Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
16/98.5IDCBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO VALÉRIO
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
TRÂNSITO EM JULGADO
Data do Acordão: 05/18/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.ºS 118º, DO C. PENAL E 677º, DO C. PROC. CIVIL
Sumário: 1. Se uma decisão não é, por força da lei (como, in casu, reconheceram os tribunais superiores) recorrivel, a produção dos seus efeitos deve verificar-se na data em que ela se fixe na ordem jurídica, ou seja, quando, ultrapassadas as questões da sua interpretação ou de nulidades existentes, ela se torne compreensível para os sujeitos processuais e assim insusceptível de recurso (porque a lei já não permite tal recurso).
2. Se uma decisão não admite recurso, o recurso que venha a ser interposto é um “não-ser”. Se só existem recursos de decisões que a lei admite serem impugnáveis (recorríveis), um recurso que não pode existir é, numa linguagem furtada à antiga metafísica, um “não-existente” e, assim, uma hipostaziação: acorda-se uma realidade objectiva e substancial ao que é apenas uma abstracção e uma ficção.

3. De resto, e esta é a decisiva razão, considerar como eficaz para efeitos de trânsito um recurso não admissível (enquanto o mesmo não for definitivamente rejeitado), é deixar nas mãos dos recorrentes a fixação do momento do trânsito, que com os expedientes (legitimos) consagrados na lei (recursos para tribunais superiores, reclamações, arguição de nulidades, pedidos de aclaração) poderiam fazer dilatar, apenas pela eficácia da sua vontade, o trânsito de uma decisão para uma temporalidade que a lei e a estabilidade das relações certamente não consente. Por isso que quem interponha recursos de decisões que não são susceptíveis de recurso deva sofrer os ónus dessa irrecorribilidade.

Decisão Texto Integral:
Em conferência na 5.ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
1- No Tribunal Judicial de Soure, no processo acima identificado, foi, em 20-10-2010, a fls 1534 sgs, proferido despacho judicial indeferindo um requerimento do arguido e ora recorrente AS... pedindo a declaração da prescrição da prática de um crime na forma continuada de abuso de confiança contra a Segurança Social ( por que fora condenado numa pena de de multa ), com a consequente prescrição da condenação nos pedidos de indemnização civil

2- O dito arguido recorreu, concluindo deste modo :
Estando em causa a inadmissibilidade do recurso para o Supremo Tribunal de Justiga de acordão proferido pela Relação por alteração da lei adjectiva penal após o inicio do procedimento criminal e de alegada inconstitucionalidade, o trânsito da sentença proferida pelo tribunal de primeira instância verifica-se com a última decisão proferida pelo Tribunal Constitucional , uma vez que o recurso e/ou reclamação acontecem antes do trânsito em julgado daquela e trata-se de matéria que contende corn a mesma, dando-lhe sorte diferente caso fosse confirmada a inconstitucionalidade.
No caso em apreço, a sentença transitou em julgado em 10 de Maio de 2010.
No caso em apreço, o tribunal a quo considerou o prazo de cinco anos acrescido de metade para efeitos de contagem da prescrição, ou seja, sete anos e meio, sem considerar se a contagem do prazo corn a última interrupção, acrescido de metade, incluindo temporalmente as anteriores interrupções, nao atingia os sete anos e meio.
A contagem de sete anos e meio, isto é, prescrição de cinco anos acrescida de metade, só pode ser feita quando, consideradas todas as interrupções da prescrição e o inicio do prazo prescricional corn a última interrupção, se atinge ou ultrapassa aquele prazo desde a data da prática dos factos em que se é condenado. Nao igualando ou excedendo, conta-se o prazo normal da prescrição de cinco anos, somam-se os periodos de tempo decorridos corn as anteriores interrupçoes e a prescrição opera-se mesmo antes de atingir os sete anos e meio.
No caso em apreço, a prescrição, ressalvando os periodos da sua suspensao, ocorreu em 21 de Maio de 2007.
A suspensão da prescrição verifica-se quando ocorre a cessação da sua causa independentemente de haver urn despacho a declarar esta e da sua comunicação ao arguido. É automatica.
