Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO DOCUMENTO AUTENTICADO VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO OBRIGAÇÃO COM PRAZO CERTO | ||
Data do Acordão: | 06/04/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 352.º; 358.º, 2; 364.º; 371.º, 1, 1.ª PARTE; 376.º, 377.º E 458.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 10.º, 5; 703.º, 1, B); 707.º; 724.º, 1, 1.ª PARTE E 4, A) E 726.º, 2, A), DO CPC | ||
Sumário: | 1. O título executivo apresenta-se como requisito essencial da ação executiva e há de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, i. é, documento suscetível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo. 2. À execução podem servir de base os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação (art.º 703º, n.º 1, al. b), do CPC) - a constituição da obrigação tem de resultar do próprio documento. 3. Estamos perante títulos executivos extrajudiciais privados que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, existente em face do título, vencida ou a vencer-se. 4. O momento em que a obrigação deve ser cumprida (a data em que a obrigação se vence, o momento a partir do qual a prestação pode ser exigida) pode ser fixado por convenção das partes ou por disposição legal. 5. Se a obrigação tiver prazo certo, decorrido este a execução é possível. | ||
Decisão Texto Integral: | Relator: Fonte Ramos Adjuntos: Moreira do Carmo Luís Cravo (…) * Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em 01.3.2024, A..., Lda., intentou a presente execução para pagamento de quantia certa contra B..., Lda. (1ª executada), e AA (2ª executada), alegando, em síntese: era proprietária de duas quotas da sociedade C..., Lda.; por contrato de cessão de quotas de 24.11.2022, cedeu à sociedade executada as quotas da sociedade C..., Lda., correspondentes a 20 % do capital social, pelo valor de € 2 000 000; a 1ª executada, com a assinatura do contrato, pagou o montante de € 400 000, por cheque, e obrigou-se a pagar à exequente o valor remanescente, em seis prestações anuais e sucessivas, cada uma no valor de € 266 666 com exceção da última, no valor de € 266 670, acrescidas de juros moratórios, vencendo-se a primeira a 31.12.2023; a 2ª executada constituiu um penhor mercantil sobre cada uma das suas participações sociais (de € 25 000 e € 750), tendo ainda prestado garanta na qualidade de fiadora das obrigações assumidas pela 1ª executada; esta, não pagou o valor devido à exequente, vencido a 31.12.2023; interpelou a 1ª executada para pagamento do valor devido, informando a 2ª executada do incumprimento, sendo o aludido contrato um título executivo nos termos do art.º 703º, n.º 1, al. b), do Código de Processo Civil (CPC). Juntou os respetivos documentos particulares autenticados - «documento particular que titula contrato de cessão de quotas, penhor mercantil e constituição de fiança» e «alteração ao contrato de cessão de quotas, penhor mercantil e constituição de fiança». Por despacho de 13.3.2024, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, concluindo pela «falta do título executivo», indeferiu liminarmente o requerimento executivo apresentado, nos termos dos 10º, n.º 5, e 726º, n.ºs 1 e 2, al. a), e 703º, n.º 1, al. b), a contrario, do CPC. Dizendo-se inconformada, a exequente apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - É manifesto que o título executivo oferecido pela exequente não consubstancia uma confissão de dívida, mas sim um contrato de cessão de quotas. 2ª - No âmbito dos títulos executivos, há que distinguir entre aquilo que é uma confissão de dívida do que é um documento constitutivo da obrigação. 3ª - O título executivo apresentado é o título constitutivo da obrigação. 4ª - Muito embora a obrigação tenha sido assumida aquando da celebração do contrato, a verdade é que as partes diferiram o pagamento do preço devido pela cessão de quotas em sete prestações. 5ª - A obrigação resultante do contrato dos autos é uma obrigação instantânea fracionada, porque corresponde a uma única obrigação, cujo objeto foi dividido em prestações, com vencimentos intervalados, em função de uma definição prévia do seu montante global, não interferindo o decurso do tempo na extensão da prestação, mas apenas no seu modo de realização, determinando o vencimento das diferentes prestações. 6ª - Com a assinatura do contrato foi imediatamente pago o montante de € 400 000. 7ª - O valor remanescente deveria ter sido pago nos termos das alíneas b) a f) do art.