e esperando-se (pelos motivos supra expostos) que a ameaça de prisão o afaste da prática de novos ilícitos criminais, decide-se suspender a execução da pena de prisão definida ao arguido A... pelo respectivo período de 3 (três) anos, acompanhada cumulativamente de um regime de prova assente em plano individual de readaptação social [e nos moldes a definir oportunamente mediante plano a elaborar pelos serviços de reinserção social e a aprovar pelo Tribunal; para tais efeitos, deve ainda o arguido apresentar-se e(ou) responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe venham a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social, e sem prejuízo de o plano de readaptação poder vir a ser completado posteriormente pelos aludidos serviços].
Nos termos dos arts. 50º e 53º C.P., e na convicção de que a ameaça de prisão o afaste da prática de novos ilícitos criminais, decide-se suspender a execução da pena de prisão definida ao arguido C... pelo respectivo período de 2 (dois) anos, acompanhada cumulativamente de regime de prova assente em plano individual de readaptação social [e nos moldes a definir oportunamente mediante plano a elaborar pelos serviços de reinserção social e a aprovar pelo Tribunal; para tais efeitos, deve ainda o arguido apresentar-se e(ou) responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe venham a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social, e sem prejuízo de o plano de readaptação poder vir a ser completado posteriormente pelos aludidos serviços].

Ao abrigo do disposto nos arts. 50º e 53º C.P., e esperando-se (pelos motivos supra expostos) que a ameaça de prisão a afaste da prática de novos ilícitos criminais, decide-se suspender a execução da pena de prisão definida à arguida D... pelo respectivo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, acompanhada cumulativamente de um regime de prova assente em plano individual de readaptação social [e nos moldes a definir oportunamente mediante plano a elaborar pelos serviços de reinserção social e a aprovar pelo Tribunal; para tais efeitos, deve ainda a arguida apresentar-se e(ou) responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe venham a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social, e sem prejuízo de o plano de readaptação poder vir a ser completado posteriormente pelos aludidos serviços].
Nos termos dos arts. 50º e 53º C.P., e na convicção de que a ameaça de prisão o afaste da prática de novos ilícitos criminais, decide-se suspender a execução da pena de prisão definida ao arguido I... pelo respectivo período de 1 (um) ano e 6 (seis) meses, acompanhada cumulativamente de regime de prova assente em plano individual de readaptação social [e nos moldes a definir oportunamente mediante plano a elaborar pelos serviços de reinserção social e a aprovar pelo Tribunal; para tais efeitos, deve ainda o arguido apresentar-se e(ou) responder a todas as convocatórias que para o efeito lhe venham a ser feitas pelo Tribunal e pelos técnicos de reinserção social, e sem prejuízo de o plano de readaptação poder vir a ser completado posteriormente pelos aludidos serviços].

Ao abrigo do disposto no art. 35º/n.º 2 D.L. n.º 15/93, declaram-se perdidas a favor do Estado as substâncias estupefacientes apreendidas nos presentes autos (e aqui melhor identificadas), e os telefones móveis apreendidos aos arguidos A... e C....

            Da mesma forma, nos termos do art. 109º C.P., porque estreitamente ligadas à prática de um dos crimes por que o arguido A... foi condenado, declaram-se perdidas a favor do Estado a arma de fogo e as munições também apreendidas nos presentes autos (e aqui melhor identificadas).

            Oportunamente (após trânsito), ao Ministério Público, para que promova o que tiver por conveniente quanto à destruição das substâncias estupefacientes (maxime, através do accionamento dos meios previstos no art. 62º/n.º 6 D.L. n.º 15/93), e ao destino a dar aos outros bens declarados perdidos a favor do Estado.

Restitua-se ao arguido A... (igualmente após trânsito) o veículo automóvel apreendido nos autos, não abrangido pela declaração de perda a favor do Estado, pois não se provou matéria factual da qual pudesse decorrer a ideia de que resultou o mesmo de factos ilícitos perpetrados pelo dito arguido (não se justificando, além disso, e pelas suas características próprias, o seu perdimento a favor do Estado).

Boletins.

Também oportunamente, cumpra-se o disposto no art. 64º/n.º 2 D.L. n.º 15/93, bem como no art. 494º/n.os 2 e 3 C.P.P.”

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Inconformado com a decisão, dela recorreu, em 10/4/2014, o Ministério Público, defendendo que a arguida B... deve ser condenada e que não há fundamento para suspender a execução das penas aos co-arguidos e, ainda, que o veículo Ford Galaxi de matrícula ...MN deve ser declarado perdido a favor do Estado, extraindo da Motivação as seguintes conclusões:

1. Ao absolver a arguida B..., entendeu o Tribunal que as provas produzidas não eram suficientes para a sua condenação.

            2. Todavia, não fundamenta o acórdão recorrido por que razão não valorizou as escutas telefónicas em que a mesma é interveniente, no contexto da demais prova produzida, por que razão desvalorizou os depoimentos dos elementos da PJ, cuja transcrição se fez neste recurso, de onde resulta inequivocamente toda a actividade de tráfico da arguida, os encontros em que participou de venda de droga, na companhia do arguido A... e pelos quais este foi condenado, e não justifica, ainda, o acórdão por que entendeu que, no dia em que a arguida e o A... foram detidos e depois sujeitos a prisão preventiva, a arguida não estava ali também como co-autora do crime de tráfico de cocaína liderado pelo A..., pois não era a primeira vez sequer que a arguida participava neste tipo de encontros de venda de droga. A que acresce o facto de a droga apreendida ser efectivamente cocaína e em quantidade que permite inequivocamente a condenação pelo mesmo crime pelo qual foi condenado A....

            3. A testemunha E... refere expressamente que B... acompanhava A... aquando da venda que este lhe fazia de produto estupefaciente.

            4. A testemunha T...refere expressamente que B... acompanhava A... aquando das transacções de produto estupefaciente.

            5. A testemunha U...refere expressamente que B... acompanhava A... aquando das transacções de produto estupefaciente.

            6. A testemunha V...refere expressamente que B... acompanhava A... aquando das transacções de produto estupefaciente.

            7. Além do mais, nas escutas telefónica transcritas a si respeitantes – cf. Apenso 1 dos autos (alvo 51026M) -, é notório o envolvimento da arguida em toda esta actividade de tráfico de droga. A linguagem utilizada é cifrada, mas no contexto global da prova produzida, percebe-se o que está em causa – transacções de droga (cocaína ou heroína).

            8. As vigilâncias realizadas por elementos da PJ removeram quaisquer dúvidas.

            9. E a apreensão realizada aquando da detenção em flagrante delito de A... e B... liquida qualquer dúvida que ainda pudesse existir, designadamente sobre a natureza de um dos produtos por eles transaccionado.

            10. (…).

            11. (…).

            12. O acórdão dos autos deu ainda por não provados os factos dos parágrafos 1º, 5º a 11º, 13º a 16º, 18º a 20º, 22º, 24º a 28º.

13. Dos testemunhos dos elementos da PJ já mencionados, das imagens explícitas recolhidas aquando das vigilâncias, das escutas transcritas, da droga apreendida, da transacção que teve lugar aquando da detenção dos arguidos A... e B..., do exame efectuado à cocaína então apreendida, resulta, contudo, que o Tribunal deveria ter dado como provado que os arguidos C..., D..., A... e B... vendiam cocaína e heroína a diversos consumidores, pois tanto é consentido pela observação directa que os elementos da PJ fizeram, constatação essa que foi confirmada antes e depois pelas escutas telefónicas, pelos outros testemunhos recolhidos – cf. G..., que ia sempre acompanhada por uma colega toxicodependente como ela, e que o acórdão dos autos omite, indevidamente, bastando ouvir esse testemunho – e pela apreensão realizada em plena transacção.

14. (…).

15. Os indivíduos que são indicados como consumidores nos factos não provados contactaram os arguidos por diversas vezes, pois tal até resulta das escutas telefónicas, os elementos da PJ inquiridos e cujos depoimentos se transcreveram viram-nos em transacções com os arguidos, e tais transacções não eram de «pastilhas elásticas», mas sim de cocaína e heroína, como resulta da droga apreendida e dos testemunhos experientes dos elementos da PJ.

16. (…).

17. A globalidade da prova produzida e, em especial a atrás mencionada, avaliada em conjugação com juízos de normalidade, decorrentes das regras da experiência, implica que se dêem por provados todos os factos não provados que constam dos parágrafos seguintes: 1º, 5º, 6º (à excepção do segmento referente à co-autoria com os demais arguidos), 7º a 11, 13º (com excepção dos valores pagos e gastos), 14.º, 15º, 16º (com excepção do número de pacotes adquiridos e valores mencionados), 18.º, 19º, 20º (com excepção da média mencionada), 22º, 24º, 25º (com excepção da média apurada), 26º, 27º e 28º (com excepção dos valores e quantidade de panfletos).

18. Deve, ainda, ser dado como provado que, nas conversações telefónicas dos arguidos, as expressões «café» e «água» se reportavam a heroína e cocaína, respectivamente, conforme resultou dos depoimentos dos elementos da PJ, (…).

19. Mal andou, ainda, o acórdão recorrido ao dar como não provado que «todos os arguidos, nos períodos acabados de referir, fizeram do seu modo de vida e meio de subsistência (aliás, único, e que desenvolviam de forma contínua e reiterada) a cessão a terceiros, a troco de quantias pecuniárias, de heroína e cocaína».

20. Na verdade, resulta dos depoimentos dos elementos da PJ ouvidos em julgamento que os arguidos não trabalhavam, não tinham outro meio de subsistência.

21. Resulta, ainda, do documento de fls. 2198 dos autos – ofício da Segurança social – que ao arguido A..., no ano de 2011, foi processado um subsídio de maternidade social no valor de 212,42 €, e que, durante o ano de 2012, tem registados 2 dias de trabalho, no valor de 32,50 €. Nesse mesmo documento, informa-se que B... era beneficiária da prestação de RSI, de 11/2010 a Dezembro de 2012, tendo a prestação cessado em Janeiro de 2013, por falta à convocatória.

22. A fls. 2199, encontra-se um documento com o extracto das remunerações do arguido A..., nos anos de 2011 e 2012 (dois dias de trabalho).

23. A fls. 2197, a AT informa que o arguido A... não auferiu quaisquer rendimentos durante os anos de 2011 e 2012.

24. Portanto, não se vê em que se funda a decisão de dar como não provados tais factos. Aliás, os meios de prova impõem decisão diversa.

