Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULO CORREIA | ||
Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE CESSAÇÃO ANTECIPADA DA EXONERAÇÃO CADUCIDADE QUANTO AOS FUNDAMENTOS NÃO ENTREGA DO RENDIMENTO DISPONÍVEL NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA | ||
Data do Acordão: | 09/28/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE COM * DEC VOT | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 239.º E 243.º, N.ºS 1 E 2, DO CIRE, 333.º DO CÓDIGO CIVIL | ||
Sumário: | I – O requerimento formulado para efeitos de cessação antecipada do procedimento de exoneração do passivo restante (art. 243.º, n.º 1 do CIRE) não está sujeito ao pagamento prévio de taxa de justiça. II – O que constitui incidente “típico” é o procedimento de exoneração do passivo restante e não o requerimento autónomo formulado com o propósito de fazer cessar antecipadamente esse mesmo incidente, sendo que o vocábulo “incidente” constante do n.º 4 do normativo citado remete para o incidente de exoneração do passivo restante e não para o aludido requerimento. III – O requerimento destinado à cessação antecipada da exoneração do passivo restante apenas pode ser apresentado dentro dos seis meses seguintes à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados. IV – Estamos em presença de um prazo de caducidade, definível genericamente como a extinção ou perda de um direito ou de uma ação pelo decurso do tempo, ou ainda, pela verificação de uma circunstância que, naturalmente (v. g. a morte), faz desencadear a extinção do direito. V – Nos termos do disposto no art.º 333.º do Código Civil a caducidade só é de conhecimento oficioso quando for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes, devendo, nos restantes casos, ser invocada pela parte a quem aproveita. VI – O decurso do aludido prazo de 6 meses no âmbito da cessação antecipada do procedimento de exoneração deve ser invocado na resposta aos requerimentos apresentados pelos credores, e, não o tendo sido, traduz-se numa questão nova, insuscetível de apreciação em sede de recurso. VII – Os devedores ao não entregarem ao fiduciário o rendimento disponível, cientes dessa obrigação e sem justificarem o incumprimento, demonstraram um total alheamento relativamente às suas obrigações (negligência grosseira), que, necessariamente, prejudicou os credores - que se viram impedidos de receber uma parte (ainda que pequena) dos seus créditos - mostrando-se, como tal preenchidos os requisitos necessários à cessação antecipada do procedimento inerente à exoneração do passivo restante. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 4832/19.8T8CBR C1 Juízo de Comércio de Coimbra – Juiz 2 _________________________________ Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I-Relatório Nos autos de incidente de exoneração do passivo restante relativo aos insolventes AA e BB, por decisão de 27.05.2022, a Sra. Juíza, com os fundamentos que nela constam, na sequência de requerimento apresentado pela credora P... Company, recusou a exoneração do passivo restante e declarou antecipadamente cessado o respetivo procedimento. * Inconformados, os insolventes interpuseram recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:” 1ª A escalpelização hermenêutica do Despacho, ora, recorrido, descortina, salvo o devido respeito que muito é, equívocos continentais ao nível da subsunção e interpretação jurídicas. 2ª O manadeiro fáctico considerado como provado pelo Tribunal 2 a quo” padece de vícios, equívocos e erros, que cumpre sanar. 3ª O facto vertido no ponto 1. está errado. Os Recorrentes foram declarados insolventes em 19.09.2019 e não em 19.09.2021. 4ª O facto vertido no ponto 4. está errado. O modesto mandatário, ora, signatário não é Patrono dos insolventes, antes, actua, no âmbito do mandato forense que para tanto lhe foi conferido pelos insolventes 5ª O facto vertido no ponto 5. não retrata a integridade da verdade factual. Para respeitar a integridade factual, a Sr.ª Juiz de Direito em regime de estágio deveria ter dito, em complemento, que o devedor insolvente, ao longo dos dois anos subsequentes ao encerramento do processo não cedeu ao fiduciário o rendimento disponível que lhe foi fixado, porquanto, a tal não estava vinculado, uma vez, que pendia Recurso sobre o acto de quantificação do rendimento disponível a ceder. 6ª Os pontos 7. e 8. não retratam a integridade da verdade factual, pois, os devedores, bem como o seu modesto mandatário, ora, signatário, refutam a recepção de qualquer notificação datada de 22.02.2022. 7ª Só no âmbito da notificação, com a Ref. 87926469, os devedores/insolventes tomaram conhecimento que haveria, supostamente, um rendimento disponível a ceder à fidúcia no valor de 1.445,84 €, porque até essa data, o Sr. Fiduciário omitiu qualquer notificação nesse sentido, pelo que, a fixação deste quantum de rendimento disponível, escapou assim, completamente, ao crivo do contraditório, como se fosse uma cifra que se impusesse de per si aos devedores/insolventes pela mão férrea do Sr. Fiduciário. 8ª A Sr.ª Juiz de Direito, em regime de estágio, não logrou bordar um único facto que considerasse não provado, pela óbvia razão de não ter permitido a discussão do incidente. 