Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALCINA DA COSTA RIBEIRO | ||
Descritores: | INTERESSE EM AGIR CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO A MOTOR SEM HABILITAÇÃO LEGAL VALIDADE DOS TÍTULOS DE CONDUÇÃO REVALIDAÇÃO DOS TÍTULOS DE CONDUÇÃO CADUCIDADE DOS TÍTULOS DE CONDUÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 09/27/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE OLIVEIRA DO HOSPITAL | ||
Texto Integral: | N | ||
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Meio Processual: | RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA | ||
Decisão: | CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 3.º, N.º 1 E 2, DO DECRETO-LEI N.º 2/98, DE 3 DE JANEIRO/ CRIMINALIZAÇÃO DA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL SEM HABILITAÇÃO LEGAL ARTIGOS 121.º, N.ºS 1 E 4, 123.º E 130.º, N.º 7, DO CÓDIGO DA ESTRADA ARTIGOS 16.º, N.º 1, E 17.º DO D.L. Nº 138/2012, DE 5 DE JULHO/REGULAMENTO DE HABILITAÇÃO LEGAL PARA CONDUZIR/RHLC | ||
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Sumário: | I – O Ministério Público carece de interesse em agir quando, no recurso, impugna a decisão da matéria de facto pretendendo que se julguem provados factos que estão dados como assentes na sentença. II – No crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal o bem jurídico tutelado é a segurança rodoviária. III – Atendendo à experiência comum e à razão de ser das coisas, a segurança rodoviária presume-se comprometida quando as condições indispensáveis para o exercício da condução não se verificam, como acontece quando não há a certificação das aptidões para a condução atestada por uma entidade independente, o que cria um perigo abstracto para um número indeterminado de bens jurídicos como a vida, integridade física ou o património. IV – Os títulos de condução têm a validade neles registada, devem ser revalidados nos termos prescritos nos artigos 16.º, n.º 1 e 17.º do RHLC e caducam nos termos do disposto no artigo 130.º do Código de Estrada. V – Antes da alteração ao artigo 130.º do Código da Estrada, introduzida pelo D.L. nº 102-B/2020, de 9 de Dezembro, o crime de condução de veículo com motor sem habilitação legal não se bastava com a caducidade título de condução sendo, ainda, necessária a declaração de cancelamento do titulo de condução proferida pelo IMT, sem a qual ocorria apenas em contraordenação. VI – Depois desta alteração o legislador clarificou que volvidos 10 anos desde a data em que o título de condução deveria ter sido revalidado já não é possível a sua renovação. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relatora: Alcina ribeiro 1.ª Adjunta: Cristina pego Branco 2.ª Adjunta: Maria Alexandra Guiné … I. Relatório 1. …, foi o arguido, AA, absolvido da prática de um crime de condução de veiculo com motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1 do Decreto Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro. 2. Discordante recorre o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões: … II. Contudo, atenta a nova redação, conferida pelo Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 9 de dezembro, do artigo 130.º, do Código da Estrada, mormente os seus n.ºs 3, al. d) e 5, o título de condução caducado há mais de 10 anos é insuscetível de renovação/revalidação, e por isso, o condutor não é possuidor de título de condução válido. Além disso, tornou-se desnecessário que o IMT declare o cancelamento desse título de condução, para que o agente incorra na prática de ilícito criminal. III. In casu, o arguido foi detentor de carta de condução emitida em 30-07-1984 e válida até 06- 07-2011, tendo no dia 2 de julho de 2022, pelas 01:20 horas, conduzido um ciclomotor, na via pública. IV. À data dos factos já tinham decorridos mais de 10 anos sobre a data fixada para a renovação do título de condução, pelo que o arguido não era detentor de licença de condução válida, considerando-se, por isso, não habilitado a conduzir, nos termos dos artigos 121.º, n.º 1, 122.º e 130.º, n.ºs 3, al. d) e 5, do Código da Estrada. V. Face ao exposto o Tribunal «a quo» deveria ter dado como provado que no dia 2 de julho de 2022, pelas 01:20 horas, na Rua ..., em ..., o arguido conduziu ciclomotor, com a matrícula «..-DV-..», sem ser titular de título que o habilitasse a conduzir tal veículo. Conhecia as características do referido veículo e do local onde conduzia, sabia que não possuía título de condução que o autorizasse a conduzi-lo na via pública ou equiparada e, ainda assim, quis fazê-lo. Tendo incorrido na prática do crime de condução de veículo com motor sem habilitação legal, previsto no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro. VI. Ao absolver o arguido da prática do ilícito penal ora em apreço, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 121.º, n.º 1, 122.º e 130.º, n.ºs 3, al. d) e 5, do Código da Estrada, 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro. ….».
