Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
933/11.9TTCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
RESPONSABILIDADE AGRAVADA DA ENTIDADE PATRONAL
DEVER DE OBSERVÂNCIA DE REGRAS DE SEGURANÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 06/16/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA – COIMBRA – INST. CENTRAL – 1ª SEC. DE TRABALHO – J2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 18º, Nº 1 DA LEI Nº 98/2009, DE 4/09 (LAT); 342º C. CIVIL.
Sumário: I – É de reconhecer a responsabilidade agravada da empregadora do sinistrado, nos termos previstos pelo artº 18º, nº 1 da Lei nº 98/2009, de 4/09 (LAT), quando tenha sido incumprido o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança e se prove que existe uma relação de causalidade adequada entre tal omissão e a ocorrência do acidente de trabalho.

II – A prova de tal relação de causalidade adequada compete àquele que pretende tirar proveito da alegada responsabilidade agravada, nos termos do artº 342º, nº 1 do C. Civil.

III – Encontrando-se um trabalhador, no exercício da atividade que lhe foi ordenada realizar, exposto ao movimento giratório de um determinado mecanismo (um veio telescópico de cardans) que não foi protegido com o resguardo próprio e tendo a sua perna contactado com esse mecanismo, por se ter soltado uma cavilha que lhe prendeu as calças e puxou a perna, com o movimento rotativo, é de concluir que a colocação do resguardo de proteção seria apta a evitar o acidente.

Decisão Texto Integral:





Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
Instaurada a presente ação especial emergente de acidente de trabalho, em que é sinistrado A... , entidade seguradora “ B... , S.A.” e entidade patronal “ C... , S.A.”, todos com os demais sinais identificadores nos autos, foi realizada a tentativa de conciliação, sob a égide do Ministério Público, na qual não foi possível obter solução consensual, porquanto a seguradora não aceitou a responsabilidade pelo acidente, sustentando que o mesmo se encontra descaracterizado por violação das normas de segurança por parte da entidade patronal e esta, por sua vez, negou igualmente qualquer responsabilidade, argumentando que a responsabilidade pela reparação do acidente se encontrava transferida para a seguradora demandada e, a existir violação de normas de segurança, a responsabilidade derivada de tal violação recai sobre a empresa utilizadora – “D... , S.A.”.
Deu-se então início à fase contenciosa do processo, mediante a apresentação pelo sinistrado, patrocinado pelo Ministério Público, da petição inicial, no âmbito da qual peticionou a condenação da seguradora a pagar-lhe:
- € 40,00, de despesas de transporte;
- € 4,93, de acerto de indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta;
- o capital de remição da pensão anual e vitalícia no valor de € 282,37, com início em 30/07/2011;
- juros de mora, nos termos legais.
Alegou resumidamente ter sofrido um acidente de trabalho que lhe causou lesões e sequelas incapacitantes, sendo a seguradora demandada a responsável pela reparação do mesmo.
A seguradora contestou, afirmando que o acidente em apreço nos autos ocorreu em consequência da falta de observação de regras de segurança e saúde no trabalho por parte da empresa utilizadora de mão-de-obra, pelo que se está perante uma situação de responsabilidade agravada da entidade patronal prevista no artigo 18º, nº1 da Lei nº 98/2009 de 4 de setembro – Lei dos Acidentes de Trabalho (doravante designada apenas por LAT), com direito de regresso contra a empresa utilizadora, sendo a contestante responsável pelas prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, devendo ser declarado o seu direito de regresso sobre a empresa utilizadora, nos termos do disposto no artigo 79º, nº3, conjugado com o mencionado artigo 18º da LAT.
Por despacho de 07/05/2014 (referência nº 1650523), a Meritíssima Juíza a quo determinou a intervenção da entidade empregadora do sinistrado, ao abrigo do preceituado no artigo 127º, nº1 do Código de Processo do Trabalho.
Veio então a entidade empregadora recorrer deste despacho, tendo tal recurso que subiu imediatamente, em separado, sido rejeitado por extemporâneo, por despacho proferido pelo ora 2º Adjunto (Azevedo Mendes).
A chamada apresentou, ainda, contestação, invocando a exceção da prescrição do pedido deduzido pelo autor e negando qualquer responsabilidade pela reparação do acidente.