º 2º do contrato de cessão de quotas, sendo que a 2ª prestação se vencia a 31.12.2023. 8ª - A mora já se converteu em incumprimento definitivo, uma vez que, não obstante tenha sido fixado um prazo adicional para o executado cumprir a sua obrigação, este não efetuou o pagamento do montante que é devido ao credor. 9ª - Assim, dúvidas não restam que estamos perante uma obrigação exigível, uma vez que à data da propositura da execução já se encontravam vencidas todas as prestações, nos termos do art.º 781º do Código Civil (CC). 10ª - É manifesto que o título executivo prevê obrigações futuras, i. é, o pagamento de um conjunto de prestações. 11ª - O art.º 707º do CPC foi criado para situações em que, muito embora o contrato tenha sido celebrado, a sua efetivação depende de uma ação posterior por iniciativa de uma das partes. 12ª - O caso mais comum é, naturalmente, os contratos de crédito, em que, para além de ser necessário demonstrar que o contrato foi celebrado, é ainda necessário demonstrar que o crédito foi efetivamente utilizado. 13ª - O contrato de cessão de quotas (modalidade do contrato de compra e venda) escapa ao âmbito de aplicação do art.º 707º do CPC, uma vez que o preço é um elemento essencial do contrato. 14ª- Ainda que assim não fosse, a verdade é que do próprio título executivo resulta que parte das prestações a que as partes se obrigaram foram de imediato realizadas. Pede a revogação do despacho de indeferimento liminar. As executadas não foram citadas para os termos da execução, pelo que não se deu cumprimento ao disposto no art.º 641º, n.º 7, do CPC.[1] Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objeto do recurso, importa apreciar e decidir se o requerimento executivo devia ou não ser indeferido liminarmente. * II. 1. Para a decisão do recurso releva o que consta do relatório que antecede e o seguinte:[2] 1) Alegou-se no requerimento executivo, designadamente: a) A exequente era legítima proprietária e possuidora de duas quotas da sociedade C..., Lda., uma correspondente a 17 % do capital social, no valor nominal de € 8 500 e uma segunda correspondente a 3 %, no valor de € 1 500. b) A sociedade comercial C..., Lda., tem um capital social de € 50 000. c) Por Contrato de Cessão de Quotas, assinado a 24.11.2022, a exequente cedeu à executada B..., Lda., as suas quotas da sociedade C..., Lda., correspondente a 20 % do capital social[3] pelo montante de € 2 000 000 (Doc. n.º 1).[4] d) Quanto ao pagamento do preço pela cessão de quotas a efetuar pela 1ª executada à exequente, foi acordado: - Com a assinatura do contrato foi pago o montante de € 400 000. - O valor remanescente (€ 1 600 000) seria pago em seis prestações anuais, iguais e sucessivas, cada uma no valor de € 266 666 com exceção da última, no valor de € 266 670, cada uma acrescida de juros moratórios à taxa de 3 % ao ano, vencendo-se cada uma das referidas prestações nas datas discriminadas no «Contrato de Cessão de Quotas, Penhor Mercantil e Constituição de Fiança», vencendo-se a primeira prestação, no valor de € 266 666 acrescida de juros de mora à taxa de 3 %, no valor total de € 314 666, a 31.12.2023.[5] e) Como garante do cumprimento das obrigações da executada sociedade, a executada AA constituiu um penhor mercantil sobre cada uma das suas participações sociais da sociedade C..., Lda.. f) Deste modo, o penhor foi efetuado sobre a quota de € 25 000 pertencente à 2ª executada, e encontra-se registado, tendo a quantia garantida de € 2 000 000, conforme certidão permanente subscrita em 09-01-2024, válida até 09-01-2025 e disponível através do código de acesso: ...50. g) Foi ainda efetuado penhor sobre a quota de € 750 pertencente à 2ª executada, registado - mesma quantia garantida -, conforme certidão permanente com as mesmas datas de subscrição e validade (disponível - código de acesso: ...50). h) A 2ª executada prestou ainda garantia na qualidade de fiadora das obrigações assumidas pela 1ª executada; renunciou ao benefício da excussão prévia. i) No dia 14.3.2023, a exequente, as executadas e a D... Unipessoal Lda. (sócia da C..., Lda.), procederam a uma alteração ao «Contrato de Cessão de Quotas, Penhor Mercantil e Constituição de Fiança», designadamente ao Ponto II - Cessão De Quotas (Doc. n.º 2). j) Não obstante a 1ª prestação se tenha vencido a 31.12.2023, a 1ª executada não pagou o valor devido. k) No dia 30.01.2024, o mandatário da exequente interpelou-a para proceder ao pagamento do valor devido à exequente (Doc. 3). l) A exequente informou a 2ª executada do incumprimento da 1ª executada (Doc. 4). m) De acordo com o art.