3. O arguido não respondeu ao Recurso. 4. A Digna Procuradora Geral Adjunta, nesta Relação pugna pela procedência do Recurso. 5. Cumpridas as formalidades legais, nada obsta ao conhecimento de mérito
II. A sentença recorrida Com interesse para esta questão, consignou-se na sentença recorrida: «Questão Prévia: (…) …, após consulta ao sistema informático (impercetível) que AA, …, foi titular de licença de condução … válida até 06/07/2011 para a categoria AM ciclomotores, mais (impercetível), informa o IMT, que em 25/08/2015 (impercetível) entregue no (impercetível) foi registado o pedido de troca de licença de condução por carta de condução, validação por caducidade, por o título de condução se encontrar caducado há mais de dois anos e menos de cinco, ficando o requerente sujeito à aprovação em prova prática de exame de condução, tendo-lhe sido emitida uma via de substituição de título de condução para a categoria AM pelo prazo de seis meses não prorrogável. Informa-se que o requerente não chegou a realizar a prova, pelo que a referida licença de condução caducou, não se encontrando (impercetível) habilitado para a condução de veículos da categoria AM. A… e nos termos da alínea d) do número (impercetível) do artigo 130 do Código da Estrada, alterado e publicado pelo Decreto-Lei 102B/2020 a 9 de dezembro, o título de condução caducado não pode ser renovado quando tenha ocorrido mais… quando tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ser renovado. … … nos termos do artigo 130 do Código da Estrada alínea d) a… o título de condução caducado não pode ser renovado quando tenham decorrido mais de dez anos sobre a data que deveria ser renovado, a… há… verifica-se pela prova produzida (impercetível) que resulta, indiciariamente, provado que a… já decorreram mais de dez anos desde que foi caducada a carta de condução… título de condução que o arguido era… de que o arguido era portador, não tendo sido renovado segundo informação do IMT, … (…) Passo então a ler a sentença aqui nos presentes autos: … o Ministério Público deduziu acusação contra AA, imputando-lhe a prática em autoria material e na forma consumada de… um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previso e punido pelos artigos 292 nº1 e 69 nº1 alínea a) do Código Penal e um crime de condução de veículo automóvel sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º nº1 do Decreto-Lei (impercetível) 107 nº2, 131 (impercetível) todos do Código da Estrada pelos factos constantes da acusação de folhas 30 a 32, o aqui se dão por reproduzidos. O arguido não apresentou contestação nem arrolou testemunhas, procedeu-se à realização da audiência de julgamento com observância do legal formalismo. (impercetível) os pressupostos (impercetível) da instância. Da audiência de discussão e julgamento resultaram provados todos os factos constantes da acusação. Portanto, no dia… passo a ler: no dia 02/07/2022, pela uma e vinte (01h20), na Rua ... em ..., o arguido conduziu o ciclomotor com a matrícula 87 (impercetível) com uma taxa de álcool no sangue de 1,904 gramas por litro já após dedução do erro máximo admissível. A… também resultou provado que nessas mesmas circunstâncias, de tempo, modo e lugar, descritas no ponto um, o arguido conduziu o referido ciclomotor sem ser titular de título de condução válido, que o habilitasse a conduzir o referido veículo. Porquanto, de acordo com informação prestada pelo IMT (impercetível) carta de condução caducada a… título de condução caducado há mais de dez anos, de acordo com a informação do IMT no mail junto… cuja certidão se determinou a junção a… no… ao processo… no processo 315/21..... Também resultou provado que, o arguido conhecia as características do referido veículo e do local onde conduzia, sabia que tinha aquela taxa de álcool no sangue em virtude de ter estado a ingerir bebidas alcoólicas e, não obstante isso, quis conduzir o veículo nessas circunstâncias como efetivamente fez. O arguido sabia ainda que não era titular de título de condução válido que permitisse conduzir na via pública o referido ciclomotor. O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que atuando da forma descrita praticava atos proibidos e punidos por lei penal. … … O arguido vem também acusado da prática do crime de condução sem habilitação legal, não obstante, a… nos (impercetível) que se tem a… que se retiraram dos autos que poderá estar comprometido com a prática do crime de violação de imposições, proibições e interdições e ocorrer aqui, eventualmente, a necessidade de alteração da qualificação jurídica e da… não substancial dos factos a… determinando-se por isso, quando se trata aqui de um processo sumário, a extração de certidão para que o Ministério Público (impercetível) proceda pelo modo como tiver por conveniente, tendo