Acordam, em conferência, na 5ª secção criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
I - RELATÓRIO
T., arguido nos autos, veio interpor recurso da decisão proferida, em 2-5-2019, que converteu a pena de multa, em que foi condenado nos autos, em 86 dias de prisão subsidiária.
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A razão da sua discordância encontra‑se expressa nas conclusões da motivação de recurso onde se refere que:
1- Visa o presente recurso assegurar as garantias processuais e constitucionais de defesa do arguido, violadas com o despacho de que se recorre e, bem assim, repor a regularidade processual dos presentes autos, sendo que se desconhece o seu atual paradeiro, bem como a sua situação pessoal, social e económica.
2- Ao contrário do vertido no despacho de que se recorre, foi omitida nos autos, em absoluto, a notificação do arguido, quer da sentença, quer para proceder ao pagamento da pena substitutiva de multa a que foi condenado.
3- O arguido não foi notificado, nem por via postal simples com prova de depósito, nem através de contato pessoal, do teor da sentença, nem para proceder ao pagamento da pena de multa, no valor de € 715,00, a que foi condenado.
4- "A notificação para pagamento da pena de multa, a que se reporta o art.° 489°, n.º 2, do C. Proc. Penal, respeita à sentença, pelo que deve ser feita pessoalmente ao arguido, em conformidade com o disposto no art.º 113°, n.º 9, do mesmo Código." - Vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 09-05-2012.
5- A notificação para pagamento da pena de multa a que o recorrente foi condenado, teria que ser feita, quer ao arguido, quer ao seu Defensor, pelo que, ao ter sido omitida a notificação do arguido para pagamento da pena de multa, não lhe foi dada sequer a possibilidade de pagar a pena de multa, de requerer o pagamento da pena de multa a prestações, ou de requerer a prestação de trabalho a favor da comunidade.
6- Existem evidências processuais de que as notificações via postal simples (quer da sentença, quer para pagamento da pena de multa) não foram entregues ao destinatário ou sequer chegaram ao conhecimento do ora recorrente; - resultando dos autos que as notificações via postal simples com prova de depósito foram devolvidas por "não haver recetáculo postal".
7- Existe nos autos PROVA DE NÃO DEPÓSITO das cartas contendo as notificações enviadas.
8- Nem a Lei, nem a Jurisprudência, fazem equivaler a devolução de uma notificação via postal simples com prova de depósito, com fundamento na falta de recetáculo postal, à concretização da notificação, além do mais, porque de realidades diversas se tratam.
9- A "Prova de Depósito" mais não é que uma declaração feita pelo distribuidor do serviço postal de que depositou a carta contendo a notificação na caixa de correio do notificando - vide artigo 113.°, n.º 3 do C.P.P. - pelo que, se não houve depósito, não pode existir prova do mesmo.
10- Caso o Legislador pretendesse equiparar a impossibilidade do depósito da carta contendo a notificação, por inexistência de recetáculo postal, ao respetivo depósito e, por essa via, presumir a perfeição da notificação, no artigo 113.°, n.º 3 do C.P.P. teria feito constar que a notificação se considera efetuada no 5.° dia posterior à data indicada na declaração lavrada pelo distribuidor do serviço postal ou à data em que for certificada a impossibilidade de depósito, por falta de recetáculo, o que não fez.
11- O próprio Legislador esclarece que, em casos de impossibilidade de depósito da carta na caixa de correio, não se verifica notificação - vide n.º 4 do artigo 113.° do C.P.P. - sendo que a situação de inexistência de recetáculo postal não se encontra prevista no n.º 7 do artigo 113.º do C.P.P.
12- Ao ter sido omitida a notificação do arguido, quer da sentença, quer para pagamento da pena de multa, não lhe foi dada sequer a possibilidade de recorrer, nem de pagar a pena de multa em que foi condenado, de requerer o pagamento da pena de multa a prestações, ou de requerer a prestação de trabalho a favor da comunidade.