9ª Do manadeiro factual ressalta matéria essencial que escancara as falências da decisão, ora, posta em crise, nomeadamente: a) Em data anterior ao trânsito em julgado da predita decisão, os devedores/insolventes, sponte sua, em 10.02.2022, dão conta aos autos que se conformaram com a decisão que fixou o quantum do rendimento disponível requerendo um plano prestacional para o seu pagamento, que veio a ser doutamente deferido. b) Em data anterior ao trânsito em julgado da predita decisão, os devedores/insolventes, sponte sua, em 10.02.2022, dão conta aos autos que se conformaram com a decisão que fixou o quantum do rendimento disponível, requerendo um plano prestacional para o seu pagamento, que veio a ser doutamente deferido. c) Os devedores/insolventes, bem como, o seu modesto mandatário nunca lograram ser notificados da fixação e respectivos critérios para tanto, do rendimento disponível reportado ao 2º ano da cessão. d) Em data anterior à notificação da decisão, ora, posta em crise, ocorrida em 08.06.2022, que cessou, antecipadamente a exoneração, os devedores/insolventes entregaram à fidúcia, por transferência para conta bancária, previamente, indicada pelo Sr. Fiduciário as seguintes quantias - 200, 00 €, em 29.04.2022; - 200,00€, em 31.05.2022; - 400,00 €, em 01.06.2022 e) O douto despacho que deferiu a entrega prestacional do rendimento disponível reportado ao 1º ano da cessão, não cominou, em passo algum, que a mora, ou falta de pagamento de uma prestação, importava o vencimento imediato das restantes. f) A quantia de 1.445,84 €, cuja fixação como rendimento disponível escapou, absolutamente, ao crivo do contraditório, não está, nem, nunca, esteve na disponibilidade dos devedores/insolventes. g) Tal quantia corresponderá, segundo estimam os devedores/insolventes, uma vez, que nunca foram notificados de coisa alguma sobre a fixação deste rendimento, supostamente, disponível, a um reembolso em sede de IRS efectuado pela AT, que o transferiu para uma conta bancária domiciliada no Banco 1.... h) Os devedores/insolventes não estão autorizados de facto a movimentar a predita conta bancária, seja a débito seja a crédito, pelo que, o respectivo saldo se encontra cativo, como o Sr. Fiduciário tem a obrigação de saber. 10ª Atento o alforge factual que emerge dos autos, surge com a clareza do relâmpago, que, jamais, se poderá concluir que os devedores/insolventes rubricaram qualquer inadimplemento, e muito menos, aceitando-se uma guisa de incumprimento ou mora na entrega do rendimento disponível à fidúcia, o que brade-se, não se concede, agiram animados por dolo, ou negligência grosseira na violação de alguma das obrigações que lhes são impostas pelo artigo 239º do CIRE, e com isso, prejudicado a satisfação dos créditos sobre a insolvência, como conditio sine qua non para ancorar a decisão de cessação antecipada da exoneração. 11ª O Tribunal “a quo” bordou uma motivação para respaldar a sua decisão, numa retórica, manifestamente, insuficiente, que não cumpre os mínimos de consagração constitucional, do universal dever de fundamentação. 12ª A cessação antecipada da exoneração, só pode ser ancorada, nos termos legais, em determinado circunstancialismo fáctico, nomeadamente, o hipotizado no artigo 243º, n.º 1, alínea a) do CIR e cumprido o rito processual normativizado nos números seguintes de tal artigo. O Tribunal ”a quo” omitiu a bordadura de qualquer matéria factual sobre tal circunstancialismo, rectius, sobre o elemento subjectivo que há-de consubstanciar o dolo ou a negligência grosseira na imputada violação das obrigações que são impostas pelo artigo 239º do CIRE. 13ª O Despacho, ora, posto em crise, padece de Nulidade prevista no artigo 615º, n.º 1, alínea b) do CPC, ex vi, artigo 17º do CIRE, que para os devidos efeitos aqui, expressamente, se invoca, e que é de conhecimento oficioso. 14ª A decisão em crise foi gizada nas costas dos Recorrentes, que para tanto, não foram convocados para, de forma cabal e plena, exercer o contraditório quanto a dois requerimentos que abriram o incidente de cessação antecipada da exoneração, bordados por credores, que entre outras imputações, se arrimam numa putativa violação dolosa e/ou grosseiramente negligente das obrigações que que são impostas aos devedores pelo artigo 239º do CIRE, que, valha a verdade, limitam-se a viajar à boleia pela narrativa do Sr. Fiduciário, que entre outros erros e equívocos, omite por exemplo, os pagamentos efectuados pelos devedores à fidúcia. 15ª O incidente de cessação antecipada da exoneração não pode ser aberto oficiosamente pelo Sr. Juiz, antes, está dependente de requerimento autónomo nesse sentido, lavrado por algum credor da insolvência, pelo administrador de insolvência se estiver em funções, ou pelo Sr. Fiduciário caso esteja habilitado para tal pela Assembleia de Credores para fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, o que não sucede in casu. 16ª Nos termos cristalinos plasmados no artigo 243º, n.º 3 do CIRE, deveria o Sr. Juiz, antes, de decidir, ouvir o devedor, ou convocá-lo para Audiência, no escopo de prestar os esclarecimentos que se afigurarem pertinentes, o que foi postergado. 17.ª O Despacho, recorrido, por consubstanciar uma decisão surpresa, incorre na violação do princípio do contraditório, em desrespeito pelo estatuído no artigo 3º, nº 3, do CPC, ex vi, artigo 17º do CIRE, padecendo de nulidade processual nos termos do artigo 195º, nº 1, do mesmo diploma, que para os devidos efeitos legais, aqui, expressamente se invoca. 18ª A cessação antecipada da exoneração, consubstancia um incidente, como, apodicticamente, se alcança pela letra da norma plasmada no artigo 243º, n.