Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1358/09.1TBFIG-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALBERTO RUÇO
Descritores: INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 06/01/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: FIGUEIRA DA FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.11, 20, 30 CIRE
Sumário: I - O princípio do inquisitório consagrado no artigo 11.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março) não funciona nos casos em que ocorre ausência de oposição por parte do requerido, seja porque o acto foi omitido, seja porque a mesma não foi recebida, desde que os factos considerados confessados sejam suficientes para decretar a insolvência.

II - Na ausência de factos de onde se conclua que o devedor é solvente, a prova de factos que preenchem a hipótese das alíneas b) e g) do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, implica que se conclua que o devedor está impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, o mesmo é dizer, que se encontra em estado de insolvência.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra (2.ª secção cível):


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Recorrente……J (…), empresário em nome individual, com o NIF (...), proprietário do estabelecimento comercial denominado «Foto (…)», sito (…), na ( ...).

Recorrido……J M (…), solteiro, residente na Praceta (…) ( ...).


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I. Relatório:

a) O recorrido instaurou a presente acção com processo especial, para execução universal do património do recorrente (insolvência), referindo que o recorrente é um empresário em nome individual e que lhe deve, há vários anos, a quantia de €11 056,44 euros; que o mesmo é devedor de outras quantias, quer à Segurança Social quer ao Fisco, estando numa situação de insolvência.

O recorrente deduziu oposição, mas veio a ser desentranhada por falta de um pagamento, como se dá nota no despacho de 22 de Setembro de 2009, a folhas 46 destes autos de recurso.

Foi proferida decisão que julgou a acção procedente, declarou a insolvência do recorrente J (…), a apreensão de todos os seus bens e fixou o prazo de 30 dias para os restantes credores reclamarem os seus créditos.

b) O Requerido recorre da sentença por entender, em síntese, que não existe fundamento para declaração de insolvência, porquanto o recorrente tem património para solver as suas dívidas.

Concluiu assim:

O tribunal decidiu sem fundamentação bastante acerca dos activos do recorrente, pois, se o tivesse feito, teria verificado que o recorrente possui bens mais que suficientes para pagar todas as dívidas.

Tem acordos de pagamento com as Finanças, Segurança Social e, inclusive, com uma sua ex-trabalhadora (…).

O estabelecimento comercial que explora está a laborar normalmente.

Factos estes que o tribunal poderia ter coligido por si mesmo. Se o tivesse feito verificaria que o recorrente não é insolvente.

c) Não houve contra-alegações.

d) O objecto do recurso consiste no seguinte:

Em primeiro lugar, verificar se o tribunal tem o dever de investigar e apurar a extensão do património do demandado para depois concluir se ele está ou não está em situação de insolvência.

Em segundo lugar, analisar-se-ão os factos provados para apurar se os mesmos determinam, face à lei aplicável, a declaração de insolvência.

II. Fundamentação.

a) A matéria provada é esta:

1 - O Requerido é um comerciante em nome individual que se dedica à actividade de captura, tratamento, processamento e comercialização de imagens e venda de material para fotografia, imagem, óptico e acessórios.

2 - O Autor rescindiu o seu contrato de trabalho em Maio de 2005 por força da existência de salários em atraso, tendo o processo corrido termos no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, sob o n.º 9/06.0TTFIG.

3 - Em tal processo veio a ser lavrada transacção, em audiência de discussão e julgamento, na qual o Requerido ficou obrigado a pagar ao Requerente a quantia de €7 500,00 (Sete mil e quinhentos euros), em duas prestações de €3 750,00 euros cada, vencendo-se a primeira até ao dia 30 de Setembro de 2006 e a segunda até ao dia 31 de Dezembro de 2006.

4 - Em caso de incumprimento de qualquer uma das prestações, o Requerido obrigou-se ainda, a pagar, a título de cláusula penal, a quantia de €2 500,00.

5 - Apesar das diligências desenvolvidas pelo Requerente, o Requerido nada pagou, não obstante a interposição da competente acção executiva, que corre termos, no mesmo Tribunal, sob o n.º 9/06.0TTFIG – A, onde nada foi também pago até esta altura.

6 - O montante em dívida ascende, no momento, a €11 056,44 euros.

7 - O Requerido é casado, no regime de comunhão de adquiridos, com (…)

8 - O Requerido deve ainda cerca de €3 518,15 euros à ex -trabalhadora (…).

9 - A actividade do Requerido encontra-se praticamente paralisada, tendo já encerrado a «( X...)», mantendo em actividade residual a denominada «Foto (…)», na Rua (…), na ( ...).

10 - Encontra-se penhorado um bem móvel no âmbito do processo de execução instaurado pelo ora Requerente, que corre termos no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, sob o n.º 9/06.0TTFIG-A.