em conta estarmos aqui na presença de um processo sumário e também, naturalmente, concedendo-se prazo para defesa nos termos do artigo 358 do… a… pela necessidade de se conceder prazo para defesa, naturalmente, nos termos do artigo 358 nº1 do Código Penal. (…) No que respeita à prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez… à prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal de que vem… de que vinha acusado, face aos elementos cuja certidão do processo 315… 315/21...., se determinou junção aos autos, a… e por se mostrar indiciado sim, antes da prática do crime de violação de imposições e não de… do crime de condução sem habilitação legal, face à… aos… à advertência que lhe havia sido feita em ata de… proferida no processo 315, já mencionado, impõe-se (impercetível) do arguido deste crime de condução de… sem… sem habilitação legal, o crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º nº1 do Decreto-Lei 2/98 de 3 de janeiro, o que já se determinou, portanto, junção a… extração de certidão para o Ministério Público, para os termos que tiver convenientes. (…) Passando então ao dispositivo, pelos fundamentos expostos julga a acusação a… parcialmente (impercetível) por provada e em consequência absolve o arguido da prática do crime de condução de veículo sem habilitação legal previsto e punido pelo artigo 3º nº1 do Decreto-Lei três… do Decreto-Lei perdão, 2/98, de que vinha acusado, de 3 de janeiro (…)».
III. Apreciação do recurso 1. Impugnação da matéria de facto Sustenta o Recorrente que o Tribunal recorrido devia ter julgado provado que o arguido conduziu ciclomotor, com a matrícula «..-DV-..», sem ser titular de título que o habilitasse a conduzir tal veículo, conhecendo as características do referido veículo e do local onde conduzia, bem sabendo que não possuía título de condução que o autorizasse a conduzi-lo na via pública ou equiparada e, ainda assim, quis fazê-lo. Sucede que, tal matéria foi enumerada como provada na sentença recorrida. Ai se lê: … E, assim sendo, carece o Ministério Público de interesse em agir em impugnar a decisão da matéria de facto, nos termos em que o fez, devendo, por isso, o recurso da matéria de facto, ser rejeitado liminarmente, o que se decide.
2. Qualificação jurídico-penal A questão a decidir consiste em saber se o arguido, portador que foi da licença de condução para a categoria AM – ciclomotores, emitida em 30-07-1984, válida até 06-07-2011, sem renovação nos 10 anos seguintes - cometeu o crime previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1 e 2, do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro (como defende o Recorrente) ou, a contra-ordenação prevista e punida no artigo 130º, nº 7, do Código da Estrada. Dispõe o artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro. «1 - Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias». Neste tipo legal de crime o bem jurídico tutelado é a segurança rodoviária que, atendendo à experiência comum e à razão de ser das coisas, se presume comprometida quando não estão reunidas as condições indispensáveis para o exercício da condução, como sejam a certificação das aptidões para a condução, atestadas por uma entidade independente, cuja não verificação cria um perigo abstracto para um número indeterminado de bens jurídicos como a vida, integridade física ou o património. São elementos objectivos do referido preceito legal a condução de veículo com motor; que essa condução ocorra em via pública ou equiparada (legalmente previstas no artigo 1.º do Código da Estrada) e que o condutor não esteja habilitado com documento válido para conduzir tal veículo. Mas o que deve entender-se por habilitação legal para conduzir? A este propósito, estabelece o artigo 121.º, n.º 1 do Código da Estrada, que só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito, sendo que o título que legalmente habilita a conduzir automóveis ligeiros é a carta de condução (cf. n.º 4 do artigo 121.º e artigo 123.º, ambos do Código da Estrada). Os títulos de condução têm a validade neles registada e devem ser revalidados nos termos prescritos nos artigos 16.º, n.º 1 e 17 do Regulamento de Habilitação Legal para Conduzir (RHLC), aprovado pelo Decreto lei n.º 138/2012, de 05 de julho. E, caducam, conforme previsto no artigo 130.