Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | JORGE ARCANJO | ||
Descritores: | PERÍCIA MÉDICO-LEGAL INSTITUTO NACIONAL DE MEDICINA LEGAL REALIZAÇÃO COLEGIAL | ||
Data do Acordão: | 06/03/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DO BAIXO VOUGA – TRIBUNAL JUDICIAL DE AVEIRO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 467º, NºS 1 E 3 E 468º DO NCPC; 21º, Nº 4 E 27º DA LEI Nº 45/2004, DE 19/08. | ||
Sumário: | I – O art. 468º do nCPC não é aplicável às perícias requisitadas a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, designadamente às perícias médico-legais. II - As perícias médico-legais, ainda que colegiais, devem ser realizadas pelas delegações do IML, sendo os peritos designados por este organismo, conforme regulamentado pela Lei nº 45/2004, de 19/8. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra I – RELATÓRIO 1.1.- O Autor – H... – instaurou (31/8/2013) na Comarca do Baixo Vouga acção declarativa, com forma de processo ordinário, contra a Ré – Companhia de Seguros L..., com sede em ... Alegando ser vítima de acidente de viação, causado pelo segurado da Ré, pediu a condenação a pagar-lhe a quantia de € 710.388,40, a crescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação, e o que se liquidar posteriormente quanto a uma provável operação cirúrgica que tenha que fazer. Com a petição inicial requereu a realização de exame médico ao Autor, nos termos legais. Contestou a Ré e requereu perícia médica a realizar nos termos do art. 468 nº1 do CPC, uma vez que reveste especial complexidade, com indicação de perito. Ambas as partes reiteraram posteriormente o requerimento de prova pericial. 1.2. - Por despacho de 20/1/2014, decidiu-se: “Defere-se a requerida perícia médico-legal, a qual, no entanto, deverá ser efectuada pelos Srs. Peritos a indicar pelo Instituto Nacional de Medicina Legal (cf. art. 27 nº1 da Lei nº 45/2004, de 19/8). Providencie pela sua realização junto da Delegação do Norte (Porto) do referido Instituto , remetendo cópia dos quesitos apresentados pelas partes”. 1.3. - Inconformada, a Ré recorreu de apelação, com as seguintes conclusões: 1) Para prova das lesões sofridas pelo autor em virtude do acidente de viação em causa, ambas as partes requereram a realização de exame pericial ao mesmo autor, sendo que este requereu que fosse efectuado exame médico, nos termos legais, tendo, posteriormente, indicado o seu perito médico, para o caso de ser deferida a perícia colegial requerida pela ré. 2) A ré requereu que a perícia médica se realizasse em moldes colegiais, nos termos do disposto no artigo 468º, nº 1, alínea b), do C.P.C., uma vez que a mesma reveste especial complexidade, tendo nomeado, desde logo, o seu perito médico. 3) Ora, face ao disposto na alínea b) do nº 1 e do nº 2 do artigo 468º do Código de Processo Civil, basta que uma das partes requeira a perícia colegial, para que esta deva ser ordenada pelo Mº Juiz. 4) O nº 3 do artigo467º do C.P.C. dispõe que as perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médico-legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta, mas sem prejuízo da faculdade de qualquer das partes requerer a perícia nos termos mencionados e com referência ao citado artigo 468º, nº 1, alínea b) e nº 2 do C.P.C. 5) E o artigo seguinte – o artigo 468º -, na alínea b) do nº 1, prevê, precisamente, a faculdade de qualquer das partes requerer a realização de perícia colegial. 6) Deste modo, o facto de a lei impor que a prova pericial se realize nas delegações ou gabinetes médico-legais, não exclui que alguma das partes possa requerer que a mesma se realize em moldes colegiais. 7) Com efeito, resulta do disposto no artigo 2º da Lei 45/2004, de 19 de Agosto, que a obrigatoriedade de realização das perícias médico-legais nas delegações e nos gabinetes médico-legais do Instituto Nacional de Medicina legal, apenas se verifica quanto às perícias singulares, pelo que qualquer das partes, se assim o entender, pode requer a realização de perícia colegial. 