º 5 do CIRE. O incidente está sujeito a tributação, nos termos do RCP, não tendo os requerentes liquidado a respectiva taxa de justiça, e por se achar omissa a liquidação prévia da respectiva taxa de justiça devida pelos requerentes do incidente, deveria a Secretaria, ter rejeitado os requerimentos apresentados, devendo o Juiz da Causa, suprir tal falta da Secretaria, o que não fez, consubstanciando nulidade, nos termos dos artigos 195º, n.º1, 196º, 197º e 200º, n.º 3 todos do CPC, e que para os devidos efeitos, aqui, expressamente, se invoca. 19ª a dedução do incidente de cessação antecipada da exoneração está sujeita ao prazo desenhado no artigo 243º, n.º2 do CIRE, que fixa em seis meses, a partir do momento em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados. Ora, quer num, quer noutro requerimento, ancora-se a putativa violação dolosa ou grosseiramente negligente das obrigações impostas aos devedores pelo artigo 239º do CIRE em factualidade que repousa no ano de 2020, reportada ao 1º ano de cessão, ou seja, mais de 2 anos em relação à data da entrada em Juízo do requerimento de abertura do incidente. O prazo erigido pelo legislador no artigo 243º, n.º 2 do CIRE é, claramente, um prazo de caducidade, pelo que, os requerimentos de abertura do incidente estão, inelutavelmente, cobertos pelo manto da caducidade, que para os devidos efeitos legais aqui, expressamente, se invoca, não obstante, constituir matéria de conhecimento oficioso. 20ª O requerente do incidente de cessação antecipada da exoneração está vinculado a instruir o respectivo requerimento com a matéria probatória que sustente os fundamentos nos quais se escora. (Cfr. artigo 243º, n.º 2 in fine do CIRE). Ora, nenhum dos requerimentos cumpre, nem de forma resquícia tal imposição legal, pelo que, sendo desertos em relação à prova dos fundamentos, jamais, poderia recair sobre os mesmos Despacho judicial que acolhesse os argumentos, ali, expendidos, por clamorosa inversão do ónus da prova. 21ª As recentes alterações ao Ordenamento-Jurídico falimentar, introduzidas pela Lei n.º 9/2022, desenharam uma solução legal que pode e deve ser convocada para a mesa da discussão da cessação antecipada do procedimento da exoneração. Na verdade, o artigo 242º-A do predito diploma legal, aplicável, em abstracto, ao caso sub judice, plasma a prorrogação eventual do período de cessão, condicionando-a a um juízo de prognose favorável, quanto ao cumprimento futuro das obrigações que impendem sobre o devedor/insolvente. Ora, a Sr.ª Juiz de Direito, em regime de estágio, postergou, em absoluto, a convocação de tal normativo, não tecendo, sequer, uma palavra na sua narrativa decisória, sobre a aplicabilidade de tal instituto ao caso concreto, e as razões para o seu eventual afastamento. 23ª Violou, assim, diz-se com o devido respeito, o Despacho recorrido, os artigos: - 239º, n.º4; 241º, n.º3; 242-A, e 243º todos do CIRE; - 341º e 342º ambos do CC. - 145º, 195º e 558º, alínea f), todos do CPC
Concluiu no sentido de a decisão dever ser revogada. * Não foi oferecida resposta. * No despacho que admitiu o recurso o Sr. Juiz procedeu à retificação daquilo que configurou como lapsos materiais constantes da decisão recorrida, retificação essa que prejudica a apreciação das matérias contidas nas conclusões 3ª, 4.ª (diga-se, ainda assim, que o advogado exerce o patrocínio - Livro I, Título III, Capítulo III do CPC – não existindo qualquer incorreção técnica na sua designação como patrono, ainda que o exercício da função seja efetuada ao abrigo do contrato de mandato e não por nomeação oficiosa ou administrativa), e 6ª (na parte onde se alude ao ponto 7 e à receção da notificação datada de 22.02.2022). * Foram colhidos os vistos, realizada conferência, e obtidos os votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos. * II-Objeto do recurso Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (art. 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC). No caso, perante as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a decidir (e que aqui são elencadas em termos de precedência lógica decisória): 1.ª – Saber se a decisão é nula por os requerentes não terem liquidado a taxa de justiça devida, o que devia ter conduzido à rejeição dos requerimentos pela Secretaria ou pelo Sr. Juiz (conclusão 18ª); 2.ª – Saber se, não podendo o procedimento relativo à cessação antecipada da exoneração ser aberto oficiosamente pelo juiz, no caso essa abertura teve lugar sem que tivesse sido requerido por qualquer das pessoas com legitimidade para tanto (conclusão 15ª); 3.ª – Saber se o tribunal não podia apreciar o incidente de cessação antecipada da exoneração do passivo restante por os requerimentos apresentados não se mostrarem instruídos com a indicação da prova dos fundamentos respetivos nos termos exigidos pelo art. 243.º, n.º 2 do CIRE (conclusão 20ª); 4.ª – Saber se a decisão é nula por não ter sido assegurado aos insolventes o direito ao contraditório no âmbito do procedimento (conclusões 8ª, 14ª, 16ª e 17ª); 5.ª – Saber se a decisão é nula por falta de fundamentação, incluindo a omissão de factos que consubstanciem dolo ou negligência grosseira por parte dos insolventes quanto ao não cumprimento das obrigações impostas pelo art. 239.º do CIRE (conclusão 11ª, 12 e 13ª); 6.