13- Falece na base o fundamento que subjazeu à decisão de substituição da pena de multa aplicada por prisão subsidiária, consistente na premissa de que, regularmente notificado para o efeito, o arguido não procedeu ao pagamento da multa a que foi condenado.
14- A existência de recetáculo postal (ou a sua manutenção) não constam das obrigações inerentes à sujeição a Termo de Identidade e Residência, definidas no artigo 196.º do C.P.P., sendo que os elementos constantes dos autos não são, nem suficientes, nem idóneos a concluir que o arguido violou o seu estatuto processual.
15- Antes da conclusão acerca da violação do estatuto processual do arguido, impor-se-ia proceder-se ao apuramento do que se passa com o mesmo, bem como quem retirou, tapou ou destruiu o recetáculo postal.
16- As devoluções das notificações postais simples com prova de depósito poderão, eventualmente, ficar a dever-se a uma violação, pelo Arguido, do seu estatuto processual (o que apenas por hipótese se admite), como poderão ficar a dever-se a uma outra causa qualquer, que não foi apurada, como se impunha.
17- A omissão da notificação do arguido para pagamento da pena de multa a que foi condenado, traduz-se numa nulidade absoluta, prevista na alínea c) do artigo 119.º C.P.P., que desde já e para todos os efeitos legais se argui e que, como tal, deve ser declarada, tornando inválida a referida notificação, bem como todos os ulteriores actos processuais, dela dependentes - vide artigo 122.° do C.P.P.
18- A notificação do arguido para, no prazo de 10 dias, vir aos autos informar dos motivos de incumprimento da pena de multa, com a advertência de que nada dizendo/requerendo, seria promovida a cobrança coerciva ou o cumprimento da prisão subsidiária, não se verificou, tendo sido omitida, em absoluto.
19- Compulsados os autos, constata-se que, em 11-04-2019, o Tribunal a quo expediu, via postal simples com Prova de Depósito, com o n.º de registo do C.T.T (…), uma notificação, dirigida ao ora recorrente, para a morada Rua da (…), n.° 5 – (…), para este "no prazo de 10 dias (DEZ DIAS), vir aos autos comprovar o pagamento da pena de multa, ou informar dos motivos de incumprimento da mesma, com a advertência de que nada dizendo ou requerendo, se avançaria com a cobrança coerciva ou com a conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
20- Sucede que esta notificação, não foi entregue ao destinatário, tendo sido devolvida ao remetente e encontrando-se o respetivo subscrito junto aos autos, com a informação de "não haver recetáculo", pelo que, inexistiu, em absoluto, a notificação na pessoa do arguido para que o mesmo viesse aos autos informar dos motivos de incumprimento da pena de multa, com a advertência da possibilidade de cumprimento de prisão subsidiária.
21- Ao não promover a notificação pessoal do arguido para os referidos efeitos, o Tribunal a quo coartou os direitos de defesa do arguido, incorrendo na violação dos direitos fundamentais consagrados no artigo 32.°, n.º 1 e n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
22- O exercício do contraditório por parte do arguido não foi cumprido da forma que exige a estrutura acusatória do processo penal, pelo que o despacho sob recurso incorreu na violação do artigo 32.º, n.º 1 e n.º 5, da C.R.P.
23- Deste modo, o despacho recorrido violou o disposto no artigo 49.°, n.º 3 do Código Penal, bem como no artigo 113.°, n.º 10 do Código de Processo Penal, o que o faz incorrer na nulidade insanável, prevista no artigo 119.°, c), do C.P.P., conforme entendimento sufragado por este Tribunal da Relação de Coimbra, entre outros, no Proc. n.º 155/06.0PBLMG.C1.
24- A notificação para o arguido informar dos motivos de incumprimento da pena de multa deve ser pessoal, e a sua falta configura a preterição de uma formalidade essencial do art. 61° n.º 1 al. b) do CPP, e a gera a nulidade absoluta a que se reporta o art. 119.º, al. c) do CPP.
