Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
19/23.3GAPBL-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JOÃO ABRUNHOSA
Descritores: APLICAÇÃO DE MEDIDAS DE COACÇÃO A VÁRIOS ARGUIDOS NO MESMO DESPACHO
AUTUAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE RECURSOS INTERPOSTOS DO MESMO DESPACHO
Data do Acordão: 10/18/2024
Votação: DESPACHO
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE LEIRIA - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL - DESPACHO
Decisão: DETERMINADA A APENSAÇÃO DE PROCESSOS DISTRIBUÍDOS AUTONOMAMENTE, REFERENTES AO MESMO DESPACHO RECORRIDO, À MESMA MOTIVAÇÃO DE RECURSO E A ARGUIDOS DIFERENTES
Legislação Nacional: ARTIGO 675.º, N.º 3, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ARTIGO 4.º DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Sumário: I - Por razões de coerência interna do processo e para evitar a prolação de decisões díspares e até contraditórias, formam um único processo todos os recursos interpostos pelos vários arguidos do mesmo despacho que lhes aplicou a medida de coacção de prisão preventiva.
Decisão Texto Integral: *


Verificamos que, na mesma data, foram distribuídos a colectivos diferentes, estes e os autos de recurso 19/23.3GAPBL-B.C1, em que estão em causa o mesmo despacho recorrido e a mesma motivação de recurso, ainda que relativa a dois arguidos.

Não concordamos com o entendimento de que “... Havendo vários arguidos, no mesmo processo, a quem foi aplicada a prisão preventiva (normalmente é a medida de coação de que se recorre) e sendo vários os arguidos a interpor recurso, deve ser instruído apenso para cada um dos arguidos recorrentes. O CPP preocupou-se com a rápida tramitação dos recursos, em detrimento da economia processual. ...”[1], [2].

Na verdade, não havendo norma expressa sobre este regime, deve aplicar-se a disciplina do art.º 675º/3 co CPC[3], ex vi art.º 4º do CPP[4], que determina que “... Formam um único processo as revistas que subam conjuntamente, em separado dos autos principais. ...”.

O que se ganha em celeridade com a autuação em separado dos recursos urgentes de cada um dos arguidos (e, já agora, do Ministério Público), perde-se em coerência interna do processo e corre-se o sério risco de, num mesmo processo e relativamente ao mesmo despacho recorrido, serem proferidas decisões díspares e até contraditórias (como, aliás, já aconteceu).

Basta imaginarmos um caso em que dois arguidos recorram de um despacho que lhe tenha aplicado a medida de coacção prisão domiciliária, em que estes e o MP[5] recorram, aqueles sustentando a falta de fortes indícios e este sustentando a sua existência. Se os recursos forem autuados separadamente e forem distribuídos a diferentes colectivos, pode suceder que, em apreciação dos recursos dos arguidos, se decida que não existem fortes indícios, e, em apreciação do recurso do MP, que tais indícios existem, o que seria inaceitável.

Acresce que, relativamente a decisões finais que condenem vários arguidos em penas de prisão efectiva, nunca se levantou a possibilidade de autuação em separado do recurso de cada um deles, sendo que o argumento da celeridade e de que, assim, se evita que um recorrente que recorra no início do prazo tenha que esperar pelo fim do prazo para todos recorrerem, vale para ambas as situações.

“... A regra da subida em separado, significa apenas que sobem em separado dos autos, não significa nem implica que, havendo vários recursos a subir em separado e imediatamente, eles tenham de subir em separado uns dos outros (ac. RP, 09.05.1990, BMJ 397.°, 583[6]), temos em vista, nomeadamente, os recursos interpostos de medidas de coação aplicadas no mesmo despacho, caso em que há interesse num julgamento conjunto desses recursos que tratam a mesma questão. O princípio do julgamento conjunto dos vários recursos da mesma decisão encontra respaldo no art. 414.º/8 (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, 2008, p. 1041, MMPDJP, 2009, p.1034[7]). ...”[8].

Mesmo que assim se não entendesse, neste caso particular, não há razões de celeridade que justifiquem a separação, uma vez que, como referimos, não só o despacho recorrido é o mesmo, como só há uma motivação de recurso relativa a ambos os Recorrentes.

Assim, oficie ao referido processo, solicitando a remessa do mesmo aos presentes autos, desde que, naturalmente, não haja objecção por parte da Exm.ª Titular.

D.N..


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(Elaborado em computador e integralmente revisto pelo subscritor (art.º 94º/2 do CPP).

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[1] Jorge Dias, in “As Medidas de Coacção no Processo Penal Português”, Universidade de Coimbra, 2019, pág. 26.
[2] Este entendimento foi sufragado em despacho proferido no proc. 3141/18.4T9VIS-C.C1.
[3] Código de Processo Civil.
[4] Código de Processo Penal.
[5] Ministério Público.
[6] Acórdão de 09-05-1990, relatado por Couto Mendonça, com o seguinte sumário: “A regra contida no artigo 406, n.º 2, do Código [de Processo] Penal significa que os recursos em causa sobem em separado dos autos principais, mas não implica que, havendo vários recursos a subir em separado e imediatamente, todos eles tenham que subir em separado uns dos outros.” (nota nossa).
[7] “Código de Processo Penal – Comentários e Notas Práticas”, dos Magistrados do MP do Distrito Judicial do Porto, onde, para além do mais, se anota o seguinte: “... 3. Havendo vários recursos que devam subir em separado na mesma altura, deve organizar-se um só apenso, que os reúna a todos. O princípio da preferência do julgamento conjunto dos recursos está afirmado na disposição do art. 414.º n.º 8, como princípio geral. ...” (nota nossa).
[8] António Gama, in “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo V, Almedina, 2024, pág. 150.