A seguradora respondeu reafirmando o alegado na sua contestação.
Proferiu-se despacho saneador, no âmbito do qual se julgou improcedente a exceção perentória da prescrição invocada.
Selecionou-se a matéria de facto assente e organizou-se a base instrutória.
Realizou-se a audiência de julgamento, não tendo a resposta à base instrutória sofrido reclamações.
Foi, então, proferida sentença com a seguinte decisão:
«Por todo o atrás exposto, julgo a presente ação totalmente procedente em relação à R. seguradora e, totalmente improcedente em relação à chamada e, em consequência:
I) – Absolvo da totalidade do pedido a chamada “ C... , S.A”.
II) - Condena-se a R. “ B... , S.A” a pagar ao autor e sinistrado – A... -, as seguintes importâncias:
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 A título de despesas de transporte a quantia de 40,00 € (quarenta euros);
 O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia devida desde 30/07/11, no montante de 282,37 € (duzentos e oitenta e dois euros e, trinta e sete cêntimos);
 A quantia de 4,93 € (quatro euros e, noventa e três cêntimos), a título de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária sofridos;
 Juros de mora à taxa legal (4%) sobre as prestações pecuniárias em atraso – cfr. art. 135.º do Cód. Proc. de Trabalho.
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IV - Custas pela Ré seguradora.
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Valor da causa: 4.979,63 €.»
Inconformada com esta decisão, veio a seguradora interpor recurso da mesma, finalizando as suas alegações, com as conclusões que se transcrevem:
[…]
            O sinistrado e a entidade patronal contra-alegaram, pugnando pela improcedência do recurso.
            O tribunal de 1ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo, por ter sido prestada caução.
            Tendo os autos subido à Relação e mantido o recurso, foram colhidos os vistos legais dos Adjuntos.
            Cumpre apreciar e decidir.
*
 II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635º n.º 4 e 639º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remissão do artigo 87º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, a questão que constitui o thema decidendum, em sede de recurso, consiste em saber se resultou demonstrado o nexo de causalidade entre a violação das normas de segurança no trabalho e o acidente em apreço nos autos.
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III. Matéria de Facto
O tribunal de 1ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
[…]
*
IV. O thema decidendum
Conforme referido supra, a questão que importa dilucidar e resolver é a de saber se a factualidade dada como assente demonstra a verificação de um nexo causal entre a considerada violação de normas de segurança e a ocorrência do acidente de trabalho em apreço nos presentes autos.
Em sede de recurso, a apelante não impugnou a matéria de facto decidida e aceitou a considerada falta de observação das regras sobre a saúde e segurança no trabalho, manifestada na sentença recorrida.
Todavia, não se conforma com a análise da matéria de facto realizada pelo tribunal a quo que o levou a concluir que não poderia responsabilizar a entidade patronal do sinistrado, ao abrigo do artigo 18º, nº1 da LAT por não se mostrar preenchido o pressuposto relativo ao nexo de causalidade adequada entre a violação das regras de segurança no trabalho e a ocorrência do sinistro.
Apreciemos!
Sobre a questão sub judice, escreveu-se, com interesse na sentença recorrida:
«Segundo o art. 18.º, n.º 1.º a atuação culposa do empregador, desdobra-se em duas vertentes:
Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Referindo o n.º 2.º do citado preceito que, “o disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido”.
Conforme salientado nos Ac’s do STJ de 06.05.2015 e, 29.04.2015, ambos do STJ, consultáveis in www.dgsi.pt, a imputação à entidade empregadora da responsabilidade pela reparação de acidente de trabalho decorrente de violação de normas de segurança, nos termos do art. 18.º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: a) que sobre a empregadora recaia o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; b) que aquela as não haja, efetivamente cumprido; c) que se verifique uma relação de causalidade adequada entre aquela omissão e o acidente.
Podendo ler-se no Ac. do STJ datado de 06.05.2015 (supra mencionado), a manutenção de idêntico critério ao do anterior regime decorrente da lei n.º 100/97, de 13 de setembro, quanto a caber aos beneficiários do direito à reparação por acidente de trabalho, bem como às seguradoras que pretendam ver reconhecido o seu direito de regresso, nos termos do n.º 2 do art. 342.º do Código Civil, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou de outrem atuando no seu interesse, ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daqueles de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho – veja-se, ainda, o referido no citado Ac. do STJ de 29.04.2015.