25. Nunca se poderia concluir, por outro lado, como demonstrado neste recurso, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

26. Assim, não se vislumbra outra pena aplicável que não seja a pena de prisão efectiva.

27. Deve, por outro lado, a arguida B... ser condenada pela co-autoria material, sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, a), do DL 15/93, de 22.01, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva.

28. (…), dúvidas não existem de que os arguidos A... e B... se serviram do veículo para a sua actividade de tráfico de droga. E não o fizeram de forma episódica ou ocasional.

29. Assim, ao abrigo do artigo 35.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22.01, porque tal veículo ...MN serviu para a actividade de tráfico de cocaína e heroína, deve ser declarado perdido a favor do Estado, conforme requerido na acusação.

30. (…).
****

O recurso, em 5/5/2014, foi admitido.
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            A arguida D..., em 4/6/2014, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões:
1. (…).
2. (…).
3. (…).
4. (…).

5. No caso concreto, provou-se que a arguida D... não tem antecedentes criminais, é tida por pessoa cordata no relacionamento social, vive maritalmente com C... há vários anos, sendo mãe de 4 filhos menores, com idades compreendidas entre os 15 e os 9 anos de idade, tendo beneficiado de RSI até há cerca de 2 anos, vindo desenvolvendo algumas vendas ambulantes, sendo certo que os eu companheiro se dedica por vezes à apanha de fruta, realiza alguns trabalhos mecânicos e presta serviços nas “paragens” das fábricas de celulose.

            6. Ficou provado que a arguida frequenta um curso de formação escolar e profissional retribuído com uma bolsa mensal no valor de 140,00 €.

            7. (…).

            8. O douto acórdão recorrido não interpretou deficientemente qualquer preceito legal, designadamente o preceituado no n.º 1 do artigo 50.º, do Código Penal, nem lhe subsumiu inadequada ou incorrectamente a factualidade apurada.
****

            O arguido C..., em 9/6/2014, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões:

1. O recurso interposto pelo Digníssimo Procurador do Ministério Público é apenas contra a arguida B....

            2. (…).

            3. (…).

            4. (…).

            5. (…).

            6. (…).

            7. (…).

            8. (…).

            9. (…).

            10. A matéria de facto tem assim de manter-se tal como foi decidido em primeira instância porque corresponde ao que se passou em audiência de discussão e julgamento e porque o MP recorrente não impugnou a matéria de facto como a lei impõe e estatui. Não o fazendo, não pode ser reapreciada a matéria de facto.

            11. (…).

            12. (…).

            13. (…).

            14. (…).

            15. Assim, dever-se-á entender que o recurso não se refere ao arguido ora respondente e, bem assim, caso não seja esta a linha de pensamento escolhida, o que se admite somente por mera hipótese académica que a cautela de patrocínio impõe, ainda assim, o arguido não deve ser condenado em pena maior do que foi e muito menos a mesma deverá ser de prisão efectiva.(…).
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            Os arguidos A... e B..., em 11/6/2014, responderam ao recurso, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões:

1. (…).

            2. A essa apreciação de prova veio a corresponder uma acertada enumeração da factualidade provada e não provada, devidamente fundamentada, e um subsequente e correcto enquadramento dos factos no direito.

3. Assim, e perante a prova produzida e decorrente da factualidade estabelecida, concluiu o Tribunal, como se impunha, pela absolvição da arguida B....

4. (…).

5. Mostra-se criteriosa a escolha e adequada a medida das penas aplicadas.

6. A pena de três anos de prisão, imposta ao arguido A..., foi declarada suspensa na sua execução, dada a existência de razões que levaram à formulação de um juízo de prognose favorável.

7. O veículo automóvel apreendido nos autos não se encontra abrangido pela declaração de perda a favor do Estado, pois não se provou matéria factual de que decorresse a ideia de que o mesmo resultou de factos ilícitos perpetrados pelo arguido A....

8. (…).

            9. (…).
****

            O arguido I..., em 11/6/2014, respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência e apresentando as seguintes conclusões:

1. (…).

            2. (…), o Tribunal determinou, com critério, a pena concreta aplicada ao arguido/respondente, (…).

            3. (…).

            4. (…).

            5. (…).

            6. (…).

            7. (…).

            8. (…).

            9. (…).

            10. (…).

            11. Nem das condições pessoais do arguido, nem das circunstâncias do crime em apreço nos presentes autos resultam evidências que inviabilizem um juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento no sentido de que a ameaça da prisão é adequada e bastante para cumprir as finalidades da punição.

            12. (…).
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            Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, em 2/7/2014, emitiu douto parecer no qual acompanhou, integralmente, o recurso interposto nos autos.

Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, tendo apenas o arguido C..., em 5/9/2014, exercido o respectivo direito de resposta.

Colhidos os vistos, teve lugar a legal conferência, cumprindo apreciar e decidir.


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II. Decisão Recorrida:

(…)

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Entende-se provada a seguinte matéria factual, pertinente à decisão a proferir:

1 – pelo menos desde Agosto de 2011 até Novembro de 2012, e, no mínimo, por dez vezes, o arguido A... procedeu à venda directa de produto estupefaciente (heroína e cocaína) a E... (conhecido por “ bb...”, e melhor identificado nos autos), mediante contactos telefónicos prévios entre ambos estabelecidos;

2 – as entregas referidas no ponto 1 (destes factos provados) ocorreram junto ao estádio do clube Naval 1º de Maio (na rua localizada entre este estádio e a Escola Secundária Dr. Joaquim de Carvalho), na cidade da Figueira da Foz, e junto ao chamado “parque de merendas” da Gala, igualmente área da comarca da Figueira da Foz, pagando o aludido E...cerca de € 10 por cada “panfleto” de heroína;

3 – no dia 7 de Novembro de 2012, pelas 16 horas e 20 minutos, na Rua 1º de Maio, junto ao Bairro das Indústrias e do “parque das merendas”, em Cova Gala, área da comarca da Figueira da Foz, o arguido A... e a sua companheira e igualmente arguida B... foram interceptados por elementos da Polícia Judiciária no preciso momento em que o arguido A... se aprestava para entregar substância estupefaciente ao aludido E..., que na altura fugiu do local;

4 – os arguidos A... e B... tinham chegado ao local fazendo-se transportar no veículo automóvel de matrícula ...MN (marca “Ford” e modelo “Galaxy”, de cor vermelha), vinda da Rua Manuel Luís Pata, no sentido da localidade da Gala, parando junto do veículo de matrícula ...QM (marca “Nissan” e modelo “Almera”, de cor cinzenta), com o objectivo de entregar o arguido A..., a troco de dinheiro, a E...produto estupefaciente que este tinha encomendado previamente por contacto telefónico;

5 – o arguido A... tinha consigo 24 “panfletos” de cocaína, com o peso aproximado de 4,56 gramas (peso líquido de 2,878 gramas), que foram apreendidos quando o arguido A... deles se tentava desfazer (estando os pacotes de cocaína dissimulados-acondicionados na sua mão direita);

6 – o produto estupefaciente aludido no ponto 5 (desta matéria factual provada) destinava-se à venda a terceiros consumidores;

7 – na posse do arguido A... foram apreendidos os seguintes telefones móveis, utilizados nos seus contactos telefónicos (também) para a venda de substâncias estupefacientes: um telefone móvel da marca “Nokia” e modelo “200”, com o IMEI (...) e o IMEI (...), contendo, respectivamente, um cartão da rede “Optimus”, com o n.º (...) e o ICCID n.º (...)(SIM1) e um cartão da rede “Vodafone”, com o n.º (...) e o ICCID n.º (...) (SIM2); e um telefone móvel da marca “Vodafone”, com o IMEI n.º (...), contendo um cartão da rede “Vodafone” com o n.º (...);

8 – o arguido A... não tinha autorização para licitamente deter, vender, distribuir ou ceder produto estupefaciente a terceiros, sendo igualmente conhecedor da danosidade para a saúde pública decorrente da cedência deste tipo de produto, o que representou;

9 – nas ocasiões acabadas de referir agiu sempre o arguido A... de forma livre, voluntária e consciente, com a noção de incorrer em factos proibidos e punidos pela lei penal;

10 – no dia 7 de Novembro de 2012, em cumprimento de mandado de busca domiciliária efectuado na residência dos arguidos A... e B..., na Rua (...), Figueira da Foz, foi encontrada e apreendida, no quarto do casal, uma pistola de calibre 7,65 mm, da marca “F.N. Browning” e modelo “M1900”, de fabrico belga, com n.º de série 509168, em normais condições de funcionamento, com carregador introduzido e municiado com sete munições de calibre 7 (65x17mm), bem como outras 24 munições do mesmo calibre (oito da marca “G.F.L.” e 23 da marca “Leader”, também em normais condições de funcionamento), arma e munições pertencentes ao arguido A...;

11 – o arguido A... detinha a arma de fogo e as respectivas munições sem possuir autorização para tal e fora das condições legais;

12 – a pistola em causa não se encontra manifestada ou registada, nem o arguido A... tem registadas armas em seu nome ou licenciamentos emitidos pelo Departamento de Armas e Explosivos da Direcção Nacional da Polícia de Segurança Pública;

13 – o arguido A... detinha livre, voluntária e conscientemente a arma de fogo e as munições, sabendo não estar autorizado a tal, e incorrer por essa via na prática de facto proibido pela lei penal;

14 – entre Março e Maio de 2012, e em pelo menos quatro ocasiões, o arguido I... cedeu, a troco de dinheiro, heroína a GG... (melhor identificado nos autos), que lhe entregou, assim, por cada “panfleto”, € 10;

15 – o arguido I... não tinha autorização para licitamente deter, vender, distribuir ou ceder produto estupefaciente a terceiros, sendo igualmente conhecedor da danosidade para a saúde pública decorrente da cedência deste tipo de produto, o que representou;

16 – nas ocasiões acabadas de mencionar agiu sempre o arguido I... de forma livre, voluntária e consciente, com a noção de incorrer em factos proibidos e punidos pela lei penal;

17 – no período de tempo compreendido entre Fevereiro e Agosto de 2012, G... (melhor identificada nos autos) adquiriu, no mínimo, e por 30 vezes, heroína aos arguidos C... e D..., tendo as entregas sido efectuadas indiferenciadamente por estes arguidos na zona da Figueira da Foz;

18 – a mencionada G...comprava, de cada vez, e em média, dois “panfletos” diários de heroína e pagava € 20 por cada um;

19 – as entregas referidas nos pontos 17 e 18 (da presente factualidade assente) eram precedidas de contactos telefónicos efectuados entre a dita G...e o arguido C... – e, em alguns casos, a arguida D...;

