Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
211/14.1YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME CARLOS FERREIRA
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
DIVÓRCIO
ESTADO DA UNIÃO EUROPEIA
TRIBUNAL COMPETENTE
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: REVISÃO NEGADA
Legislação Nacional: ARTºS 978º E 979º DO NCPC; REGULAMENTO (CE) Nº 2201/2003, DO CONSELHO, DE 27/11/2003.
Sumário: I – O Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revogou o Regulamento (CE) nº 1347/2000, aquele vigente em Portugal desde 01/03/2005, dispõe que: “as decisões proferidas num Estado Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades” – artº 21º/1.

II - O pedido de declaração de executoriedade (e o pedido de reconhecimento ou de não reconhecimento) deve ser apresentado ao tribunal indicado na lista comunicada por cada Estado-Membro – artºs 21º/3, 2ª parte, e 29º.

III - O Jornal Oficial da União Europeia nº C40, de 17 de Fevereiro de 2005, que publica a lista 1 – lista dos tribunais e das vias de recurso comunicadas à Comissão pelos Estados-Membros nos termos do artigo 68º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27.11.2003 -, indica que os pedidos previstos nos artigos 21º e 29º devem ser apresentados no que a Portugal respeita «ao Tribunal de Comarca ou ao Tribunal de Família e Menores».

IV - Pelo que se nos afigura que presentemente cabe aos Tribunais de Comarca e aos Tribunais de Famíla e Menores apreciar os pedidos (facultativos) de reconhecimento ou de não-reconhecimento de sentença estrangeira proferida em matéria de divórcio.

V - Logo, os Tribunais das Relações não têm a necessária “competência” para apreciar o pedido de revisão (facultativa) da sentença de divórcio proferida em Estado-Menbro da UE.

Decisão Texto Integral:         
    Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I

            R..., residente em ..., Cebazat, França, interpôs, em 02/12/2014, a presente acção de revisão e confirmação de sentença estrangeira contra M..., residente em ..., Cebazat, França, pedindo a revisão da sentença de divórcio datada de 10/09/2010 e proferida no Tribunal de Gande Instância de Clemont-Ferrand, pelo qual foi decretado o divórcio entre as partes.

            Nessa sentença também foi atribuída a casa de morada de família (em Cebazat) à Requerida e foi fixada uma prestação compensatória de € 65.000,00 a ser paga pelo Requerente à Requerida.

            Juntou cópia dessa sentença e cópia da sua tradução – fls. 6 a 21 

            Citada a Requerida, nenhuma oposição deduziu.

            Cumprido o disposto no artº 982º, nº 1 do nCPC (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06), apresentou o Digno Agente do M.º P.º junto a esta Relação as respectivas alegações, nas quais defende, em resumo, que “... o Regulamento (CE) nº 2201/2003, do Conselho, de 27/11/2003, aplicável ao divórcio decretado após  01/03/2005, estabeleceu o princípio do chamado reconhecimento automático nos Estados Membros, sem quaisquer formalidades”.

            “Que em Portugal, porém, os pedidos previstos nos artºs 21º e 29º do citado Regulamento devem ser apresentados ao Tribunal de comarca ou ao Tribunal de Família e Menores”.

            “Que, por isso, carece este Tribunal da Relação de competência para declarar o reconhecimento solicitado”.

            O Requerente foi notificado desta alegação e nenhuma resposta apresentou.


II

            Cumpre apreciar e decidir:

            Como bem resulta do relatório supra, a presente acção de revisão de sentença estrangeira está a ser processada na vigência do nCPC (aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06).

            Dispõem os artºs 978º e 979º desse nCPC que “sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada, sendo competente para essa revisão o Tribunal da Relação da área em que esteja domiciliada a pessoa contra quem se pretende fazer valer a sentença...”.

            O legislador deste nCPC é conhecedor do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental e que revogou o Regulamento (CE) nº 1347/2000, aquele vigente em Portugal desde 01/03/2005.

            Nos termos do citado Regulamento, “as decisões proferidas num Estado Membro são reconhecidas nos outros Estados-Membros, sem quaisquer formalidades” – artº 21º/1.

            “Em particular, e sem prejuízo do disposto no nº 3, não é exigível nenhuma formalidade para a actualização dos registos do estado civil de um Estado-Membro com base numa decisão de divórcio... proferida noutro Estado-Membro e da qual já não caiba recurso, segundo a legislação desse Estado-Membro” – artº 21º/2.

                 “... qualquer parte interessada  pode requerer, nos termos dos procedimentos previstos na secção 2 do presente capítulo, o reconhecimento ou o não-reconhecimento da decisão” – artº 21º/3.

            O pedido de declaração de executoriedade (e o pedido de reconhecimento ou de não reconhecimento) deve ser apresentado ao tribunal indicado na lista comunicada por cada Estado-Membro – artºs 21º/3, 2ª parte, e 29º.

            O Jornal Oficial da União Europeia nº C40, de 17 de Fevereiro de 2005, que publica a lista 1 – lista dos tribunais e das vias de recurso comunicadas à Comissão pelos Estados-Membros nos termos do artigo 68º do Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho de 27.11.2003 -, indica que os pedidos previstos nos artigos 21º e 29º devem ser apresentados no que a Portugal respeita «ao Tribunal de Comarca ou ao Tribunal de Família e Menores».

