Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | RECURSO CONCLUSÕES IMPUGNAÇÃO DE FACTO ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO RESPONSABILIDADE BANCÁRIA DEVER DE INFORMAÇÃO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO | ||
Data do Acordão: | 09/12/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - GUARDA - JC CÍVEL E CRIMINAL - JUIZ 3 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.607, 640, 663 CPC, 289, 290, 293, 414 CVM ( DL Nº 486/99 DE 13/11), 74 RGICSF | ||
Sumário: | 1.- Quando as conclusões contenham um fundamento ou razão que não tenha sido exposta/desenvolvida nas alegações deve considerar-se não impugnada, nessa parte, a decisão recorrida, com a consequente impossibilidade de conhecimento, nesse segmento, do objecto do recurso; 2.- Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente qual a decisão que no entender do recorrente devia ser proferida sobre os pontos de facto impugnados; a omissão desse ónus, imposto pelo nº 1, c), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto; 3.- No ordenamento jurídico nacional vigora o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz, plasmado nos arts. 607º, nº 5, 1ª parte, e 663º, nº 2, do NCPC, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; 4.- Nesta apreciação livre há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas; 5.- Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente assumir também o reembolso do capital investido; 6.- Provando-se que a gerência do Banco propôs aos AA uma aplicação financeira - a aquisição de obrigações da S (…) - com garantia do capital investido a que os AA deram a sua anuência, por se tratar de um produto comercializado pelo B (…) (detido a 100% pela referida S (…) em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido e rentabilidade assegurada, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros; 7. Além desta responsabilidade contratual, existe também responsabilidade pré-contratual por parte do Banco, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304º, nº 1 e 2, do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de lealdade e transparência, como também da violação dos deveres de informação a que aludem os arts. 7º, nº 1, e 312 nº 1, ambos do CVM, assim fazendo incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 314º, nº 1 do mesmo código, sendo certo, também, que o Banco não ilidiu a presunção legal de culpa do nº 2 do citado art. 314º (todos os indicados artigos na redacção anterior ao DL 357-A/2007, de 31.10), constituindo-se por essa via, igualmente, na obrigação de indemnizar os danos causados aos AA. | ||
Decisão Texto Integral: | I - Relatório
1. D (…) e A (…), residentes na Alemanha, intentaram a presente acção declarativa, contra o Banco (…), SA, com sede em Lisboa, pedindo a condenação do réu a: a) pagar aos autores o capital e juros vencidos e garantidos que, nesta data, perfazem a quantia de 275.000 €, bem como os juros vincendos desde a citação até efectivo e integral pagamento; ou assim não se entendendo: b) ser declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os 250.000 € que aos autores entregaram ao réu, em obrigações subordinadas SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006; c) ser declarado ineficaz em relação aos autores a aplicação que o réu tenha feito desses montantes; d) condenar-se o réu a restituir aos autores 275.000 € que ainda não receberam dos montantes que entregaram ao réu e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data da citação até efectivo e integral cumprimento; e sempre, e) ser o réu condenado a pagar aos autores a quantia de 15.000 €, a título de dano não patrimonial. Alegaram, em síntese, como clientes do réu, na sua agência da Guarda, em Outubro de 2004 o gerente da mesma lhes disse que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo B (...) e rentabilidade assegurada, com juros semestrais e que poderiam levantar o capital e respectivos juros quando o entendessem, bastando avisar a agência com a antecedência de 3 dias. O que voltou a fazer em Abril de 2006, sabendo o mesmo que os autores não possuíam qualificação ou formação técnica que lhes permitisse conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente e que por isso tinham um perfil conservador em relação ao investimento do seu dinheiro, o qual até essa data sempre o aplicaram em depósitos a prazo. O que motivou a autorização pelos autores que actuaram convictos de que estavam a colocar o dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo. Sucede que o dinheiro aplicado, 250.000 €, foi colocado em obrigações SLN 2004 e 2006, sem que soubessem em concreto o que era, desconhecendo inclusive que a SLN era uma empresa. Se tivessem percebido que com a assinatura poderiam estar a dar uma ordem de compra de obrigações SLN, produtos de risco e que o capital não era garantido pelo B (...) , jamais o teriam assinado, pois nunca foi sua intenção investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do réu. Sendo assim o réu depositário de 250.000 €, que mantém aplicados em obrigações SLN 2004 e 2006 mas que deveria ter aplicado em depósitos a prazo, com capital e juros disponíveis de 6 em 6 meses. A assinatura de um dos autores foi colhida num subscrito que terá sido preenchido pelo gerente da Guarda, e nunca qualquer contrato lhes foi lido ou explicado, nem entregue cópia de cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, e nem nunca conheceram qualquer título demonstrativo de possuírem obrigações SLN, não lhes tendo sido entregue documento correspondente, e eventuais documentos, a existirem, só podem ser contratos de cláusulas gerais, cujas assinaturas feitas, não têm validade, por os contratos serem nulos e por não corresponderem à real vontade dos autores, tendo sido completamente omitido e distorcido o processo informativo, quanto à liquidez do capital, vencimento de retribuição e prazos de reembolso, pelo que são nulas as cláusulas principais e essenciais. Já pretenderam levantar o seu dinheiro na data de vencimento contratada, no entanto o réu não lhes disponibilizou tal quantia e não tem cumprido com o pagamento dos juros acordados (contratou uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e foram-lhe pagos juros na ordem de 1%, desde Maio de 2015 e até à maturidade). A actuação do réu impediu-os de usar o seu dinheiro como bem entendessem e colocou-os num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem ou de não saberem quando iam reaver o seu dinheiro, andando em permanente estado de “stress”, por recearem serem desapossados destas suas economias. O réu contestou, invocando a ineptidão da petição, e a incompetência territorial deste tribunal, alegando, ainda, que o direito dos autores está prescrito. Que os autores conheceram que haviam subscrito obrigações SLN, desde logo pelos extractos mensais periódicos, onde todas as suas aplicações financeiras apareciam discriminadas e separadas de acordo com a sua natureza, o que lhes permitia destrinçar que tinham produtos financeiros diferentes de Depósitos a Prazo, por um lado, e produtos consubstanciados em títulos, em valores mobiliários, semelhantes a outros por si subscritos antes e depois desta subscrição, por outro. Mais alegou que as obrigações SLN 2004 e 2006, foram emitidas pela SLN, SGPS, S.A., sociedade titular de 100% do