Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1112/11.0TBTMR-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ANTÓNIO BEÇA PEREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
NOMEAÇÃO
ADMINISTRADOR
FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 03/06/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: 52.º N.º 2 CIRE
Sumário: Na nomeação do administrador da insolvência ao juiz não foi atribuído um poder discricionário, pelo que, quando não seguir a indicação que tiver sido feita pelo devedor, terá que fundamentar essa sua decisão dizendo quais os motivos concretos e palpáveis por que não nomeia a pessoa indicada. Para não se aceitar a sugestão que for feita pelo devedor não basta a mera suspeição vaga e generalizada em virtude de a indicação ter proveniência neste, pois, o legislador, no artigo 52.º n.º 2 CIRE, entendeu não haver fundamento para uma desconfiança fundada apenas nessa razão.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I

No do processo de insolvência, que corre termos na comarca de Tomar, em que foram declarados insolventes A... e B... , foi nomeado Administrador da Insolvência C....

Os insolventes, no requerimento em que se apresentaram à insolvência, tinham indicado para tais funções D....

Inconformados com aquela nomeação, os insolventes interpuseram recurso da respectiva decisão, que foi recebido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito devolutivo, findando a respectiva motivação com as seguintes conclusões:

39[1]. Vem o presente recurso interposto da Sentença proferida em 13.09.2011 nos autos referenciados, que declarou a insolvência dos Apelantes na parte em que esta não conheceu nem atendeu ao pedido de nomeação do administrador de insolvência indicado pelos Requerentes na sua petição inicial - Cfr. Doc. 1 que se junta.

40. Crê-se, porém que, e salvo o devido respeito por melhor opinião, a decisão recorrida não fez a correcta interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis, nomeadamente dos arts. 36.º e 53.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas - CIRE, devendo, por conseguinte, ser revogada e substituída por outra decisão que aplique o direito ao caso concreto.

41. Recorre-se da sentença na parte em que não nomeou o Administrador de Insolvência indicado pelos Apelantes – Dr. D..., inscrito nas Listas Oficiais de Administradores de Insolvência e melhor identificado na petição inicial.

42. Indicação que teve por suporte o disposto no artigo 52.º, n.º 2 do CIRE (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), em conjugação com o consignado no artigo 2°, n.º 1, da Lei n.º 32/04, de 22-07-2007 (Estatuto do Administrador da Insolvência).

43. Pois, na sentença o Tribunal apenas fundamenta a não nomeação do Administrador indicado pelo devedor por uma questão de transparência, imparcialidade e rigor.

44. Ou seja, põe em causa o Tribunal a imparcialidade rigor e correspondente competência do Administrador de Insolvência, apenas pelo facto de o devedor o ter indicado na petição inicial.

45. Argumentos com a qual não pode se deixar de refutar na medida em que, desde logo, coloca em causa um conhecido e conceituado profissional na sua área (Dr. D...) que é por todos reconhecido como uma pessoa diligente, imparcial e rigoroso nos processos onde é nomeado.

46. Nem a escolha para administrador de insolvência pela Dr. C..., foi fundamentada pelo juiz o quo, não especificando os fundamentos de facto e de direito que justificaram tal decisão.

47. Na sentença que declara a insolvência, o tribunal tem, além de outras proclamações, que nomear o administrador da insolvência, com indicação do seu domicílio profissional, conforme prescreve a al. d) do art. 36.º do CIRE.

48. É Inequívoco que nos termos do preceituado no art. 52.º, n. ° 1, do CIRE, nomeação do Administrador da Insolvência é da competência do juiz.

49. No entanto o legislador regulamenta os termos em que essa competência deve ser exercida permitindo ao devedor/credor requerente da Insolvência, indicar a pessoa nomear.

50. Nos autos, inexiste outra indicação para o exercício do referido cargo além da dos requerentes/insolventes – Cfr. Certidão que se requer a final.

51. Resulta da 2.º parte do n.º 2 deste último preceito que o devedor pode, ele próprio, indicar a pessoa/entidade que deve exercer aquela função no processo. Tal indicação não está sujeita a qualquer formalidade nem a outra exigência que não seja a de que essa pessoa/entidade conste da referida lista oficial.