            E a forma de apresentação do pedido é regulada pela lei do Estado-Membro - artº 30º/1.

            Coloca-se-nos, no caso presente e segundo as alegações apresentadas pelo Digno M.º P.º, a questão da competência desta Relação para a revisão/reconhecimento da sentença estrangeira (francesa) em causa.

            Ora, o referido Regulamento apenas alude à competência territorial dos tribunais para efeito das declarações de exequibilidade/de executoriedade.

            Assim sendo, cabe aos Estados-Membros definir essa forma de apresentação desse tipo de pedidos e determinar o  tribunal competente para o efeito, o que, no caso português, resulta da publicação efectuada no Jornal Oficial da União Europeia nº C40, de 17 de Fevereiro de 2005, que publica a lista 1 – lista dos tribunais e das vias de recurso.

            Pelo que se nos afigura que presentemente cabe aos Tribunais de Comarca e aos Tribunais de Famíla e Menores apreciar os pedidos (facultativos) de reconhecimento ou de não-reconhecimento de sentença estrangeira proferida em matéria de divórcio.

            Logo, esta Relação não tem a necessária “competência” para apreciar o pedido de revisão (facultativa) da sentença de divórcio em causa.

            Porém, como é entendido na decisão singular sumária desta Relação de 20/11/2008, Proc.º nº 232/08.3YRCB, disponível em www.dgsi.pt/jtrc, e também constitui o entendimento do sr. Desembargador 2º adjunto desta acórdão, que é citado nessa decisão, “..., ao invés do defendido pelo Exmo. Procurador-geral Adjunto, a questão que se nos coloca não se enquadra na falta de competência deste Tribunal – como vimos situações existem em que se torna necessária a revisão de sentenças estrangeiras, atribuindo a lei a competência, para tal, aos Tribunais da Relação – mas antes se desenha como uma real e efectiva desnecessidade de recurso ao quadro processual que disciplina a revisão de sentença estrangeira, desnecessidade que resulta da disciplina legal ínsita ao Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de Novembro de 2003”.

Transcreve-se dessa dita decisão, o seguinte sumário:

I – A nossa ordem jurídica confere aos Tribunais da Relação a necessária competência para revisão de sentenças estrangeiras, a qual se adjectiva através de um processo especial previsto nos artºs 1094º e segs. do CPC.

II – O artº 1094º do CPC excepciona da necessidade de revisão todas as situações que estejam estabelecidas em tratados, convenções, regulamentos comunitários e leis especiais (…).

III – O Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27/11/2003, entrou em vigor no dia 1/08/2004 e, com excepção das matérias vertidas nos artºs 67º, 68º, 69º e 70º, é vinculativo em todos os seus elementos e directamente aplicável nos Estados –Membros, em conformidade com o tratado que institui a Comunidade Europeia, a partir de 1/03/2005.

IV – O reconhecimento e execução de uma decisão proferida por um Estado-Membro tem por base o princípio da confiança, aplicando-se o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho às decisões de divórcio, de separação e anulação do casamento, excluindo as questões relativas às causas de divórcio e aos efeitos patrimoniais do divórcio, proferidas em datas posteriores à sua entrada em vigor – artº 72º.

V – A questão que objecta a que o Tribunal da Relação conheça do pedido de revisão de sentença estrangeira de divórcio proferido em Estado-Membro da Comunidade enquadra-se no pressuposto processual de falta de interesse em agir, falta de interesse que se manifesta através da existência de norma regulamentar comunitária – artº 21º, nº 1 – que vincula o Estado-Membro a reconhecer uma decisão proferida por outro Estado-Membro sem qualquer formalidade, bastando que o pedido seja dirigido ao Tribunal de Comarca/Família e Menores.

Também é este entendimento que vem sendo seguido em outras decisões desta Relação e de outras Relações, como, p. ex.: Ac. Rel. de Coimbra de 26/10/2004, Proc.º nº 1892/04; da Rel. do Porto de 29/05/2012, Proc.º nº 71/12...; da Rel. de Lisboa de 10/05/2011, Proc.º nº 1105/10.5TYRLSB-1, todas disponíveis em www.dgsi.pt/...

Em decisões subscritas pelo sr. Desembargador 1º adjunto deste acórdão tem-se entendido que o Tribunal da Relação é incompetente para rever este tipo de sentenças proferidas em Estado-Membro da União Europeia.

            Nessa medida, quer por manifesta falta de interesse em agir do Requerente, em relação à revisão requerida, quer por falta de competência desta Relação para proferir decisão de revisão da sentença de divórcio de 10/09/2010, proferida no Tribunal de Grande Instância de Clemont-Ferrand, em França, impõe-se o indeferido o pedido de revisão deduzido.

            Consequentemente e face ao exposto, acorda-se em negar a revisão requerida. 

            Custas pelo Requerente.

Valor tributário: € 30.001,00.

Coimbra, 05/05/2015

Jaime Carlos Ferreira (Relator)

Jorge Arcanjo

Teles Pereira