11- O produto da venda do bem penhorado não chega para pagar os créditos das Finanças e da Segurança Social.

12 - O requerido deve à Segurança Social a quantia de €35 579,83 euros, a título de contribuições referentes ao período entre Outubro de 2001 e Outubro de 2009 e a quantia de €18.416,10 euros, de juros de mora referentes ao mesmo período.

13 - O requerido deve às Finanças, a título de IRS (datas limite de pagamento 31.10.2006, 30.9.2008 e 20.1.2009), IVA (datas limite de pagamento 20.2.2006, 30.11.2006 e 15.5.2008) e coima, a quantia total de €7 619,30 euros, acrescidos de juros de mora de €608,28 euros.

2 - Passando à análise da questão objecto do recurso.

a) Em primeiro lugar, cumpre verificar se o tribunal tem o dever de investigar e apurar a extensão do património do demandado para, depois, concluir se ele está ou não está em situação de insolvência.

Sobre esta matéria cumpre ter em conta a norma constante do artigo 11.º do Código da Insolvência e de Recuperação da Empresa onde se diz que «No processo de insolvência, embargos e incidente de qualificação de insolvência, a decisão do juiz pode ser fundada em factos que não tenham sido alegados pelas partes».

Face a esta norma, sem dúvida que o juiz pode investigar os factos que sejam relevantes para a decisão a tomar, quer no processo de insolvência, quer nos embargos e também em sede de qualificação da insolvência.

Cumpre, no entanto, verificar se tal poder tem limites.

No caso dos autos, este poder inquisitório do juiz foi efectivamente coarctado devido à ausência de oposição por parte do requerido ([1]).

Com efeito, neste caso, face ao disposto no n.º 5 do artigo 30.º do Código da Insolvência e de Recuperação da Empresa, «Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º».

É certo que no caso dos autos a falta de oposição resultou do facto de não ter sido recebido o respectivo articulado e não da sua completa omissão.

Porém, processualmente, a situação é idêntica, tudo se passando como se a oposição tivesse sido omitida, pois os efeitos queridos pela lei são os mesmos em todos os casos em que não haja oposição, independentemente da causa que originou a ausência de oposição, seja porque não foi apresentada ou, tendo-o sido, não pôde ser considerada.

Por conseguinte, não havendo oposição a considerar, segue-se o prescrito no indicado n.º 5 do artigo 30.º do Código, e consideram-se confessados os factos alegados na petição.

Se tais factos forem suficientes para declarar a insolvência, então o juiz não tem fundamento para proceder à investigação de eventuais factos susceptíveis de anular os efeitos daqueles que se encontram já confessados.

Aliás, o artigo 11.º do Código da Insolvência e de Recuperação da Empresa ao usar a forma verbal «pode» mostra que nos casos em que não há limitações processuais a tal poder, o juiz não tem de o exercer sempre, de forma automática, em todo e qualquer processo, mas apenas nos casos em que o processo fornece indícios fortes da existência de factos que, existindo, seriam determinantes para o desfecho da decisão de mérito.

Delimitados os termos desta problemática, deixa-se a mesma em aberto, com vista a responder à segunda questão, que nos dirá se os factos provados são ou não suficientes para declarar a insolvência.

Se forem suficientes o poder inquisitório do juiz fica limitado, como se referiu, inexistindo fundamento para proceder à investigação de quaisquer factos hipotéticos susceptíveis de anular os efeitos daqueles que se encontram confessados.

b) Passando agora à segunda questão que consiste em verificar se os factos provados determinam, face à lei aplicável, a declaração de insolvência.

A resposta é afirmativa.

Como se refere no art. 3.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a insolvência consiste num estado de natureza patrimonial em que o devedor se encontra «…impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas».

É este o critério da insolvência.

Resultou provado a este respeito que o requerido deve:

€35 579,83 euros à Segurança Social, a título de contribuições referentes ao período entre Outubro de 2001 e Outubro de 2009;

€18 416,10 euros de juros de mora referentes ao mesmo período;

€7 619,30 euros, às Finanças a título de IRS (datas limite de pagamento 31.10.2006, 30.9.2008 e 20.1.2009), IVA (datas limite de pagamento 20.2.2006, 30.11.2006 e 15.5.2008) e coima;

€608,28 euros  de juros de mora relativamente a esta última quantia.

€3 518,15 euros à ex-trabalhadora (…).

€11 056,44 euros ao Requerente, sendo a dívida inicial de €7 500,00 euros, vencida desde finais de 2006.

Cumpre, pois, ponderar por que razão o requerido não pagou ainda estas dívidas respeitantes a quatro entidades diferentes e que somam €76 798,10 euros.