º, do Código de Estrada, que, na parte que interessa, estatui: «1 - O título de condução caduca se: a) Não for revalidado, nos termos fixados no RHLC, quanto às categorias abrangidas pela necessidade de revalidação, salvo se o respetivo titular demonstrar ter sido titular de documento idêntico e válido durante esse período; b) O seu titular não se submeter ou reprovar na avaliação médica ou psicológica, no exame de condução ou em qualquer das suas provas, determinados ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior; c) (…) d) (…) e) (…) 2 - A revalidação de título de condução caducado fica sujeita à aprovação do seu titular em exame especial de condução, cujo conteúdo e características são fixados no RHLC, sempre que: a) A causa de caducidade prevista na alínea a) do número anterior tenha ocorrido há mais de dois anos e há menos de cinco anos, com exceção da revalidação dos títulos das categorias AM, A1, A2, A, B1, B e BE cujos titulares não tenham completado 50 anos; b) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação no exame de condução ou em qualquer das suas provas determinadas ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior; c) A causa de caducidade seja a falta ou reprovação na avaliação médica ou psicológica, determinada ao abrigo dos n.ºs 1 e 5 do artigo anterior e o título se encontre caducado há mais de um ano. 3 - O título de condução caducado não pode ser renovado quando: a) (…); b) (…) c) (…) d) Tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado. 4 - São ainda sujeitos ao exame especial previsto no n.º 2: a) Os titulares de títulos de condução caducados ao abrigo das alíneas c) e d) do n.º 1; b) Os titulares do título caducado há mais de cinco anos. 5 - Os titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido, sendo-lhes aplicável o regime probatório previsto no artigo 122.º, caso venham a obter novo título de condução. 6 – (…) 7 - Quem conduzir veículo com título caducado, nos termos previstos no n.º 1, é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600. A licença de condução deve ser revalidada nas condições acabadas de descrever e não pode ser renovada quando tenham decorrido mais de dez anos sobre a data em que deveria ter sido renovado [artigo 130.º, n.º 3, do Código da Estrada]. Por outro lado, [o]s titulares de título de condução caducado consideram-se, para todos os efeitos legais, não habilitados a conduzir os veículos para os quais o título fora emitido [artigo 130.º, n.º 5, do Código da Estrada]. Tem vindo a ser entendido que, com o Decreto-Lei n.º 102-B/2020, de 9 de dezembro, que entrou em vigor no dia 9 de janeiro de 2021, o legislador clarificou que, volvidos 10 anos contados da data em que o título de condução deveria ter sido revalidado, já não é viável a sua renovação, tanto mais que afastou do Código da Estrada a menção ao cancelamento da carta de condução, passando a referir-se apenas à sua caducidade. Antes da entrada em vigor do referido diploma legal, o crime de condução de veículo com motor sem habilitação legal não se bastava com a caducidade título de condução, exigindo, ainda, a declaração cancelamento do titulo de condução proferida pelo IMT. Sem o acto administrativo de cancelamento do título de condução incorreria apenas em contraordenação. Com a nova redação do artigo 130.º, n.ºs 3, al. d), 5 e 7 do Código da Estrada, a revalidação do titulo de condução caducado há mais de 10 anos, torna-se inviável, não se exigindo na tipicidade do ilícito penal, o acto de cancelamento do título de condução. No caso dos autos, o arguido foi titular da licença de condução n.º … válida até 06-07-2011 para a categoria AM – ciclomotores, pelo que deveria ter revalidado nos dez anos seguintes, ou seja, até 6 de julho de 2021. O que significa, que, à data da prática dos factos (02-07-2022) já tinham decorridos mais de 10 anos sobre a data fixada para a revalidação do título de condução e, sendo inviável a sua renovação [artigo 130.º, n.º 3, al. c), do Código da Estrada], deve concluir-se que o arguido não era titular de licença de condução que o habilitasse legalmente a conduzir ([artigos 130.º, n.ºs 3, al. d), 5, do Código da Estrada], preenchendo, assim, o elemento objectivo «conduzir sem para tal estar habilitado» do crime de condução de veículo motorizado sem habilitação legal, previsto no artigo 3.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro. Estando demonstrado que foi nestas condições, que, no dia 2 de julho de 2022, pelas 01:20 horas, na Rua ..., em ..., o arguido conduziu o ciclomotor, com a matrícula «..-DV-..»; conhecia as características do referido veículo e do local onde conduzia, sabendo que a licença de condução de que foi titular não lhe permita conduzir na via pública ou equiparada (por estar caducada nos termos sobreditos), e, ainda assim, quis fazê-lo; actuando, sempre de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, cometeu um crime de condução de veículo com motor sem habilitação legal, previsto e punido pelos artigos 3.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, 107.º, n.º 2, 121.º e 123.º, n.º 1, do Código da Estrada (DL n.º 114/94, de 3-5) e Regulamento da Habilitação Legal para Conduzir (DL n.º 138/2012, de 05 de julho), pelo qual deve ser condenado. Procede, assim, o recurso.