20 – da busca efectuada à residência dos arguidos C... e D... resultou a apreensão dos seguintes telefones móveis, utilizados nos seus contactos telefónicos (também) para a venda de substâncias estupefacientes: um telefone móvel da marca “Samsung”, de cor preta, modelo “GT-E1151”, com o IMEI n.º (...), contendo um cartão SIM da “TMN” com o ICCID n.º (...), ao qual corresponde o n.º (...), com a respectiva bateria; e um telefone móvel da marca “LG”, de cor preta, modelo “GD330”, com o IMEI n.º (...), contendo um cartão da TMN com o ICCID n.º (...), e respectiva bateria;

21 – os arguidos C... e D... não tinham autorização para licitamente deterem, venderem, distribuírem ou cederem produto estupefaciente a terceiros, sendo igualmente conhecedores da danosidade para a saúde pública decorrente da cedência deste tipo de produto, o que representaram;

22 – nas ocasiões acabadas de referir agiram sempre os arguidos C... e D... de forma livre, voluntária e consciente, com a noção de incorrerem em factos proibidos e punidos pela lei penal;

23 – os arguidos A... e B... vivem maritalmente, e têm uma filha em comum, com três anos de idade;

24 – a arguida B... tem ainda uma filha, com 10 anos de idade, fruto de uma relação anterior;

25 – são beneficiários do “rendimento social de inserção” e desenvolviam algumas vendas ambulantes, sobretudo em feiras da região;

26 – a arguida B... dedicava-se igualmente à aplicação de unhas de gel, da qual retirava alguns proventos económicos;

27 – à data da prática dos factos aqui em discussão, havia sido o arguido A... condenado por três vezes, pela prática de um crime de injúria agravada, de fraude sobre mercadorias, e de aproveitamento de obra contrafeita, vindos depois a ser condenado pela prática de outro crime de aproveitamento de obra contrafeita e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez;

28 – a arguida B... foi condenada, uma vez, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal;

29 – a arguida D... é irmã do arguido A... e companheira do arguido C..., com quem vive de há diversos anos a esta parte;

30 – os arguidos C... e D... são pais de quatro filhos menores, que contam entre os 15 e os nove anos de idade;

31 – tendo beneficiado do “rendimento social de inserção” até há cerca de dois anos atrás, vão desenvolvendo algumas vendas ambulantes, dedicando-se o arguido C... também, de quando em vez, à actividade da apanha de fruta e a alguns trabalhos mecânicos e nas “paragens” nas fábricas de celulose, vivendo igualmente dos subsídios familiares atribuídos aos filhos;

32 – ambos – arguidos C... e D... – frequentaram um curso de qualificação escolar e profissional, com a duração de 11 meses, e incluindo a atribuição de bolsa no valor de € 140 por cada um deles;

33 – são tidos, ambos, por pessoas cordatas no relacionamento com os que consigo estão mais próximos;

34 – o arguido C... vem consumindo estupefacientes de há alguns anos a esta parte, mantendo períodos de abstinência;

35 – à data da prática dos factos em causa nos presentes autos, fora o arguido C... condenado pela prática de dois crimes de usurpação de direitos de autor e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, vindo mais tarde a ser condenado por um crime de violação de proibições legais, sem que haja cumprido pena de prisão efectiva;

36 – a arguida D... não tem antecedentes criminais;

37 – o arguido I... é o mais novo de oito irmãos, tendo crescido em um ambiente hostil e de falta de assunção, pelo seu pai, em relação à manutenção da família;

38 – concluiu o 9º ano de escolaridade;

39 – dedicou-se, quase sempre, a actividades ligadas à pesca, área na qual vai desempenhando alguns trabalhos e conseguindo, em média, cerca de € 1.000 mensais;

40 – é solteiro, tendo vivido maritalmente durante seis anos, relação da qual nasceu o seu filho menor, hoje com oito anos de idade, a residir com a mãe, mas que pelo arguido é contactado nos períodos definidos;

41 – actualmente, o arguido I... vive com os pais, em casa destes;

42 – é consumidor de substâncias estupefacientes, tendo conseguido manter alguns períodos de acompanhamento terapêutico e de consequente abstinência;

43 – à data da prática dos factos ora em causa havia sido já o arguido I... julgado e condenado criminalmente, cinco vezes, pela prática de outros tantos crimes de condução sem habilitação legal, e de um crime de furto qualificado, vindo a ser posteriormente condenado pela prática de outro crime de furto, sem que haja cumprido pena de prisão efectiva.

Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.

Assim, e designadamente, não se apurou que:

- a arguida B... agiu, na factualidade supra aludida nos pontos 1 a 9 (da matéria assente), em comunhão de esforços e intentos com o arguido A...;

- não obstante os factos supra referidos nos pontos 1 a 9 (da factualidade provada), os arguidos A... e B... actuaram em comunhão de esforços (nomeadamente utilizando os mesmos telefones móveis e veículos) e de forma concertada com os arguidos C..., D... e I... (e este último a actuar sob a orientação e de acordo com as instruções dos dois primeiros arguidos, A... e B...);

- os arguidos A... e B... entregavam normalmente ao arguido I... cinco pacotes de heroína para este vender por conta daqueles junto dos toxicodependentes-consumidores;

- em algumas ocasiões, quando o arguido I... realizava € 100, os arguidos A... e B... entregavam-lhe um “panfleto” para o seu consumo, como forma de “gratificação”;
- no período temporal compreendido entre Agosto de 2011 e Novembro de 2012, e em diversas ocasiões, os arguidos A... e B... venderam directamente ao arguido I... heroína e cocaína;

            - os arguidos C... e D..., no período de tempo compreendido entre Janeiro e Novembro de 2012, cederam substâncias estupefacientes a terceiros consumidores em conjugação de esforços e intenções com os restantes arguidos;
- todos os arguidos, nos períodos de tempo acabados de referir, fizeram do seu modo de vida e meio de subsistência (aliás, único, e que desenvolviam de forma contínua e reiterada) a cessão a terceiros, a troco de quantias pecuniárias, de heroína e cocaína;
- entre Agosto de 2011 e Novembro de 2012, os arguidos A... e B... venderam directamente a X... (melhor identificada nos autos) heroína e cocaína, por diversas vezes, realizando-se as entregas do produto estupefaciente no denominado “parque de merendas” da Gala;
- no dito lapso de tempo (Agosto de 2011 e Novembro de 2012), os arguidos A... e B... venderam directamente a H... (melhor identificado nos autos) heroína e cocaína, por diversas vezes;

- também entre Agosto de 2011 e Novembro de 2012, os arguidos A... e B... cederam a troco de dinheiro heroína e cocaína a M... (conhecido como “ cc...”, e melhor identificado nos autos), em diversas ocasiões;

- no período temporal situado entre o início de 2012 e Agosto do mesmo ano, os arguidos A... e B... procederam à entrega de heroína e cocaína, a troco de dinheiro, a Z... e à respectiva companheira, N... (ambos melhor identificados nos autos), em frente à residência dos  mencionados arguidos e, outras vezes, no denominado “parque de merendas” da Gala;

- os acabados de referir Z... e N... adquiriram também ao arguido I..., por vezes, “panfletos” de € 10, no aludido período de tempo;

- entre Agosto de 2011 e Junho de 2012, K... (conhecido por “P.P.”, e melhor identificado nos autos) adquiriu, por diversas vezes, heroína e cocaína aos arguidos A... e B..., comprando-lhes, em média e de cada vez, € 40 ou € 60 daquelas substâncias (em “panfletos” de € 20 cada), tendo gasto entre € 10.000 e € 15.000 na dita aquisição no período em causa, efectuando-se as entregas nas traseiras de casa dos arguidos e no denominado “parque de merendas” da Gala;

- no período de tempo compreendido entre Maio e Junho de 2012, S... (conhecido como “ S... do ‘Audi’ vermelho”, e melhor identificado nos autos) adquiriu, por diversas vezes, heroína ao arguido A... (“panfletos” individuais de € 20), tendo a entrega ocorrido sempre no “parque de merendas” da Gala;

- no lapso temporal situado entre Maio e Novembro de 2012, EE...e seu primo FF... (conhecido por “Congolo”, e ambos melhor identificados nos autos) adquiriram heroína e cocaína aos arguidos A... e B..., tendo as entregas ocorrido no parque de estacionamento localizado em frente à Câmara Municipal da Figueira da Foz, na Rua de Coimbra, junto ao Centro de Emprego da Figueira da Foz, e no denominado “parque de merendas” da Gala;

- os referidos EE...e FF... compraram para o seu consumo conjunto entre três a seis pacotes de cocaína ou heroína, pagando € 20 por cada “panfleto” individual (chegando mesmo a gastar € 200 em um só dia na aquisição daquelas substâncias, muito embora, em média, adquirissem € 100 diários);

- também entre Maio e Novembro de 2012, os ditos EE...e FF... chegaram a adquirir, por duas vezes, heroína e cocaína ao arguido I..., que se deslocou em uma bicicleta ao “parque de merendas” da Gala, a fim de realizar a entrega do produto estupefaciente;

- no mês de Outubro de 2012, CC...(melhor identificado nos autos) adquiriu heroína, por duas ou três vezes, e ao preço de € 20 por cada “panfleto”, ao arguido A..., tendo a entrega sido efectuada por este arguido no denominado “parque de merendas” da Gala;

- no período de tempo compreendido entre Junho e Novembro de 2012, W... (conhecido como “ ee...”, e melhor identificado nos autos) adquiriu, por diversas vezes, heroína e cocaína aos arguidos A... e B..., tendo a entrega sido efectuada por estes dois arguidos no denominado “parque de merendas” da Gala, e junto às instalações da discoteca “Bergantim”, na cidade da Figueira da Foz, pagando aquele consumidor aos arguidos o preço de € 20 por cada “panfleto”;

- AA... (conhecido como “ dd...”, e melhor identificado nos autos), no período de tempo compreendido entre Novembro de 2011 e Novembro de 2012, adquiriu, por diversas vezes, heroína e cocaína aos arguidos A... e B..., em uma média de cerca de € 50 por mês, sendo a entrega indiferenciadamente efectuada por estes dois arguidos;

- entre Fevereiro e Agosto de 2012, G...(já acima referida, nos pontos 17 a 19 dos factos provados) adquiriu ao arguido A..., por duas ou três vezes, substâncias estupefacientes;