0 Tribunal a quo errou na contagem dos prazos da suspensão da prescrição e considerou haver causas de suspensão inexistentes.
Para efeitos de suspensão da prescrição o arguido não pode ser prejudicado pelos actos nao praticados pela secretaria no prazo que a lei impõe a esta para os praticar. Do mesmo modo, nao pode ser prejudicado porque o Juiz da causa não declarou cessada a causa da suspensão, sob pena de se violarem os n.°s 4 e 5 do artigo 20.° da CRP.
0 procedimento criminal extinguiu-se por efeito da prescrição antes do trânsito em julgado da sentença proferida em primeira instancia, inclusivamente antes da data que o Tribunal a quo decidiu fixar como sendo a do trânsito em julgado.
A prescrição é do conhecimento oficioso.
As causas de suspensão do procedimento criminal e a sua cessação, declaradas ou não por despacho e mesmo comunicado este ao arguido, são analisadas e decididas no momento da apreciação da extiçãoo do procedimento criminal por efeito da prescrição, com especial relevância quando o despacho declara uma causa de suspensão que mais tarde se vem a verificar não existir, pelo que dizer que o despacho que a declarou e uma vez notificado nao tendo sido alvo de recurso transitou em julgado e como tal já não se pode apreciar essa inexistência contraria o principio da apreciação e decisão daquela extinção depois de ter decorrido o prazo prescricional.
Declarando-se a extinção do procedimento criminal por efeito da prescrição deve ser declarada a extinção da condenação no pedido de indemnização civil.

3- O Exmo PGA nesta Relação, acompanhando a resposta do MP na 1.ª instância, pronuncia-se pela improcedência do recurso.

4 - Foram colhidos os vistos legais e teve lugar a conferência.

5- O objecto do presente recurso, tal como vem definido nas conclusões do recurso traduz-se, em primeiro lugar, em saber se os factos pelos quais o recorrente foi condenado já estão prescritos, e quando transitou em julgado a sentença condenatória da 1.ª instância : se com a prolação do acordão desta Relação de Coimbra que confirmou em grande parte a decisão da 1.ª instância ( visto que tal decisão não admitia recurso ), ou se com a prolação e notificação da decisão do Tribunal Constitucional sobre a reclamação ali apresentada pelo ora recorrente de anterior decisão julgando improcedente a arguição de inconstitucionalidade precisamente por causa da não admissibilidade de recurso para o STJ
No que agora interessa, o despacho recorrido tem o seguinte teor :
« (...) A questão a decidir consiste em apurar se à data do trânsito em julgado da sentença condenatória proferida nos autos o procedimento criminal se encontrava já prescrito (art. 118..º do Código Penal).
(...) No presente caso, o arguido foi condenado pela prática, em autoria material e na forma continuada, de um crime de abuso de confiança em relação à Segurança Social, o qual, à data da prática dos factos, era punível com pena de prisão até três anos ou multa não inferior ao valor da prestação em falta, nem superior ao dobro, sem que possa ultrapassar o limite abstratamente estabelecido (art. 27.º-B e 24.º n.º 1 do DL 20-A/90, de 15 de Janeiro – RGIFNA) e, à data da decisão condenatória, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias (art. 107.º n.º 1 e 2 e 105.º n.º 1 da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho – RGIT).
Quanto ao prazo de prescrição do procedimento criminal, aplica-se ao presente caso a regra especial do artigo 15.º do RGIFNA: o procedimento criminal por crime fiscal extingue-se, por efeito de prescição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos [n.º 1]. O prazo de prescrição do procedimento por crime fiscal suspende-se também por efeito da suspensão do processo, nos termos do n.º 4 do artigo 43.º e do artigo 50.º.
Os aludidos artigos 43.º n.º 4 e 50.º estatuem o seguinte: no caso de ser intentado processo fiscal gracioso ou contencioso em que se discuta situação tributária de cuja definição dependa a qualificação criminal dos factos praticados, não será encerrado o processo de averiguações enquanto não for praticado acto definitivo ou proferida decisão final sobre a referida situação tributária, suspendendo-se, entretanto, o prazo a que se refere o número anterior (art. 43.º n.º 4); se tiver a correr processo de impugnação judicial ou tiver lugar oposição de executado, nos termos do Código de Processo Tributário, o processo penal fiscal suspende-se até que transitem em julgado as respectivas sentenças (art. 50.º n.º 1); se o processo penal fiscal for suspenso, nos termos do número anterior, o processo que deu causa à suspensão tem prioridade sobre todos os outros da mesma espécie (art. 50.º n.º 2).