Como se vê, a culpa da empregadora verificar-se-á se o acidente resultar de falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Questão mais complexa é a de saber se a simples inobservância implica automaticamente a responsabilidade, assunto em que a jurisprudência, no âmbito da legislação anterior não tinha sido uniforme, colocando a tónica – exigindo-a ou dela prescindindo – na causalidade entre a omissão (inobservância) do empregador e o resultado (evento danoso).
Por nós, perfilhamos o entendimento, segundo o qual não basta que se prove a existência de infração às regras de segurança ou saúde por parte daquela e a verificação do acidente de trabalho, tornando-se ainda necessário que se prove a existência do nexo de causalidade adequada, no plano naturalístico, entre a infração e o acidente.
Como escreveu o Dr. Cruz de Carvalho, em Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais –Legislação Anotada, pág. 213, em nota ao art. 54.º do DL 360/71: “Para que se considere ter o acidente resultado de culpa da entidade patronal não basta ter havido uma inobservância (mesmo culposa) de preceitos legais sobre higiene e segurança mas é necessário que se
verifique um nexo de causalidade adequada entre o acidente e aquela violação”.
Torna-se pois necessário demonstrar o relevo do desrespeito pela norma de segurança para a ocorrência do sinistro em termos de causalidade adequada (vide, o citado Ac. do STJ de 06.05.2015, in www.dgsi.pt).
Consignando-se no Ac. do STJ de 29.04.2015, in www.dgsi.pt que: “Numa ou noutra das situações previstas, atinentes à responsabilização agravada do empregador, exige-se, como é pacificamente entendido e aceite, a prova do nexo causal entre a sua atuação (por ato ou omissão) e a ocorrência do acidente, impendendo sobre quem disso pretenda tirar proveito o ónus da prova dos factos suscetíveis de agravamento da responsabilidade daquele”.
Prosseguindo-se, em tal Acórdão, nele se refere. “Com efeito, a responsabilidade agravada do empregador funda-se numa de duas causas (o seu comportamento culposo e/ou a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho), implicando a invocação de tal direito a alegação e prova da culpa (dolo ou negligência, ou seja, responsabilidade subjetiva, como flui da epígrafe da norma “Atuação culposa do empregador”), da violação das regras de segurança e do nexo de causalidade entre a violação e o acidente”.
Cumpre agora apurar a génese do acidente, de forma a indagar se o mesmo à imputável à empregadora.
Do acervo probatório acima apurado resulta em suma, o seguinte: No dia 26/05/2011, em Soure, numa obra que ali estava a ser realizada pela D... , S.A., o sinistrado estava a extrair água do rio próximo através de uma mangueira ligada ao depósito de um dumper, com a finalidade de molhar o pavimento onde tinham sido colocados saibro e brita, para posterior cilindragem; A determinada altura, quando ligava a transmissão desse dumper, a cavilha de transmissão saltou e atingiu-o na perna direita. Com efeito, a determinada altura, quando o A. procedia ao manuseamento de um “joper”, que estava ligado a um trator através de uma tomada de força (veio telescópico de cardans) – para, desta forma, puxar água do referido rio para encher o depósito do equipamento – uma cavilha do veio da transmissão levantou e, com o movimento rotativo do veio de transmissão, prendeu as calças do A., puxando a sua perna direita contra a cavilha e o veio em rotação, causando-lhe a lesão na perna/coxa direita.
Provando-se ainda que, aquando do evento sobre a tomada de força (veio telescópico de cardans) não estava colocado o resguardo de proteção, não obstante a firma “ D... , S.A” possuir, na época, tal resguardo e, que, o referido resguardo de proteção deve manter-se fixo por intermédio de correntes anti rotação e é constituído por um invólucro de proteção, equipado nas extremidades com bainhas de proteção – vide, os factos provados em 12, 13), 16), 17), 18) e 19).
Como se sabe, recai sobre o empregador o dever de assegurar ao trabalhador condições de segurança e de trabalho em todos os seus aspetos do seu trabalho, devendo, desde logo, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção, proceder a uma identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos e, o da integração da avaliação dos riscos para a segurança e saúde do trabalhador no conjunto das atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, devendo adotar as medidas adequadas de proteção – vide, o art. 281.º n’s 1, 2 e 3 do CT2009 e, art. 15.º n.º 1 e, 2, al’s a) e b) da Lei n.º 202/2009, de 10/09 (diploma legal esse que regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e saúde no trabalho, de acordo com o previsto no art. 284.º do Código do Trabalho, no que respeita à prevenção).