capital social do réu, participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada, e qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente, ao que acrescia neste caso o facto da entidade emitente ser “mãe” do réu, sendo este um garante da solvabilidade daquela, por ser o principal activo do seu património, pelo que dificilmente haveria produto financeiro tão seguro com a subscrição daquelas obrigações. Que o risco de um DP seria, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da SLN ser indexado ao risco do próprio Banco, sendo o produto dado à subscrição dos autores efectivamente seguro, acabando o seu incumprimento por ser determinado por circunstâncias imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como a mesma foi determinada, separando o Banco do restante grupo de empresas e, à data, mesmo uma situação de insolvência da SLN implicaria necessariamente uma prévia insolvência do Banco por ser um seu activo. Que o gestor informou os autores de todas as condições de subscrição do produto financeiro, e nunca disse que o Banco garantiria o que fosse quanto ao (in)cumprimento das obrigações da SLN. Por último, defende que a subscrição de obrigações SLN não foi sujeita a qualquer contrato de adesão ou formulário de cláusulas contratuais gerais, sendo, antes de mais, um contrato entre os autores e a SLN (não o Banco). Os autores responderam. Foi proferido despacho saneador, que julgou improcedentes as excepções de incompetência territorial e de ineptidão da petição inicial. * A final foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência: A) - Condenou o R. a pagar aos AA a quantia de 250.000 € de capital acrescido dos juros vencidos e garantidos vertidos nas obrigações provadas em 2. dos factos provados, descontando os juros já recebidos, no montante final que vier a ser liquidado, bem como no pagamento dos juros vincendos sobre aquele capital, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento; B) - Condenou o R. a pagar aos AA a quantia de 5.000 €, a título de compensação por danos não patrimoniais. * 2. O R. interpôs recurso, tendo formulado as seguintes conclusões: (…) 3. Os AA contra-alegaram, concluindo que: (…)
II – Factos Provados
1. Os autores eram clientes do réu, na sua agência da Guarda, com a conta à ordem nº (...) , onde movimentavam parte dos dinheiros, realizavam pagamentos e efectuavam poupanças. (artigo 1º da petição inicial) 2. Em 19 de Outubro de 2004, em 24 de Abril de 2006 e em 14 de Março Fevereiro de 2007 o gerente do réu da agência da Guarda disse aos autores que tinha uma aplicação em tudo igual a um depósito a prazo e com capital garantido pelo B (...) e com rentabilidade assegurada. (artigos 2º e 3º da petição inicial) 3. O dito funcionário do réu sabia que os autores não possuíam qualificação ou formação técnica que lhes permitisse à data conhecer integralmente os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente. (artigo 4º da petição inicial) 5. E que por isso, tinham um perfil essencialmente conservador no que respeitava ao investimento do seu dinheiro. (artigo 5º da petição inicial) 6. Na sequência do referido em 2., 250.000,00€ do dinheiro dos autores viria a ser colocado em obrigações SLN Rendimento Mais 2004 (150.000,00 euros) e SLN 2006 (100.000,00 euros), sem que os autores soubessem em concreto o que era, desconhecendo inclusivamente que a SLN era uma empresa. (artigo 6º da petição inicial) 7. O que motivou a autorização, por parte dos autores foi o facto de lhes ter sido dito pelo gerente que o capital era garantido pelo réu, com juros semestrais e que poderiam levantar o capital e respectivos juros quando assim o entendessem, bastando avisar a agência com a antecedência de três dias. (artigo 7º da petição inicial) 8. Os autores actuaram convictos de que estavam a colocar o dinheiro numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, por isso, num produto com risco exclusivamente do réu. (artigo 8º da petição inicial) 9. Se os autores tivessem percebido que com a assinatura daquele papel que lhes fora apresentado pelo gerente do réu poderiam estar a dar uma ordem de compra de obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006, produtos de risco e que o capital não era garantido pelo B (...) , jamais o teriam assinado. (artigo 9º da petição inicial) 10. Nunca foi intenção dos autores investir em produtos de risco, como era do conhecimento do gerente e funcionários do réu, e os autores sempre estiveram convencidos que o réu lhes restituiria o capital e os juros, quando os solicitassem. (artigo 10º da petição inicial) 11. O réu sempre assegurou que a aplicação em causa tinha a mesma garantia de um depósito a prazo. (artigo 11º da petição inicial) 12. Daí a convicção plena com que os autores ficaram da segurança da aplicação em causa, cujos juros foram sendo semestralmente pagos, o que transmitiu segurança aos autores e nunca os alertou para qualquer irregularidade, face ao que lhes tinha sido dito pelo referido gerente da agência da Guarda, o que sucedeu até à maturidade das obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006, momento em que verificaram que o réu não iria pagar. (artigo 12º da petição inicial) 13. Agora o réu atribui a responsabilidade pelo pagamento à SLN, entidade que os autores nem sabiam existir. (artigo 13º da petição inicial) 14. Os autores não sabiam o que era a SLN. (artigo 14º da petição inicial) 15. Os autores desconheciam que tinham adquirido uma aplicação com diferentes características das de um depósito a prazo, pois caso soubessem que se tratava de produtos de risco, não os teriam adquirido. (artigo 16º da petição inicial) 16. Nunca o gerente ou funcionários do réu, nem ninguém, leu ou explicou aos autores o que eram aquelas obrigações. (artigo 18º da petição inicial) 17. O réu é depositário de 250.000,00€ que mantém aplicados em obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006. (artigo 19º da petição inicial) 18. O réu colheu a assinatura de um dos autores, em subscritos preenchidos pelo gerente da Guarda. (artigo 21º da petição inicial) 19. Nunca qualquer contrato lhes foi lido nem explicado, nem entregue cópia que contivesse cláusulas sobre obrigações subordinadas SLN, nem que contivesse prazos de resolução unilateral pelos autores; e nem nunca conheceram os autores qualquer título demonstrativo de que possuíam obrigações SLN, não lhes tendo sido entregue documento correspondente. (artigo 22º da petição inicial) 20. Tais eventuais documentos, a existirem, não correspondem à real vontade dos autores. (artigos 23º e 24º da petição inicial) 21. Os autores nunca aceitariam, se acaso o réu lhes tivesse explicado que o dinheiro era para investir em obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 sem que o capital fosse garantido pelo réu. (artigo 25º da petição inicial) 22. Vendo-se agora os autores confrontados com a subscrição de produtos de risco, sem que o montante de capital investido se encontre garantido no prazo de maturidade. (artigo 28º da petição inicial) 23. Os autores já pretenderam levantar o seu dinheiro na data de vencimento contratada, no entanto o réu não lhes disponibilizou tal quantia. (artigo 29º da petição inicial) 24. O réu foi apresentado pelo seu gerente como garante da aplicação financeira em causa. (artigo 31º da petição inicial) 25. Aliás, como constava da