No Código Penal prevêm-se as circunstâncias de início do prazo de prescrição, suspensão e interrupção (artigos 119.º a 121.º).
Assim, dispõe o artigo 119.º n.º 1 e n.º 2 al. b) do Código Penal que o prazo de prescição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado, sendo certo que, nos crimes continuados e nos crimes habituais, o prazo de prescrição só corre desde o dia da prática do último acto. No presente caso, atenta a matéria de facto que se deu como provada, tal sucedeu em Dezembro de 1999, como bem refere o Digno Magistrado do Ministério Público.
Quanto à suspensão da prescrição, dispõe o artigo 120.º n.º 1 do Código Penal que a mesma ocorre, além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que: a) o procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal; b) o procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo [sendo que, neste caso, a suspensão não poderá ultrapassar três anos, nos termos do artigo 120.º n.º 2]; c) vigorar a declaração de contumácia; d) a sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência; ou e) o delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade. A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão (art. 120.º n.º 3 do Código Penal).
Por seu turno, a propósito da interrupção da prescrição, dispõe o artigo 121.º n.º 1do Código Penal que a mesma tem lugar nos seguintes casos: a) com a constituição de arguido; b) com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo; c) com a declaração de contumácia; d) com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido. Depois de cada interrupção, começa a correr novo prazo de prescrição (n.º 2). E, dispõe o n.º 3 do normativo citado, na redacção vigente à data da prática dos factos: a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade. Quando,por força de disposição especial, o prazo de prescrição for inferior a 2 anos o limite máximo da prescrição corresponde ao dobro desse prazo.
(...)
- O último acto que integra a continuação criminosa foi praticado em Dezembro de 1999, como resulta da sentença condenatória. ;
- O arguido AS... foi constituído como tal em 12 de Março de 2001 (fls. 541);
- O Ministério Público proferiu despacho de acusação em 14 de Maio de 2002, do qual foi feita notificação ao arguido por via postal simples, depositada em 16 de Maio de 2002 (fls. 600), pelo que se considerou a notificação efectuada em 21 de Maio de 2002 (art. 113.º n.º 3 do CPP);
- Em 21 de Junho de 2002 foram designados para julgamento os dias 28 de Abril de 2003 e 5 de Maio de 2003 (fls. 624), tendo o arguido sido notificado por ofício expedido via postal registada em 30 de Janeiro de 2003 (fls. 638), pelo que se considerou notificado em 3 de Fevereiro de 2003 (art. 113.º n.º 2 do CPP).
- Em 28 de Abril de 2003, data designada para audiência de julgamento, antes de dar início à produção de prova, na sequência de requerimento para o efeito formulado pelo arguido HN…, a Mma Juiz, por estar verificado o condicionalismo previsto nos artigos 50.º e 47.º do RGIFNA, declarou suspensos os autos até junção de cópia do acórdão final a proferir no processo fiscal” (fls. 752 e 753)
- Por ofício entrado nos autos em 15 de Fevereiro de 2005, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra informa que o processo 12/2001 (reclamação de crédito) foi remetido a este Tribunal em 6 de Dezembro de 2004, a fim de ser junto ao processo de falência n.º 391/03.1TBSRE (fls. 787)
- Em 28 de Fevereiro de 2005 foram designados para julgamento os dias 23 de Novembro de 2005 e 30 de Novembro de 2005 (fls. 789), tendo o arguido, sido notificado por via postal simples, tendo o depósito da notificação sido efectuado em 17 de Outubro de 2005 (fls. 826), pelo que se considerou notificado em 24 de Outubro de 2005 (art. 113.º n.º 3 do CPP)