ª- Saber se A - O tribunal devia ter dado como provados os seguintes factos (conclusão 9ª): a) Em data anterior ao trânsito em julgado da predita decisão, os devedores/insolventes, sponte sua, em 10.02.2022, dão conta aos autos que se conformaram com a decisão que fixou o quantum do rendimento disponível requerendo um plano prestacional para o seu pagamento, que veio a ser doutamente deferido. b) Em data anterior ao trânsito em julgado da predita decisão, os devedores/insolventes, sponte sua, em 10.02.2022, dão conta aos autos que se conformaram com a decisão que fixou o quantum do rendimento disponível, requerendo um plano prestacional para o seu pagamento, que veio a ser doutamente deferido. c) Os devedores/insolventes, bem como, o seu modesto mandatário nunca lograram ser notificados da fixação e respectivos critérios para tanto, do rendimento disponível reportado ao 2º ano da cessão. d) Em data anterior à notificação da decisão, ora, posta em crise, ocorrida em 08.06.2022, que cessou, antecipadamente a exoneração, os devedores/insolventes entregaram à fidúcia, por transferência para conta bancária, previamente, indicada pelo Sr. Fiduciário as seguintes quantias - 200, 00 €, em 29.04.2022; - 200,00€, em 31.05.2022; - 400,00 €, em 01.06.2022 e) O douto despacho que deferiu a entrega prestacional do rendimento disponível reportado ao 1º ano da cessão, não cominou, em passo algum, que a mora, ou falta de pagamento de uma prestação, importava o vencimento imediato das restantes. f) A quantia de 1.445,84 €, cuja fixação como rendimento disponível escapou, absolutamente, ao crivo do contraditório, não está, nem, nunca, esteve na disponibilidade dos devedores/insolventes. g) Tal quantia corresponderá, segundo estimam os devedores/insolventes, uma vez, que nunca foram notificados de coisa alguma sobre a fixação deste rendimento, supostamente, disponível, a um reembolso em sede de IRS efectuado pela AT, que o transferiu para uma conta bancária domiciliada no Banco 1.... h) Os devedores/insolventes não estão autorizados de facto a movimentar a predita conta bancária, seja a débito seja a crédito, pelo que, o respectivo saldo se encontra cativo, como o Sr. Fiduciário tem a obrigação de saber. B - O facto provado sob o n.º 5 devia ter sido complementado com o seguinte: o devedor insolvente ao longo dos dois anos subsequentes ao encerramento do processo não cedeu ao fiduciário o rendimento disponível que lhe foi fixado por a tal não estar obrigado, uma vez que pendia recurso sobre o ato de quantificação do rendimento disponível a ceder (conclusão 5ª) C - Os insolventes apenas tomaram conhecimento que haveria o rendimento disponível de € 1445,84 para ceder ao fiduciário no âmbito da notificação com a ref. eletrónica 87926469 (conclusão 7ª); 7.ª – Saber se ocorreu a caducidade dos factos conducentes à cessação antecipada da exoneração do passivo restante (conclusão 19); 8.ª – Saber se ao casos dos autos é aplicável o art. 242.º-A do CIRE introduzido pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro), tendo a decisão postergado a aplicação ao caso desse normativo (conclusão 21.ª). 9-ª- Saber se os autos não permitem concluir que os insolventes tenham incumprido dolosamente ou com grave negligência as obrigações impostas pelo art. 239.º do CIRE e com isso prejudicando a satisfação dos créditos sobre a insolvência (conclusão 10.º); * III-Fundamentação Com vista à incursão na questão objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade que na decisão recorrida foi dada como provada e que foi a seguinte: 4) O devedor insolvente e a seu Ilustre Patrono foram devidamente notificados dos despachos supra mencionados; 5) Ao longo dos 2 (dois) anos subsequentes ao encerramento do processo, o devedor insolvente não cedeu ao fiduciário o rendimento disponível que lhe foi fixado; 6) Em 10-02-2022, vieram os devedores apresentar as informações solicitadas e, ainda, solicitar o pagamento do valor apurado (€ 2.359,04 – dois mil trezentos e cinquenta e nove euros e quatro cêntimos) relativamente ao primeiro ano de cessão, em 6 (seis) prestações mensais e sucessivas de € 393,17 (trezentos e noventa e três euros e dezassete cêntimos), o que foi deferido;
Apreciemos então as questões suscitadas: 1.ª – Saber se a decisão é nula por os requerentes não terem liquidado a taxa de justiça devida, o que devia ter conduzido à rejeição dos requerimentos pela Secretaria ou pelo Sr. Juiz (conclusão 18ª). De acordo com os recorrentes, a cessação antecipada da exoneração do passivo restante, consubstancia um incidente, o qual está sujeito a tributação, pelo que, não tendo os requerentes liquidado a respetiva taxa de justiça, deveria a secretaria ter rejeitado os requerimentos apresentados, devendo o juiz da causa, suprir tal falta da secretaria, o que não fez, consubstanciando nulidade. Está em causa a questão de saber se o requerimento formulado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 243.º, n.º 1 do CIRE (na redação anterior à dada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro) está sujeito ao pagamento prévio de taxa de justiça. A resposta é obviamente negativa. O que constitui incidente “típico” é o procedimento de exoneração do passivo restante e não o requerimento autónomo formulado com o propósito de fazer cessar antecipadamente esse mesmo incidente, sendo que o vocábulo “incidente” constante do n.º 4 do normativo citado remete para o incidente de exoneração do passivo restante e não para o aludido requerimento. De todo o modo, ainda que assim não se entendesse, não estaríamos perante uma nulidade da decisão, mas de um vício anterior à própria decisão, que apenas poderia justificar a arguição do vício perante o juiz da causa dentro do prazo de 10 dias após o seu conhecimento (cfr. art. 149.º, 195.º, 199.º e 200.º, n.º 3 do CPC) e não já a interposição de recurso.