própria documentação interna criada, veiculada e distribuída pelo réu aos seus funcionários. (artigo 32º da petição inicial) 26. Um dos argumentos invocados pela Direcção Comercial do B (...) e que os funcionários da rede de balcões do banco réu repetiam junto dos seus clientes, como o fez com os autores, era o de que se tratava de um investimento seguro e, por isso, este assegurava o reembolso do capital investido e juros. (artigo 33º da petição inicial) 27. As orientações e comunicações internas existentes no B (...) e que este transmitia aos seus comerciais nos respetivos balcões consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua solidez, a boa rentabilidade e assegurar que o réu garantia o capital investido. (artigo 34º da petição inicial) 28. O réu pretendia que os seus funcionários tivessem especial empenho na colocação destes produtos e passassem a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, garantindo ele próprio a satisfação de tais encargos. (artigo 35º da petição inicial) 29. Os autores, por efeito do incumprimento do réu, quanto à garantia de capital e juros que tinha dado para data certa, ficaram impedidos de usar o seu dinheiro como entendessem. (artigo 39º da petição inicial) 31. Com a sua actuação, o réu colocou os autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saberem quando iam reaver o seu dinheiro. (artigo 40º da contestação) 32. E tem provocado nos autores ansiedade e tristeza, uma vez que se trata da sobredita quantia. (artigo 41º da contestação) 33. Pelo que os autores andam em permanente estado de “stress”, por recearem ser desapossados destas suas economias. (artigo 42º da contestação) 34. Sempre foi garantido e assegurado que os produtos eram garantidos, era a mesma coisa como se fosse um depósito a prazo e que não tinha risco nenhum, pois o réu sempre garantiu o retorno, ou seja, o reembolso novamente do capital investido na conta aberta no réu e com juros. (artigos 53º e 54º da resposta dos autores) 35. Os autores mantinham‐se no convencimento de que as aplicações feitas eram, tal como lhe havia transmitido o gerente da agência da Guarda do réu, semestrais, tinham liquidez assegurada nas datas dos vencimentos e que o seu risco era igual a um depósito a prazo, com retorno garantido do capital e juros pelo Banco réu. (artigo 111º da resposta dos autores) 37. Os autores desconheciam que o reembolso antecipado da emissão estava vedado à mera iniciativa unilateral do subscritor e que a única forma de liquidar o produto antes do fim do prazo seria transmitindo a um terceiro interessado, mediante endosso, desconhecendo que o réu estava, na data da negociação, a alienar produtos financeiros de outrem. (artigos 112º e 113º da resposta dos autores) 38. Além disso, os funcionários até aquando da maturação das obrigações, embora em momento não concretamente apurado, reconheceu que o réu iria restituir aos autores o valor reclamado, assegurando‐lhes o reembolso. (artigo 134º da resposta dos autores) 39. Os autores só após a maturação das obrigações, mas em momento não concretamente apurado, é que tiveram conhecimento de que o produto adquirido através do réu não tinha as características que lhes haviam assegurado. (artigo 137º da resposta dos autores) 40. Os autores não assinaram qualquer boletim de subscrição de obrigações SLN Rendimento Mais 2004 e SLN 2006 e nunca leram, nem lhe foi dado conhecimento de quaisquer panfletos e/ou notas informativas e/ou boletins de subscrição sobre estas aplicações. (artigos 143º e 144º da resposta dos autores) 41. O réu cumpriu ordens dadas pelos seus clientes, no sentido de subscrição de obrigações SLN. (artigo 20º da contestação) 42. No extracto de aplicações financeiras dos autores impresso pelo réu a 23.06.2016, reportado ao período compreendido entre 21.03.2002 e 23.06.2016, aparecem discriminados os seus “títulos” e respectivas operações. (artigo 24º a 27º e 56º da contestação) 43. Os autores não têm formação específica em área financeira. (artigo 49º da contestação) 44. Os autores subscreveram 1 obrigação SLN 2006, no valor de 50.000,00€, em Maio de 2006 e outra no mesmo valor em 27 de Junho de 2006, 2 obrigações SLN 2004 em Outubro de 2004 e outra em 19 de Fevereiro de 2007, no valor global de 150.000,00 euros. (artigos 50º a 55º da contestação) 45. As Obrigações SLN 2006 foram emitidas pela SLN, SGPS,S.A., sociedade titular de 100% do capital social do réu, participação que deteve de forma permanente até Novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada. (artigos 36º a 39º da contestação) 46. O Fundo de Garantia de Depósitos tinha à data o valor máximo de 25.000,00€ por conta bancária. (artigo 44º da contestação) 47. O B (...) foi separado do restante grupo de empresas. (artigo 46º da contestação) 48. Os autores foram contactados pelo seu gestor para oferta da possibilidade de subscrever o produto aqui em causa. (artigo 43º da contestação) 49. O gerente do réu explicou aos autores a remuneração daquela aplicação, vantajosa relativamente aos depósitos a prazo, e o seu prazo, de 10 anos. (artigos 49º e 58º a 61º da contestação) 50. Durante um período de tempo não concretamente apurado mas que abrangeu o período da subscrição, o endosso das obrigações era fácil e rápido. (artigos 63º da contestação) 51. Não foi efectivamente reembolsado o investimento dos autores. (artigo 73º da contestação) 52. A subscrição de Obrigações SLN intermediada pelo réu foi realizada entre os autores e a SLN e não se corporizou num qualquer outro escrito, mas apenas e tão-só nas sobreditas propostas da SLN, veiculadas pelo réu e aceites pelos autores, vertidas nas ordens de subscrição de títulos. (artigos 76º a 80º da contestação) 53. Destas obrigações foram pagos juros aos autores em percentagem e montante não concretamente apurado. (artigo 30º da petição inicial) 54. A presente acção deu entrada em juízo em 03.06.2016. * Não se provou que: (…) i) Todas as informações prestadas foram verdadeiras e nunca o réu agiu perante os autores com intenção de os enganar ou prejudicar, ou sequer de omitir informação relevante de forma consciente. (artigos 20º e 21º da contestação); j) Os autores conheceram desde logo que haviam subscrito obrigações SLN. (artigo 24º da contestação); (…) m) O incumprimento da obrigação em causa foi determinado por circunstâncias, completamente imprevisíveis e anormais, como uma nacionalização e a forma como foi determinada. (artigo 46º da contestação); n) O gestor de conta dos autores explicou-lhes que se tratava de valores mobiliários em representação de dívida da sociedade emitente, acrescentando que se tratava da sociedade-mãe do Banco e mais apresentou todas as condições do produto. (artigos 56º a 58º da contestação); o) E também explicou as condições de reembolso e de obtenção de liquidez ao longo do prazo de 10 anos, que apenas seria possível por via de endosso. (artigos 49º e 62º da contestação); (…) q) Sempre que solicitado endosso de tais obrigações, era uma questão de minutos até obter um comprador. (artigo 64º da contestação); (…) t) O réu sempre explicou todos os formulários dados a assinar aos autores. (artigo 74º da contestação); *
III - Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas. Nesta conformidade, as questões a resolver são as seguintes. - Alteração da matéria de facto. - Responsabilidade civil do réu.