25- Tendo a conversão da pena de multa em prisão subsidiária sido efetuada sem que ao arguido tivesse sido dada a oportunidade de se defender, incorreu o despacho sob recurso na referida nulidade, que inquina tudo o que posteriormente se decidir.
26- Para dar como provado que o não pagamento da multa é imputável ao condenado, importa que o Tribunal a quo notifique pessoalmente o arguido para que possa tomar conhecimento da razão ou razões do não pagamento da pena de multa e, assim, ponderar a eventual conversão da mesma em prisão subsidiária.
27- Ao não promover nem garantir de forma efetiva os direitos de defesa do arguido, possibilitadas, in casu, com a notificação pessoal do mesmo, que foi omitida, o despacho recorrido violou o artigo 49.°, n.º 3 do Código Penal e o artigo 32.°, n.º 1 e n.º 5, da Constituição da República,
28- O que o faz incorrer, mais uma vez, na nulidade insanável prevista no artigo 119.°, alínea c), do C.P.P., decorrente na omissão absoluta da notificação do arguido para vir aos autos expor as razões que estiveram na base do não pagamento da pena de multa substitutiva a que foi condenado.
29- A notificação exclusiva do Defensor não basta nem é suficiente para os efeitos de revogação da pena de substituição.
30- Quer a notificação para pagamento da multa, quer a notificação para informar o Tribunal da razão do não pagamento da multa colidem e modificam drasticamente a posição processual do arguido, atingindo o núcleo essencial dos seus direitos, liberdades e garantias e restringindo radicalmente o seu âmago, uma vez que remetem para o cárcere o cidadão sem lhe dar possibilidade de exercício do contraditório, pelo que se enquadram no âmbito de aplicação dos artigos 61.°, alínea b) e 113.°, n.º 10 do Código de Processo Penal, i. é, têm quer ser feitas, quer no arguido, quer no seu advogado ou defensor nomeado.
31- O recorrente não indicou o seu Defensor para o efeito de receber notificações, nem sequer foi o mesmo objeto de advertência de que todas as notificações efetuadas a esta pessoa e levadas a cabo com observância do formalismo previsto no artigo 113.°, n.º 2, do Código de Processo Penal, considerar-se-ão como tendo sido feitas ao próprio arguido (cf. artigo 113.°, n.º 8 do mesmo Código).
32- Violadas foram, entre outras, as normas dos artigo 49.°, n.º 3 do Código Penal, dos artigos 61.°, alínea b), 113.°, n.º 10, 119.°, alínea c) e 334.°, n.ºs 4 e 6 do Código de Processo Penal e ainda do artigo 32.°, n.º 1 e n.º 5, da Constituição da República Portuguesa.
Termos em que, julgando procedente o recurso, declarando as nulidades arguidas, revogando o despacho recorrido e ordenado a sua substituição por outro que determine as notificações pessoais do arguido omitidas.
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Respondeu a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal recorrido, defendendo que deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se na íntegra a decisão recorrida.
Nesta instância também o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.
Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do CPP, o arguido respondeu reiterando os fundamentos da motivação do recurso.
Os autos tiveram os vistos legais.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
Consta do despacho recorrido (por transcrição):
“Da conversão da pena de multa (não paga) em prisão subsidiária
O arguido T. foi condenado pela prática de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal, na pena de 130 dias de multa, à taxa diária de €5,50, o que perfaz a multa global de €715,00 (setecentos e quinze euros), por sentença transitada em julgado em 10.12.2018.
O Arguido não procedeu ao pagamento voluntário da pena de multa, de modo que se seguiram diligências com vista ao apuramento de bens em suficiência na sua titularidade para cobrança coerciva daquelas quantias, tendo-se concluído pela negativa.