- no lapso temporal mediado por Junho e Setembro de 2012, BB... (conhecido como “ ff..”, e melhor identificado nos autos) adquiriu, por diversas vezes, heroína aos arguidos A... e B..., tendo a entrega sido efectuada indiferenciadamente por estes dois arguidos junto a uma rotunda localizada na Senhora da Encarnação, em Buarcos, Figueira da Foz, e pagando aquele consumidor € 20 por cada “panfleto” da dita substância;

- o veículo apreendido nos autos e utilizado pelos arguidos A... e B... foi adquirido com dinheiro proveniente da venda de estupefacientes;

- no período de tempo compreendido entre Maio e Novembro de 2012, EE...e FF... adquiriram igualmente cocaína e heroína aos arguidos C... e D..., que procederam à entrega das referidas substâncias junto às instalações dos Bombeiros Voluntários da Figueira da Foz;

- no período de tempo compreendido entre Janeiro e Novembro de 2012, F... (conhecido por “ gg...”, e melhor identificado nos autos) adquiriu, por diversas vezes, heroína aos arguidos C... e D..., tendo as entregas sido efectuadas indiferenciadamente por estes arguidos na Zona Industrial da Figueira da Foz, e comprando ele, em média, dois “panfletos” diários, ao preço de € 20 por cada um;

- no período de tempo compreendido entre Junho e Novembro de 2012, Y... (melhor identificada nos autos) adquiriu, por diversas vezes, heroína aos arguidos C... e D..., ao preço de € 20 por cada “panfleto”, e tendo as entregas sido efectuadas indiferenciadamente por estes arguidos quer na residência que na altura tinham (sita na Praia da Leirosa), quer no denominado “parque de merendas” da Praia da Leirosa, quer junto ao “Café Casarão”, sito em Sampaio, igualmente na Praia da Leirosa;

- no lapso temporal compreendido entre Maio e Junho de 2012, M... (já acima referido) adquiriu heroína aos arguidos C... e D..., pelos preços de € 10 ou € 20 cada “panfleto”, e tendo as entregas efectuadas pelos arguidos ocorrido na estrada que dá acesso à localidade da Costa de Lavos e debaixo da ponte da Figueira da Foz, junto às bombas de abastecimento de gás;

- no período de tempo compreendido entre Maio e Setembro de 2012, DD... (melhor identificado nos autos) adquiriu, por diversas vezes, cocaína aos arguidos C... e D..., pagando por três “panfletos” individuais o preço de € 50, e sendo as entregas efectuadas indiferenciadamente pelos dois arguidos junto às bombas de abastecimento de combustíveis “Galp”, situadas em Silveira Grande, Pombal;

- o arguido I..., entre Março e finais de Maio de 2012, cedeu a troco de dinheiro heroína aos seus irmãos J...e L..., melhor identificados nos autos, bem como a M... e N... (ambos já acima referidos), e O..., Q...e R... (conhecido como “ aa...”), igualmente melhor identificados nos autos.

Para alicerçar a sua convicção, o Tribunal atribuiu relevância ao conjunto da prova produzida, analisada criticamente, segundo as regras da experiência comum [ou seja, das «(…) definições ou juízos hipotéticos de conteúdo genérico, independentes do caso concreto sub judicio, assentes na experiência comum, e por isso independentes dos casos individuais em cuja observação se alicerçam, mas para além dos quais têm validade» – Prof. Manuel Cavaleiro de Ferreira, “Curso de processo penal”, volume II, Lisboa, 1988, pág. 30].
Com efeito, como em muitos outros julgamentos relacionados com o tráfico de estupefacientes, foi especialmente necessária a adopção de um especial senso crítico na depuração dos contributos processuais prestados em sede de audiência.
            De facto, o ditame do art. 127º do Código de Processo Penal (C.P.P.) – com o seu apelo às regras da experiência e à livre convicção da entidade julgadora – revelou-se de uma especial acuidade e oportunidade na apreciação da prova produzida, em um todo comportamental tão complexo (mas, por vezes, e ao mesmo tempo, tão repetitivo) como o que nos oferece o “mundo da droga”.

Tudo isto nos remete, também, para a consciencialização de que a verdade judicial não é (nem pode ser) uma verdade “absoluta”, no sentido de uma verdade “ontologicamente” indestrutível. A verdade judicial alicerça-se em factos alcançados – e alcançáveis – através da interpretação e depuração dos diversos elementos probatórios produzidos e analisados em audiência de julgamento (quando a mesma ocorra) ou relativamente aos quais as partes (quando o processo as admita) estão de acordo quanto à significação e valoração próprias. A convicção do julgador baseia-se, pois, nesse conjunto de elementos, mediante a produção de um juízo de verosimilhança, a que as normais regras da experiência comum não poderão nunca ser alheias.
Posta esta pequena nota introdutória, importa realçar a ausência de prestação de declarações por parte dos arguidos (no exercício, aliás, de um seu direito processual basilar) quanto ao thema probandum dos autos.

Assim, foi de primacial importância a apreensão de substâncias estupefacientes efectuada (cfr. auto de revista pessoal ao arguido A... e de apreensão de fls. 714 e 715, resultado do teste rápido documentado a fls. 724 e fotografias de fls. 725 a 729). Claro que o acabado de expressar vale também para dizer não ter ficado o Tribunal convencido, à luz das acima mencionadas regras da experiência, e grosso modo, de outra coisa para além do evidente destino (venda) das substâncias em causa.

V..., T... e U... intervieram, na sua qualidade de elementos da Polícia Judiciária da Directoria de Coimbra, em operações e démarches policiais (de vigilância e seguimento, por exemplo) que depois desembocaram na detenção do arguido A... no momento em que este se preparava para entregar substâncias estupefacientes ao consumidor e testemunha nos autos E..., e em buscas domiciliárias nas residências de alguns dos arguidos. Em particular, a testemunha V... acompanhou praticamente todas as investigações e soube, por isso, denotar um especial à-vontade quanto à dinâmica própria de tais investigações. Todavia, os mencionados depoimentos tiveram, obviamente, de submeter-se a um natural crivo crítico em diversos pontos, já que por vezes (e, salvo o devido respeito, a acusação pública disso mesmo se ressente), determinadas “ilações factuais” expressas pelas testemunhas não passaram disso mesmo, de “ilações factuais”… Foi, em todo o caso, particularmente importante a descrição, pelas testemunhas V... e U..., do referido episódio da detenção do arguido A..., maxime nos momentos em que este, certamente surpreendido e em sobressalto, tentou dissimular os “panfletos” de cocaína por si detidos…

Relativamente às actividades de venda – e entrega lato sensu –, pelos arguidos A..., C...(e D...) e I... a terceiras pessoas, cabe fazer referência aos depoimentos das testemunhas E...(este, quanto ao arguido A..., com quem, aliás, e como já dissemos, se encontrava no momento da detenção, a fim de lhe adquirir algum produto estupefaciente), G...(relativamente aos arguidos C... e D...) e GG... (este, referindo-se ao arguido I...), depoimentos que, de um modo minimamente coerente, claro e circunstanciado (sobretudo no tocante à testemunha G..., que bastas – e vastas… – vezes recorreu aos fornecimentos dos arguidos C... e D...), souberam esclarecer o conjunto de algumas das transacções efectuadas com os ditos arguidos, a quem sempre as testemunhas pagaram ou entregaram dinheiro pela droga recebida, após a combinação dos locais onde se encontrariam para efectuar as pontadas transacções [não obstante a circunstância, pelas testemunhas E...e GG... enfatizada, de em algumas dessas situações tais aquisições assumirem, aos seus próprios olhos, um cariz – tão tipicamente português… – de “desenrascanço” (sic.), por parte dos arguidos em relação às necessidades então sentidas pelos depoentes…].

O que nos remete, agora, para as escutas telefónicas transcritas nos autos, relativamente às quais o arguido C... invocou, um pouco antes (douto requerimento de fls. 1830 a 1843) e no início da audiência de julgamento (actas de fls. 1855 a 1864 e de fls. 1898 a 1904), a respectiva nulidade.

Se bem alcança o Tribunal a razão de ser de tal invocação, prende-se a mesma, no essencial, com o seguinte: por um lado, a alegação de ter sido violado o disposto no art. 188º/n.º 1 C.P.P., porquanto antes de submeter ao controlo judicial as conversações ouvidas (indicadas pelo arguido no seu douto requerimento) a Polícia Judiciária não efectuou um relatório e não indicou as passagens relevantes para a prova, não descrevendo de modo sucinto o respectivo conteúdo nem explicando o seu alcance para a descoberta da verdade; por outro lado, o magistrado judicial, ao validar as escutas e ordenar a sua transcrição, não disse previamente que as ouviu; por fim, nos despachos, transitados em julgado, de fls. 234 e 235, 244 e 245 e 385 e 386, o magistrado judicial sentenciou que as escutas aí mencionadas deveriam ser destruídas, ao abrigo do art. 188º/n.º 6 C.P.P., o que não aconteceu, tendo sido até transcritas e juntas aos autos.