2. O R. impugna os factos provados 2., 6., 7., 9. a 11., 13. a 16., 20. a 22., 24. a 29., 34., 35., 37. a 39. E os factos não provados i), j), m) a o), q) e t). Quanto aos primeiros pretende respostas restritivas aos factos 2., 6., 11., 24. a 28., e 39., e de não provado aos restantes. E relativamente aos segundos peticiona que os i), j), n) e o), passem a provados, nada dizendo no respeitante aos demais. 2.1. Quanto aos factos provados 38. e 39., torna-se inútil conhecer da respectiva impugnação, visto que respeitavam à prescrição invocada pelo recorrente na sua contestação, excepção que veio a ser julgada improcedente, decisão que o R. aceitou, por o seu recurso não abranger tal questão. 2.2. Relativamente aos factos não provados m), q) e t), a impugnação tem de improceder por duas razões. Primeiro, porque depois de os referir na conclusão II. já não se preocupa com os mesmos nas subsequentes conclusões. E no corpo das alegações não dedica nenhuma atenção, uma única palavra a explicar ou a desenvolver a razão para tanto em relação a tais indicados factos não provados. Ou seja, a dita conclusão II. não encontra apoio algum na motivação de recurso. Não se trata, porém, de qualquer conclusão deficiente carecida de aperfeiçoamento, porquanto a lei só prevê o dito aperfeiçoamento para as conclusões, não para as alegações propriamente ditas (art. 639º, nº 3, do NCPC = ao art. 685º-A, nº 3, do CPC). E é assim no que se refere à matéria de direito, pois tratando-se de matéria de facto, diferentemente nem sequer há qualquer aperfeiçoamento (cfr. art. 640º, nº 1, in fine, do NCPC). Por isso, por mais obscuras, complexas e deficientes que as alegações sejam, a lei não admite que o recorrente seja convidado a corrigi-las ou ampliá-las. Quid júris então, neste tipo de hipótese ? É sabido que as conclusões consistem na enunciação de proposições que sintetizam os fundamentos do recurso. A exigência de que a alegação conclua pela indicação sintética dos fundamentos, pressupõe necessária e logicamente que se expuseram mais desenvolvidamente esses fundamentos: a lei exige não só que o recorrente conclua senão também que alegue. O recorrente deve expor ao tribunal ad quem as razões da sua impugnação, a fim de que este tribunal decida se tais razões procedem ou não. As conclusões devem condensar as razões da discordância do recorrente relativamente à decisão impugnada – expostas na alegação. Quando isso não suceda, i.e., quando as conclusões contenham um fundamento ou razão que não tenha sido exposta nas alegações, em face da impossibilidade legal de convidar o recorrente a ampliá-las, deve considerar-se não impugnada, nessa parte, a decisão recorrida, com a consequente impossibilidade de conhecimento, nesse segmento, do objecto do recurso (cfr. neste sentido, por ex., os Acds. do STJ de 2.12.1988, BMJ 382, pág. 497, de 12.1.1995, C.J., T. 1, pág. 20, de 13.1.2005, Proc.04B4132, de 24.5.2005, Proc.05A1414 e Abrantes Geraldes, Recursos em P. Civil, 2ª Ed., 2008, nota 4. Ao artigo 684º do anterior CPC, pág. 92). Como assim, não encontrando a dita conclusão II., sobre este aspecto, apoio algum na motivação de recurso, é como se não houvesse impugnação, pelo que necessariamente não é cognoscível esta parte da referida impugnação (referente a tais indicados factos não provados). Em segundo lugar, porque a aceitar-se ter havido impugnação a mesma não teria respeitado um dos ónus legais impostos no art. 640º, nº 1, c), do NCPC, já que o recorrente omitiu por completo (quer no corpo das alegações, quer nas conclusões de recurso) qual a decisão que no seu entender devia ser proferida sobre tais pontos de facto. O que implicaria a sua rejeição (corpo do citado art. 640º, nº 1). 2.3. Resta conhecer a remanescente factualidade. O recorrente baseia-se no depoimento da testemunha por si arrolada A (…), por ter conhecimento directo dos factos. (…) (…) Do exposto resulta que, sem querer lançar o labéu da suspeita da infidelidade ou não sinceridade do depoimento de tal testemunha, certo é que a mesma era, na altura, funcionário do B (...) e hoje do R., pelo que, dada essa condição, a força probatória do seu depoimento só poderia valer com suficiente vinculatividade se acompanhada de outros elementos probatórios que apontassem no sentido por ele transmitido. O que não acontece, já que o julgador de facto se baseou em outros elementos probatórios, tais como a prova documental, a prova por declarações de parte e outros depoimentos testemunhais, que analisou detalhadamente e conjugou, depois, com recurso a deduções, regras da experiência e juízos de bom senso, razoabilidade e racionalidade. Ou seja, a impugnação do apelante, suportada num único depoimento, padece de insuficiência probatória, não podendo censurar-se a convicção do julgador de facto, e que nós, em recurso, sufragamos. Na verdade, estamos, no domínio do princípio da livre apreciação da prova, plasmado no art. 607º, nº 5, 1ª parte, do NCPC, segundo o qual o juiz aprecia as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto. Sendo certo que, como em qualquer actividade humana, existirá sempre na actuação jurisdicional uma margem de incerteza e aleatoriedade, no que concerne à decisão sobre a matéria de facto, o que importa, pois, é que se minimize o mais possível tal margem de erro, tendo, porém, o sistema válvulas de segurança. Efectivamente, nesta apreciação livre há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, dos princípios da lógica, ou das regras científicas (vide Anselmo de Castro, D. P. Civil, Vol. 3º, pág. 173, e L. Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1ª Ed., pág. 157). Ou dito de outro modo, “I - A criação da convicção do julgador que leva à decisão da matéria de facto tem de assentar em dados concretos, alguns dos quais elementos não repetíveis ou tão fiáveis na 2.ª instância como na 1.ª, em situação de reapreciação da prova. Na verdade, escapam à 2.ª instância, por princípio, a imediação e a oralidade que o juiz da 1.ª instância possui. II - Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela” vide Ac. do STJ de 20.5.2010 (relator Mário Cruz), Proc.73/2002.S1, em www.dgsi.pt. Dos depoimentos das testemunhas, antes apontados, decorre, apesar de não termos a riqueza de ajuizamento resultante da imediação, apenas dispondo da oralidade constante da gravação, que a versão trazida a julgamento pelo ora apelante não é a mais sólida e sustentada probatoriamente. Assim, dessa prova referida, resulta que a convicção do julgador, expressa na decisão da matéria de facto, tem sustentabilidade, sendo razoável, aceitável, sendo por isso compreensível o modo como fixou tal matéria de facto, não se mostrando, por outro lado, infirmada por outra prova de apreciação livre suficientemente convincente. Desta maneira, considerando que o direito não é uma ciência exacta, nem se pode aspirar humanamente a que do depoimento testemunhal possam resultar certezas absolutas, no caso dos autos podemos extrair duas conclusões. Uma, é que compulsando o que resulta do teor da actividade probatória, resulta para nós que nenhuma máxima da experiência, advinda da observação das coisas da vida, princípios da lógica, ou regra científica, foi violada. Outra, é que, tendo sustentabilidade e sendo compreensível a convicção do julgador de facto, é razoável, é de aceitar a decisão da matéria de facto que o julgador expressou, pois também não mostra desconformidade à luz dos meios de prova indicados e produzidos nos autos. Decisão da matéria de facto que nós aceitamos, repetimo-lo, por, igualmente, podermos formular semelhante convicção. Desta sorte, ponderando todos os elementos probatórios indicados e analisados criticamente não se descortina motivo para alterar a decisão da matéria de facto proferida pelo julgador a quo, já que agindo ele e agindo nós sob o princípio da livre apreciação da prova (art. 663º, nº 2, do NCPC) é esse o melhor resultado decisório de facto a que se chegou, sem violação das regras da lógica e da experiência. Por conseguinte, face ao explanado, a impugnação da matéria de facto tem de ser rejeitada relativamente aos apontados pontos. Assim improcedendo, na totalidade, a impugnação da matéria de facto deduzida pelo recorrente. 