º 781º do CC, se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas. n) Permanece em dívida o valor de € 1 648 000, aludido em d), acrescido de juros de mora vencidos calculados à taxa de 3 % ao ano, desde o dia 01.01.2024. o) Acrescem juros de mora vincendos, custas, honorários de Agente de Execução e demais despesas judiciais. 2) No documento de 14.3.2023 introduziu-se a discriminação aludida em 1) a). 3) Fez-se constar da parte final dos mencionados documentos de 24.11.2022 e 14.3.2023: «Todos subscritores estão cientes de que devem solicitar à sociedade a promoção do registo comercial obrigatório dos atos ora titulados dentro do prazo de dois meses a contar da data da celebração deste contrato.»[6] 4) Dos Termos de Autenticação de 24.11.2022 fez-se constar que AA e BB, nas qualidades em que intervieram no contrato, declararam terem lido e assinado o documento referido em 1) c), que o corporiza, estando inteirados do seu conteúdo, e que o mesmo exprime as suas vontades (e das suas representadas). 5) Relativamente à dita alteração de 14.3.2023 foi efetuado “reconhecimento de assinatura com menções especiais presenciais”; idêntico Termo de Autenticação com a intervenção da 2ª executada realizou-se a 23.5.2023. 2. Cumpre apreciar e decidir. Toda a execução tem por base um título, que além de determinar o seu fim e, consequentemente, o seu tipo, estabelece os seus limites objetivos e subjetivos (art.º 10º, n.º 5, do CPC[7]). À execução apenas podem servir de base: a) As sentenças condenatórias; b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação; c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo; d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva (art.º 703º, n.º 1, sob a epígrafe “Espécies de títulos executivos”). No requerimento executivo, dirigido ao tribunal de execução, o exequente, expõe sucintamente os factos que fundamentam o pedido, quando não constem do título executivo (art.º 724º, n.º 1, alínea e), 1ª parte). O requerimento executivo deve ser acompanhado de cópia ou do original do título executivo, se o requerimento executivo for entregue por via eletrónica ou em papel, respetivamente (n.º 4, alínea a)). O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando, nomeadamente, seja manifesta a falta ou insuficiência do título (art.º 726º, n.º 2, alínea a)). Se alguém, por simples declaração unilateral, prometer uma prestação ou reconhecer uma dívida, sem indicação da respetiva causa, fica o credor dispensado de provar a relação fundamental, cuja existência se presume até prova em contrário (art.º 458º, n.º 1, do CC, sob a epígrafe “Promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida”). 3. O título executivo apresenta-se como requisito essencial da ação executiva e há de constituir instrumento probatório suficiente da obrigação exequenda, i. é, documento suscetível de, por si só, revelar, com um mínimo aceitável de segurança, a existência do crédito em que assenta o pedido exequendo; o título executivo ganha a relevância especial que a lei lhe atribui da circunstância de oferecer a segurança mínima reputada suficiente quanto à existência do direito de crédito que se pretende executar.[8] O título executivo é a base da execução: ´nulla executio sine titulo`. Promover uma execução sem título equivale a promover uma execução sem base. Dito doutra forma, tal documento constituirá prova do ato constitutivo da dívida na medida em que nos dá a relativa certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência da dívida (a existência da obrigação por ele constituída ou nele certificada), sem prejuízo de o processo executivo comportar certa possibilidade de o executado provar que apesar do título a dívida não existe (a obrigação nunca se constituiu ou foi extinta ou modificada posteriormente). 4. Meio probatório da relação obrigacional creditícia existente entre as partes, o título executivo avulta como condição necessária [sem título não pode ser instaurada ação executiva; se for instaurada, deve ser indeferida liminarmente; se o não for, pode ser objeto de oposição à execução], mas também suficiente da ação executiva, posto que apresente os requisitos externos de exequibilidade que a lei prevê. Verificados esses requisitos, por reconhecida se tem a exequibilidade, presumindo-se a existência do direito que o título corporiza (a obrigação exequenda tem de constar do título e a sua existência é por ele presumida/o título executivo constitui base da presunção da existência – e titularidade – da obrigação exequenda e não apenas da existência do facto que a constituiu), só suscetível de ser afastada pela prova da inexigibilidade ou inexistência do direito, a alegar e provar pelo executado em oposição à execução. Assim, a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da ação executiva (art.