2.ª – Saber se, não podendo o procedimento relativo à cessação antecipada da exoneração ser aberto oficiosamente pelo juiz, no caso, essa abertura teve lugar sem que tivesse sido requerida por qualquer das pessoas com legitimidade para tanto (conclusão 15ª). Mesmo que se ignore a contradição em que os recorrentes incorrem (ora o procedimento foi aberto a impulso das partes, exigindo-se o pagamento da taxa de justiça, ora inexistiu esse impulso), é manifesto que o procedimento em causa não foi aberto oficiosamente, antes na decorrência dos requerimentos apresentados a 08 e 14.05.2022 pelos credores C..., CRL e P... Company, constantes de fls. 155 a 164 (processo físico), respetivamente. As pessoas coletivas em causa, na qualidade de credores, têm legitimidade para formular esse pedido, nos termos previstos no n.º 1 do art. 243.º do CIRE.
3.ª - Saber se o tribunal não podia apreciar o incidente de cessação antecipada da exoneração do passivo restante por os requerimentos apresentados não se mostrarem instruídos com a indicação da prova dos fundamentos respetivos nos termos exigidos pelo art. 243.º, n.º 2 do CIRE (conclusão 20ª). Estatui-se no art. 243.º. n.º 2 do CIRE que “O requerimento apenas pode ser apresentado dentro dos seis meses seguintes à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, devendo ser oferecida logo a respetiva prova”(sublinhado nosso). Examinando os requerimentos apresentados constata-se que, apesar de não haverem mencionado autonomamente os meios de prova, referiram-se a esses meios de prova no excurso dos requerimentos, tendo-a como documentada nos autos e constante dos relatórios do Sr. Fiduciário (arts. 25.º a 34.º do requerimento apresentado por C..., CRL e 1 a 3 do requerimento de P... Company). Mostra-se, como tal, satisfeita a aludida exigência legal, cujo incumprimento, de resto, não faria precludir de imediato o direito a requerer a antecipação, tão só exigiria ao tribunal que formulasse convite dos requerentes para suprirem essa omissão no prazo que se entendesse adequado.
4.ª – Saber se a decisão é nula por não ter sido assegurado aos insolventes o direito ao contraditório no âmbito do procedimento (conclusões 8ª, 14ª, 16ª e 17ª). De acordo com os recorrentes o Sr. Juiz não permitiu a discussão do incidente, não tendo estes sido “convocados” para exercer o contraditório relativamente aos requerimentos, nem ouvidos ou convocados para audiência. Compulsados os autos (processo eletrónico) verifica-se que, quer o requerimento do credor Banco 2..., CRL, apresentado a 08.05.2022 (ref. 42170773), quer o requerimento do credor P... Company, apresentado em 11.05.2022 (ref. 42211575), foram objeto de notificação ao ilustre mandatário dos recorrentes, Exmo. Sr. Dr. CC (notificação entre mandatários), sendo que estes nada responderam. Encontram-se, como tal, cumpridas as exigências de contraditório e efetuada a “audição” a que se refere o art. 243.º, n.º 3 do CIRE. Não ocorre, como tal, a invocada nulidade.
5.ª – Saber se a decisão é nula por falta de fundamentação, incluindo a omissão de factos que consubstanciem dolo ou negligência grosseira por parte dos insolventes quanto ao não cumprimento das obrigações impostas pelo art. 239.º do CIRE (conclusão 11ª, 12 e 13ª). O dever de fundamentação das decisões judiciais resulta, desde logo, de imposição constitucional, no quadro do n.º 1 do art.º 205.º da Constituição da República Portuguesa, densificando-se legalmente, desde logo, no prescrito no art.º 154.º do Cód. de Processo Civil. Tal dever constitucional e legal tem por objetivo a explicitação por parte do julgador acerca dos motivos pelos quais decidiu em determinado sentido, dirimindo determinado litígio que lhe foi colocado, permitindo aos destinatários possam entender as razões da decisão proferida e, caso o entendam, sindicá-la e reagir contra a mesma; Nos termos do art. 615.º, n.º 1, b) do CPC “É nula a sentença quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. Essa nulidade (por falta de fundamentação), conforme aceite em termos pacíficos, exige a ausência total de fundamentação de facto ou de direito e não se basta com uma fundamentação meramente incompleta ou deficiente. É que, como se sumariou no Ac. do STJ de 03.03.2021 (processo 3157/17.8T8VFX.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) “I. (…) As nulidades da decisão reconduzem-se a vícios formais decorrentes de erro de actividade ou de procedimento (error in procedendo) respeitante à disciplina legal; trata-se de vícios de formação ou actividade (referentes à inteligibilidade, à estrutura ou aos limites da decisão) que afectam a regularidade do silogismo judiciário, da peça processual que é a decisão e que se mostram obstativos de qualquer pronunciamento de mérito, enquanto o erro de julgamento (error in judicando) que resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma a que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa, traduzindo-se numa apreciação da questão em desconformidade com a lei, consiste num desvio à realidade factual -nada tendo a ver com o apuramento ou fixação da mesma- ou jurídica, por ignorância ou falsa representação da mesma. II. Só a absoluta falta de fundamentação – e não a errada, incompleta ou insuficiente fundamentação – integra a previsão da nulidade do artigo 615.º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil”. A falta de motivação a que se reporta o ínsito em análise é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão, e não a sua motivação deficiente, errada ou incompleta, sendo certo, outrossim, que uma fundamentação, apenas, incompleta ou insuficiente, não afecta o valor legal da sentença ou do acórdão Cfr., inter alia, o Ac. do STJ de 04.05.2010 proc. 2990/06.0TBACB.C1.S1, in www.dgsi.pt. No caso dos autos não há a menor dúvida que a decisão recorrida especificou os fundamentos de facto em que assentou e indicou as normas jurídicas nas quais fez assentar a sua decisão. Daqui se poder concluir, sem quaisquer outros considerandos, que a decisão não enferma do vício de falta de fundamentação apontado pelos recorrentes, sendo que, no tocante ao “elemento da vontade”, conclui-se, com apoio nos factos provados (bem ou mal é matéria de que não importa cuidar em sede de aferição da nulidade da decisão), que o incumprimento decorria, pelo menos, de negligência grosseira – pág. 6. Não ocorre, como tal, a invocada nulidade.