3. Como prévio ponto, temos de salientar que na decisão recorrida se considerou estar perante um contrato de intermediação financeira referente a valores mobiliários, celebrado entre as partes, qualificação jurídica que não vem contestada, e que se mostra correcta face ao Código de Valores Mobiliários (CVM), DL 486/99, de 13.11 de Novembro (com sucessivas versões), arts. 289º, nº 1, 290º, nº 1, a) e b), e 293º, nº 1, a). Na sentença recorrida escreveu-se que: “O Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de outubro, aditou ao Código dos Valores Mobiliários várias disposições legais que densificaram, entre outros, deveres de conduta já anteriormente previstos e que relevam no presente caso. Estando em causa obrigações subscritas em 2004 e 2006 importa considerar o artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 357-A/2007, de 31 de outubro, que entrou em vigor em 1 de Novembro de 2007 (pese embora se ressalve no n.º6 do art.º 18º daquele diploma que “Os intermediários financeiros devem prestar, a quem seja seu cliente a 1 de Novembro de 2007, a informação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 312.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação dada pelo presente decreto-lei”), pelo que será à redacção anterior à conferida por aquele que nos reportaremos, quando inexista indicação em contrário. (…) De acordo com o art.º 800°, nº1, do CC, "o devedor é responsável perante o credor pelos actos dos seus representantes legais ou das pessoas que utilize para o cumprimento da obrigação, como se tais factos fossem praticados pelo próprio devedor”. Daqui decorre que a actuação do gerente do réu vinculou aquele nos seus precisos termos, responsabilizando‐o pelo inerente cumprimento. Tal é igualmente válido quanto à conduta pré contratual em causa (os autores se socorrem também desta fonte de responsabilidade). O enquadramento jurídico dos factos acima dados com provados deverá partir dos vulgarmente denominados deveres de informação, lealdade, cuidado com valores alheios e boa-fé do Banco em relação ao cliente. À data da subscrição das obrigações em causa nos autos as normas que convocam ao cumprimento de tais deveres reconduziam-se ao art.º 227º do Código Civil (CC), que nos remete para o dever pré-contratual de informação, que recai sobre a instituição financeira na formação do contrato, à luz do princípio da boa-fé. Mais especificamente, previa o art.º 74º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, na sua redação original, que “Nas relações com os clientes, os administradores e os empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, neutralidade, lealdade e discrição e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados” (sublinhado meu). Essencialmente decorria então do n.º1 do art.º 75º, alusivo ao “dever de informação” que “As instituições de crédito devem informar os clientes sobre a remuneração que oferecem pelos fundos recebidos e sobre o preço dos serviços prestados e outros encargos suportados por aqueles”. Saliente-se que a propósito do critério de diligência, dispunha o então art.º 76º que “Os membros dos órgãos de administração das instituições de crédito, bem como as pessoas que nelas exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e dos demais credores” (sublinhado meu). Tem igualmente aplicação o disposto nos arts.º 75º, n.º2 e 77.º, n.º 1 do referido RGICSF que, na redacção original, remetia para o estabelecimento, por aviso, das regras de conduta que o Banco de Portugal considerasse necessárias para complementar e desenvolver as fixadas no presente diploma. 7Como se refere no sitio da internet do Banco de Portugal, estes avisos ou instruções visam o cumprimento de critérios de integridade, idoneidade e competência pelas instituições supervisionadas e pelos seus funcionários – deveres gerais de conduta; a verificação das regras aplicáveis na comercialização de produtos e serviços bancários – deveres específicos de conduta e a divulgação de informação clara, completa e atual sobre os produtos e serviços bancários que comercializam, antes e durante a vigência dos contratos – deveres de informação. Nas subsequentes alterações legislativas estes deveres de informação e lealdade foram densificados neste diploma (à semelhança do sucedido com o CVM), nomeadamente pela redacção conferida ao art.º 77º, em 2008 e 2015. Também o CVM (desde a sua redacção originária conferida pelo DL n.º 486/99, de 13.11) continha (e contém) várias normas de protecção ao investidor não qualificado (como os autores), impondo ao intermediário financeiro uma multiplicidade de deveres visando permitir ao cliente formar um juízo esclarecido acerca da adequação do investimento. Ao nível dos princípios, o art.º 304º previa, na sua primeira redação, que: 1- Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado. 2- Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 3- Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (…) 5- Estes princípios e os deveres referidos nos artigos seguintes são aplicáveis aos titulares do órgão de administração do intermediário financeiro e às pessoas que efectivamente dirigem ou fiscalizam cada uma das actividades de intermediação. É também isso que resultava do artigo 312º daquele diploma, na sua redacção inicial, quando previa, a respeito dos deveres de informação, que: 1- O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a: a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar; c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar; d) Custo do serviço a prestar. 2- A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. 3- A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não exime o intermediário financeiro da observância dos requisitos e do regime aplicáveis à informação em geral. A temática dos deveres de informação era de tal forma negligenciada na prática que o legislador teve a necessidade de, em 2007, aditar vários normativos (arts.º 312º-A a 312º-G; 314º-A a 314º-C e 323º-A a 323º-D) especificando os múltiplos aspectos e variantes em que os mesmos se deviam concretizar. Também ao nível da execução de ordens no âmbito de contratos de intermediação financeira o artigo 323º, na redacção aqui aplicável, previa que “Além dos deveres a que se refere o artigo 312.º, o intermediário financeiro deve informar os clientes com quem tenha celebrado contrato sobre: a) A execução e os resultados das operações que efectue por conta deles; b) A ocorrência de dificuldades especiais ou a inviabilidade de execução da operação; c) Quaisquer factos ou circunstâncias de que tome conhecimento, não sujeitos a segredo profissional, que possam justificar a modificação ou a revogação das ordens ou instruções dadas pelo cliente”. O próprio art.º 314º, na sua redacção originária, no seu n.º2, referia em particular a violação de deveres de informação. Também na doutrina já muito se escreveu ao longo dos anos a este propósito, importando recordar, com pertinência no caso vertente, as palavras de Agostinho Cardoso Guedes (in “A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485.