º 10º, n.º 5).[9] 5. Sintetizando: A ação executiva pressupõe a anterior definição dos elementos, subjetivos e objetivos, da relação jurídica de que é objeto. Tal definição está contida no título executivo, documento que constitui a base da execução. Munido do título executivo, “o credor não pode pedir mais do que aquilo que o título executivo lhe dá”.[10] 6. Os documentos autênticos e autenticados não constituem título executivo apenas quando formalizem o ato de constituição duma obrigação. Também o são quando deles conste o reconhecimento, pelo devedor, duma obrigação pré-existente: confissão do ato ou facto que a constituiu (art.ºs 352º, 358º, n.º 2 e 364º, do CC); reconhecimento de dívida (art.º 458º do CC). É o que expressamente consta do art.º 703º, n.º 1, alínea b), do CPC.[11] Estamos perante títulos executivos extrajudiciais privados que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação, existente em face do título, vencida ou a vencer-se. A obrigação tanto pode ser de pagamento de quantia certa, de entrega de coisa certa ou de prestação de facto, pressupondo-se que esses atos jurídicos sejam formalmente válidos. Para efeitos da previsão do art.º 703º, n.º 1, alínea b), um título executivo recognitivo apenas serve para executar as obrigações que reconhece.[12] 7. Diz-se vencimento o momento em que a obrigação deve ser cumprida.[13] 8. O Mm.º Juiz do Tribunal a quo concluiu pela manifesta falta do título executivo e que os documentos dados à execução não importarem «a constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação» (art.º 703º, n.º 1, alínea b)) - não se poderá concluir que as declarações neles representadas têm por objeto o facto constitutivo do direito de crédito ou são, elas próprias, este mesmo facto[15]. Fundamenta-o com as seguintes asserções: - Está-se apenas perante documentos dos quais ressaltam declarações contratuais: a exequente declarou ceder quotas que a si pertenciam e a sociedade executada declarou adquiri-las, por um determinado preço, obrigando-se a pagar tal preço. A co-executada declarou constituir-se fiadora da aludida obrigação, e declarou constituir penhores mercantis. - O documento que não titule uma obrigação, mas preveja apenas uma obrigação (futura) que ainda tenha de ser discutida, não pode ser título executivo. Se a Executada pagou ou não pagou o que era devido contratualmente, isso é para ser apurado em ação declarativa. O contrato em si não previa à data da sua outorga que a Executada já era devedora daquela quantia - implica um ato posterior porque a obrigação não se constituiu com o próprio documento dado à execução. - O que se convenciona é que se a quota for cedida, os pagamentos serão feitos de certa forma. - De tais documentos (nem no requerimento executivo é alegado) não provém qualquer declaração de confissão de dívida (com menção ou não da causa). - O título executivo define o fim e os limites da execução, devendo a obrigação exequenda estar consubstanciada no próprio título, daí que, por regra, seja irrelevante tudo o que o exequente alegue no requerimento executivo e que extravase o âmbito daquele. - Mesmo que houvesse a constituição ou reconhecimento das obrigações no âmbito da convenção dada à execução porque futuras, sempre estariam sujeitas à disciplina do art.º 707º; nada se documenta ou comprova conforme estatuído na 2ª parte deste normativo, pelo que, a manifesta falta de título executivo implicará necessariamente a impossibilidade do prosseguimento da execução. 9. A situação dos autos não é isenta de dificuldades. Os documentos dados à execução permitem concluir pela celebração de um contrato de cessão de quotas[16], contendo, pois, o correspondente acordo por que as partes ajustaram reciprocamente os seus interesses, dando-lhes uma regulamentação que a lei traduz em termos de efeitos jurídicos.[17] Questiona-se se o exarado ou previsto em tais documentos poderá servir de base à execução[18], se consubstancia título passível de ser subsumido à fattispecie da alínea b) do n.º 1 do art.º 703º. Pelo declarado nos documentos autenticados em causa, será de afirmar a perfeição do contrato de cessão de quotas celebrado entre as partes - as quotas foram cedidas, o contrato ficou perfeito; constitui-se a obrigação de pagamento da contraparte.