3. Medida da pena … A propósito do crime de condução de veiculo em estado de embriaguez, pelo qual o arguido também foi condenado, optou o tribunal recorrido pela pena não detentiva de liberdade, não se vislumbrando motivos para alterar esta posição relativamente ao crime de condução de veiculo sem habilitação legal. Escolhe-se, assim, a pena de multa, que deve ser fixada, entre 10 a 120 dias [artigo 3º nºs 1 do Decreto-Lei nº 2/98 de 3 de janeiro conjugado com o artigo 47º nº 1, do Código Penal], sendo que cada dia de multa corresponde a uma quantia ente €5 a €500 que o tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais (cf. artigo 47º nº 2 do Código Penal). …, sopesando, de um lado, o grau da ilicitude e da culpa do arguido, a circunstância de conduzir quando estava em cumprimento de pena acessória de proibição de conduzir veículos automóveis e os antecedentes criminais; e, de outro, a sua inserção familiar, profissional e social, bem como a confissão integral e sem reservas dos factos (embora de pouca relevância, atenta o flagrante delito), julgamos como adequada e proporcional uma pena de cento e vinte euros de multa. Quanto à taxa diária, mantem-se a quantia de cinco euros e cinquenta cêntimos fixados pela primeira instância para o crime de condução de veiculo em estado de embriaguez.
4. Cúmulo Jurídico … Na situação vertente está em causa uma moldura do concurso delimitada entre o mínimo de 120 dias, e o máximo de 240 dias. E é dentro deste balizamento que se deverá proceder à determinação da pena concreta do concurso, para o que se deverá considerar, como já referido, os factos e a personalidade do agente. Mas não obstante este critério especial, sempre o aplicador deverá ter presente os factores enumerados no nº 2 do artigo 71º, posto que a pena conjunta deve ser encontrada em função das exigências gerais de culpa e de prevenção, funcionando, ou devendo funcionar, os apontados factores como ‘guia’ para a medida da pena do concurso -vide Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 290 e s. (§ 420). Nesta sede e não obstante os antecedententes criminais revelarem uma personalidade com traços de indiferença ao desvalor da sua conduta relativamente aos crimes de natureza rodoviária – o arguido num o curto espaço de tempo (6 meses) praticou 3 crimes, dois de condução sob o efeito do álcool e um de desobediência – não se pode concluir que se esteja em presença de uma personalidade tendencialmente anti-social, ou propensa ao cometimento de factos delituosos. Pelo que se nos afigura adequada e equilibrada, do ponto de vista das necessidades preventivas, a fixação de uma pena concreta em 190 (cento e noventa) dias de multa. Termos em que se condena o arguido na pena única de 190 dias de multa, à taxa diária de 5€ e 50€.
III. DECISÃO Por todo o exposto, acordam os Juízes da 5ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra em julgar procedente o recurso, revogando o segmento da sentença recorrida que absolveu o arguido do crime de condução de veiculo sem habilitação legal. Em consequência, decide-se a) condenar o arguido, …, pela prática de um crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nº 1, do Decreto-lei nº 2/98, de 3 de janeiro, na pena de 120€ (cento e vinte euros) de multa, à razão diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos); b) operar o cúmulo jurídico nos termos sobreditos, condenando o arguido na pena única de 190 (cento e noventa) dias de multa, razão diária de 5,50€ (cinco euros e cinquenta cêntimos), c) em tudo o mais manter a sentença recorrida
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