Conforme se destaca nos Ac’s. do STJ de 22.10.2008: Proc. 08S1427.dgsi.net, a propósito do art. 18.º n.º 1 e 2 da anterior LAT e, art. 37.º do RLAT: A responsabilidade agravada do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: i) um comportamento culposo da sua parte; ii) a violação, pelo mesmo empregador, de preceitos legais ou regulamentares ou de diretrizes sobre higiene e segurança no trabalho, que ele mesmo, empregador, estava diretamente obrigado a observar e de cuja omissão resultou o acidente.
Sendo que, a única diferença entre os fundamentos, reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo. Mas ambos os fundamentos exigem, a par, respetivamente, do comportamento culposo ou da violação normativa, a necessária prova do nexo causal entre o ato ou a omissão – que os corporizam – e o acidente que veio a ocorrer.
Preceitua o ponto 1.3.8, alínea A) do Anexo I, do Dec. Lei n.º 320/2001, de 12 de Dezembro, o seguinte: “Escolha da proteção contra os riscos ligados aos elementos móveis – Os protetores ou os dispositivos de proteção utilizados para a proteção contra os riscos ligados aos elementos móveis devem ser escolhidos em função do risco existente. As indicações dadas a seguir devem ser utilizadas para permitir a escolha. A) Elementos móveis de transmissão – Os protetores concebidos para proteger as pessoas expostas contra os riscos provocados pelos elementos móveis de transmissão (tais como, por exemplo, polias, correias, engrenagens, cremalheiras, veios de transmissão, etc.) devem ser:
- Quer protetores fixos, conformes com as exigências dos n.ºs 1.4.1 e 1.4.2.1;
- Quer protetores móveis, conformes com as exigências dos n’s 1.4.1 e 1.4.2.2, alínea A)”.
Por seu turno, o art. 1.4.1, sob a epígrafe – características exigidas para os protetores e os dispositivos de proteção – (3.º e 4.º travessão), refere o seguinte: os protetores e os dispositivos de proteção, não devem poder ser facilmente escamoteados ou tornados inoperantes e, devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa.
Ponto assente, é que o veio de transmissão à data do acidente estava desguarnecido do
resguardo de proteção.
Todavia, importa ainda estabelecer o nexo causal entre a inexistência de proteção no veio telescópico de cardans e, o facto do movimento rotativo do veio de transmissão ter prendido as calças do A. e, puxado a sua perna direita contra a cavilha e, o veio em rotação.
Embora se aceite que, sendo o A. servente de construção civil relativamente ao seu posto de trabalho, impendesse sobre a empresa utilizadora o dever de visualizar, acautelar e implementar um qualquer dispositivo de proteção para aquela zona, também não se pode afirmar a existência de um risco evidente de contato físico/mecânico do A. com o veio de transmissão, em condições de normalidade do exercício das suas funções (o qual, na altura, encontrava-se a extrair água do rio com o auxílio de um Dumper).
Na verdade, o exercício daquelas funções pelo A. não exigia do mesmo um contato próximo, permanente e direto com aquele elemento mecânico/rotativo, mas tão só um contacto indireto e, ocasional enquanto procedia ao manuseamento do “joper”. Em situações de normalidade,
tal risco de contato não se pressupõe ou não é evidente, até porque o contato apenas se deu quando a cavilha de transmissão se saltou/levantou (evento imprevisto).
Ao que acresce ter-se ainda provado que, a firma “ D... , S.A” detinha na época tal resguardo de proteção – vide, a parte final do facto provado em 18) -, não obstante, nada se sabe se essa proteção se encontrava ou não no local aquando do evento identificado em 12) e, o motivo, pelo qual, a proteção não estava colocada no veio de transmissão do qual saltou a cavilha.