6.ª- Saber se A - o tribunal devia ter dado como provados os seguintes factos (conclusão 9ª): a) Em data anterior ao trânsito em julgado da predita decisão, os devedores/insolventes, sponte sua, em 10.02.2022, dão conta aos autos que se conformaram com a decisão que fixou o quantum do rendimento disponível requerendo um plano prestacional para o seu pagamento, que veio a ser doutamente deferido. b) Em data anterior ao trânsito em julgado da predita decisão, os devedores/insolventes, sponte sua, em 10.02.2022, dão conta aos autos que se conformaram com a decisão que fixou o quantum do rendimento disponível, requerendo um plano prestacional para o seu pagamento, que veio a ser doutamente deferido. c) Os devedores/insolventes, bem como, o seu modesto mandatário nunca lograram ser notificados da fixação e respectivos critérios para tanto, do rendimento disponível reportado ao 2º ano da cessão. d) Em data anterior à notificação da decisão, ora, posta em crise, ocorrida em 08.06.2022, que cessou, antecipadamente a exoneração, os devedores/insolventes entregaram à fidúcia, por transferência para conta bancária, previamente, indicada pelo Sr. Fiduciário as seguintes quantias - 200, 00 €, em 29.04.2022; - 200,00€, em 31.05.2022; - 400,00 €, em 01.06.2022 e) O douto despacho que deferiu a entrega prestacional do rendimento disponível reportado ao 1º ano da cessão, não cominou, em passo algum, que a mora, ou falta de pagamento de uma prestação, importava o vencimento imediato das restantes. f) A quantia de 1.445,84 €, cuja fixação como rendimento disponível escapou, absolutamente, ao crivo do contraditório, não está, nem, nunca, esteve na disponibilidade dos devedores/insolventes. g) Tal quantia corresponderá, segundo estimam os devedores/insolventes, uma vez, que nunca foram notificados de coisa alguma sobre a fixação deste rendimento, supostamente, disponível, a um reembolso em sede de IRS efectuado pela AT, que o transferiu para uma conta bancária domiciliada no Banco 1.... h) Os devedores/insolventes não estão autorizados de facto a movimentar a predita conta bancária, seja a débito seja a crédito, pelo que, o respectivo saldo se encontra cativo, como o Sr. Fiduciário tem a obrigação de saber. B - O facto provado sob o n.º 5 devia ter sido complementado com o seguinte: o devedor insolvente ao longo dos dois anos subsequentes ao encerramento do processo não cedeu ao fiduciário o rendimento disponível que lhe foi fixado por a tal não estar obrigado, uma vez que pendia recurso sobre o ato de quantificação do rendimento disponível a ceder (conclusão 5ª) C - Os insolventes apenas tomaram conhecimento que haveria o rendimento disponível de € 1445,84 para ceder ao fiduciário no âmbito da notificação com a ref. eletrónica 87926469 (conclusão 7ª);
Estando em causa a impugnação sobre a matéria de facto, nos termos do art. 640.º, n.º 1 do CPC, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição O cumprimento deste ónus (a satisfazer em sede de alegações de recurso) deve ser compatibilizado ainda com o disposto no art. 639.º, n.º 1 do CPC “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”. Ou seja, quando se impugne a matéria de facto (em sentido global, divergindo dos factos considerados provados ou entendendo terem sido provados factos que o não foram), as conclusões devem conter os elementos que permitam identificar o objeto do recurso. Tal como se decidiu, entre outros, no Ac. do STJ de 29.10.2015 (processo 233/09.4TBVNG.G1.S1, disponível in www.dgsi.pt), no regime relativo à impugnação da matéria de facto é possível distinguir dois tipos de ónus: - “um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes” e consta do transcrito n.º 1 do art.º 640.º; e “um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes”. O ónus primário refere-se à exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, conforme previsto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do citado artigo 640.º, visa fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto e tem por função delimitar o objeto do recurso. O ónus secundário consiste na exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, e visa possibilitar um acesso aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. Transcrevendo, também a este propósito, o referido no Ac. do STJ de 02.02.2022 (processo 1786/17.9T8PVZ.P1.S1, disponível no mesmo sítio) “Relativamente ao ónus primário, nem sequer é possível recorrer às alegações para suprir deficiências das conclusões, uma vez que são estas que enumeram as questões a decidir e delimitam o objecto do recurso, devendo, quanto à impugnação da decisão de facto, identificar os concretos pontos de facto impugnados e a decisão pretendida sobre os mesmos, bem como os concretos meios de prova que imponham tal decisão. Daí que, quando falte a especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados, deva ser rejeitado o recurso respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, o mesmo sucedendo quanto aos restantes dois requisitos, nomeadamente a falta de indicação da decisão pretendida sobre esses mesmos factos”. Este entendimento vem, de resto, na linha do defendido por Abrantes Geraldes (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013) quando sustenta: 7.ª – Saber se ocorreu a caducidade dos factos conducentes à cessação antecipada da exoneração do passivo restante (conclusão 19). Nos termos do art. 243.