52. Havendo essa indicação atempada por parte do devedor, esclarece o mesmo normativo, na relação aqui aplicável, dada pelo DL 282/2007, de 07/08, que o Juiz “pode” tela em conta. Na sua redacção primitiva, dada pelo DL 53/2004, de 18/03 (que aprovou o CIRE), o n.º 2 daquele art. 52.º dispunha que “aplica-se à nomeação do administrador da insolvência o disposto no nº 1 do art. 32.º, devendo o juiz atender (...) às indicações que sejam feitas pelo próprio devedor (...) ”.

53. Se além do devedor, também o credor/requerente (quando não seja aquele a apresentar-se à insolvência) c/ou a comissão de credores (quando não se trata de nomeação feita na sentença de declaração da insolvência, pois é aí que é convocada a primeira reunião da assembleia de credores) indicarem pessoa/entidade para o cargo, diversa da sugerida pelo primeiro, o Juiz do processo pode nomear algum deles ou um outro à sua escolha, embora não deva dar preferência à indicação do devedor quando a divergência ocorrer relativamente à indicação do credor.

54. Assim, se só o devedor indicar a pessoa/entidade a nomear para tal cargo e esta constar das ditas listas oficiais, o Juiz do processo deve, em princípio, acolher essa indicação, a não ser que tenha motivos legalmente admissíveis que a desaconselhem.

55. O que não foi o caso, limitando-se o Tribunal a referir que a não nomeação do Senhor Administrador indicado pelo devedor na petição inicial, apenas teve por base o facto do Requerente ter indicado uma pessoa para exercer o cargo.

56. E que essa indicação, por si só, é motivo para colocar em causa a imparcialidade e isenção do Administrador.

57. Em qualquer dos casos, quando não acolher as indicações, - do devedor, do credor, da comissão de credores, ou de todos -, o Juiz/Tribunal deve fundamentar esse não acolhimento e as razões que o levaram a nomear uma terceira pessoa/entidade – esta exigência de fundamentação decorre do que estabelecem os arts. 158.º n.º 1 e 659.º n.º 3 do CPC.

58. A qual deverá sempre ser decidida por processo aleatório - art.º 2.º, n.º 2 da Lei n.º 32/2004, 22/07 - norma cuja aplicação na prática apenas depende da disponibilização dos meios para o efeito.

59. Assim, enquanto tais aplicações informáticas não estiverem disponibilizadas e regulamentadas, o critério preferencial de nomeação recairá em primeiro lugar no administrador judicial provisório, se este existir - art. 52.º, n.º 2, e art.º 32.º n.º 1 do CIRE.

60. Em seguida “pode” o juiz atender à pessoa indicada pelo próprio devedor ou pelo credor requerente da insolvência, excepto se existirem motivos para tal - art.º 32° n.º 1 e art.º 52.º n.º 2 do CIRE.

61. Se, depois de apreciado pedido o juiz considerar que não é de nomear a pessoa indicada, deve nomear um administrador aleatoriamente e com recurso às referidas listas oficiais.

62. Nenhuma das normas mencionadas na sentença ou argumento excluiu, só por si, a possibilidade de que a nomeação para o cargo de administrador da insolvência, recaísse na pessoa indicada pelo Requerente.

63. Importa pois, declarar nula a sentença recorrida, na parte atinente à nomeação do administrador da insolvência.

64. Em conformidade, e nos termos do n.º 1 do art. 715.º do CPC, cabe à Relação, Tribunal de 2.ª instância, “conhecer do objecto da apelação”, ou seja, substituir-se ao Tribunal recorrido e, “in casu”, proceder à nomeação do administrador da insolvência em função dos elementos fácticos que decorrem dos autos.

65. Em conformidade com o exposto, deve ser julgada procedente a apelação e anular parcialmente a decisão recorrida, na parte em que nomeou como administrador da insolvência a Sr. Dr. C..., nomeando-se agora para exercer o cargo de administrador da, D..., Economista e Administrador de Insolvência, inscrito nas Listas oficiais de Administradores de Insolvência, com escritório na Rua ... Lisboa constante das listagens publicadas pela Comissão de Apreciação e Controlo da Actividade dos Administradores da Insolvência, datadas de 02 de Junho de 2010, – artigo 52.º, n.º 2 do CIRE, e disponíveis em: http://www.mj.gov.pt/sections/o-ministerio/organismos2182/direccao-geral-da/files/administradores-insolvencia/.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir consiste em saber se deve ser nomeado Administrador da Insolvência D...e E..., tal como foi pedido pelos requerentes/insolventes.