Destarte, a matéria de facto apurada é escassa (pouca) não permitindo com nitidez explicitar a circunstância/dinâmica do acidente no seu todo - pese embora, se tenha feito diligências no sentido de fazer comparecer à audiência de discussão e julgamento o responsável da empresa utilizadora, tal iniciativa foi votado ao insucesso -, de modo a que se possa fazer responder a entidade empregadora de forma agravada e, assim, ainda que se considere a omissão de cumprimento das regras de segurança por parte da empresa utilizadora, não é possível afirmar o nexo de causalidade entre estas e o acidente se se desconhece, desde logo, o motivo concreto pelo qual, no dia do acidente, o resguardo de proteção não estava colocado no dito veio de transmissão.
Pelo exposto, embora se configure a existência de violação das regras de segurança por banda da empresa utilizadora, não se mostra preenchido o nexo de causalidade adequada entre a violação de tais regras e, a ocorrência do sinistro.»
Desde já se adianta que a apreciação e análise do circunstancialismo factual assente nos leva a inferir uma conclusão diversa da que foi manifestada pela 1ª instância relativamente à verificação de uma relação de causalidade adequada entre a inobservância das normas de segurança e a ocorrência do acidente.
De harmonia com o preceituado no nº1 do artigo 18º da Lei nº 98/2009, de 4 de setembro (LAT), quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares.
No concreto caso dos autos, interessa-nos particularmente apreciar se o acidente que vitimou o demandante resultou da falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
Este segmento do preceito pressupõe a verificação dos requisitos referidos na sentença posta em crise. São eles: a) que sobre a empregadora ou qualquer outra das entidades mencionadas no normativo recaia o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança; b) que aquela as não haja, efetivamente cumprido; c) que se verifique uma relação de causalidade adequada entre aquela omissão e o acidente (v.g., entre outros, acórdãos do STJ de 06/05/2015, P. 220/11.2TTTVD.L1.S1; de 14/01/2015, P. 644/09.5T2SNS.E1.S1; de 02/12/2013, P.4734/04.2TTLSB.L2.S1; de 29/10/2013, P. 402/07.1.TTCLD.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt,).
Cingindo-se o thema decidendum à verificação do último dos pressupostos, importa salientar que a prova da relação de causalidade adequada entre a falta de observância de normas e regras de segurança e a ocorrência do acidente compete àquele que pretende tirar proveito da alegada responsabilidade agravada, nos termos do artigo 342º, nº1 do Código Civil, que no caso sub judice é a seguradora recorrente (v.g., entre outros, acórdão do STJ de 15/12/2011, P. 222/03.2TTLRS-A.L2.S1; de 04/09/2009, P. 09S0619; de 02/12/2013, P. 4734/04.2TTLSB.L2.S1).
Como se pode, porém, analisar se esta prova foi ou não realizada?
A resposta à questão passa por determinar quais os critérios que o julgador deve utilizar para aferir a relação causal entre a apurada violação de normas de segurança no trabalho e a ocorrência do acidente.
Como é sabido, a nossa lei adotou a doutrina da causalidade adequada ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão – artigo 563º do Código Civil (com a epígrafe “Nexo de causalidade”).
Nas palavras de Inocêncio Galvão Telles[1], “[a] lei reconduz assim a questão da causalidade a uma questão de probabilidade, o que significa aderir à tese da causa adequada, pois esta tese tem esse significado. Causa adequada é justamente aquela que, agravando o risco de produção do prejuízo, o torna mais provável”.
Almeida Costa[2], por sua vez, sintetiza a formulação da causalidade adequada na nossa lei nos seguintes termos: “a indemnização confina-se aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão do seu direito ou interesse protegido”. Acrescentando, que “[é] necessário, portanto, não só que o facto tenha sido, em concreto, condição «sine qua non» do dano, mas também que constitua, em abstrato, segundo o curso normal das coisas, causa adequada à sua produção”.
Também Antunes Varela[3], depois de salientar a redação pouco feliz do mencionado artigo 563º, acaba por concluir: “Deste modo, para que um dano seja reparável pelo autor do facto, é necessário que o facto tenha atuado como condição do dano. Mas não basta a relação de condicionalidade concreta entre o facto e o dano. É preciso ainda que, em abstrato, o facto seja uma causa adequada (hoc sensu) desse dano”.
A nível jurisprudencial, o acórdão do STJ de 13/01/2003, P. 03A1902, expressa de uma forma bastante eloquente e completa como se concretiza a atividade judicial de apreciação do nexo de causalidade.