º, n.º 2 do CIRE, o requerimento destinado à cessação antecipada da exoneração do passivo restante apenas pode ser apresentado dentro dos seis meses seguintes à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados. Estamos, obviamente, como os recorrentes defendem, perante um prazo de caducidade, definível genericamente como a extinção ou perda de um direito ou de uma ação pelo decurso do tempo, ou ainda, pela verificação de uma circunstância que, naturalmente (v. g. a morte), faz desencadear a extinção do direito. Nos termos do disposto no art.º 333.º do Código Civil a caducidade só é de conhecimento oficioso quando for estabelecida em matéria excluída da disponibilidade das partes. E assim, nos termos do disposto nº 2 deste artigo e do 303.º também do Código Civil, tem que ser invocada por aquela parte a quem aproveita. Como assim, no caso, tratando-se de matéria em domínio não subtraído à disponibilidade das partes, a invocação desta exceção devia ter sido efetuada em sede de resposta aos requerimentos apresentados pelos credores. Consequentemente, não tendo a mesma sido invocada pelos devedores no momento e lugar próprios, estamos perante uma questão nova, não submetida à apreciação na 1ª instância. E, em sede de recurso, não é possível invocarem-se questões novas não suscitadas anteriormente nos autos, a não ser que sejam de conhecimento oficioso. Os apelantes não suscitaram essa questão perante o tribunal recorrido fazendo-o apenas perante esta 2ª instância, pelo que estamos diante de uma questão nova, que este Tribunal da Relação nem sequer pode apreciar, já que o seu conhecimento, enquanto instância de recurso, se circunscreve à apreciação de questões que já tenham sido colocadas na 1ª instância. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais (art. 627.º do CPC), através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá‑las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo quanto às questões de conhecimento oficioso, o que, como vimos, não é o caso. Como refere Teixeira de Sousa (Estudos Sobre o Processo Civil, 2.ª Edição, págs. 395 e segts.), não pode deixar de se ter presente que tradicionalmente seguimos, em sede de recurso, no âmbito do processo civil, um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no Tribunal de recurso. Dito de outra forma, os recursos destinam-se à apreciação de questões já antes levantadas e decididas no processo e não a provocar decisões sobre questões que antes não foram submetidas ao contraditório e decididas pelo Tribunal recorrido (cfr. José Lebre de Freitas e Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. III., Tomo 1, 2ª Ed., Coimbra Editora, pág. 8.). O que é posto em causa e se pretende alterar em sede de recurso é o teor da decisão recorrida e os fundamentos desta. A sua reapreciação e julgamento terão de ser feitos no seio do mesmo quadro fáctico e condicionalismo do qual emergiu a sentença proferida e posta em crise. A este propósito, também Abrantes Geraldes (Recursos Em Processo Civil – Novo Regime”, Almedina, 2ª Edição, págs. 25 e segts.) explicita que os recursos se destinam a permitir que um Tribunal hierarquicamente superior proceda à reponderação da decisão recorrida, objetivo que se reflete na delimitação das pretensões que lhe podem ser dirigidas e no leque de competências suscetíveis de serem assumidas. Seguindo o acórdão do STJ de 17.11.2016 (proferido no processo 861/13.3TTVIS.C1.S2, disponível em www.dgsi.pt) “O mesmo é dizer que devem circunscrever-se às questões que já tenham sido submetidas ao Tribunal de categoria inferior e aos fundamentos em que a sentença se alicerçou e que resultaram da prova produzida e carreada para os autos, salvo, naturalmente, as questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos imprescindíveis ao seu conhecimento. Assim, também aqui, não se toma conhecimento do recurso. 8.ª – Saber se ao caso dos autos é aplicável o art. 242.º-A do CIRE introduzido pela Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro), tendo a decisão postergado a aplicação desse normativo (conclusão 21.ª). A Lei n.º 9/2022, de 11 de janeiro, veio, de entre o demais, aditar ao Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, o art. 242.º-A, com a seguinte redação
Artigo 242.º-A Prorrogação do período de cessão 1 — Sem prejuízo do disposto na segunda parte do n.º 3 do artigo 243.º, o juiz pode prorrogar o período de cessão, até ao máximo de três anos, antes de terminado aquele período e por uma única vez, mediante requerimento fundamentado: a) Do devedor; b) De algum credor da insolvência; c) Do administrador da insolvência, se este ainda estiver em funções; ou d) Do fiduciário que tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, caso este tenha violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo artigo 239.º, prejudicando por esse facto a satisfação dos créditos sobre a insolvência. 2 — O requerimento apenas pode ser apresentado dentro dos seis meses seguintes à data em que o requerente teve ou poderia ter tido conhecimento dos fundamentos invocados, sendo oferecida logo a respetiva prova. 3 — O juiz deve ouvir o devedor, o fiduciário e os credores da insolvência antes de decidir a questão, e decretar a prorrogação apenas se concluir pela existência de probabilidade séria de cumprimento, pelo devedor, das obrigações a que se refere o n.º 1, no período adicional.