O Arguido foi, já, notificado, por força do Despacho de 10.04.2019, [via postal simples com prova de depósito na morada do TIR e na pessoa do seu Ilustre Defensor] para, em prazo de dez dias, comprovar o pagamento da pena de multa e das custas em dívidas, com a advertência de que, não pagando, nem apresentando qualquer justificação, se avançaria para a cobrança coerciva através da instauração de execução e/ou para a conversão daquela pena de multa na correspondente prisão subsidiária.
O Arguido manteve-se em incumprimento, não tendo, ademais, apresentado qualquer justificação.
No que respeita à devolução da carta, junta a 16.04.2019, remete-se para as considerações tecidas em Despacho de 21.01.2019, por se manterem, neste momento, válidas: «a devolução, com indicação de ausência de recetáculo, da carta de notificação (…) enviada para aquela morada constante do T.I.R., não obsta a que o Arguido se considere regularmente notificado via postal simples, o que, assim, considero – devendo atender-se à data daquela menção de ausência de receptáculo tal como lavrada pelo distribuidor postal –, tanto mais que, tendo já sido logrado o depósito anteriormente, se afigura que a devolução que ora se apreciará só se poderá dever a uma violação, pelo Arguido, do seu estatuto processual». Na verdade, se o Arguido se mudou, conforme se apôs naquela devolução, e nada comunicou aos autos a respeito de uma alegada alteração de morada, claramente violou os deveres decorrentes do seu estatuto processual, não podendo, porém, daí retirar benefício, considerando-se, pelo contrário, regularmente notificado.
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Preceitua o artigo 49.º, n.º 1 do Código Penal que a pena de multa é convertida em prisão subsidiária «pelo tempo correspondente reduzido a dois terços», quando, não tendo sido substituída por trabalho, «não for paga voluntária ou coercivamente».
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In casu, encontram-se presentes os pressupostos de conversão da multa em prisão subsidiária, porquanto, por um lado, a pena de multa em causa não foi substituída por trabalho e, por outro, o Arguido não pagou voluntariamente, nem tem bens na sua propriedade que viabilizem o pagamento coercivo.
Ademais, e atento o teor da última notificação que lhe foi dirigida, foi dada ao Arguido oportunidade para exercer o contraditório, não tendo vindo aos autos com uma qualquer razão para a falta de pagamento da multa.
Pelo exposto, e nos termos das disposições legais citadas, decido converter a pena de multa de 130 dias de multa em que o Arguido foi condenado nos correspondentes 86 dias de prisão subsidiária.
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Notifique, sendo o Arguido via postal na morada constante do respetivo termo de identidade e residência (considerando que o prestou já na vigência da Lei n.º 20/2013, de 21 de Fevereiro, daí constando, portanto, as obrigações inerentes, entre as quais a advertência de «que, em caso de condenação, o termo de identidade e residência só se extinguirá com a extinção da pena», em conjugação com as disposições contidas nos artigos 113.º, n.º 1, alínea c), 196.º, n.º 2 e 214.º, n.º1, alínea e) todos do Código de Processo Penal; e com a jurisprudência, que se perfilha, contida, a título de exemplo nos arestos do Tribunal da Relação de Évora de 06.02.2015, processo n.º 1592/07.9GBTABF-B.E1, do Tribunal da Relação de Évora de 09.09.2014, processo n.º2061/10.5TAPTM-B.E1; e do Tribunal da Relação de Lisboa de 08.05.2013, processo n.º12/11.9PTBRR.L1-3).
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Após trânsito em julgado do presente Despacho:
i. remeta boletim ao registo criminal; e
ii. passe os competentes mandados de condução ao Estabelecimento Prisional, dos quais deverá constar expressa menção dos pressupostos da faculdade prevista no artigo 49.º, n.º 2, do Código Penal.”