º do Código Civil”, RDES, Ano XIV, 1988, pp, 138 e ss.), donde: “Sempre que alguém se dirige a um banco para com ele celebrar um contrato (um depósito bancário, um empréstimo, a compra de títulos da sociedade proprietária do banco, um desconto, um empréstimo hipotecário, depósito de títulos etc.) e se inicie uma actividade comum dos contraentes destinada à análise e elaboração do projecto de negócio não parece restar qualquer dúvida que qualquer dos contraentes fica imediatamente vinculado aos deveres resultantes do art. 227.º”. Acrescenta aquele autor que “…o problema da responsabilidade por informações como problema autónomo, coloca‐se, principalmente, quando o dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações, as quais induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé. No caso do banco, o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objectivamente possuem” (in op. cit., págs. 138 e 139). Frequentemente citado neste aspecto, Menezes Cordeiro afirma (in “Banca, Bolsa E Crédito, Estudos de Direito Comercial e de Direito da Economia”, I Vol., Almedina, 1990, págs. 40 a 42) que no caso dos bancos, atenta a sua natureza e organização específica, o dever de informação tem um carácter acentuado (intenso), visando a protecção da parte débil no contrato, sendo que “A fraqueza apura‐se, aqui pela falta de conhecimento e de experiência do utente do banco ou pela ausência de liberdade” e em que a “protecção da parte fraca efectiva‐se através de particulares deveres de informação e de esclarecimento, a cargo da parte forte”. No mesmo sentido Menezes Leitão (in “Informação Bancária e Responsabilidade”, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor. Inocêncio Galvão Telles, Volume II, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 230) acrescenta que “…mesmo nos casos em que o banco presta conselhos ou recomendações sobre negócios (consultoria em relação a decisão de investimento, intermediação em operações sobre valores mobiliários, etc.) mesmo neste âmbito, sempre que a informação prestada tenha um cariz objectivo, se deve presumir a culpa do banco nos termos do art. 799 do CC que como entidade especializada na matéria se compromete à prestação de informações exactas, cabendo a ele ilidir sempre essa presunção com a demonstração de que o cumprimento defeituoso não procede de culpa sua”. Já na versão original o art.º 312º impunha ao intermediário financeiro que prestasse “todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada” nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar [anterior al. a), atual al. e)]. A este respeito Sofia Nascimento Rodrigues (in “A Protecção dos investidores em Valores Mobiliários, Almedina, Coimbra 2001, págs. 23 e segs.) refere que este princípio nuclear de informação deve ser dividido em três grandes pilares que se complementam entre si: o interesse público; a segurança nos mercados e a igualdade entre os vários agentes de mercado. Ora, a factualidade provada nos autos permite e impõe concluir pela violação clara de tais deveres por parte do réu. Relativamente ao fácil e rápido endosso das obrigações, naquele hiato, em nada infirma a sobredita conclusão, pois que não altera as características que o banco afiançou que as aplicações tinham e a inversa realidade. Desta violação resulta a obrigação de indemnizar os danos causados, seja ao abrigo do disposto no artigo 762.º, n.º 2, do CC, donde se exige às partes que actuem de boa-fé na execução do contrato, seja ao abrigo do artigo 227.º, n.º1, no momento prévio à formação do contrato, donde se exige que as partes contratantes procedam segundo as regras da boa-fé. Nos termos do art.º 314.º, n.º1 do CVM “Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitante ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública”. É determinante reter que, já na sua redacção originária (aplicável ao caso em análise), decorria do nº2 do referido art.º 314º que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação”. Com efeito, a responsabilidade do intermediário financeiro a que alude o artigo 314º do CVM, apresenta-se desde logo (embora não exclusivamente) como uma responsabilidade contratual, cujos pressupostos estão definidos pelo artigo 798º do CC, sendo a causa de tal responsabilidade a violação do dever de informação a que estão obrigados os bancos, definido no artigo 75º, nº 1 do regime jurídico das instituições bancárias, aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31-12 (e acima aludido). Como se refere no Ac. do STJ de 17.03.2016 (Proc. N.º 70/13.1TBSEI.C1, in www.dgsi.pt), que passamos a acompanhar de perto atenta a clareza da exposição: “Trata-se de uma modalidade de responsabilidade civil que se situa numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual, e que aqui qualificamos como responsabilidade contratual, aplicando-se em consequência o regime do art. 799.º do CC. (…) A culpa na responsabilidade contratual presume-se, nos termos do art. 799.º do CC. Esta norma, segundo Menezes Cordeiro, contém uma dupla presunção de ilicitude e de culpa. «Perante a falta de cumprimento, presume-se que: o devedor não cumpriu, violando as normas jurídicas que mandam cumprir – ilicitude; o devedor incorre no correspondente juízo jurídico de censura – culpa”» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, 5.ª Edição revista a atualizada, Almedina, Coimbra, 2014, pp. 431-432). Na presença de um acordo entre o banqueiro e o seu cliente a «falta do resultado normativamente prefigurado implica presunções de culpa, de ilicitude e de causalidade» (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 432). Assim, numa situação de tipo obrigacional, a mera falta de informação do beneficiário responsabiliza, automaticamente, o obrigado. O responsabilizado só se liberará se lograr provar que, afinal, prestou a informação ou se beneficiou de alguma causa de justificação ou de excusa (cf. Menezes Cordeiro, Direito Bancário, ob. cit., p. 433). No domínio do direito bancário, a relação entre o Banco e o cliente é uma relação particular, em que as partes são levadas a confiar uma na outra. Sobretudo, o sujeito que se encontra na posição de cliente não profissional, e que não tem formação nem experiência na área financeira, baixa as suas defesas naturais por conferir à instituição bancária uma total competência para cuidar dos seus investimentos, depositando nela uma especial confiança, tornando-se, por isso, ainda mais vulnerável, sobretudo, se as primeiras aplicações produziram rendimentos e ele é assim induzido a confiar ainda mais no produto. Gera-se assim uma situação em que os envolvidos descuram a preocupação de obter informações, pelos seus próprios meios. Esta realidade humana deve ser tutelada pelo Direito e, por isso, se cria uma situação que dá azo a obrigações específicas de informar a cargo do Banco, fruto de responsabilidade obrigacional, no caso de inobservância. (…) O Banco assegurou ao cliente que o produto financeiro proposto era um instrumento de uma empresa do mesmo grupo, sem qualquer risco, com reembolso do capital e juros garantidos. A declaração do Banco, segundo a qual “estava assegurado o reembolso do capital e dos juros, não comportando qualquer risco”, interpretada à luz dos critérios interpretativos das declarações negociais fixados no art. 236.º, n.º 1 do CC e que remetem para a perceção do declaratário médio ou normal, significa a assunção de um compromisso perante o cliente, segundo o qual o investimento não comportaria riscos para o capital investido e de garantia ao cliente do reembolso do capital, implicando assim uma assunção de responsabilidade. 