- Em 23 de Novembro de 2005 e na sequência de um pedido de escusa apresentado pelo Digno Magistrado do Ministério Público à data em exercício de funções, a Mma. Juiz deu sem efeito a audiência de julgamento e, bem como a segunda data agendada, e designou para o efeito os dias 2 de Junho de 2006 e 9 de Junho de 2006, do que o arguido foi, de imediato, notificado
- Em 1 de Junho de 2006, dia anterior à data agendada para o julgamento, foi proferido despacho a declarar suspenso o presente processo até que transite em julgado a sentença a proferir na reclamação de créditos que corria por apenso à falência n.º 40/04.0TBSRE, o que foi determinado nos termos do artigo 47.º n.º 1 do RGIT, tendo, consequentemente, sido dado sem efeito o julgamento agendado (fls. 845)
- Em 24 de Novembro de 2006 foi designado para julgamento o dia 19 de Fevereiro de 2007 (fls. 879), tendo a notificação remetida ao arguido sido depositada em 29 de Novembro de 2006 (fls. 898), motivo porque se considerou o mesmo notificado em 4 de Dezembro de 2006 (art. 113.º n.º 3 do CPP);
- Em 30 de Janeiro de 2007, na esteira da Lei de Orçamento de Estado para 2007, foi ordenado que se oficiasse ao Serviço de Fiscalização do centro, do Instituto da Segurança Social, solicitando que procedessem à notificação dos arguidos nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105.º n.º 4 al. b) do RGIT, aplicável ex vi artl 107.º n.º 2 do mesmo diploma. Em face de tal despacho foi dada sem efeito a data designada para o julgamento (fls. 914 e 915);
- Em 22 de Outubro de 2007 a Segurança Social veio informar que os montantes em dívida não foram pagos (fls. 960), pelo que os autos seguiram a normal tramitação, tendo, por despacho de 29 de Outubro de 2007 sido designados para julgamento os dias 21 de Abril de 2008 e 30 de Abril de 2008 (fls. 967). De de tal despacho foi remetida notificação via postal simples ao arguido, depositada em 2 de Novembro de 2007 (fls. 975), pelo que o mesmo se considerou notificado em 7 de Novembro de 2007 (art. 113.º n.º 3 do CPP)
- Em 21 de Abril de 2008 teve início a audiência de julgamento, a qual foi interrompida para apreciação de requerimento apresentado pelo arguido, no qual invocou a prescrição do procedimento criminal
- Por despacho de fls. 1043 a 1045, de 3 de Abril de 2008, foi tal pretensão indeferida e designados para julgamento os dias 2 de Outubro de 2008 e 10 de Outubro de 2008. Das referidas datas foi o arguido notificado por via postal simples (fls. 1048), tendo o despósito da notificação sido efectuado em 6 de Maio de 2008, pelo que se considerou notificado em 12 de Maio de 2008 (art. 113.º n.º 3 do CPP)
- Em 25 de Setembro de 2008 foi reagendada a audiência de julgamento, tendo sido transferida para os dias 15 de Janeiro de 2008 e 22 de Janeiro de 2008. Da nova data foi o arguido notificado por via postal simples (fls. 1080), tendo o despósito da notificação sido efectuado em 30 de Setembro de 2008 (fls. 1099), pelo que se considerou notificado em 6 de Outubro de 2008 (art. 113.º n.º 3 do CPP)
- Em 22 de Janeiro de 2009 teve lugar novo adiamento do julgamento (fls. 1126), tendo sido designados para o efeito os dias 26 de Março de 2009 e 16 de Abril de 2009
- Em 26 de Março de 2009 teve início a produção de prova, tendo a sentença sido lida em 30 de Abril de 2009 e depositada em 4 de Maio seguinte (fls. 1231);
- Interposto e admitido o competente recurso foi, em 7 de Outubro de 2009 proferido o Acórdão da Relação de Coimbra que lhe negou provimento, tendo sido mantida, na quase totalidade, a sentença condenatória (fls.1250). Tal acordão foi notificado ao arguido, por intermédio do seu defensor, via postal registada, por ofício expedido em 9 de Outubro de 2009 (fls. 1254), pelo que se considerou notificado em 12 de Outubro de 2009 (art. 113.º n.º 2 do CPP).