Bom, relativamente à questão ora colocada, dirá o Tribunal ser sua opinião a de que, independentemente de outros considerandos teóricos que poderiam ser aduzidos na matéria, se é verdade que o método (desde logo, “linguístico” ou “comunicacional”) utilizado quer pela Polícia Judiciária quer pelo magistrado judicial não terá sido o melhor ou mais proficiente, nem por isso, todavia, fez resvalar o material em causa (escutas telefónicas) para o campo da invalidade. É que o ditame legal previsto no art. 188º/n.º 1 C.P.P. foi, na sua essência, cumprido. Se analisarmos o conteúdo do inquérito, mormente no que antecede a apresentação em juízo das intercepções telefónicas em questão, perceberemos que a entidade policial sempre tomou posição (em termos intra-orgânicos – a saber, entre o concreto elemento investigador que lidou com as escutas e o seu superior coordenador da investigação –, que serviram de análise, depois, ao Ministério Público e ao magistrado judicial) sobre o material em causa e a concreta relevância que tal material – ou melhor, que concretos e específicos “pedaços” desse mesmo material – assumiu(iram), e foi(ram) assumindo, para a investigação que então se desenrolava (cfr. fls. 159 a 164, 165 e 166, e 169; 223 a 228, 230 e 231, e 234 e 235; 281 a 287, 289 e 290, e 293 a 296, 375 e 376, 378 a 381, e 385 e 386; 403 e 404, 406 e 407, e 410 e 411; 422 e 423, 425 e 426, e 429). Isso mesmo, segundo se crê, transparece dos autos. Daí que se entenda, salvo o devido respeito, não ter sido “atraiçoada” a razão de ser do disposto no art. 188º/n.º 1 C.P.P. (o qual, além do mais, não pré-fixa como que um modelo tabelar do tipo de “relatório” que pretende ver elaborado na apontada sede). Tal como não se surpreende razão alguma, de cariz objectivo, para que possa dizer-se não ter o magistrado judicial em causa procedido à audição das escutas como momento (crono)lógico anterior à tomada de posição sobre a relevância de algumas e a irrelevância de outras das escutas telefónicas efectuadas para a investigação. Admite o Colectivo – e mais uma vez o diz – poderem porventura não primar os despachos judiciais em causa pela clareza e indubitabilidade quanto à verificação do apontado momento (crono)lógico anterior. Mas não se surpreende motivo algum para que possa advogar-se não ter ocorrido o acto jurisdicional em questão, tanto mais que a tomada de posição subsequente em relação ao conteúdo e teor das diversas escutas – considerando algumas relevantes e outras irrelevantes – pressupõe, do ponto de vista da natureza das coisas, o tal primeiro momento de audição. Por fim, notar-se-á que relativamente aos despachos que haviam mandado destruir algumas escutas ocorreram, de fls. 293 a 296 e de fls. 323 a 325, e ainda antes de aqueles mesmos despachos anteriores transitarem em julgado, aclarações, pelo magistrado judicial que os havia proferido, no sentido de que a opção pela transcrição das intercepções em causa seria do Ministério Público, transcrição que foi então ordenada e realizada posteriormente. Ou seja, acabou por não ocorrer o desrespeito em relação aos primeiros despachos judiciais em questão, visto que o ente que os proferiu procedeu depois, ainda antes do respectivo trânsito, às ditas aclarações, emitindo orientação jurisdicional no sentido emanado em tais aclarações.

Pensando este Colectivo, pois, inexistirem os focos de invalidade invocados.

Questão diversa – e realizada a audiência de julgamento – é a da efectiva e abrangente pertinência do conteúdo maioritário das escutas efectuadas e transcritas.

É que do teor de algumas (da maior parte) das transcrições das escutas telefónicas constantes dos apensos (e, bem assim, das vigilâncias efectuadas e documentadas no processo) não podemos (como não pudemos), as mais das vezes, extrair uma espécie de “chancela” comprovadora de transacções de droga supostamente efectuadas pelos arguidos. Com efeito, atento o tipo de crime essencialmente em causa (tráfico de estupefacientes), as transcrições (e as vigilâncias) não têm (não podem ter), a priori, uma força probatória apodíctica: basta pensar que as escutas telefónicas revestem a natureza de meios de obtenção de prova, e não meios de prova em si mesmos.
O que acaba de ser dito é para o Tribunal ainda mais evidente se pensarmos, por exemplo, nos depoimentos das testemunhas Z..., K..., M..., W..., Y..., AA..., F... BB..., CC... e DD...: trata-se de depoimentos genericamente (mais ou menos) insubsistentes, vagos e titubeantes (para não dizer mais…) de pessoas que, de um modo geral, estão ou estiveram ligadas ao consumo de estupefacientes, mas pouco ou nada esclareceram sobre os seus concretos fornecedores, revelando-se, em suma, pouco úteis no fórum probatório que a audiência de julgamento constitui. E não cobrindo, sem mais, este estado de coisas a existência de algumas transcrições que, podendo referir-se a acontecimentos então futuros – maxime, apenas a algumas hipotéticas “encomendas” –, não tiveram a suportá-las, por exemplo, um testemunho ou qualquer outro elemento probatório posterior às “conversas” transcritas que pudessem confirmar, para além de uma dúvida razoável, a efectiva verificação dos factos a que supostamente tais transcrições respeitassem: este é o grande problema a que a convicção judicativo-decisória sempre tem de fazer face.
Crê-se, todavia, e pelo já exposto supra a propósito dos dois consumidores de estupefacientes em causa, deverem escapar ao parâmetro acabado de referir algumas das intercepções telefónicas ocorridas entre o arguido A... e E...(exemplos: transcrições de fls. 33 e 34, 66 e 67, 91 e 92, 182 e 183, e 186 a 188, todas do apenso V, relativo ao Alvo 51875M), e entre os arguidos C... e D... e G...(exemplos: transcrições de fls. 1 e 2, 21 e 22, 29 e 30, 41 e 42, 45 a 48, 59 e 60, 65 e 66, 79 a 82, 87 a 90, 97 a 100, 112 a 116, e 127 e 128, todas do apenso III, relativo ao Alvo 51028M, e transcrições de fls. 16 e 17, 22 a 25, 28 e 29, 38 e 39, e 44 e 45, estas do apenso IV, igualmente relativo ao Alvo 51028M), pois que, aqui, a pertinência probatória conjunta de todos estes elementos foi evidente.
Tudo bastando para que, segundo cremos, se perceba a razão de ser da falta de demonstração de uma parte substancial do conteúdo da acusação pública, sobre a qual, portanto, não foi realizada prova cabal (maxime, por exemplo, sobre o imputado, mas não demonstrado, envolvimento da arguida B... na actividade efectivamente apurada de venda do seu companheiro A...).

Quanto à personalidade e à situação económico-vivencial dos arguidos, para além das declarações dos próprios e do teor dos respectivos relatórios sociais juntos aos autos, valeu ainda o conteúdo dos depoimentos das testemunhas Rosária de Jesus Sampaio e Carla Sofia Ferreira (amigas, essencialmente, dos arguidos A... e B..., mas que também conhecem os arguidos C... e D...).

Por fim, relevou o conteúdo dos autos de busca e apreensão de fls. 740 e 741 (e fotografias inerentes) e 756 e 757, dos autos de exame directo de fls. 925 (arma), 1323 (telefones móveis), dos relatórios periciais de fls. 1045 a 1048 (arma, carregador e munições) e 1234 (substância estupefaciente apreendida), e ainda dos certificados do registo criminal dos arguidos.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Interessa apreciar, e desde já, a imputação aos arguidos do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21º/n.º 1 D.L. n.º 15/93.
Vem sendo afirmado na jurisprudência que o tráfico de estupefacientes constitui, nos nossos dias, uma verdadeira praga social que demanda repressão adequada pelos malefícios que desencadeia tanto sobre os consumidores como sobre as comunidades em geral (Ac. S.T.J. de 18/2/99, in C.J. – Acs. S.T.J. – Ano I, tomo 1, pág. 222).
O bem jurídico primordialmente protegido, neste tipo de crimes, é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, em uma palavra, a saúde pública. Fala-se na ideia de que «um desenvolvimento livre e sem entraves de personalidades em formação – é dizer, de crianças e de adolescentes, pelo menos até à idade da imputabilidade jurídico-penal – constitui, em si mesmo considerado, um bem jurídico susceptível de ser autonomamente protegido pelo direito penal contra agressões ilícitas de terceiros» (Prof. Jorge de Figueiredo Dias, “Uma proposta alternativa ao discurso da criminalização/descriminalização das drogas”, in Scientia Iuridica”, tomo XLIII, n.os 250 a 252, 1994, pág. 198). Em suma, está em causa a protecção da própria humanidade, se encarada na sua destruição a longo prazo, ou, ainda, na protecção da liberdade do cidadão em alusão implícita à dependência que a droga gera.
Sendo o crime de tráfico de estupefacientes um crime de perigo abstracto, não se exige, para a sua consumação, a existência de um dano real e efectivo. Assim, o crime consuma-se com a simples criação de um perigo ou risco de dano para o bem protegido, que, como já referido, é a saúde pública e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, para além de também estar em jogo a protecção da economia do Estado, que pode ser desvirtuada nas suas regras com a existência desta economia paralela dirigida pelos traficantes (cfr. Dr. António Lourenço Martins, “Droga e Direito”, Lisboa, 1994, pág. 122, e Ac. T.C. n.º 426/91, de 6/11, in Diário da República – Série I – de 2/4/92).
Percebe-se a razão de ser da aludida configuração dogmático-penal do tráfico: como já apontado, tal actividade é susceptível, em si mesmo, de destruir uma pluralidade de bens jurídicos que vão desde a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores, até à própria subsistência comunitária. Pelo que a gravidade, a propagação e a tendência para o alastramento dos danos causados pelo tráfico de estupefacientes justificam a tipificação própria dos crimes de perigo, sem violação do princípio da necessidade das penas e das medidas de segurança.
Ora, uma vez que o crime de tráfico de estupefacientes possui vários cambiantes ou “escalões” (veja-se, em tese geral, e quanto ao juízo crítico que pode fazer-se à maior ou menor necessidade de enforcement consoante lidamos com “drogas duras” ou “drogas leves”, Prof. Jorge de Figueiredo Dias, “Uma proposta alternativa ao discurso da criminalização/descriminalização das drogas” citado, págs. 200 a 205), a lei não poderia deixar de considerar a existência dessas graduações e, assim, de algum modo distinguir a gravidade relativa da actuação que lhes subjaz.
A intenção político-legislativa é, sobretudo, a de permitir ao julgador operar com maior segurança, por mais amplas serem a abrangência e a distinção, identificando-lhes as diferenças, entre os casos de tráfico importante e os do chamado “tráfico de menor gravidade”. Ao cabo e ao resto, trata-se da assumida opção por uma maior flexibilidade de valoração, não só na tarefa de sopesamento da ilicitude das condutas, como também na não menos delicada operação de delinear os parâmetros permissivos de uma adequada justiça relativa no doseamento sancionatório, o que nem sempre é fácil de lograr em domínio tão diversificado como aquele em que ora nos situamos.
De todo o modo, a valoração destinada a diferenciar o tráfico mais grave do menos grave não pode nem deve ser realizada de forma superficial ou ligeira. É que não devemos esquecer que, muitas vezes, quer os aparentemente pequenos traficantes quer os chamados dealers de rua assumem um papel preponderante ou mesmo essencial nos circuitos do grande tráfico, podendo ser partes integrantes na longa cadeia em que tal tráfico se desenrola.
Apresentado este breve travejamento geral, importa dizer, desde já, que cometeram os arguidos A..., I..., C... e D... um crime de tráfico de estupefacientes.
Cabe agora perceber, no entanto, em que exactos termos.
Recorde-se que o tipo base incriminador, contido no art. 21° D.L. n.º 15/93, estabelece que «quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no art. 40°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos».
Sendo um tipo doloso [cfr. art. 13º do Código Penal (C.P.)], é ainda necessário que o agente queira levar a cabo a conduta típica, e o conhecimento efectivo de que o faz, sendo obviamente decisiva a consciência das características da substância estupefaciente em causa.