Escreveu-se nesse aresto:
«No nexo de causalidade entre o facto e o dano, a nossa lei adotou a designada doutrina da causalidade adequada, ao estabelecer que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão - art. 563 do C.C.
A propósito deste pressuposto, o Supremo Tribunal de Justiça tem decidido no sentido de que, segundo a doutrina da causalidade adequada, consagrada no aludido art. 563 do C.C., para que um facto seja causa de um dano é necessário, antes de mais, no plano naturalístico, que ele seja condição sem a qual o dano não se teria verificado e, depois, que em abstrato ou em geral, seja causa adequada do dano.
Com efeito, a teoria da causalidade adequada impõe, num primeiro momento, a existência de um facto naturalístico concreto, condicionante de um dano sofrido, para que este seja reparado.
Depois, ultrapassado aquele primeiro momento, pela positiva, a teoria da causalidade adequada impõe, num segundo momento, que o facto concreto apurado seja, em abstrato e em geral, adequado e apropriado para provar o dano.
Tal significa que a doutrina da causalidade adequada determina que o nexo da causalidade co-envolva matéria de facto (nexo naturalístico: o facto condição sem o qual o dano não se teria verificado) e matéria de direito (nexo de adequação: que o facto, em abstrato ou geral, seja causa adequada do dano).
Se o nexo de causalidade constitui, no plano naturalístico, matéria de facto, não sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, já o mesmo vem a constituir, no plano geral e abstrato, matéria de direito, onde o Supremo Tribunal pode intervir, pois respeita à interpretação e aplicação do referenciado do art. 563 do C.C. (Ac. S.T.J. de 11-5-2000, Bol. 497-350; Ac. S.T.J. de 30-11-2000, Col. Ac. S.T.J., VIII, 3º, 150; Ac. S.T.J. de 21-6-2001, Col. Ac. S.T.J., IX, 2º, 127; Ac. S.T.J. de 15-1-2002, Col. Ac. S.T.J., X, 1º, 36).
Assim, no nexo de causalidade entre o facto e o dano, a ligação é feita, em último termo, mediante um nexo de adequação do resultado danoso à conduta, nexo de que este Supremo pode conhecer, por ser questão de direito.
Como ensina Galvão Telles (citado por Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., 578) "determinada ação será causa adequada de certo prejuízo se, tomadas em conta as circunstâncias conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderia conhecer, essa ação ou omissão se mostrava, à face da experiência comum, como adequada à produção do prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar".
Daqui resulta, como bem se observa no Ac. S.T.J. de 15-1-2002 (Col. Ac. S.T.J., X, 1º, 38), que, "de acordo com a teoria da adequação, só deve ser tida em conta como causa do dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência e o circunstancialismo concreto em que se encontrava inserido o agente (tendo em atenção as circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis) se mostrava como apta, idónea ou adequada a produzir esse dano.
Mas para que um facto deva considerar-se causa adequada daqueles danos sofridos por outrem, é preciso que tais danos constituam uma consequência normal, típica, provável dele, exigindo-se, assim, que o julgador se coloque na situação concreta do agente para a emissão da sua decisão, levando em conta as circunstâncias que o agente conhecia e aquelas circunstâncias que uma pessoa normal, colocada nessa situação, conheceria ".
Do exposto flui que a teoria da causalidade adequada apresenta duas variantes: uma formulação positiva e uma formulação negativa.
Segundo a formulação positiva (mais restrita), o facto só será causa adequada do dano, sempre que este constitua uma consequência normal, ou típica daquele, isto é, sempre que verificado o facto, se possa prever o dano como uma consequência natural ou como um efeito provável dessa verificação
Na formulação negativa (mais ampla), o facto que atuou como condição do dano deixa de ser considerado como causa adequada, quando para a sua produção tiverem contribuído decisivamente circunstâncias anormais, excecionais, extraordinárias ou anómalas, que intercederam no caso concreto.
Por mais criteriosa, deve reputar-se adotada pela nossa lei a formulação negativa da teoria da causalidade adequada (Antunes Varela, Obra citada, págs 921, 922 e 930; Pedro Nunes de Carvalho (Obra citada, pág. 61).