- Do acordão em causa, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça a 3 de Novembro de 2009 (fls. 1255 e seg.), recurso esse que não foi admitido, por legalmente inadmissível, conforme decisão de 16 de Dezembro de 2009 (fls. 1317)
- Da decisão referida o arguido apresentou reclamação, em 13 de Janeiro de 2010, dirigida ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a qual foi, porém, indeferida, por despacho de 4 de Fevereiro de 2010 (fls. 1393)
- Em 23 de Fevereiro de 2010, o arguido interpôs recurso de tal despacho para o Tribunal Constitucional (fls. 1396 e seg.), o qual foi objecto, em 16 de Março de 2010, de decisão sumária de indeferimento (fls. 1435)
- Em 13 de Abril de 2010, o arguido apresentou reclamação de tal decisão, a qual foi também indeferida em 4 de Maio de 2010 (fls. 1481);
(...)
importa fixar a data em que a sentença condenatória transitou em julgado.
O requerente aduz que tal sucedeu em 10 de Maio de 2010, data em que se considerou notificado da decisão tomada em conferência, no Tribunal Constitucional, que indeferiu a reclamação apresentada da decisão sumária que manteve incólume a decisão do Supremo Tribunal de Justiça de não admissão do recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.
Já o Digno Magistrado do Ministério Público considera que o trânsito em julgado da sentença proferida ocorreu em 4 de Fevereiro de 2010, data da decisão proferida no Supremo Tribunal de Justiça, de não admissão do recurso interposto pelo arguido.
Cremos que nem ao requerente, nem ao Ministério Público assiste razão.
Na verdade, não fornecendo o CódProcPenal um conceito de trânsito em julgado, há que recorrer ao Código do Processo Civil (art. 4.º do CPP). E assim dispõe o artigo 677.º deste diploma que a decisão se considera transitada em julgado logo que não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação. Ou seja, nas decisões que não admitem recurso, a decisão transita decorridos que sejam 10 dias após a sua notificação, sem que tenha havido arguição de nulidades ou pedido de correcção. Se forem arguidas nulidades ou se for requerida a correcção da decisão, esta apenas transita na data da decisão que decida tais questões, que por sua vez, é insusceptível de novas arguições.
No presente caso, a sentença condenatória proferida em 1.ª instância foi (quase) integralmente confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 7 de Outubro de 2009, notificado ao arguido (através do seu defensor), por ofício registado de 9 de Outubro de 2009 (fls. 1254), pelo que a notificação se presumiu efectuada 12 de Outubro seguinte (art. 113.º n.º 2 do CPP).
Posteriormente é que teve lugar a interposição de recurso para Supremo Tribunal de Justiça rejeitado, no Tribunal da Relação de Coimbra, e as reclamações e recurso posteriores, inclusive para o Tribunal Constitucional, as quais, porém, em nada contendem como a data do trânsito em julgado, que sucedeu no término do prazo de 10 dias após a notificação aludida, ou seja, em 22 de Outubro de 2009.
(...) Como se referiu, é de cinco anos o prazo de prescrição aplicável no presente caso, o qual se iniciou após Dezembro de 1999. Nos termos do artigo 121.º n.º 3 do Código Penal, porém, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, o que o no caso dos autos se cifra em sete anos e seis meses.
Assim, logo em 12 de Março de 2001, com a constituição de arguido, interrompeu-se o prazo em curso, pelo que se reiniciou no dia seguinte novo prazo de cinco anos (art. 121.º n.º 1 al. a) e n.º 2 do Código Penal).
De igual modo quando, em 21 de Maio de 2002, o arguido foi notificado da acusação, voltou a interromper-se o prazo em curso e a reiniciar-se no dia seguinte (art. 121.º n.º 1 al. b) e n.º 2 do Código Penal). Contudo, tal facto (notificação da acusação) também implicou que o prazo de prescrição entretanto reiniciado ficasse suspenso (art. 120.º al. b) do Código Penal), suspensão essa que vigorou até à notificação ao arguido do despacho que designou data para o julgamento, ou seja 3 de Fevereiro de 2003 (neste sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 6 de Junho de 2007. Assim, em 4 de Fevereiro de 2003 reiniciou-se o prazo de prescrição.