Nos autos, ocorreu uma apreensão de substâncias estupefacientes ao arguido A...: 24 “panfletos” de cocaína, com o peso aproximado de 4,56 gramas (peso líquido de 2,878 gramas).

Depois, apuraram-se actos de venda de produtos estupefacientes (heroína e cocaína) por parte dos arguidos A..., I..., C... e D..., que conheciam perfeitamente tal natureza (estupefaciente) dos produtos, sabendo que a sua detenção era proibida e punida pela lei penal.

Ou seja, estando presentes os traços essenciais de algumas das formas de preenchimento do tipo objectivo do art. 21º D.L. n.º 15/93, não é menos verdade que as condutas em questão foram acompanhadas de um óbvio dolo directo (art. 14º/n.º 1 C.P.) por banda dos arguidos.

A autoria material é, em suma, inafastável, mostrando-se, depois, entre os arguidos C... e D... uma situação de co-autoria (a propósito da noção de co-autoria, vide, por todos, Prof. Hans-Heinrich Jescheck, “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, volume II, tradução espanhola, Barcelona, 1978, pág. 944).
Sem embargo do que acabámos de dizer, no entanto, cremos reclamarem os contornos do nosso caso uma interpretação mais “benigna” em termos de enquadramento jurídico-legal.
Efectivamente, pensa-se haver características que permitem “transmutar” toda a factualidade apurada nos autos para o domínio do tráfico de menor gravidade (art. 25º D.L. n.º 15/93): por um lado, não o neguemos, as quantidades apreendidas são pouco expressivas; por outro lado, confrontamo-nos com um número de situações de venda ou cedência bem definidas no tempo, recondutíveis a um relativamente modesto espectro de “negócios” ou episódios congéneres, enquadrados por um incipiente contexto organizacional (bastando pensar, a tal propósito, no modo como o arguido A... foi detido, em plena Rua 1º de Maio, junto ao Bairro das Indústrias e do “parque das merendas”, em Cova Gala, área da comarca da Figueira da Foz, quando se preparava para – porventura “de automóvel para automóvel” – entregar a um consumidor – E...– substâncias estupefacientes).
Tudo nos mostrando, segundo se crê, um menor grau de ilicitude da factualidade praticada pelos arguidos.
E, assim sendo, diversamente da tese defendida pela acusação pública, a norma a mobilizar in casu será a do tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. no art. 25º-a) D.L. n.º 15/93.
Pelo exposto, entende-se haverem cometido os arguidos A..., I..., C... e D... (estes dois últimos em co-autoria) um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade.
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No tocante à arguida B..., não se apurando a prática de factualidade integradora de actos (nem que fossem de “ajuda” ao seu companheiro A...) ligados ao mundo dos estupefacientes, terá de ocorrer a sua absolvição.
                                                                                  *
Relativamente ao arguido A..., percebe-se que a detenção da pistola e das munições acima descritos configure o cometimento do crime de detenção de arma proibida pelo qual vem também acusado.

Com efeito, a detenção de arma é bastante, do ponto de vista do preenchimento objectivo do tipo, para a prática de tal ilícito criminal (sendo certo, como se sabe, que a incriminação em causa consagra um sem número de possibilidades de condutas aí subsumíveis).

E parece ao Tribunal igualmente inquestionável estarmos perante objectos que à face da lei devem ser considerados como “armas proibidas”, em relação às quais não detinha o arguido qualquer licença de posse ou uso.

No elemento subjectivo do crime, a factualidade descrita permite a imputação subjectivo-culposa a título de dolo directo, tal como resulta do n.º 1 do art. 14º C.P..
Portanto – de novo o dizemos –, será inarredável a conclusão de ter praticado o arguido A... o crime de detenção de arma proibida pelo qual vem acusado nos autos.
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            Se o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade é punido apenas com pena de prisão, já o crime de detenção de arma proibida praticado pelo arguido A... admite a aplicação de pena de prisão ou de pena de multa.
Neste último particular, a solução do problema da escolha da pena a mobilizar obedecerá ao disposto no art. 70º C.P., nos termos do qual «se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Como se sabe, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente (art. 40º/n.º 1 C.P.).
Só a especificidade da matéria factual adquirida em julgamento permitirá encontrar a solução mais justa e adequada, pois «(...) só caso a caso, processo a processo, mediante uma apreciação dos elementos de prova disponíveis, se legitimará uma escolha entre as penas detentivas e não detentivas (...)»; daí que «(...) determinar se as medidas não institucionais são suficientes para promover a recuperação social do delinquente e dar satisfação às exigências de reprovação e de prevenção do crime não é uma operação abstracta ou atitude puramente intelectual, mas fruto de uma avaliação das circunstâncias de cada situação concreta» (Dr. Adelino Robalo Cordeiro, “Escolha e medida da pena”, in “Jornadas de Direito Criminal”, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 1983, pág. 239).

Pois bem, o caso sub judicio encerra gravidade objectiva em um contexto no qual o arguido A... praticou os crimes (tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida) pelos quais terá de ser condenado. Pois que se trata, sem dúvida, de crimes que vêm assumindo uma inegável repercussão na comunidade contemporânea em que nos inserimos, assim gerando uma óbvia intranquilidade social.

Mas, do ponto de vista da situação do arguido, crê-se que a opção pela pena de multa mostrar-se-ia também desaconselhada perante as condenações (embora por outro tipo de crimes) anteriormente já ocorridas.

Assim (e sem prejuízo do que será dito mais à frente), pensa-se que as finalidades da punição (as já referidas «protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade» – n.º 1 do art. 40º C.P.), no caso concreto, serão acauteladas através da opção pela pena de prisão, mesmo no tocante ao crime de detenção de arma proibida praticado pelo arguido A....
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Quanto à medida concreta das penas a aplicar aos arguidos A..., I..., C... e D... (estes dois últimos, recorde-se, em regime de co-autoria), tomar-se-á em consideração o critério geral previsto no n.º 1 do art. 71º C.P., que apela à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes.
Destarte, a culpa do agente surge como fundamento e, sobretudo, como limite máximo da sanção a não ultrapassar em caso algum (n.º 2 do art. 40º C.P.), e as exigências preventivas gerais de integração (isto é, que se prendem com as expectativas comunitárias na validade e vigência das normas violadas) e especiais de ressocialização darão, em última análise, a solução do problema [sendo que, como defende o Prof. Claus Roxin (in “Culpabilidad y prevención en derecho penal”, tradução espanhola, Reus, 1978, pág. 103), a pena adequada à culpa do agente deve satisfazer as exigências preventivas especiais já que, no seu grau mínimo, cobrirá sempre as necessidades de prevenção geral de integração, limiar mínimo este que nunca poderá ser desrespeitado]. O que leva a admitir a possibilidade de uma sanção inferior à que seria dada apenas pela culpa (Prof. Jorge de Figueiredo Dias, “Direito penal português. As consequências jurídicas do crime”, Lisboa, 1993, págs. 257 e ss., 298 e 299).

Ora, os bens e valores jurídicos protegidos e tutelados pelos tipos são indiscutivelmente valiosos, já que se trata, em última instância, de salvaguardar a segurança da comunidade perante a expansão desregrada e “selvagem” de fontes de perigo efectivo da lesão de bens jurídicos tão comunitariamente valiosos (desde logo, e como acima se disse, a saúde e a segurança da generalidade dos cidadãos).
Depois, para a escolha e determinação da medida concreta da pena há que tomar em consideração todas as circunstâncias que, não fazendo parte dos tipos de crime, deponham a favor ou contra os arguidos (art. 71º/n.º 2 C.P.).
Há, assim, que ponderar no caso sub judicio:

- a gravidade da ilicitude dos factos (que apela ao número e ao grau de violação dos interesses e valores postergados com as actuações criminosas dos arguidos, importando, em particular, o quantum e o tipo de substâncias estupefacientes – “drogas duras” –  vendidas, bem como a droga, arma e munições apreendidas);

- o modo de execução dos factos, o seu móbil e as suas consequências (aqui, a forma concreta como o arguido A... detinha consigo as substâncias estupefacientes, o intuito de venda – e em alguns casos, a efectiva venda ou cedência – a terceiros);

- o grau de intensidade do dolo (estamos a falar de dolo directo);

- o enquadramento familiar e o contexto vivencial dos arguidos;

- os antecedentes criminais, à época da prática dos factos (que, no entanto, não abrangia, em nenhum dos arguidos, condenações na específica área em questão).

Afigurando-se, pois, adequada ao Tribunal a fixação das seguintes penas:

- uma pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, e uma pena de 1 ano e 9 meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, para o arguido A...; em cúmulo jurídico, tomando em consideração, em conjunto, o contexto da factualidade apurada e a personalidade do mesmo, fixa-se a pena única de 3 anos de prisão para o dito arguido A... (art. 77º/n.os 1 e 2 C.P.);

- uma pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, para o arguido C...;

- uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, para a arguida D...;

- uma pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, para o arguido I....
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No entanto, há que atender à teleologia própria das penas de substituição, maxime das penas de prisão de curta duração, em um contexto que vê a reacção criminal não como um castigo ou um fim em si mesmo, mas como algo de prospectivo, ou seja, e para utilizarmos a formulação clássica do Prof. Giuseppe Bettiol, como «(...) um simples meio para atingir um fim» (“Direito Penal, Parte Geral”, tomo IV, tradução portuguesa, Coimbra, 1977, pág. 161).
O fim, como já ficou dito supra, é o da protecção de bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade (n.º 1 do art. 40º C.P.). Só que a função própria das chamadas penas de substituição prende-se com a opção daquela que concretamente se revele como a mais adequada à consecução dos objectivos de prevenção especial (cfr., já antes da Revisão de 1995, Prof. Anabela Miranda Rodrigues, “Critérios de escolha das penas de substituição no Código Penal Português”, separata do número especial do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra “Estudos em Homenagem ao Professor Eduardo Correia”, Coimbra, 1988, págs. 22 e 23, e 31 e ss.).
In casu, está o Tribunal em crer que todos os objectivos de prevenção especial podem ser cabalmente atingidos por via da suspensão da execução das penas de prisão cominadas aos arguidos (art. 50º C.P.).
            Desde logo, porque o pressuposto fundamental de aplicação da suspensão da execução da pena de prisão (o juízo de prognose favorável relativamente ao seu comportamento futuro – art. 50º/n.º 1 C.P.) estará presente, se acreditarmos que a genérica ausência de antecedentes criminais dos arguidos na área em questão, à data da perpetração dos factos, e a sua relativa integração familiar e comunitária, poderão dar conta de uma inflexão vivencial dos mesmos daqui para o futuro; importa, isso sim, que se lhe descortinem novas perspectivas de vida, ponto em que insistirá um complementar regime de prova adequado às especificidades e às características próprias do caso, assim como às condicionantes vivenciais dos arguidos, nos termos dos arts. 50º e 53º, ambos C.P..
Tudo ponderado, entende, pois, o Tribunal dever fixar o período de suspensão de execução das penas de prisão cominadas aos arguidos A..., C..., D... e I..., mediante um acompanhamento por meio de regime de prova.”