8) Assim, como no caso aqui em apreço, a ré requereu que a perícia se realizasse em moldes colegiais, face ao facto de a mesma revestir especial complexidade, e nomeou, desde logo o seu perito, não tendo havido sequer oposição do autor, o Mº Juiz “a quo” deveria ter deferido tal requerimento, no estrito cumprimento dos referidos preceitos legais, devendo quer o autor, quer o Tribunal, proceder à nomeação dos respectivos peritos, o que o mesmo autor fez. 9) O Mº Juiz “a quo”, ao proferir o despacho recorrido, indeferindo a realização de perícia colegial, violou o disposto nos artigos 467º, nº 1, parte final e 468º, nº 1, alínea b), do CPC, bem como o disposto no artigo 2º da Lei 45/2004, de 19 de Agosto devendo, por isso, ser revogado tal despacho e substituído por outro que admita a realização da perícia, em moldes colegiais, com intervenção de peritos nomeados pelas partes e pelo Tribunal. Não foram apresentadas contra-alegações. II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. – O objecto do recurso A questão submetida a recurso, delimitado pelas respectivas conclusões, consiste em saber se a perícia médico-legal ao Autor (sinistrado) deve ser feita colegialmente, conforme foi requerida pela Ré/Apelante, ou pelo Instituto de Medicina Legal (IML), nos termos do despacho recorrido. Para a decisão do recurso relevam os elementos descritos, sendo aplicável o regime legal do nCPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26/6). 2.2. – O mérito do recurso Dispõe o art. 467 ( quem realiza a perícia ) 1 A perícia, requerida por qualquer das partes ou determinada oficiosamente pelo juiz é requisitada pelo tribunal a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial apropriado ou, quando tal não seja possível ou conveniente, realizada por um único perito nomeado pelo juiz de entre pessoas de reconhecida idoneidade e competência na matéria em causa, sem prejuízo do disposto no artigo seguinte. (…) 3. As perícias médico-legais são realizadas pelos serviços médicos legais ou pelos peritos médicos contratados, nos termos previstos no diploma que as regulamenta”. O art. 468 ( “ Perícia colegial e singular ) (…) Da conjugação de ambas as normas extrai-se, desde logo, que a perícia é, sempre que possível, requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço apropriado. E quando não for possível, será efectuada por um único perito nomeado pelo juiz. A ressalva contida na parte final do nº 1 do art. 467 (“ sem prejuízo do disposto no artigo seguinte”) refere-se apenas à 2ª parte, ou seja, aos casos em que a perícia não é possível por estabelecimento, mas realizada por perito nomeado pelo tribunal, como parece resultar tanto do elemento gramatical, como sistemático. Na verdade, quando a perícia é requisitada a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, o tribunal e as partes não têm a possibilidade de indicação de peritos, logo não pode ter aplicação o art. 468 CPC. Dito de outro modo, a regra do art. 468 CPC não é aplicável às perícias requisitadas a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, designadamente às perícias médico-legais, cujo nº 3 do art. 467 impõe expressamente a sua realização (“ são realizadas”) pelos serviços médico-legais, “nos termos previsto no diploma que as regulamenta”. Sendo a perícia requerida pela Apelante como perícia médico-legal, o diploma que a regulamenta é o DL nº 45/2004, de 19/8. Nos termos do art. 21, nº 1 e 4, as perícias são, em regra, singulares, e para que sejam efectuadas colegialmente, não basta o requerimento da parte, porque a perícia colegial só tem lugar quando o juiz, na falta de alternativa, o determine fundamentadamente. E mesmo quando admissíveis neste âmbito, a sua efectivação não se faz segundo o critério do art. 468 CPC, porque as perícias são feitas por médicos do quadro do instituto ou contratados (art. 27 nº1 ). Sendo assim, da conjugação do art. 467 nº1 e 3 do CPC com o art. 21 da Lei 45/2004 resulta que a lei especial atinente às perícias médico-legais afasta as regras gerais do CPC. Por isso, as perícias médico-legais, ainda que colegiais, devem ser realizadas pelas delegações do IML, sendo os peritos designados por este organismo, conforme regulamentado pela Lei nº 45/2004, que é lei especial e imperativa, e já não nos termos do art. 468 nº1 b) CPC ( cf., por ex., Ac RP de 13/12/2012, proc. nº 1518/11.5TBVRL; Ac RG de 18/4/2013, proc. nº 1053/10.9TBVVD; Ac RG de 20/2/2014, pro. nº 3098/12.5TBVCT; Ac RG de 20/3/2014, proc. nº 2016/12.5TBBCL, disponíveis em www dgsi.pt). 2.3. - Síntese Conclusiva 1.- O art. 468 CPC não é aplicável às perícias requisitadas a estabelecimento, laboratório ou serviço oficial, designadamente às perícias médico-legais. 2.- As perícias médico-legais, ainda que colegiais, devem ser realizadas pelas delegações do IML, sendo os peritos designados por este organismo, conforme regulamentado pela Lei nº 45/2004, de 19/8. III – DECISÃO Pelo exposto, decidem: 1) Julgar improcedente a apelação e confirmar a decisão recorrida. 2) Condenar a Apelante nas custas. Coimbra, 3 de Junho de 2014. ( Jorge Arcanjo ) (Teles Pereira) (Manuel Capelo) |