Provou-se que a actividade do requerido se encontra praticamente paralisada, tendo já encerrado o estabelecimento «( X...)», mantendo em actividade residual o estabelecimento denominado «Foto (…)», na Rua (…), na ( ...).

Provou-se que se encontra penhorado apenas um bem móvel no âmbito do processo de execução instaurado pelo ora requerente para cobrança do seu crédito, que corre termos no Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz, sob o n.º 9/06.0TTFIG-A, e que o produto da venda do bem penhorado não chega para pagar o crédito das Finanças e o da Segurança Social.

Face a estes factos não se vê que se possa retirar outra conclusão, fundada em factos e não em meras conjecturas geradas pela faculdade de raciocinar, que não seja a de que o requerido não paga as dívidas porque não tem meios para o fazer.

Conclusão esta que, aliás, satisfaz o disposto na al. b), do n.º 1, do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, onde se dispõe que um credor pode pedir a declaração de insolvência do devedor se ocorrer «Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações».

O legislador descreveu no mencionado artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas casos que indiciam objectivamente situações de insolvência, os quais autorizam um credor a pedir em tribunal a declaração de insolvência do devedor.

Trata-se nas palavras dos autores Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda ([2]) de «…factos-índices ou presuntivos da insolvência, tendo precisamente em conta a circunstância de, pela experiência da vida, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, que é a pedra de toque do instituto».

No caso dos autos, além da situação prevista na indicada al. b), ocorre ainda a situação prevista na al. g) do mesmo n.º 2, desse artigo 20.º, isto é, o «Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:

i) Tributárias;

ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;

iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, (…);

iv) (…)».

Provadas estas situações indiciárias do estado de insolvência, cumpre ao devedor, nos termos do artigo 30.º do mesmo código, seus n.º 3 e 4, provar ou a inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou a inexistência da situação de insolvência («3 - A oposição do devedor à declaração de insolvência pretendida pode basear-se na inexistência do facto em que se fundamenta o pedido formulado ou na inexistência da situação de insolvência»).

Acrescentando-se no n.º 5 deste artigo 30.º que, «Se a audiência do devedor não tiver sido dispensada nos termos do artigo 12.º e o devedor não deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial, e a insolvência é declarada no dia útil seguinte ao termo do prazo referido no n.º 1, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20».

No caso, a oposição não foi recebida, o que equivale à sua não dedução, aplicando-se a norma em causa, que implica a declaração de insolvência caso os factos provados o permitam.

E permitem-no, na medida em que, na ausência de factos de onde se considere que o devedor é solvente, a prova de factos que preenchem o disposto nas alíneas b) e g), do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, implica que se conclua que o devedor está impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, o mesmo é dizer, que se encontra em estado de insolvência ([3]).

Ou seja, presumida a situação de insolvência pela verificação de algum dos factos-índices, como se concluiu, incumbia ao recorrente ilidir tal presunção, mediante a prova de que possui bens ou créditos para solver as suas obrigações, como preceitua o n.º 4 do artigo 30.º do mesmo código, o que não fez.

Daí que se imponha a conclusão de que o requerido está em situação de insolvência.

c) Face a esta conclusão e voltando ao primeiro tema do recurso, verifica-se que o juiz não tinha o dever de indagar factos não alegados para apurar a situação patrimonial do requerido.

Improcede, por conseguinte, o recurso, cumprindo confirmar a decisão recorrida.

III. Decisão.

Considerando o exposto, julga-se o recurso improcedente.

Custas pelo recorrente.


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Nos termos do n.º 7 do artigo 713.º do Código de Processo Civil elabora-se o seguinte sumário:
I. O princípio do inquisitório consagrado no artigo 11.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de Março) não funciona nos casos em que ocorre ausência de oposição por parte do requerido, seja porque o acto foi omitido, seja porque a mesma não foi recebida, desde que os factos considerados confessados sejam suficientes para decretar a insolvência.

II. Na ausência de factos de onde se conclua que o devedor é solvente, a prova de factos que preenchem a hipótese das alíneas b) e g) do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, implica que se conclua que o devedor está impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, o mesmo é dizer, que se encontra em estado de insolvência.


[1] Neste sentido, Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, em Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, pág. 103, Quid Juris/2008.).
[2] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, ob. cit., pág. 133.

[3] Neste sentido cfr. acs. do Tribunal da Relação de Lisboa, em http://www.gdsi.pt, de 12-5-2009, processo n.º 986/08.7TBRML-L; de 10-12-2009, processo n.º 430/08.0TYLSB-A e de 15-10-2009, processo n.º 1096/07.0TYLSB-L; ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-05-2009, em http://www.gdsi.pt, processo n.º 602/09.0TJCBR.