                                                                       ****

III. Apreciação do Recurso:

O objecto de um recurso penal é definido pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do C.P.P.

Na realidade, de harmonia com o disposto no n.º1, do artigo 412.º, do C.P.P., e conforme jurisprudência pacífica e constante (designadamente, do S.T.J. –  Ac. de 13/5/1998, B.M.J. 477/263, Ac. de 25/6/1998, B.M.J. 478/242, Ac. de 3/2/1999, B.M.J. 477/271), o âmbito do recurso é delimitado em função do teor das conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, só sendo lícito ao tribunal ad quem apreciar as questões desse modo sintetizadas, sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito, como são os vícios da sentença previstos no artigo 410.º, n.º 2, do mesmo diploma, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito (Ac. do Plenário das Secções do S.T.J., de 19/10/1995, D.R. I – A Série, de 28/12/1995).

            São só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões, da respectiva motivação, que o tribunal ad quem tem de apreciar – artigo 403.º, n.º 1 e 412.º, n.º1 e n.º2, ambos do C.P.P. A este respeito, e no mesmo sentido, ensina Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, Vol. III, 2ª edição, 2000, fls. 335, «Daí que, se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões».

As questões a conhecer são as seguintes:    

1) Saber se a matéria de facto deve sofrer alteração de modo a impor a condenação da arguida B..., assim como a ampliar o número de transacções dadas como provadas quanto a co-arguidos.

2) Saber se os arguidos devem ser condenados em prisão efectiva.

3) Saber se há violação do artigo 35.º, do DL 15/93, de 22 de Janeiro (veículo Ford Galaxi de matrícula ...MN).

                                                           ****

1) Da alteração da matéria de facto:

Há duas formas possíveis de impugnação da matéria de facto (artigos 410.º e 412.º, do CPP) – sobre esta matéria, veja-se o nosso acórdão de 23/10/2013, Processo n.º 144/12.6JALRA.C1, in www.dgsi.pt.

Em resumo, podemos afirmar que, quando é apontado um erro de julgamento, como no caso presente, deve o recorrente individualizar as passagens da gravação em que baseia a impugnação, ou seja, estando em causa declarações/depoimentos prestados em audiência de julgamento, sobre o recorrente impende o ónus de identificar as concretas provas que, em sua interpretação, e relativamente ao(s) ponto(s) de facto expressamente impugnados, impõem decisão diversa, e bem assim de concretizar as passagens das declarações (do arguido, do assistente, do demandante/demandado civil) e dos depoimentos (caso das testemunhas) em que se ancora a impugnação.         

Mas tal não basta.                                                                                                                 Na realidade, o recorrente deve explicitar por que razão essa prova “impõe” decisão diversa da recorrida. 

Este é o cerne do dever de especificação.     

É preciso ter bem presente, de igual modo, que, perante o objecto da acção penal, tal como se mostra definido pela acusação ou pela pronúncia, havendo-a, se os meios de prova ou de obtenção de prova (thema probandum) produzidos em julgamento, consentirem duas ou mais decisões de facto (thema decidendum) e o julgador, fundamentadamente, optar por uma delas em detrimento da outra ou outras, a decisão que proferir sobre matéria de facto é, em princípio, inatacável, ainda que o recorrente haja feito do thema probandum uma leitura diversa da levada a cabo pelo julgador.

E, em sede de apreciação pelo Tribunal Superior, o recorrente não lhe poderá opor a sua convicção e reclamar que por ela opte ou a sufrague, em detrimento e atropelo do princípio da livre apreciação da prova.

Só assim não será, quando as provas produzidas impõem decisão diversa da proferida pelo tribunal recorrido, o que sucederá, sem preocupação de enunciação exaustiva, designadamente, quando o julgador decidiu a apreciação dos meios de prova ou de obtenção de prova ao arrepio e contra a prova produzida (v.g. dá como provado determinado facto com fundamento no depoimento de determinada testemunha e ouvido tal depoimento ou lida a respectiva transcrição constata-se que a dita testemunha disse coisa diversa da afirmada na decisão recorrida ou nem se pronunciou sobre aquele facto), ou quando o tribunal valorou meios de prova ou de obtenção de prova proibidos, ou apreciou a prova produzida desrespeitando as regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis, ou quando a apreciação da prova produzida contraria as regras da lógica, princípios da experiência e conhecimentos científicos, enfim, tudo se podendo englobar na expressão regras da experiência, ou, ainda, quando a apreciação se revela ilógica, arbitrária e violadora do favor rei.

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No caso em apreço, o recorrente alega, em primeiro lugar, que foi feita prova, em audiência de julgamento, de que a arguida B... esteve envolvida na actividade de tráfico de droga.

Para tanto, elenca os depoimentos das testemunhas E... (consumidor) – sessão de 7/1/2014 -, T...(agente da PJ) - sessão de 7/1/2014 -, U...(agente da PJ) - sessão de 7/1/2014 -, V...(agente da PJ) - sessão de 22/1/2014.

Quanto à testemunha E..., esta, embora tenha referido que a arguida B..., a mulher do “ hh...”(arguido A...), estava presente em certas ocasiões nas quais houve transacção de produto estupefaciente, adiantou que nunca chegou a falar com ela (“nunca tive relações comerciais”, “acho que ela não gosta muito de mim”).

No respeitante à testemunha T..., esta transmitiu que, nas acções de vigilância em que participou, a companheira do arguido A... “estava praticamente sempre presente no carro”, sendo certo que, em momento algum, disse ter visto a arguida B... a entregar “droga”.

No que tange à testemunha U..., esta disse, de modo bem claro: “…concretamente a B..., só a vi nesse dia do transporte na carrinha, na Ford Galaxy, até que transportaram aqueles indivíduos até á Figueira…depois na altura da abordagem e detenção…foi a única situação que tive com ela em concreto…

No que concerne à testemunha V..., esta mencionou que “os arguidos A... e a sua esposa B...” foram alvo de investigação por haver a possibilidade de se dedicarem ao tráfico de droga, sendo certo que a referida arguida foi vista na companhia do marido em situações que foram entendidas como relacionadas com essa actividade (“ela normalmente andava com ele,,,ultimamente é que já havia situações em que não ia porque também estava a frequentar um curso”).

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Na sua alegação, o recorrente defende o seguinte:

“(…) Então a arguida não sabia o que o arguido andava a fazer, se até o acompanhava? Não é crível! É infirmado pelos testemunhos indicados.”

É de conceder que os aludidos depoimentos permitem a conclusão a que chega o recorrente.

Porém, não vemos como possam impor a alteração da matéria de facto pretendida.

A circunstância da arguida B... estar presente, por vezes, aquando da venda de produto estupefaciente à testemunha E..., não significa, por si só, que tivesse algo a ver com isso. Note-se que o consumidor foi claro ao afirmar que nunca falou com a referida arguida.

Por sua vez, do depoimento das testemunhas T..., U...e V...apenas resulta, com objectividade, que a arguida B... acompanhava o arguido A... aquando de acções de vigilância efectuadas pela PJ, designadamente a que culminou na respectiva detenção.

Ora, não estamos a falar de dois desconhecidos que se encontram ocasionalmente, mas de duas pessoas que vivem maritalmente uma com a outra, pelo que tem de ser entendido como normal que, em diversas situações, estejam juntas, sem que isso, forçosamente, signifique que ajam, então, em sintonia.

Entendemos, por isso, que o Tribunal a quo não se limitou a adoptar uma visão panglossiana da prova existente, antes não conseguiu ultrapassar a existência de dúvida razoável quanto à arguida B....

Sublinhe-se que, no momento da detenção dos arguidos A... e B..., a testemunha U...disse que se encontravam na viatura automóvel, além de ambos, “mais familiares da Dona B...…penso…que era um irmão dela ou irmã e uma criança…estavam quatro…salvo erro…cinco pessoas….”, explicando que só detiveram o aludido casal, pois só os dois eram alvos de investigação, o que demonstra que nem todos aqueles que são vistos num grupo têm, necessariamente que estar coniventes com aquilo que um membro do mesmo pratica.

            Acresce que, no momento da apreensão do produto estupefaciente, este encontrava-se na posse do arguido A....

            É feita, ainda, uma alusão a escutas telefónicas respeitantes à arguida B... (Apenso I – alvo 51026M).

            Limita-se o recorrente, no entanto, a alegar que decorre das mesmas que “é notório o envolvimento da arguida em toda esta actividade de tráfico de droga. A linguagem utilizada é cifrada, mas no contexto global da prova produzida percebe-se o que está em causa – transacções de droga (cocaína ou heroína).

            Contudo, não concretiza como chega a essa conclusão. Mas, mesmo que o tivesse feito, sempre a sua argumentação seria de considerar inconsequente para o efeito, como, já de seguida, iremos ver.

            Assim sendo, entendemos que não há elementos no recurso que possam fundamentar a alteração da matéria de facto, no tocante à arguida B....

                                                           ****

Em segundo lugar, quanto à alteração da matéria de facto pretendida pelo recorrente relacionada com co-arguidos (venda a diversos consumidores - ver os pontos 12 a 18 das conclusões), deparamos, novamente, com a indicação de um conjunto de elementos que permitem a conclusão a que chega o recorrente, mas que não impõem a visada modificação.

O Tribunal a quo não descurou as escutas telefónicas e as vigilâncias existentes nos autos.

            Simplesmente, pelas razões expostas no acórdão recorrido, permaneceu no âmbito da dúvida razoável em todas as situações em que se verificou a ausência de outros elementos probatórios que as corroborassem (testemunhos dos indicados consumidores ou efectiva apreensão de produto estupefaciente).