Em 28 de Abril de 2003, porém, foi proferido despacho a declarar suspenso o processo, por estar verificado o condicionalismo previsto no artigo 50.º e 47.º do RGIFNA. E embora não tenha sido proferido despacho a declarar cessada tal suspensão, entende-se que tal ocorreu tacitamente, em 28 de Fevereiro de 2005, com a designação de nova data para o julgamento. Ou seja, entre 28 de Abril de 2003 e 28 de Fevereiro de 2005, o processo esteve suspenso ao abrigo do artigo 50.º do RGIFNA e 47.º n.º 1 do RGIT.
Em 1 de Março de 2005 voltou a correr o prazo de prescrição.
Mas, em 1 de Junho de 2006, o procedimento criminal foi novamente declarado suspenso ao abrigo do artigo 47.º n.º 1 do RGIT. E embora o arguido questione o mérito de tal decisão, não cabe aqui apreciar essa questão, tratando-se de um despacho que transitou em julgado e que, consequentemente, produz efeitos. Tal suspensão cessou tacitamente em 24 de Novembro de 2006, com a designação de nova data para julgamento. Assim, entre 1 de Junho de 2006 e 24 de Novembro de 2006 o processo esteve novamente suspenso ao abrigo do artigo 47.º n.º 1 do RGIT.
Em 24 de Novembro de 2006 o prazo de prescrição recomeçou a correr.
Uma vez que, em 30 de Janeiro de 2007 se ordenou à Segurança Social que procedesse à notificação do arguidos para, em 30 dias, procederem ao pagamento da quantia em dívida, na esteira das alterações introduzidas pela Lei do Orçamento de Estado (art. 105.º n.º 4 al. b) do RGIT, aplicável ex vi art. 107.º n.º 2 do mesmo diploma), o que foi efectivamente feito, haverá que ter em conta o aludido prazo, durante o qual o prosseguimento não poderia necessariamente prosseguir, por a notificação em causa consubstanciar uma condição de punibilidade (art. 120.º n.º 1 al. a) do Código Penal).
A sentença condenatória da primeira instância veio a ser proferida em 30 de Abril de 2009 e depositada em 4 de Maio seguinte.
E o Acordão da Relação de Coimbra que a confirmou (quase) integralmente foi proferido em 7 de Outubro de 2009, tendo transitado em julgado na data já referida (22 de Outubro de 2009).
Ora, considerando apenas o aludido prazo de sete anos e seis meses (art. 121.º n.º 3 do Código Penal), teríamos que a prescrição do procedimento criminal ocorreria em Junho de 2007.
Porém, como bem frisa o Ministério Público, há que adicionar a tal prazo os períodos durante os quais o prazo esteve suspenso, já que o artigo 121.º n.º 3 do Código Penal ressalva o tempo de suspensão.
Deste modo (...) temos o seguinte quadro:
Data de início da suspensão : 21 de Maio/2002 , Data de cessação da suspensão 3 de Fevereiro de 2003 ; Períodos de suspensão : 8 meses e 13 dias
Data de início da suspensão : 28 de Abril de 2003 ; Data de cessação da suspensão : 28 de Fevereiro de 2005 ; Períodos de suspensão : 1 ano e 10 meses
Data de início da suspensão : 1 de Junho de 2006 ; Data de cessação da suspensão : 24 de Novembro de 2006 ; Períodos de suspensão : 5 meses e 23 dias
Data de início da suspensão : 31 de Janeiro de 2007 ; Data de cessação da suspensão : 2 de Março de 2007 (30 dias a que alude a notificação prevista no artigo 105.º n.º 4 al. b) do RGIT, aplicável ex vi artigo 107.º n.º 2) ; Peródos de supensão : 30 dias
Total 3 anos, um mês e seis dias.
Daqui se conclui que o prazo total a ter em conta é de dez anos, sete meses e seis dias (ou seja, 7 anos e seis meses + 3 anos, um mês e seis dias), facto que projeta a data final do prazo de prescrição para Julho de 2010, data em que, como se referiu, a sentença condenatória havia já transitado em julgado.».