Consequentemente, o comando do art. 563 do C.C. "deve interpretar-se no sentido de que não basta que o evento tenha produzido (naturalística ou mecanicamente) certo efeito, para que este, do ponto de vista jurídico, se possa considerar causado ou provocado por ele; para tanto, é necessário ainda que o evento danoso seja uma causa provável, como quem diz, adequada desse efeito (Pires de Lima e Antunes Varela, Cód. Civil Anotado, Vol. IV, 4º ed, pág. 579).»
Seguindo esta Secção Social esta linha de entendimento, desde há muito, conforme se pode constatar pela leitura do acórdão de 20/04/2006, P. 477/06 (Relator Serra Leitão), e expostos os critérios a considerar, passemos à apreciação do caso concreto.
Com relevância, resultou provado nos autos que o sinistrado, no dia 26/05/2011, quando se encontrava a extrair água de um rio através de uma mangueira ligada ao depósito de um dumper, a determinada altura, quando ligava a transmissão desse dumper, a cavilha da transmissão saltou e atingiu-o na perna direita. O sinistrado procedia ao manuseamento de um “joper” que estava ligado a um trator através de uma tomada de força (veio telescópio de cardans), para, desta forma, puxar a água do referido rio para encher o depósito de equipamento, quando a cavilha do veio da transmissão levantou e, com o movimento rotativo do veio de transmissão, prendeu as calças do sinistrado, puxando a sua perna direita contra a cavilha e o veio em rotação, o que lhe causou a lesão apurada na perna/coxa direita.
O sinistrado executava o trabalho segundo as instruções que lhe foram dadas pela empresa utilizadora “ D... , S.A.”, sendo que aquando do evento sobre a tomada de força (veio telescópio de cardans) não estava colocado o resguardo de proteção, não obstante a empresa utilizadora possuísse tal resguardo.
O referido resguardo deve manter-se fixo por intermédio de correntes anti rotação e é constituído por um invólucro de proteção, equipado nas extremidades com bainhas de proteção.
Ora, perante este acervo de factos, afigura-se-nos resultar demonstrado que o acidente e as lesões consequentes ocorreram devido à falta de observância das normas de segurança referida na sentença recorrida. Especificando, o acidente sucedeu porque o sinistrado se encontrava a trabalhar exposto aos perigos derivados do movimento rotativo do veio de transmissão, pois o mesmo encontrava-se sem resguardo de proteção, pelo que a cavilha que se soltou/levantou prendeu as calças do sinistrado com o movimento rotativo desprotegido do veio de transmissão. Presas as calças, a perna do sinistrado é puxada contra a cavilha e o veio em rotação e é lesionada.
Pelo que conseguimos averiguar em diversas fontes, nomeadamente algumas com a chancela da Autoridade Para as Condições do Trabalho (ACT)[4], sucintamente, o veio telescópio de cardans é um dispositivo que se destina a fazer a ligação de diferentes tratores aos equipamentos a si acoplados, a fim de os acionar. Devido ao seu movimento rotativo/giratório, constitui um equipamento extremamente perigoso, pois se apanhar roupas, cabelos, acessórios, entre outros, pode enrolar e arrastar provocando acidentes muito graves.
O risco ou perigo da utilização deste tipo de equipamentos é pois previsível, evidente, manifesto.
Daí que sempre que tal equipamento seja utilizado, o mesmo tenha que estar protegido com um resguardo tubular telescópico fixo, fabricado em plástico duro, com bainhas de proteção nas extremidades, de forma a evitar o contacto com o equipamento.
Na concreta situação dos autos, a empresa utilizadora que instruiu o sinistrado sobre o trabalho a realizar tinha a obrigação de ter protegido o equipamento que está na génese do acidente com o resguardo de proteção que possuía, conforme foi corretamente analisado pelo tribunal a quo.
E, foi precisamente o incumprimento das regras de segurança aplicáveis ao caso que com elevado grau de probabilidade levou à ocorrência do acidente.
É de presumir que se o resguardo de proteção estivesse colocado, a perna do sinistrado não teria contactado com o veio em rotação. Em princípio, o próprio resguardo deveria proteger a zona da cavilha [conforme se pode inferir da imagem contida no documento com a chancela da ACT, consultável nos sites referidos na nota de rodapé (4)] e, assim, esta nunca se teria prendido às calças do autor. E mesmo que o resguardo não protegesse tal zona (a foto que se encontra junto aos autos com o veio telescópico protegido – fls. 125- não é percetível quanto a este aspeto), se a proteção estivesse colocada em cima do veio telescópico, a perna do sinistrado ao ser puxada teria batido no plástico do resguardo, evitando o contacto com o movimento giratório do veio e a consequente lesão.