De acordo com o art. 10.º, sem prejuízo das situações referidas nos n.ºs 2, 3 e 4 desse normativo, a nova Lei é imediatamente aplicável aos processos pendentes na data da sua entrada em vigor, ou seja 90 dias após a publicação (ocorrida em 11.01.2022). Assim, apesar de o referido normativo ser abstratamente aplicável ao presente processo (a decisão, recorde-se, é de 27.05.2022), não se vê em que medida devia ter sido ponderada na decisão requerimento, uma vez que não foi apresentado qualquer requerimento (fundamentado) no sentido de ser prorrogado o prazo da cessão, não podendo tal prorrogação ser determinada oficiosamente. O que estava em causa e importava decidir era pretendida cessação antecipada do procedimento de exoneração e não a prorrogação do período de cessão, relativamente ao qual não tinha sido solicitada decisão judicial. De acordo com o disposto no art. 243.º, n.º 1, alínea a), do CIRE, antes de terminado o período de cessão, deve o juiz recusar a exoneração do passivo restante, a requerimento fundamentado de algum credor da insolvência, do administrador da insolvência, se ainda estiver em funções, ou do fiduciário, caso este tenha sido incumbido de fiscalizar o cumprimento das obrigações do devedor, quando este tiver dolosamente ou com grave negligência violado alguma das obrigações que lhe são impostas pelo art. 239.º, prejudicando, por esse facto, a satisfação dos créditos sobre a insolvência. Revertendo agora ao mérito da decisão, transcreve-se o que aí foi referido com inteiro acerto “No caso concreto verifica-se que o devedor violou a aludida obrigação, porquanto não entregou ao fiduciário o rendimento disponível, apesar de ter sido notificado para proceder à comprovação no prazo conferido para o efeito. Considera-se, por isso, que o incumprimento em referência demonstra um profundo alheamento pelo cumprimento das obrigações a que o devedor, ao requerer a exoneração do passivo restante, se vinculou, traduzindo uma violação das mais elementares regras de conduta. Conclusão que se mostra reforçada pelo facto de o devedor, quando notificado para o efeito, não ter comprovado o respetivo cumprimento, tal como lhe competia. Na verdade, como resulta da factualidade provada, os devedores solicitaram o pagamento em prestações relativamente à dívida existente quanto ao primeiro ano de cessão, o que demonstra que os mesmos tinham consciência quanto à obrigação de ceder o rendimento disponível. Assim, haverá que concluir que os devedores incumpriram, pelo menos com negligência grosseira, o dever de ceder ao fiduciário o rendimento disponível, tal como lhe competia, nos termos dos artigos 239.º, n.º 4, e 243.º, n.º 1, alínea a) do CIRE. O facto de não terem cedido o rendimento prejudicou, ademais, os credores, não permitindo a liquidação dos seus créditos nos termos estipulados”. Dúvidas não há que os devedores, ao não entregarem ao fiduciário o rendimento disponível (facto provado n.º 5), cientes dessa obrigação e sem justificarem o incumprimento (facto n.º 8), demonstraram um total alheamento relativamente às suas obrigações (negligência grosseira), o que, necessariamente, prejudicou os credores que assim se viram impedidos de receber uma parte (ainda que pequena) dos seus créditos. Assim, mostram-se verificam-se os pressupostos necessários à cessação antecipada do procedimento inerente à exoneração do passivo restante. * Sumário[3]: (…). * IV - DECISÃO. Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em * Custas pelos apelantes (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC). * Coimbra, 28 de setembro de 2022 ______________________ (Paulo Correia) ______________________ (Helena Melo) Declaração: Não acompanho o doutamente defendido no acórdão quando entende ser de exigir ao recorrente que pretende impugnar a matéria de facto que faça constar das conclusões também a referência aos meios de prova. Na esteira do defendido nos acórdãos do STJ, de 19-02-2015, processo nº 299/05.6TBMGD.P2.S1, de 13.10.2016, processo 98/12.9TTGMR.G1.S1, de 12-05-2016, proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1 e de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, entendo ser suficiente que nas conclusões se especifiquem os concretos pontos de facto impugnados e a decisão a proferir nesse domínio, enquanto delimitativas do objeto do recurso. Não obstante, voto o acórdão, pois que sempre não procederia a requerida alteração da matéria de facto, porquanto nas alegações, além de a determinados pontos que o apelante impugna, não indicar os concretos meios de prova em que se fundamenta, em desrespeito ao artº 640º, nº 2, alínea b) do CPC, o que constitui caso de rejeição, o recorrente não fundamente as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos que, no seu entender, implicariam uma decisão diversa, impedindo a apreciação pretendida (José Avelino) [1] Relator – Paulo Correia Adjuntos – Helena Melo e José Avelino [2] - Cfr. Acórdãos do STJ de 29/10/2015 (processo n.º 233/09.4TBVNC.G1.S1); 31/05/2016 (processo n.º 889/10.5TBFIG.C1-A.S1); 02/06/2016 (processo n.º 725/12.8TBCHV.G1.S1) e 21/03/2019 (processo n.º 3683/16.6T8CBR.C1.S2), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt. [3] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC). |