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APRECIANDO
Tendo em conta as conclusões da motivação do recurso e que estas limitam o seu objecto, as questões suscitadas, tal como foram sintetizadas pelo recorrente, são:
- vício de nulidade absoluta, prevista no artigo 119.º, al. c), do CPP, decorrente da preterição da notificação pessoal do arguido da sentença, bem como para proceder ao pagamento da pena de multa em que foi condenado;
- vício de nulidade absoluta, prevista no artigo 119.º, al. c), do CPP, decorrente da preterição da notificação pessoal do arguido para vir aos autos expôr as razões que estiveram na base do seu comportamento omissivo; e
- insuficiência da notificação do arguido exclusiva e unicamente na pessoa do seu Defensor, quer da sentença, quer para pagamento da pena de multa em que foi condenado, quer para vir aos autos expor as razões que estiveram na base do seu comportamento omissivo.
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A- Do vício de nulidade absoluta, prevista no artigo 119.º, al. c), do CPP, decorrente da preterição da notificação pessoal do arguido da sentença
Alega o recorrente:
“- O arguido não foi notificado do teor da sentença, nem para proceder ao pagamento da multa, no valor de € 715,00 em que foi condenado;
- Compulsados os autos, constata-se que, em 26-11-2018, o Tribunal a quo expediu, via postal, com o n.º de registo do CTT (…), uma Notificação Via Postal Simples, dirigida ao ora recorrente, para a Rua da (…), n.º 5 – (…), a fim de o notificar da sentença;
- Posteriormente, em 21-01-2019, o Tribunal a quo expediu, via postal, com o n.º de registo do CTT (…), uma Notificação Via Postal Simples, dirigida ao ora recorrente, para a Rua da (…), n.º 5 – (…), para que este efectuasse o pagamento da conta de custas e da pena de multa em que foi condenado;
- Dúvidas não existem de que as notificações da sentença e para pagamento da pena de multa têm, necessariamente, que ser feitas pessoalmente, quer ao arguido, quer ao seu Defensor;
- A omissão da notificação da sentença ao arguido, bem como para pagamento da pena de multa em que foi condenado, traduzem-se em nulidades absolutas, previstas na alínea c) do artigo 119º do CPP. Nulidades estas, que para todos os efeitos se argui e que, como tal ser declaradas.”
Resulta dos autos, com interesse para a decisão:
- por despacho de 23-1-2018, o Ministério Público requereu ao tribunal que fosse aplicada ao arguido, em processo sumaríssimo, ao abrigo do disposto no artigo 392º e segs. do CPP, a pena de 130 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, o que perfaz a multa global de € 715,00, pela prática de um crime de ameaça agravada p. e p. pelos artigos 153º, n.º 1 e 155º, n.º 1, al. a), ambos do Código Penal;
- tal requerimento foi recebido pelo Tribunal a quo por despacho de 30-1-2019, e foi determinada a notificação do arguido nos termos e para os efeitos do artigo 396º, n.º 1, al. b) do CPP, com a expressa advertência do disposto no n.º 4 daquele preceito legal (cfr. fls. 232 e 233); tendo sido também determinada a notificação do seu I. Defensor - art. 396º, n.º 3, do CPP;
- tal despacho foi notificado ao Defensor do Arguido, com a data de “certificação/elaboração” no sistema citius, de 31-1-2019 (cf. fls. 235),
- e, na mesma data, foi requerido ao Comandante da GNR - Posto Territorial de Porto de Mós, a notificação do arguido nos termos determinados no despacho judicial (cfr. electrónica 87349165, de 31-1-2018), o que veio a ser concretizado em 10-9-2018 (cfr. referência electrónica 5182986, junta aos autos em 18-09-2018);
- por despacho datado de 11-10-2018, o Tribunal a quo ordenou a repetição da notificação ao arguido por não constar, da mesma, a indicação do termo do prazo para deduzir oposição a tal requerimento, conforme legalmente exigido na alínea b), do n.º 2, do artigo 396º do CPP, a qual veio a ser concretizada em 2-11-2018 (cfr. referência electrónica 5343692, junta aos autos em 9-11-2018);