[19] Paga uma primeira prestação no ato da celebração do contrato, a prestação seguinte vencia-se, e venceu-se, a 31.12.2023, momento em que a obrigação devia ser cumprida; as demais prestações relativas ao remanescente do preço venciam-se nos dias assinalados no mesmo contrato. 10. À data da instauração da execução já existia determinada importância cujo pagamento a exequente - munida, apenas, do documento particular autenticado dado à execução, complementado com a alegação de incumprimento feita constar do requerimento executivo - poderia desde logo exigir, sabendo-se que se a obrigação tiver prazo certo (como aqui sucede) decorrido este a execução é possível.[20] 11. Do exame dos documentos trazidos a juízo extraem-se elementos suficientes que nos dão a relativa certeza ou probabilidade julgada suficiente da existência da dívida (a existência da obrigação por eles constituída ou neles certificada) ou o grau de certeza (sobre a existência do direito) que o ordenamento jurídico entende exigível para a admissibilidade da ação executiva.[21] Estamos perante documentos autenticados por entidade com competência para tal, que constituíram e reconheceram uma obrigação. 12. Perspetivando que existe documentação particular de “confissão de dívida” autenticada, consideram-se plenamente provadas, nomeadamente, as declarações atribuídas aos seus autores (cf. art.ºs 371º, n.º 1, 1ª parte; 376º, n.º 1, 377º e 458º, n.º 1, do CC).[22] 13. Existe, pois, título válido e exequível (com a materialização ou corporização dum direito exequível), independentemente do (demais) acertamento (necessariamente baseado no título) que porventura venha a ter lugar em fase subsequente[23], após a citação dos executados para os termos da execução. 14. Conclui-se, assim, salvo o devido respeito por opinião em contrário, que não se deverá indeferir liminarmente o requerimento executivo. A execução deverá prosseguir. 15. Procedem, desta forma, as “conclusões” da alegação de recurso. * III. Pelo exposto, revoga-se a decisão recorrida e ordena-se o prosseguimento dos autos, se a tanto outra causa não obstar. Sem custas. * 04.6.2024
[4] É o seguinte o teor do art.º 1º do contrato de cessão de quotas celebrado entre as partes: «1- A Primeira Outorgante é legitima proprietária e possuidora das quotas cedidas e supra identificadas, que se encontram totalmente liberadas e livre de quaisquer ónus ou encargos e não sujeitas à presente data a qualquer litígio de natureza judicial. 2 - Pelo presente contrato a Primeira Outorgante vende à Segunda Outorgante as suas quotas correspondentes a 20 % do total do capital social da sociedade.» [6] Refere-se no corpo da alegação de recurso que “o registo da transmissão de quotas foi (...) efetuado de imediato”. [8] Vide J. Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 6ª edição, Coimbra Editora, 2014, págs. 45 e seguinte. Partindo da perspetiva de J. Lebre de Freitas, veja-se, ainda, por exemplo, o acórdão do STJ de 04.4.2024-processo 18679/21.8T8SNT-A.L1.S1 [com o sumário: «I. O acertamento é o ponto de partida da ação executiva, pois a realização coativa da prestação pressupõe a anterior definição dos elementos (subjetivos e objetivos) da relação jurídica de que ela é objeto. O título executivo contém esse acertamento; daí que se diga que constitui a base da execução, por ele se determinando “o fim e os limites da ação executiva”, isto é, o tipo de ação e o seu objeto. (...)»], publicado no “site” da dgsi. [10] Vide Marco Carvalho Gonçalves, Lições de Processo Civil Executivo, 2016, Almedina, pág. 48. [22] O preceituado no referido último art.º da lei civil substantiva envolve a inversão do ónus da prova da existência da relação fundamental[22] (que subjaz à promessa de cumprimento e reconhecimento de dívida), valendo nas relações estabelecidas entre o devedor e o credor originários (relações imediatas); cumprido pelo exequente o ónus de alegação da relação fundamental, é ao executado que cabe o ónus da prova da inexistência ou invalidade do negócio donde procede a dívida ou a que a prestação se reporta, da exceção de não cumprimento do contrato ou do exercício do direito de resolução. Sobre a matéria, vide, designadamente, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I., 3ª edição, Coimbra Editora, 1982, pág. 412 e, de entre vários, acórdãos do STJ de 22.01.2013-processo 376/08.1TBOFR-A.C1 e 27.5.2014-processo 780/13.3TBEPS.G1.S1, publicados no “site” da dgsi. |