Objetivamente, a colocação do resguardo de proteção (que se encontrava em falta) seria apta a evitar o acidente.
Em suma, face ao circunstancialismo factual provado, consideramos ter a seguradora demonstrado a verificação da relação causal entre a concreta violação de normas de segurança e o acidente.
Mostram-se, pois, preenchidos os requisitos legalmente previstos para a responsabilidade agravada consagrada no artigo 18º da LAT.
Em consequência, deve a entidade patronal do sinistrado ser condenada no pagamento da indemnização prevista no aludido artigo 18º (a eventual responsabilidade solidária da empresa utilizadora, com o trânsito em julgado da decisão que apenas chamou aos autos a empregadora do sinistrado, é questão resolvida no processo).
Ou seja,
Em consequência do acidente, o sinistrado tem direito a receber da entidade patronal C... , S.A., o capital de remição correspondente à pensão anual de € 403,39 [€ 8.067,76 X 5% IPP], devida desde 30/07/2011 [artigos 18º, n.ºs 1 e 4, alínea c) e 75º, nº1 da LAT]; a quantia de € 1414,62 [€8.067,76: 365 dias = Indmn. Diária x 64 dias], relativa à indemnização de incapacidade temporária; o montante de € 40,00, a título de despesas de transporte [artigos 18º, nº1, 39º e 40º da LAT]; e, os juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações pecuniárias em atraso [artigo 135º do Código de Processo do Trabalho. Às quantias referidas deve descontar-se o que já foi pago pela seguradora ao sinistrado, sem prejuízo do direito de regresso desta.
A B.... responde nos termos previstos pelo artigo 79º, nº3 da LAT, pelas despesas de transporte, no valor de € 40,00, pelo capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 287,37, desde 30/07/2011, pela diferença de indemnização por incapacidade temporária, na quantia de € 4,93 e pelos juros, à taxa legal, sobre as prestações pecuniárias em atraso, sem prejuízo do direito de regresso consagrado no normativo.
Concluindo, o recurso mostra-se procedente.
*
V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar o recurso procedente, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência substitui-se o dispositivo da sentença recorrida pelo seguinte:
- Pelo exposto, julgando a ação procedente, condena-se:
A) A ré “ C... , S.A.” a pagar ao autor as seguintes importâncias: capital de remição correspondente à pensão anual de € 403,39, devida desde 30/07/2011; a quantia de € 1414,62, relativa à indemnização de incapacidade temporária; o montante de € 40,00, a título de despesas de transporte; e, os juros de mora, à taxa legal, sobre as prestações pecuniárias em atraso [artigo 135º do Código de Processo do Trabalho. No momento do pagamento, deve descontar-se o que já foi pago pela seguradora, sem prejuízo do direito de regresso desta.
B) A B... , ao abrigo do artigo 79º, nº3 da LAT, a pagar ao autor as despesas de transporte, no valor de € 40,00, o capital de remição de uma pensão anual e vitalícia no montante de € 287,37, desde 30/07/2011, a diferença de indemnização por incapacidade temporária, na quantia de € 4,93 e os juros, à taxa legal, sobre as prestações pecuniárias em atraso, sem prejuízo do direito de regresso consagrado no mencionado normativo.
Fixa-se à ação o valor de € 8.504,26.
Custas pela entidade patronal.
Notifique.


(Em conformidade com o disposto no artigo 663º, nº7 do Código do Processo Civil, elaborou-se sumário em folha anexa)




Coimbra, 16 de junho de 2016




(Paula do Paço)

(Ramalho Pinto)

(Azevedo Mendes)







[1] Direito das Obrigações, 4ª edição, pág. 325
[2] Direito das Obrigações, 4ª edição, págs. 521 e 519
[3] Das Obrigações em Geral, Vol. I, págs.870 e 871
[4](http://www.act.gov.pt/(pt-PT)/Campanhas/Campanhasrealizadas/Trabalho_Agricola_Florestal/Documents/Cardans.pdf, http://www.advid.pt/imagens/comunicacoes/13605941777953.pdf)