8Neste sentido também se orientou o acórdão deste Supremo Tribunal, de 10-01-2013, (proc. n.º 89/10.4TVPRT.P1.S1), relatado pelo Conselheiro Tavares de Paiva, segundo o qual «(…) trata-se de um quadro negocial, a que seguramente não é alheio todo o relacionamento contratual de confiança existente entre a autora e o banco Réu desenvolvido ao longo dos anos e que num contexto negocial do tipo do que vem provado, à própria luz do art. 236 nº 1 do CPC, não pode deixar de ser interpretado como um compromisso contratual por parte do banco réu para com a autora traduzido precisamente naquele compromisso de garantir o reembolso do capital que foi aplicado na aquisição dos identificados activos financeiros.)» (…) A confiança do cliente, investidor não qualificado, nestas informações, deve ser protegida pela ordem jurídica, sob pena de se minar o valor coletivo da segurança jurídica. Neste caso, sendo o prestador das informações um Banco, a questão da responsabilidade coloca-se com mais acuidade. O dador aparece, perante o destinatário, portador de qualidades específicas que o habilitam a fornecer tais informações e que induzem o mesmo destinatário a nelas fazer fé, pois o cliente presume uma competência e organização, uma profissionalização específica, que os bancos objetivamente possuem (Agostinho Cardoso Guedes, «A Responsabilidade do Banco por informações à luz do art. 485 do Código Civil», Revista de Direito e Economia, Ano XIV, 1988, pp. 138 e 139)” (…) As modalidades de responsabilidade civil aqui em causa são a responsabilidade civil pré-contratual ou culpa in contrahendo (art. 227.º do CC), porque nos preliminares do contrato o Banco informou o autor que estava garantido o retorno, e a responsabilidade civil contratual porque o Banco violou o compromisso assumido no acordo feito com o cliente (garantia de restituição do capital e dos juros) e executou o contrato, violando os deveres de boa fé (art. 762.º do CC)”. Relativamente ao sujeito responsável pela indemnização em causa, são aqui plenamente aplicáveis os considerandos tecidos a propósito no Ac. do STJ de 10.01.2013 (Proc. N.º 89/10.4TVPRT.P1.S1, in www.dgsi.pt), onde se pode ler que “Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente, assumir em nome desse relacionamento contratual também o reembolso do capital investido”. Acresce que no caso vertente não é a entidade emitente quem dá a informação de capital garantido, mas antes o réu quem o faz nos termos provados. No que aqui importa pode ler-se ainda naquele aresto que “Além desta responsabilidade contratual nos termos descritos existe também responsabilidade extra-contratual por parte do banco réu, em consequência da violação dos deveres, não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304 do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de diligência, lealdade e transparência, como também da violação dos mais elementares deveres de informação a que aludem os art.s 7.º n.º 1 e 312.º, n.º1, ambos do CVM, fazendo, assim, incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 314.º, n.º1, do CVM, sendo certo também que o banco Réu não ilidiu a presunção legal de culpa do n.º2 do citado art. 314.º, constituindo-se por essa via também na obrigação de indemnizar os danos causado à autora”. Como também se decidiu no Ac. da R. de Coimbra de 9.10.2012 (Proc. N.º 1432/09.4T2AVR.C1, in www.dgsi.pt) “Se as informações prestadas por um banco são inexactas, incompletas ou falsas e foram causais da celebração de um acto ou contrato, então terá aquele de ser responsabilizado pelos danos que assim causa, quer por via contratual quer extra-contratual”. Relativamente ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade contratual decorrente do acordo de garantia do capital e de juros feito com o cliente, tem-se por verificada a ilicitude (atenta a violação do dever de informação e da garantia do capital e de juros) e a culpa (que se presume nos termos do art.º 799.º, n.º 1 do CC e 314º, n.º2 do CVM). Quanto ao nexo causal entre o facto e o dano, este não só se deve ter por abrangido pela presunção do art.º 799.º, n.º 1 do CC (como refere Menezes Cordeiro, in “Direito Bancário”, pág. 432), como se encontra amplamente provado. Como tem salientado a jurisprudência, atendendo ao disposto no art.º 563º do CC, o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação e o dano causado aos autores está demonstrado quando em face dos sobreditos factos podemos concluir que se os deveres de informação tivessem sido cumpridos, os autores não teriam investido naquelas aplicações (cfr. também neste sentido, Sinde Monteiro, in “Responsabilidade Por Conselhos e Recomendações ou Informações”, Almedina, 1999 a pag. 49). Com efeito, resulta com clareza que caso os deveres de informação tivessem sido devidamente cumpridos os autores não teriam realizado tal aplicação de capital e, assim, não teriam sofrido os riscos e prejuízos subsequentes. Não se pode, pois, acompanhar o réu quando alega que a causa da desvalorização (e assim do prejuízo) foi a nacionalização do réu (ou de forma ainda mais abrangente a crise financeira de 2008), pois o prejuízo dos autores decorre da informação enganosa prestada. Assim, a inobservância dos deveres de informação pelo banco réu na aquisição dos produtos financeiros em causa, torna-o responsável pelos prejuízos causados aos autores, nos termos do art.º 314.º, n.º1 do CVM. O valor do dano a ressarcir, como aliás peticionado, será o correspondente ao capital investido, que o réu assegurou aos autores que era garantido e sem risco, acrescido dos juros remuneratórios que foram garantidos pelo réu, durante o período de duração de cada uma das aplicações, descontando-se naturalmente os juros recebidos. Relativamente a estes últimos, e em face da factualidade provada, não temos forma de concluir pelo respectivo montante, a descontar ao demais acima referido. Impõe-se lançar mão do disposto no art.º 609º, n.º2 do CPC, na medida em que não há elementos para fixar, neste momento e com rigor, o exacto montante a satisfazer aos autores ….. (…) Ao exposto devem ainda acrescer, como peticionado, juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento. Por último, importa atentar na responsabilidade extracontratual reclamada pelos autores - danos não patrimoniais que alegam ter sofrido em função da conduta do réu. Está provado que com a sua actuação, o réu colocou os autores num permanente estado de preocupação e ansiedade, com o receio de não reaverem, ou de não saberem quando iam reaver o seu dinheiro e tem provocado nestes ansiedade e tristeza, pelo que os autores andam em permanente estado de “stress”, por recearem serem desapossados destas suas economias. Como vimos acima a responsabilidade do réu situa-se numa zona intermédia entre a responsabilidade contratual e a extracontratual. Por seu turno o artigo 314º do CVM não distingue quais os danos indemnizáveis, no sentido de os restringir aos patrimoniais. Dos factos provados resulta claro que os seus pressupostos, que se reconduzem aos vertidos no art.º 483º do CC, se encontram preenchidos, na medida em que o mesmo estabelece que “aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação” (estatuindo o art.º 70º, n.