II

1.º


Para a decisão da questão em causa há que considerar os seguintes factos:

1.º na sentença que declarou a insolvência dos requerentes foi nomeado Administrador da Insolvência C...;

2.º na sua petição inicial os requerentes tinham indicado para o exercício dessas funções D...e E....


2.º

O n.º 1 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[2] dispõe que "a nomeação do administrador da insolvência é da competência do juiz", acrescentando o seu n.º 2 que "aplica-se à nomeação do administrador da insolvência o disposto no n.º 1 do artigo 32.º, podendo o juiz ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores, se existir, cabendo a preferência, na primeira designação, ao administrador judicial provisório em exercício de funções à data da declaração da insolvência."

No caso dos autos, a Meritíssima Juíza a quo não aceitou a indicação, para o cargo de Administrador da Insolvência, feita pelos requerentes/insolventes na sua petição inicial dizendo que:

«Tendo em conta a natureza do próprio processo de insolvência – cujo objectivo precípuo é a satisfação, pela forma mais eficiente possível, dos direitos dos credores, entende o Tribunal que, por regra, não é aconselhável a nomeação como Administrador de Insolvência de pessoa que venha a ser indicada pelo próprio devedor, atento o rigor, isenção e absoluta transparência e imparcialidade que deverá presidir quer à actuação do Administrador da Insolvência, quer ao sua própria imagem e estatuto, em face, das próprias finalidades do referido processo (a satisfação dos direitos dos credores)."

Assim, entende o Tribunal que só razões muito fortes poderiam levar à nomeação como Administrador da Insolvência de alguém que seja indicado pelo próprio devedor, facto, que, no entendimento do Tribunal não se verifica.

No caso em apreço, e tendo em atenção o alegado pelos requerentes, entendesse que a nomeação do Sr. Administrador da insolvência deverá ser feita através de uma escolha aleatória com base na lista de Administradores, dado que, ao invés do que alegam os requerentes, ao Sr. Administrador da Insolvência não deve ser feito tendo em consideração os interesses dos requerentes, nem é alguém a cujas funções compita dar “conforto” ou “ajudar na mediação com os credores”.»

Temos, assim, que esta decisão se alicerça, essencialmente, no argumento de que "por regra, não é aconselhável a nomeação como Administrador de Insolvência de pessoa que venha a ser indicada pelo próprio devedor." Quer isso dizer que a Meritíssima Juíza "por regra" nega ao devedor o que o n.º 2 do artigo 52.º lhe concede, pois esta norma, já atrás citada, é clara ao estabelecer que o juiz pode "ter em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor."

Quando o legislador estipula que o juiz poderá ter "em conta as indicações que sejam feitas pelo próprio devedor" não lhe está a atribuir poder discricionário. Concede-lhe, sim, a possibilidade de não seguir a indicação feita, mas somente quando houver razões válidas e objectivas que, naquele caso, aconselhem a que o Administrador da Insolvência não seja a pessoa indicada pelo devedor. Por isso, nesse cenário, seguindo o comando constitucional consagrado no artigo 205.º da Constituição da República que impõe que "as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei"[3], o juiz dirá quais os motivos concretos e palpáveis por que não nomeia para Administrador da Insolvência quem o devedor tinha indicado para esse cargo. Não basta a mera suspeição vaga e generalizada em virtude de a indicação ter proveniência no devedor, pois, como se viu, o legislador entendeu não haver fundamento para uma desconfiança fundada apenas nessa razão. Aliás, nessa matéria o artigo 52.º colocou o devedor no mesmo plano que a comissão de credores.

Não pode a Meritíssima Juíza levantar obstáculos onde o legislador os não colocou e, com o devido respeito, está enganada quando considera "que só razões muito fortes poderiam levar à nomeação como Administrador da Insolvência de alguém que seja indicado pelo próprio devedor", pois, na verdade, tal entendimento não tem o menor apoio no n.º 2 e daquele artigo 52.º.

