Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
706/09.9TMCBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FALCÃO DE MAGALHÃES
Descritores: INVENTÁRIO
PARTILHA DOS BENS DO CASAL
COMPETÊNCIA MATERIAL
TRIBUNAL DE FAMÍLIA
Data do Acordão: 02/15/2011
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA FAMÍLIA E MENORES DE COIMBRA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 87º, Nº 1, DA LEI Nº 29/2009, DE 29/06; LEI Nº 44/2010, DE 03/09.
Sumário: Os Tribunais de Família mantêm, até que se esgote o prazo de 90 dias previsto no artº 87º, nº 1, da Lei nº 29/2009, de 29/06, na redacção dada pela Lei nº 44/2010, de 03/09, a competência exclusiva para preparar e julgar os processos de inventário requeridos na sequência de acções de divórcio.
Decisão Texto Integral: Decisão sumária (Art.ºs 700º, nº 1, c) e 705º, do CPC[1])

I - a) - Por apenso aos autos de divórcio que correram termos no 2º Juízo do Tribunal de Família e Menores de Coimbra, veio A...[2], em 22/10/2010, requerer contra o seu ex-marido, B..., inventário para partilha dos bens do casal que ambos formaram.

b) - Pela Mma. Juiz desse 2º Juízo foi proferida a decisão de 17/11/2010, que, declarando o Tribunal incompetente em razão da matéria, absolveu o Requerido da instância.

c) - Inconformada, a Requerente interpôs recurso dessa decisão, tendo, nas alegações desse recurso – que foi recebido como apelação, com efeito meramente devolutivo – formulado as seguintes conclusões:

[....]

Terminou pedindo, que, na procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida, se declarasse o Tribunal de Família e Menores de Coimbra materialmente competente para a acção de inventário em causa e se determinasse o prosseguimento do processo.


II - Em face do disposto nos art.ºs 684º, n.º 3 e 685º-A, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil (CPC), o objecto dos recursos delimita-se, em princípio, pelas conclusões dos recorrentes, sem prejuízo do conhecimento das questões que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art.º 660, n.º 2, “ex vi” do art.º 713º, nº 2, do mesmo diploma legal.
Não haverá, contudo, que conhecer de questões cuja decisão se veja prejudicada pela solução que tiver sido dada a outra que antecedentemente se haja apreciado, salientando-se que, com as “questões” a resolver se não confundem os argumentos que as partes esgrimam nas respectivas alegações e que, podendo, para benefício da decisão a tomar, ser abordados pelo Tribunal, não constituem verdadeiras questões que a este cumpra solucionar (Cfr., entre outros, Ac. do STJ de 13/09/2007, proc. n.º 07B2113 e Ac. do STJ de 08/11/2007, proc. n.º 07B3586[3]).
A questão objecto do presente recurso consiste em saber se o Tribunal de Família e Menores de Coimbra é materialmente competente para preparar e julgar o inventário subsequente a divórcio que ora está em causa.

III - a) - O circunstancialismo processual e os factos a considerar na decisão a proferir são os enunciados em I - supra. 

b) – A falta de competência do tribunal em razão da matéria, determinando a incompetência absoluta do tribunal - excepção dilatória insuprível - implica, consoante a fase do processo em que é apreciada, a absolvição do réu da instância ou o indeferimento em despacho liminar (artigos 101º, 102º, n.º 1, 103º, 105º, n.º 1, 234º-A, nº 1, 288º, nº 1, a), 510, nº 1, a), todos do CPC).

Conhecida que foi, na fase liminar, a falta de competência material do Tribunal “a quo”, geradora da sua incompetência absoluta, a consequência da declaração desta última, não era a absolvição do Requerido da instância, mas antes o indeferimento liminar do requerimento inicial (n.º 1 do artigo 105.º, do CPC).

Vejamos, no entanto, se é de entender que o Tribunal “a quo” carecia, em razão da matéria, de competência para conhecer dos aludidos autos de inventário.

A alicerçar a decisão impugnada escreveu-se, entre o mais, o seguinte:

«Este tribunal é, actualmente, materialmente incompetente para a presente acção, face ao disposto nos artigos 3º, nº 1 e 71º, nº 2 e 87º da Lei nº 29/2009, de 29/Junho, na redacção dada pela Lei nº 1/2010 de 15/Janeiro.

(…)

…actualmente, a competência para os processos de inventário, nomeadamente para os processos de inventário em consequência de divórcio, vulgo inventários para separação das meações, cabe, em exclusivo, às Conservatórias do Registo Civil, nos termos dos artigos 3º, nº 1 e 71º da Lei nº 29/2009 de 29/6 .

Por outro lado, a entrada em vigor do mencionado diploma legal foi fixada em 18/7/2010, aplicando-se indubitavelmente aos inventários instaurados após esta data como o presente .».

Vejamos.

De acordo com o art.º 81º, c), da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (Lei n.º 3/99, de 13/01) aos Tribunais de Família compete, entre o mais, preparar e julgar inventários requeridos na sequência de acções de separação de pessoas e bens e de divórcio (de modo idêntico se estatui no art.º 114º, d), da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto).

É certo que a Lei nº 29/2009, de 29/6 (Diário da República, 1.ª série - N.º 123), veio estabelecer um novo regime jurídico para o inventário, regime este em que a competência, digamos, originária, designadamente, para os termos iniciais do processo, foi cometida aos serviços de registos e aos cartórios notariais (art.º 3º, nº 1), cabendo ao juiz o controlo geral do processo, nos termos estatuídos no nº 1 do art.º 4º, com intervenção casuística definida para proferir determinadas decisões (v.g. art.ºs 4º, nº 2, al. a), 60º, nº 1, 6º e 31º, nº 2) de que se destaca a prolação de sentença homologatória da partilha, para o que tem competência exclusiva.[4]

De harmonia com o respectivo art.º 84º, a Lei nº 29/2009 não é aplicável aos processos de inventário que, à data da sua entrada em vigor, se encontrem pendentes.