Compulsados os autos, constata-se a exactidão e veracidade dos factos e ocorrências apontados na exaustiva decisão impugnada, inclusive quanto aos factos ( e as respectivas datas ) interruptivos da prescrição, bem assim quanto às datas de início da suspensão, datas de cessação da suspensão e períodos de suspensão, também esclarecedoramente enunciados no despacho do MP de fls 1525 sgs. Do mesmo modo, estão transcritas no despacho impugnado as normas legais relativas ao prazo de prescrição, contagem de prazos, causas de interrupção e de suspensão, pelo que seria ocioso estar aqui a repetir tais normas.
Também são pertinentes e exactas as considerações feitas pelo MP da 1.ª instância na resposta de fls 1586 sgs. Acompanhando tal resposta, destacamos, os seguintes pontos controvertidos, em sintese : (1) ao contrário do que pretende o recorrente, a causa de suspensão da alinea b) do n.º1 do art. 120.º do CodPenal ( notificação da acusação ) cessa não com a prolação do despacho que designa dia para julgamento, mas com a notificação de tal despacho ao arguido, porque só com esta notificação se torna efectivo o conhecimento pelo arguido da causa referida e só com tal notificação o despacho logra eficácia, causa essa que não pode ultrapassar os 3 anos de suspensão , nos termos do n.º 2 do art. citado ( neste mesmo sentido, o Ac RP, de 6-6-2007, referido na dita resposta ) ; (2) a cessação da causa de suspensão enunciada nos arts 50.º e 47.º-1 do RJIFNA ocorreu com a comunicação do TAFC de fls 783, porque só nessa data ( 15-2-2005 ) o tribunal recorrido teve conhecimento do facto da cessação : a prolação de uma decisão do tribunal administrativo ).
Daí ser legitima a conclusão do despacho recorrido : o prazo total a ter em conta é de 10 anos, 7 meses e 6 dias. E assim, a data do final da prescrição acontece em Julho de 2010 .

Acontece que nesta data a decisão recorrida já havia transitado em julgado.
Porque, na verdade, como veio a ser decidido pelo STJ e pelo Tribunal Constitucional, a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que confirmou a decisão da 1.ª instância na condenação de uma pena de multa ( e precisamente por se tratar de uma pena não privativa de liberdade ), não admitia recurso desse mesmo acordão da Relação, nos termos do art. 400.º-1-c) e e) do CodProcPenal, na redacção da lei n.º 48/2007, de 29-8 .
Também aqui seguimos o tribunal recorrido quando diz que a decisão da 1.ª instância transitou após 10 dias contados da notificação do despacho desta Relação que não admitiu o recurso interposto para o STJ, sem que de tal despacho haja havido a arguição de nulidades ou a correcção do mesmo ( art 677.º do CodProcCivil ), também na medida em que será inconstitucional a interpretação do artigo 380.º, em conjugação com o artigo 411.º, n.º 1, ambos do CódProcPenal, segundo a qual o pedido de correcção de uma decisão, formulado pelo arguido, não suspende o prazo para este interpor recurso dessa mesma decisão ( Ac TConstitucional, n.º 16/2010. D.R. n.º 36, Série II de 2010-02-22 ).
Entendimento este que alcança a sua justificação por duas ordens de razões, uma de ordem lógica e outra de ordem ontológica, digamos assim .
Primo, se uma decisão não é, por força da lei ( como, in casu, reconheceram os tribunais superiores ) recorrivel, a produção dos seus efeitos deve verificar-se na data em que ela se fixe na ordem jurídica, ou seja, quando , ultrapassadas as questões da sua interpretação ou de nulidades existentes, ela se torne compreensível para os sujeitos processuais e assim insusceptível de recurso ( porque a lei já não permite tal recurso )
Secundo, se uma decisão não admite recurso, o recurso que venha a ser interposto é um “não-ser”. Se só existem recursos de decisões que a lei admite serem impugnáveis ( recorríveis ), um recurso que não pode existir é, numa linguagem furtada à antiga metafísica, um “não-existente” e, assim, uma hipostaziação : acorda-se uma realidade objectiva e substancial ao que é apenas uma abstracção e uma ficção.