º 1 do mesmo diploma que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”). Consagra aquele primeiro preceito legal os vários pressupostos da obrigação de indemnizar imposta ao lesante, a saber: o facto voluntário do agente, que esse facto seja ilícito, que haja um nexo de imputação do facto ao lesante, que à violação do direito subjetivo sobrevenha um dano e que haja um nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 471). Sucede que os danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar os padecimentos derivados das lesões e a neutralizar a dor física e psíquica sofrida, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada (cfr. Ac. do STJ de 25.11.2009, Proc. N.º 397/03.0GEBNV.S1, in www.dgsi.pt). Quanto à fixação do montante indemnizatório pelos danos não patrimoniais, nos termos do artigo 496º do Código Civil, o Tribunal só deve atender àqueles que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito, devendo o tribunal, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo, atendendo ao grau de culpa do agente, à sua situação económica e do lesado e às demais circunstâncias do caso, fixar equitativamente tal indemnização. Não merecem tutela do direito os simples incómodos ou pequenos desgostos, pois apenas os danos morais cuja reparação se destina a compensar, embora indiretamente, os sofrimentos físicos, morais e desgostos e, que, por serem factos notórios, nem necessitam de alegação, merecem tal tutela. 10Vaz Serra (in RLJ, 105º e 108, pgs. 37 e ss. e 223 e ss.) A factualidade provada merece tal tutela. Por existir manifesta dificuldade na quantificação exacta da quantia indemnizatória, atento o cariz não patrimonial do dano, os arts. 496º nº 3 e 494º, ambos do Código Civil, preveem que a sua fixação seja feita de acordo com juízos de equidade, devendo atender-se, nessa tarefa, não só à extensão e gravidade dos danos, mas também ao grau de culpa do agente, à situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso. 11Mário Júlio de Almeida Costa (in “Direito das Obrigações”, Almedina, 9ª Ed., pág. 553 e 554) A este propósito, considera-se que o montante peticionado pelos demandantes se revela elevado tendo em atenção os critérios acima enunciados, tanto mais atendendo às condições económicas dos lesados (já não assim por reporte à do lesante), pelo que se reputa equitativamente justa, adequada e suficiente a fixação de uma indemnização no valor de € 5.000,00.” – fim de transcrição. Face à não alteração dos factos provados (e não provados) não existe censura a efectuar à bem estruturada fundamentação jurídica da sentença recorrida, que se mostra acertada. Na qual se trouxe à colação os normativos legais pertinentes (com a redacção à data dos factos), dos corpos de leis do CC, CVM, e RJICSF, e se fez a correcta interpretação e aplicação. Em que se citou a apropriada jurisprudência. E na qual se invocou adequadamente a doutrina nacional mais abalizada. Não podia, aliás, tomar-se, outra decisão, face ao que dimana dos factos provados 1. a 22., 24. a 28., 34., 35. e 40. O R. recorrente contesta tal fundamentação jurídica (cfr. as suas conclusões XXXVI a LXVIII), mas sem razão. Lendo com atenção a decisão recorrida, percebe-se passo a passo o raciocínio jurídico da mesma, que o isenta, pela sua clareza, de objecções de monta. - Na verdade, e indo ao núcleo da questão, o R. estava obrigado, pelo art. 7º, nº 1, do CVM, a prestar informação respeitante a instrumentos financeiros, de forma completa, verdadeira, actual, clara e objectiva e não o fez. - Estava obrigado a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes, e a observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de lealdade e transparência, o que não observou (art. 304º, nº 1 e 2, do CVM). - Tinha deveres de prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sobretudo perante um investidor não qualificado, e igualmente não os respeitou, nomeadamente as respeitantes a riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art. 312º, nº 1, a), do CVM - alínea e) actual - e nº 2). Adite-se, apenas, para melhor compreensão que todos estes princípios, derivados, obviamente, do princípio magno da boa fé, levaram a doutrina, como acima foi apontado, a defender a responsabilidade civil dos bancos, nomeadamente na veste de intermediários financeiros, quando desrespeitassem tais deveres gerais. E o legislador por esse caminho seguiu, densificando os conceitos mais gerais, através da introdução dos correspondentes normativos (como salientado na decisão recorrida), designadamente nos actuais arts. 312º, nº 1, d), e 312º-E, nº 1 e nº 2, a), a propósito da informação pormenorizada relativa a instrumentos financeiros, seu tipo, sua natureza e seus riscos, incluindo risco de perda da totalidade do investimento. Por conseguinte, e em conclusão, o recurso não pode proceder. 4. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): i) Quando as conclusões contenham um fundamento ou razão que não tenha sido exposta/desenvolvida nas alegações deve considerar-se não impugnada, nessa parte, a decisão recorrida, com a consequente impossibilidade de conhecimento, nesse segmento, do objecto do recurso; ii) Quando se impugna a matéria de facto, tem de observar-se os ditames do art. 640º, nº 1, a) a c), e nº 2, a), do NCPC, designadamente qual a decisão que no entender do recorrente devia ser proferida sobre os pontos de facto impugnados; a omissão desse ónus, imposto pelo nº 1, c), do referido artigo, implica a rejeição do recurso da decisão da matéria de facto; iii) No ordenamento jurídico nacional vigora o princípio da livre apreciação da prova pelo juiz, plasmado nos arts. 607º, nº 5, 1ª parte, e 663º, nº 2, do NCPC do NCPC, decidindo o Juiz segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; iv) Nesta apreciação livre há que ressalvar que o tribunal não pode desrespeitar as máximas da experiência, advindas da observação das coisas da vida, os princípios da lógica, ou as regras científicas; v) Embora a comercialização de produto financeiro com informação de ter capital garantido responsabilize em primeira linha a entidade emitente do produto, não significa que essa responsabilidade não se estenda também ao intermediário financeiro, se no relacionamento contratual que desenvolve com o cliente assumir também o reembolso do capital investido; vi) Provando-se que a gerência do Banco propôs aos AA uma aplicação financeira - a aquisição de obrigações da SLN - com garantia do capital investido a que os AA deram a sua anuência, por se tratar de um produto comercializado pelo B (...) (detido a 100% pela referida SLN) em tudo igual a um depósito a prazo, com capital garantido e rentabilidade assegurada, o Banco é responsável pelas obrigações assumidas no compromisso com o cliente: o reembolso do capital investido e os juros; vii) Além desta responsabilidade contratual, existe também responsabilidade pré-contratual por parte do Banco, em consequência da violação dos deveres não só do exercício da sua actividade de intermediário financeiro, nomeadamente os princípios orientadores consagrados no art. 304º, nº 1 e 2, do CVM, como sejam os ditames da boa fé, elevado padrão de lealdade e transparência, como também da violação dos deveres de informação a que aludem os arts. 7º, nº 1, e 312 nº 1, ambos do CVM, assim fazendo incorrer o banco réu na responsabilidade, a que alude o art. 314º, nº 1 do mesmo código, sendo certo, também, que o Banco não ilidiu a presunção legal de culpa do nº 2 do citado art. 314º (todos os indicados artigos na redacção anterior ao DL 357-A/2007, de 31.10), constituindo-se por essa via, igualmente, na obrigação de indemnizar os danos causado aos AA.
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, assim se confirmando a decisão recorrida. * Custas pelo R./recorrente. * Coimbra, 12.9.2017
Moreira do Carmo ( Relator )
Fonte Ramos
Maria João Areias
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