- por despacho datado de 22-11-2018 foi aplicada ao arguido a sanção proposta pelo Ministério Público (fls. 237/238) – cfr. art. 397º CPP;
- tal despacho veio a ser notificado ao Ilustre Defensor - com a data de “certificação/elaboração” no sistema citius, de 26-11-2018 (ref. electrónica 89675413) e,
- quanto ao arguido, consta uma notificação via postal, com a data de “certificação/elaboração” no sistema citius, também de 26-11-2018 (ref. electrónica 89675467), tendo a prova de depósito sido devolvida aos autos em 29-11-2018 (ref. electrónicas 5400632 e 89816354), carimbada pelos serviços postais em 28-11-2018, com a menção “não haver receptáculo”;
- por despacho de 6-12-2018, o Tribunal a quo considerou o arguido regularmente notificado, com a seguinte menção: Considerando que a notificação do despacho/sentença proferida em 22.11.2018 foi via postal com prova depósito para a morada do Arguido tal como indicou e consta do termo de identidade e residência prestado a fls. 92 dos autos, encontra-se, pois, regularmente notificado, não obstante a devolução da carta, devendo os autos seguir os seus ulteriores termos;
- por despacho de 11-12-2018, o Tribunal a quo decidiu: Considerando o motivo da devolução da carta (falta de receptáculo), solicite a notificação através do O.P.C. competente.;
- em 10-1-2019, mostra-se junto aos autos ofício da GNR – Posto Territorial de Porto de Mós, informando da impossibilidade de proceder à notificação do arguido, por o mesmo já não residir naquela morada (cfr. ref. electrónica 5505115);
- oficiosamente, em 15-1-2019, a secretaria procedeu a pesquisas nas bases de dados pelo paradeiro do arguido, tendo concluído os autos à M.ma Juiz, que em 21-1-2019, proferiu despacho com o seguinte teor: (…) o Arguido indicou, constando do respetivo termo de identidade e residência a fls.92 dos autos, a morada “Rua da (…), n.º 5, (…)l”, na qual foram depositadas (cartas de) notificações nos presentes autos – cfr., a título de exemplo, as provas de depósito juntas a fls. 185, 203, 220 dos autos –, sem que tivessem vindo devolvidas por motivo de ausência de recetáculo.
O Arguido nunca comunicou aos autos qualquer alteração daquela sua morada, a qual subsiste no auto de interrogatório do Arguido, realizado em 21.12.2017, a fls. 221 dos autos.
Por conseguinte, e aplicando os ensinamentos jurisprudenciais supra referidos e aos quais se adere, a devolução, com indicação de ausência de recetáculo, da carta de notificação do Despacho proferido em 22.11.2018 enviada para aquela morada constante do T.I.R., não obsta a que o Arguido se considere regularmente notificado via postal simples, o que, assim, considero – devendo atender-se à data daquela menção de ausência de receptáculo tal como lavrada pelo distribuidor postal –, tanto mais que, tendo já sido logrado o depósito anteriormente, se afigura que a devolução que ora se apreciará só se poderá dever a uma violação, pelo Arguido, do seu estatuto processual.
Por conseguinte, remeta boletins ao registo criminal e vão os autos à conta.
Notifique.;
- em 21-1-2019 foram remetidos os respectivos boletins ao registo criminal, constando como data do trânsito em julgado da decisão: 10-12-2018.
Vem referido pelo Ministério Público, na resposta ao recurso que: “atento o ofício junto aos autos em 14-05-2019, pela GNR – Posto Territorial de Porto de Mós, no qual se dá conta ter aquele OPC conhecimento funcional de que o arguido reside na Rua da (…), n.º 42480-072, (…), apesar de em processo subsequente (à ordem do qual foi detido, por crime praticado em flagrante delito) ter voltado a indicar a morada que, também, forneceu nos presentes autos.”
A tal ofício apôs a Mmª Juiz um visto, por já ter considerado o arguido regularmente notificado.
Aqui chegados, dado o tribunal a quo ter entendido que o arguido se considera regularmente notificado da sentença, via postal simples, a questão que se coloca é se, efectivamente, a sentença proferida nos autos transitou em julgado.