Por força do disposto no art.º 87.º, nº 1, tal lei entraria em vigor no dia 18 de Janeiro de 2010.

Sucede que a Lei n.º 1/2010, de 15/01, veio alterar esse art. 87.º, nº 1, da Lei n.º 29/2009, estabelecendo que a entrada em vigor desta ocorreria em 18 de Julho de 2010.

Só que, por motivos vários, entre os quais cabe evidenciar a falta de regulamentação que alguns dos seus preceitos demandava, o novel regime jurídico do inventário, não estava em condições de entrar em vigor.

Reconhecendo isso mesmo, como se infere do constante da respectiva exposição de motivos, foi apresentada pelo Governo, na Assembleia da República, a Proposta de Lei n.º 27/XI (1.ª)[5], que refere, entre outros propósitos, o de “…criar um período de vacatio legis de 90 dias para permitir um teste efectivo dos sistemas e uma formação adequada”, bem como, o de clarificar que seria aprovado por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça o modelo do requerimento de inventário, quer quando se iniciasse o processo nas conservatórias, quer quando este fosse instaurado nos cartórios notariais.

Na sequência dessa Proposta, veio a ser publicada, em 3 de Setembro de 2010, a Lei nº 44/2010, entrada em vigor em 04/09/2010 (artº 4º) que, segundo estabelece no seu art.º 3º, produz efeitos desde 18/07/2010.

Esta Lei nº 44/2010, para além do mais, alterou o art.º 87.º, nº 1, da Lei n.º 29/2009 (com a alteração que lhe introduziu a Lei 1/2010), preceito este que, em lugar de estabelecer que esta última (Lei 29/2009) entrava em vigor em “18 de Julho de 2010”, veio consignar que a lei produziria efeitos “90 dias após a publicação da portaria referida no nº 3 do artigo 2º.”.

E o teor deste nº 3 é o seguinte:

«3 - No decurso do processo de inventário, devem ser publicados em sítio na Internet, regulado por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça, os seguintes actos:

a) Requerimento de inventário;

b) Citações efectuadas;

c) Marcação da data da conferência de interessados;

d) Decisão da partilha;

e) Quaisquer outros actos que se considerem relevantes para as finalidades do processo de inventário.».

Ora, esta Portaria a que alude o nº 3 do artigo 2º da Lei º 29/2009, não foi publicada ainda, manifestando-se a respectiva preparação no despacho n.º 14173/2010, de 2/09/2010[6], em que são aprovadas as “…linhas orientadoras para a regulamentação, a implementação, a formação de recursos humanos e a monitorização da Lei n.º 29/2009”.

Assim, até que seja publicada tal Portaria e que decorra o aludido prazo de 90 dias, a Lei 29/2009 não produz efeitos, mantendo os tribunais judiciais – “rectius”, onde os haja instalados, os Tribunais de Família - a competência exclusiva para a preparação e julgamento dos inventários requeridos na sequência de acção de divórcio.

Em face do exposto, tendo o inventário “sub judice” sido requerido em 22/10/2010, o Tribunal “a quo”, ponderando devidamente o estatuído nas normas atrás referidas, designadamente o preceituado na Lei nº 44/2010, de 3/9, não deveria, salvo o devido respeito, no despacho de 17/11/2010, ter-se declarado incompetente em razão da matéria.

Cumpre pois, na procedência da apelação, revogar o despacho recorrido e, declarando o Tribunal de Família e Menores de Coimbra, competente, em razão da matéria, para preparar e julgar os autos de inventário em causa, determinar que aí prossigam os ulteriores termos do processo.

Sumário: Os Tribunais de Família, mantêm, até que se esgote o prazo de 90 dias previsto no art.º 87º, nº 1, da Lei nº 29/2009, de 29/06, na redacção dada pela Lei nº 44/2010, de 03/09, a competência exclusiva para preparar e julgar os processos de inventário requeridos na sequência de acções de divórcio.

III – Nos termos expostos, julga-se a apelação procedente e, revogando-se o despacho recorrido, declara-se o Tribunal “a quo” competente, em razão da matéria, para preparar e julgar o inventário em causa, determinando-se que aí prossigam os ulteriores termos desse processo.

Sem custas.



O Relator:

Falcão de Magalhães


[1] Código de Processo Civil.
[2] A quem foi concedido o benefício do apoio judiciário, nas modalidades de dispensa de taxa de justiça e demais encargos com o processo, nomeação e pagamento da compensação de patrono.
[3] Consultáveis na Internet, através do endereço http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/, tal como todos os Acórdãos do STJ ou os respectivos sumários que adiante se citarem sem referência de publicação.
[4] Desinteressa agora, o alargamento da actividade jurisdicional que veio a ser consagrado no art.º 6º-A, aditado pela Lei nº 44/2010, que, segundo nos parece, irá tolher, de modo acentuado, a desjudicialização que se anunciava como marca do novo regime jurídico do inventário, já que não será pouco frequente a verificação cumulativa dos pressupostos previstos no nº 1 do preceito, que facultam que, oficiosamente, ou a requerimento das partes, se remeta o processo ao Tribunal, a título definitivo.
[5] Diário da Assembleia da República, Série A - Número: 090 - 28 de Maio de 2010.
[6] Diário da República, 2.ª série - N.º 177 - 10 de Setembro de 2010.
[7] Processado e revisto pelo Relator.