De resto, e esta é a decisiva razão, considerar como eficaz para efeitos de trânsito um recurso não admissivel ( enquanto o mesmo não for definitivamente rejeitado ), é deixar nas mãos dos recorrentes a fixação do momento do trânsito, que com os expedientes ( legitimos ) consagrados na lei ( recursos para tribunais superiores, reclamações, arguição de nulidades, pedidos de aclaração ) poderiam fazer dilatar, apenas pela eficácia da sua vontade, o trânsito de uma decisão para uma temporalidade que a lei e a estabilidade das relações certamente não consente. Por isso que quem interponha recursos de decisões que não são susceptíveis de recurso deva sofrer os ónus dessa irrecorribilidade.
É isso mesmo que diz a decisão recorrida e o acordão da Relação do Porto por ela seguido, que reproduzimos ( Ac de 26-5-2010, Proc. 479/91.0TBOAZ-B.P1, www.dgsi.pt) : « (…) Não é o facto de se interpor recurso para o STJ de uma decisão irrecorrível, que não sendo admitido, suscita reclamação para o Presidente do Tribunal para o qual se recorre, que se pode ter como “seguro”, que a decisão que é objecto de tal recurso não transita nem pode transitar em julgado antes de definitivamente julgada a reclamação assim apresentada. Muito menos, que o trânsito em julgado apenas ocorra decorridos 10 dias sobre a notificação da decisão que recaia sobre o pedido de esclarecimentos e rectificações, ou na data em que se decida estes pedidos.
Da mesma forma, não é o facto de se interpor recurso para o TC do despacho do Presidente do STJ que decidiu a apontada reclamação, que veio a ser rejeitado, que permite entender que o trânsito do Acórdão deste Tribunal – que não constitui a decisão recorrida, para o TC – apenas ocorre com a decisão do TC.
Este entendimento em nada colide com qualquer disposição ou princípio legal ou constitucional e resulta da aplicação directa e imediata dos preceitos conjugados contidos nas normas dos artigos 399.º, 400.º n.º 1 al. f), 405.º, 410.º n.º 3, 425.º n.º 4 e 43.º do CPP e 677.º do CPC ex vi artigo 4.º do CPP, bem como do que se dispõe igualmente nos artigos 105.º, 97.º n.º 1 al. b) e 380.º do referido CPP e do disposto no artigo 669.º n.º 1 al. a) do CPC, ex vi do artigo 4.º do mesmo CPP.
Este entendimento em nada, rigorosamente nada, colide com o princípio constitucional que impõe ao processo criminal assegurar todas as garantias de defesa do arguido, concretamente o que se dispõe nos invocados artigos 20.º, 29.º, 32.º, 202.º e 205.º da CRP e artigo 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
De resto, nem o disposto no invocado n.º 4 do artigo 80.º da LTC impõe ou permite, sequer, entendimento diverso. O artigo 80.º da LTC sob a epígrafe de “efeitos da decisão” dispõe no seu n.º 4 que, “transitada em julgado a decisão que não admita o recurso ou lhe negue provimento, transita também a decisão recorrida, se estiverem esgotados os recursos ordinários ou começam a correr os prazos para estes recursos, no caso contrário”.
Ora, a decisão recorrida, aquela sobre que versa a decisão do TC, não é manifestamente o Acórdão deste Tribunal. A decisão de que foi interposto recurso para o TC foi a proferida pelo Presidente do STJ, que apreciou a reclamação apresentada sobre a não admissibilidade de recurso do Acórdão deste Tribunal.
Assim, não se descortina a “evidência” das razões apontadas pelos reclamantes, para que se conclua que o Acórdão deste Tribunal só transita em julgado, após o trânsito em julgado do último despacho proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça no âmbito da reclamação, ou da decisão do Tribunal Constitucional se para este tiver existido recurso, como existiu, no caso concreto. Nenhum fundamento legal, perante o texto positivado da lei tem, pois, o entendimento de que, todas estas decisões produzem efeitos sobre o Acórdão deste Tribunal, “suspendendo, por isso, o prazo do respectivo trânsito em julgado (...) ».

6- Decisão
Pelos fundamentos expostos :
I- Nega-se provimento ao recurso e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida

II- Custas pelo recorrente, com 2 Ucs de taxa de justiça.
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Paulo Valério (Relator)
Frederico Cebola