E a resposta é a de que o arguido não foi notificado, pelo que a sentença não transitou em julgado.
No que respeita à “Decisão” em Processo Sumaríssimo, estabelece o artigo 397º do CPP:
«1- Quando o arguido não se opuser ao requerimento, o juiz, por despacho, procede à aplicação da sanção e à condenação no pagamento de taxa de justiça.
2- O despacho a que se refere o número anterior vale como sentença condenatória e não admite recurso ordinário.
3- É nulo o despacho que aplique pena diferente da proposta ou fixada nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 394.º e no n.º 2 do artigo 395.º»
A epígrafe e o texto do artigo foram introduzidos pela Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto, e, nos termos do n.º 2, o despacho judicial transitava imediatamente em julgado, o que sanava quaisquer nulidades.
Com a Lei n.º 20/2013, de 21 Fev., foi alterada a redacção do n.º 2 substituindo a parte final transita imediatamente em julgado pela expressão não admite recurso ordinário.
Acontece que, também na versão originária do artigo o despacho judicial não transitava "imediatamente", mas apenas decorrido o prazo de arguição de nulidades (n.º 3).
De qualquer forma, deveremos ter presente que em processo sumaríssimo, o despacho que procede à aplicação da sanção vale como sentença condenatória, logo trata-se de uma decisão que afecta a pessoa do condenado; pelo que, para garantia de que o condenado teve um efectivo conhecimento da decisão, tal notificação cabe no elenco taxativo do artigo 113°, n.º 10, 2a parte do CPP, exigindo-se a notificação pessoal do arguido.
Com efeito,
As regras gerais sobre notificações encontram-se previstas no artigo 113º do CPP, onde no n.º 10 se contempla a obrigação de a sentença ser notificada ao arguido, ao assistente e às partes civis e, bem assim, ao seu advogado ou defensor; neste caso, o prazo para a prática de acto processual subsequente conta-se a partir da data da notificação efectuada em último lugar.
Acrescendo que, estando em causa uma decisão irrecorrível, esta transita em julgado findo o prazo processual geral de 10 dias, previsto no artigo 105º, n.º 1, do CPP, durante o qual podem ser arguidas nulidades ou outras questões de natureza formal; claro está, prazo de 10 dias após a notificação pessoal do arguido.
Por conseguinte, devendo tal notificação ser efectuada não só ao Defensor do arguido, mas também ao próprio arguido (art. 113º, n.º 10, do CPP), mais não resta do que concluir que se está perante a nulidade insanável prevista na al. c) do artigo 119º do CPP. Em conformidade, por força do estatuído no artigo 122º do CPP, importa declarar nulo todo o processado a partir do despacho datado de 22-11-2018 que aplicou ao arguido a sanção proposta pelo Ministério Público (fls. 237/238), com a consequente notificação pessoal do mesmo ao arguido.
O Ilustre Defensor do arguido já foi notificado de tal decisão - com a data de “certificação/elaboração” no sistema citius, de 26-11-2018 (ref. electrónica 89675413).
Ficam, assim, prejudicadas as demais questões suscitadas pelo recorrente.
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III- DECISÃO
Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:
- Julgar procedente o recurso e, em consequência, verificando-se a nulidade insanável (por falta de notificação pessoal ao arguido quanto à decisão de 22-11-2018 que lhe aplicou a sanção proposta pelo Ministério Público), declara-se nulo todo o processado a partir do despacho datado de 22-11-2018 (aproveitando-se a notificação ao Defensor do arguido - com a data de “certificação/elaboração” no sistema citius, de 26-11-2018 (ref. electrónica 89675413).
Sem tributação.
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Coimbra, 16-12-2020
Texto processado em computador e integralmente revisto pela relatora e assinado electronicamente - artigo 94º, n.º 2 do CPP
Elisa Sales (relatora)
Jorge Jacob (adjunto)