E a ilustre magistrada está também equivocada quando desconsidera a importância de o Administrador da Insolvência poder "ajudar na mediação com os credores", pois no processo de insolvência, onde intervém um vasto conjunto de sujeitos processuais, uns com interesses paralelos, outros antagónicos e alguns com interesses pontualmente coincidentes, é bastante útil que aquele tenha a capacidade de gerar consensos, mediando essas diversas pretensões. E, para que não haja dúvidas, a mediação não se confunde com favores ou com comportamentos à margem da lei.

Fica a ideia de que a Meritíssima Juíza a quo discorda significativamente da faculdade que esse n.º 2 concede ao devedor, mas, se assim, for, não é por isso que está legitimada a seguir por caminho diverso. Se por hipótese este preceito consagrar, a esse nível, uma má solução, sempre a Meritíssima Juíza, como qualquer outro juiz, está obrigada a acatá-la. Como dizia Sócrates, "é preciso que os homens bons respeitem as leis más, para que os homens maus respeitem as leis boas."

À luz do que se deixou dito, "o devedor pode indicar a pessoa que deve exercer a função de administrador da insolvência e, havendo tal indicação, o juiz pode tê-la em conta. Se apenas o devedor indicar/sugerir administrador da insolvência e este constar das listas oficiais, o juiz deve, em princípio, acolher essa indicação/sugestão."[4]

Aqui chegados, conclui-se que não é possível acompanhar a Meritíssima Juíza a quo quando "por regra" não aceita a indicação feita pelo devedor para o cargo de Administrador da Insolvência, pelo que, na ausência de razões objectivas que desaconselham a nomeação de D...e Seiça Dinis Calvete para exercer tais funções, deve ser este a pessoa nomeada.


III

Com fundamento no atrás exposto, julga-se procedente o presente recurso, anulando-se a decisão recorrida na parte em que nomeou Administrador da Insolvência C..., designando-se para exercer tais funções D...e Seiça Dinis Calvete, identificado na petição inicial.

Sem custas.

António Beça Pereira (Relator)

Nunes Ribeiro (vencido nos termos da declaração de voto que junta)

Hélder Almeida


[1] As conclusões iniciam-se com o n.º 39.
[2] São deste código todas as disposições adiante mencionadas sem qualquer outra referência.
[3] O memo resulta dos artigos 158.º n.º 1 e 668.º n.º 1 b) do Código de Processo Civil.
[4] Ac. Rel. Guimarães de 27-1-11 Proc. 6811/10.1TBBRG-A.G1, www.gde.mj.pt. Neste sentido veja-se Ac. Rel. Guimarães de 22-2-2011 Proc. 5433/10.1TBBRG-B.G1e Ac. Rel. Porto de 11-5-2010 Proc. 175/10.0TBESP-A.P1 em www.gde.mj.pt, Ac. Rel. Coimbra de 7-6-2011 Proc. 232/11.6TBTMR-A.C1, que, tanto quanto é do nosso conhecimento, não se encontra publicado, Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, pág. 56 e João Labareda e Carvalho Fernandes, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2008, pág. 243.


DELARAÇÃO DE VOTO:

Da conjugação das normas dos art.ºs 32º nº1 e 52º nº 2 do CIRE, após as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 282/2007, de 07 de Agosto, entendo – contrariamente à da tese que fez vencimento – que o juiz goza hoje do poder discricionário de nomear ou não o administrador judicial provisório e ou o administrador de insolvência sugeridos, respectivamente, pelo requerente ou pelo devedor ou comissão de credores, sem ter de justificar a sua opção.
Em face da alteração introduzida pelo referido Dec. Lei ao nº1 do citado art.º 32º (traduzida na substituição da expressão «tendo o juiz em conta a proposta eventualmente feita na petição inicial», pela expressão «podendo o juiz ter em conta essa proposta…»), e ao nº 2 do art.º 52º (que consistiu somente na substituição da expressão «devendo o juiz atender igualmente às indicações que sejam feitas pelo próprio devedor ou pela comissão de credores», pela expressão «podendo o juiz ter em conta as indicações…»), afigura-se-nos que se o juiz fosse obrigado a justificar a sua opção – como se defende no acórdão – então seria quando tem em conta as ditas indicações e não, ao invés, quando não tem em conta essas mesmas indicações.
Confirmaria, por isso, a decisão recorrida.

Nunes Ribeiro