            A situação dos presentes autos, encurtando razões, é, justamente, uma daquelas em que os meios de prova ou de obtenção de prova (thema probandum) produzidos em julgamento, consentem duas decisões de facto (thema decidendum), sendo certo que o julgador, fundamentadamente, de um modo racional, lógico e coerente, optou por uma delas em detrimento da outra, na perspectiva dos arguidos beneficiarem do in dubio pro reo.

            Podemos sintetizar o problema que aqui se coloca, afirmando que, embora a argumentação do recorrente não seja descabida (a sua apreciação da prova é plausível, não há como negá-lo), e tendo em conta o princípio da livre apreciação da prova, não deixa de fazer sentido a apreciação da prova efectuada pelo Tribunal a quo, face aos pressupostos em que assenta.

                                                                       ****

Em terceiro lugar, o recorrente também coloca em crise a matéria de facto relacionada com o modo de vida dos arguidos (pontos 19 a 24 das conclusões).

Uma vez mais, deparamos com uma situação semelhante ao que temos visto até agora.

Na realidade, os indicados documentos dizem respeito apenas a dois dos arguidos e, embora permitam uma valoração como a expressa pelo recorrente (relativamente a ambos), não têm a virtualidade de impor uma alteração da matéria de facto, já que apenas transmitem uma visão formal da questão, sendo certo que está dado como provado que os arguidos, em geral, se dedicam a actividades (vendas ambulantes e pesca) que não implicam, necessariamente, um desempenho diário.

Por isso mesmo, salvo o devido respeito, os depoimentos dos elementos da PJ não têm a virtualidade de impor a pretendida modificação.

Em quarto e último lugar, no que tange ao significado das expressões «café» e «água», estamos no âmbito da mera interpretação daquilo que foi escutado nas conversas telefónicas, necessariamente de teor subjectivo, sem qualquer carácter assertivo, motivo pelo qual, também aqui, nada há que alterar.

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2) Da medida das penas:

            Façamos uma breve análise sobre as finalidades legais das penas com reflexos no seu doseamento e nos critérios legais concretos a observar neste doseamento.

Como dispõe o artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. As finalidades das penas, na previsão, na aplicação e na execução, são assim na filosofia da lei penal vigente a protecção de bens jurídicos e a integração do agente do crime nos valores sociais afectados.

Na protecção de bens jurídicos está ínsita uma finalidade de prevenção de comportamentos danosos que afectem tais bens e valores (prevenção geral) como também a realização de finalidades preventivas que sejam aptas a impedir a prática pelo agente de futuros crimes (prevenção especial negativa).

As finalidades das penas na sua vertente de prevenção positiva geral e de integração ou prevenção especial de socialização conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime.

No caso concreto a finalidade de tutela e protecção de bens jurídicos há-de constituir o motivo fundamento da escolha do modelo e da medida da pena, da tutela da confiança das expectativas da comunidade na validade das normas e especificamente na validade e integridade das normas e dos correspondentes valores concretamente afectados.

Por seu lado, a finalidade de reintegração do agente na sociedade há-de ser em cada caso prosseguida pela imposição de uma pena cuja espécie e medida, determinada por critérios derivados das exigências de prevenção especial, se mostre adequada e seja exigida pelas necessidades de ressocialização do agente, ou pela intensidade da advertência que se revele suficiente para realizar tais finalidades.

Nos limites da prevenção geral de integração e de prevenção especial de socialização será encontrada a medida concreta da pena, sempre de acordo com o princípio da culpa que, nos termos do artigo 40.º, n.º 2 do Código Penal, constitui limite inultrapassável da prevenção a realizar através da pena (cfr. nomeadamente Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª edição, pags. 238 a 255).

Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente à pena concreta e adequada, o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, preceitua, na senda do citado artigo 40.º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o n.º 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido (a necessidade da pena revela-se desse modo em função da menor ou maior exigência do exercício da prevenção e da reintegração).

Em resumo, tendo como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta, ou seja, tendo como primeira referência a culpa, a fixação da medida da pena perseguirá concomitantemente a prevenção (que, neste contexto, exige fixação de pena que seja entendida pela sociedade como a necessária à tutela do direito e adequada à confiança na aplicação da justiça) e, sempre, objectivos pedagógicos e ressocializadores, tudo tendo em vista a protecção de bens jurídicos e a reinserção social do agente. 

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Aqui chegados, constatamos que o recorrente não coloca em causa as medidas das penas de prisão aplicadas em concreto, discordando, apenas, da suspensão da sua execução.

No que diz respeito à suspensão da execução da pena, preceitua o actual artigo 50.º, do Código Penal, que o tribunal decretará a suspensão da execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições de sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Nesta matéria, encontramo-nos face a um poder-dever, sendo certo que a suspensão da execução da pena de prisão é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico.

A suspensão da execução da pena «une o juízo de desvalor ético-social contido na sentença penal ao chamamento, pela ameaça de executar no futuro a pena, à própria vontade do condenado para reintegrar-se na sociedade». É uma pena, porque oriunda de condenação produtora de antecedentes criminais. É uma medida de correcção, enquanto busca, a reparação do delito ou «prestações socialmente úteis». Aproxima-se das medidas de ajuda social, se no domínio respectivo se desenham instruções que «afectam o comportamento futuro do condenado». E tem uma coloração sócio-pedagógica activa, pelo «estímulo ao condenado para que seja ele mesmo quem com as suas próprias forças possa durante o regime de prova reintegrar-se na sociedade» (Jescheck, Tratado, versão espanhola, vol. II, págs. 1152 e 1153).

Ora, a suspensão da execução de uma pena só tem razão de ser, quando for possível fazer um juízo de prognose favorável ao arguido.

Como tem vindo a ser entendido pelos nossos tribunais superiores, “na suspensão da execução da pena de prisão, não são as considerações sobre a culpa do agente que devem ser tomadas em conta, mas antes juízos prognósticos sobre o desempenho da sua personalidade perante as condições de vida, o seu comportamento e bem assim as circunstâncias de facto que permitam ao julgador fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas”, conforme Acórdão do STJ, de 25/6/2003, CJ, Acs. do STJ, ano XXI, tomo II, pág. 21.

Todavia, a suspensão da execução da pena não deverá ser utilizada pelo julgador se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime.

Revertendo ao nosso caso, sem esquecer que, na concretização da pena nos crimes de tráfico de estupefacientes, devem ser atendidas fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a sociedade em geral, há que reforçar que estamos ao nível do tráfico de menor gravidade, o que significa que o sentimento de reprovação social se mostra, de algum modo, esbatido, não sendo despiciendo verificar que a respectiva moldura penal tem como limite máximo os 5 anos de prisão, justamente o limite máximo previsto na lei para o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão.

O legislador opta, claramente, por uma via que privilegia o uso da suspensão da execução das penas até 5 anos de prisão.

Entendemos que a pena privativa de liberdade, nos casos da pequena criminalidade, só tem justificação quando existe uma perspectiva de tal modo negativa que não deixa outra alternativa, ou seja, quando o condenado demonstra uma manifesta propensão para não aceitar as regras sociais.

Ora, não é isso que acontece no caso em apreço. Nada existe nos autos que impeça, à partida, a formulação de um juízo de prognose favorável aos arguidos A..., C..., D... e I... (estão integrados nos respectivos meios sociais, ainda que através de ocupações profissionais algo inconsistentes, têm filhos menores que precisam do seu apoio).

Mais, a arguida D... não tem antecedentes criminais, os arguidos C... e I..., embora com condenações anteriores (derivadas da prática de crimes que em nada se relacionam com o que agora está em causa), nunca cumpriram pena de prisão efectiva, pelo que, salvo o devido respeito, seria nefasto para a sua ressocialização, perante penas de prisão de curta duração, terem de cumprir pena privativa de liberdade.

Acresce que o arguido A..., aquando da leitura do acórdão recorrido, em 12/3/2014, foi restituído à liberdade, conforme fls. 2259, ou seja, teve já um contacto com o mundo prisional que, de acordo com as regras da normalidade, deve servir para tudo fazer no sentido de a ele não retornar, aproveitando a oportunidade concedida.

Como tal, entendemos ser de manter a suspensão da execução das penas de prisão aplicadas aos referidos arguidos.

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3) Da violação do artigo 35.º, do DL 15/93, de 22 de Janeiro (veículo Ford Galaxi de matrícula ...MN):

            O recorrente entende que o veículo automóvel de matrícula ...MN deve ser declarado perdido a favor do Estado.

            Estabelece o n.º 1 do citado artigo 35º (na redacção dada pela Lei n.º 45/96, de 3.9) que «São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de uma infracção prevista no presente diploma ou que por esta tiverem sido produzidos».

Ora, o STJ tem feito uma interpretação do n.º 1 do artigo 35º, segundo a qual “a perda dos objectos do crime só é admissível quando entre a utilização do objecto e a prática do crime, em si próprio ou na modalidade, com relevância penal, de que se revestiu, exista uma relação de causalidade adequada, de forma a que, sem essa utilização, a infracção em concreto não teria sido praticada ou não o teria na forma, com significação penal relevante, verificada.

Trata-se de orientação que tem por fundamento a necessidade de existência ou preexistência de uma ligação funcional e instrumental entre objecto e a infracção, de sorte que a prática desta tenha sido especificadamente conformada pela utilização do objecto, jurisprudência que conforma o texto legal com os princípios constitucionais da necessidade e da adequação, orientação que sufragamos, por isso, sem esquecer que há ainda que ter em atenção o princípio constitucional da proporcionalidade - artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa -, princípio que preside a toda a providência sancionatória - a significar que a perda só deve ser declarada, em regra, quando se mostre minimamente justificada pela gravidade do crime e não se verifique uma significativa desproporção entre o valor do objecto e a gravidade do ilícito” – cfr. Ac. STJ, de 13-12-2006, in www.dgsi.pt.

No caso vertente, entre a utilização do veículo automóvel e a prática do crime de tráfico não se verifica uma relação de causalidade adequada, já que sem a utilização daquele a infracção teria sido praticada na mesma, ainda que de outra forma, mais ou menos morosa.

Com efeito, o produto estupefaciente era facilmente transportável, por qualquer outra forma, não sendo a utilização da mencionada viatura essencial para o cometimento do ilícito.

Não foi, portanto, indispensável ao transporte ou à ocultação de tal produto, constituindo apenas mero meio de transporte do seu proprietário.

Em conformidade, é de manter, também, nesta parte o acórdão recorrido.

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IV – DECISÃO:

Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 5ª Secção deste Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso.

Sem custas.                                        

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Coimbra, 22 de Outubro de 2014
                                         
 (José Eduardo Martins - relator)
 (Maria José Nogueira - adjunta)